Desespero.
Era nessas horas que se lembrava dos momentos que passou ao lado de Rubens. De como era gentil, atencioso. Nesses momentos se dava conta de ele era muito melhor do que mundo que o cercava. Não merecia ser morto tão cruelmente.
Nessas horas, se lembrava dos encontros combinados. Os códigos ensaiados para que pudessem se comunicar sem levantarem suspeitas. Os beijos, os abraços. As tardes em que se amavam e ficavam abraçados em uma choupana, situado em um lugar retirado. Das promessas de fugirem juntos. Da impossibilidade de fazer isso. Da insistência do jovem escravo para que largasse tudo e fosse embora dali com ele.
Mas era um sonho. A própria Rosália o advertia de que se assim o fizessem, seriam caçados como dois bichos e provavelmente mortos. Não teriam paz.
Rubens no entanto, insistia nisso. Queria viver com a amada. Queria ser seu marido. Queria que vivessem como um casal normal.
Infelizmente, tudo não passou de um sonho. Um sonho que tinha se tornado um pesadelo. Um sonho que fora belo enquanto fizera parte dos seus belos dias.
Agora que estava tomada pelo desespero, isso se tornou o seu mais terrível pesadelo.
Assim, durante noites, sonhou com a morte do jovem escravo. Durante noites, entre lágrimas e choro, chamou pelo seu nome.
-- Rubens, eu não pude fazer nada. Rubens, Rubens. Perdoe-me, por ser tão covarde. Rubens ...
Diante da notícia de sua morte, Rosália, já debilitada pelo parto recente, passou a sentir-se ainda mais fragilizada. Sentia que suas forças lhe escapavam. Não conseguia ficar muito tempo acordada.
Quando sua filha nasceu, sofrera muito para dar a luz. O parto foi muito mais complicado do que o de seus dois filhos. Durante o parto, perdeu muito sangue. Chegou até a pensar que fosse morrer.
Preocupadas, as escravas que ficaram cuidando do parto, advertiram o patrão, de que talvez Dona Rosália, não passasse daquela noite. Diante desse aviso, todos passaram a temer sua morte.
Conforme as horas iam se sucedendo, uma a uma, mais a sensação de desespero aumentava, pois Ataúfo, não queria perder a esposa.
Contudo, ao final da tarde, finalmente nasceu a pequenina Thereza. Quanto a Rosália, apesar de seu estado delicado, esta sobreviveu ao perigo da morte, comum naqueles tempos de parto em casa.
Resistiu ao sofrimento imposto, muito embora, tenha passado muito mal. Deveras. Durante semanas, ficou acamada, sem forças até para caminhar pelo quarto.
Entretanto, apesar dos últimos dias tormentosos, estava se recuperando do parto. Mas agora, depois da notícia da morte do escravo, sentia suas forças faltarem. Perdera a esperança de salvar a si da morte certa, pelo marido.
E infelizmente, pouco a pouco, começava a sentir que pouco poderia fazer por Thereza.
Seu marido, Ataúfo, dificilmente se compadeceria da criança. A mataria assim que pudesse. Talvez, por medo do escândalo, a poupasse por algum tempo. E era nisso que Rosália se pôs a acreditar.
Precisava acreditar em alguma coisa.
Nesses dias de noites mal dormidas, sonhos com o amante morto, passou a lembrar-se do dia de seu casamento.
Lembrou-se da cerimônia, da festa de noivado. Do arranjo para que se casassem.
Praticamente, desde que nascera estava prometida para Ataúfo. Assim, o enlace era algo certo. Não teria como se desvencilhar do compromisso. A menos que resolvesse se tornar freira.
Resignada, só restou-lhe o casamento. E casou-se durante a primavera de 1848.
Na cerimônia do casamento, estavam as pessoas mais ilustres das cercanias.
Lembrou-se de que morava no vilarejo. Numa bela casa construída por seu pai. Possuía escravos e uma dama de companhia.
Nesse instante, sentiu saudade dos tempos de solteira. Do tempo em que não precisava se preocupar em unir-se a ninguém. Quando podia passear pela cidade a hora que quisesse. Sentiu saudade de seu piano. Sim o piano que deixara na casa dos pais. Adorava passar as tardes tocando piano. Também adorava ler.
Lembrou-se de que sua mãe adorava ouvir suas histórias. Dona Irene, mãe de Rosália, sempre fora uma incentivadora das atividades intelectuais da filha. A despeito do esposo considerar isso tudo desnecessário.
Este, acreditava que tudo o que a filha precisava saber, a própria Irene poderia ensinar.
Preocupado, advertia a esposa de que muita instrução a filha poderia estragá-la. Poderia fazê-la se tornar desobediente.
Ao ouvir as imprecações do marido, Dona Irene não dava ouvidos, e continuava a incentivar a filha a continuar estudando. Não queria que filha ficasse igual a ela. Pobre e pouco instruída, não pôde fazer um bom casamento.
No entanto, apesar da origem do marido, o mesmo prosperou e no momento, era um homem de posses. Contudo, não possuía estirpe. Algo importante para a sociedade da época.
No entanto, com o passar do tempo, com dinheiro, comprou um título de barão, e por isso passou a ser nobre. Para que assim sua filha pudesse se casar com o filho de um dos mais ricos fazendeiros do local.
Durante os três primeiros anos de casado, viajou muito procurando amealhar dinheiro o bastante para se estabelecer. Tencionava abrir um comércio. No entanto, precisava de dinheiro para tal. Para isso, trabalhou arduamente. E finalmente, após alguns anos, finalmente conseguiu amealhar dinheiro suficiente para se estabelecer como comerciante na pequena vila onde morava.
A partir daí, passando a vender alimentos e outros víveres de primeira necessidade que os fazendeiros não produziam na região, começou a construir um belo patrimônio e assegurar o futuro de sua família.
Foi exatamente nessa época, quando começou a prosperar é que nasceu sua filha Rosália. E assim, diante das circunstâncias, é que conseguiu um bom partido para sua filha.
Assim, de acordo com os planos de seu pai, Rosália deveria casar-se bem. Para tanto, precisava se casar com alguém próspero.
Em virtude disso, Dona Irene, ao ser questionada pelo marido sobre a educação da filha, explicava-lhe sempre que o que de mais valioso Rosália poderia dar ao futuro marido, seria sua cultura e refinamento. Não queria que sua filha fosse humilhada por outras senhoritas de estirpe das cercanias.
Não queria que sua filha fosse rude como ela. Que repetisse sua história. Que começasse do zero como ela. Irene teve sorte em conseguir um marido pobre. Pobre mas ambicioso e audacioso. Nunca se esqueceria disso.
Contudo, sentia que a filha poderia arrumar um partido melhor. Até porque nem todas as mulheres tinham a sorte de encontrar um homem pobre, com vontade e talento para mudar a própria sorte e tirar do mundo, o melhor que ele tinha para oferecer.
No que, Seu Rafael, o pai de Rosália, sempre dizia:
-- Seu interesse desmedido em tornar nossa filha culta, vai ser o vai acabar por destruir os nossos planos de casá-la bem.
Mas Dona Irene não dava ouvidos ao marido.
E assim, sua filha continuou estudando para se tornar uma grande dama. Lia muito, tocava piano, e aprendia com a mãe, como ser uma boa dona de casa.
No último quesito, Dona Irene contudo, era rigorosa nos ensinamentos para a filha. Queria que Rosália fosse, além de uma grande dama, uma excelente dona de casa. Melhor do que a maioria das sinhazinhas da região.
E assim, ficou acertado. Com o passar dos anos, Valério e Rafael, ao tornarem-se amigos, perceberam que podiam unir as famílias. Desta forma Rosália se casaria com Ataúfo. Seria uma cerimônia luxuosa, na igreja do vilarejo. A família do rapaz se encarregara de organizar a festa, muito embora o pai da noiva tenha se oferecido para tanto.
E assim, o casamento se realizou.
Magnífico.
A noiva, vestida de branco, segundo os convidados, parecia uma princesa.
Encantado, o noivo a esperava no altar. Igualmente trajado de branco, estava impecável.
Para muitos, a cerimônia era uma das poucas oportunidades que tinham para sair de suas fazendas, e apreciarem uma festa. Naquelas paragens, pouca coisa acontecia. Assim, um casamento era sempre um acontecimento. Algo para ser comentado durante um longo tempo.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021
A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 4
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