Poesias

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 9

E assim procedeu.
Mesmo diante dos insistentes pedidos de Rodrigo para que não a castigasse, Ataúfo, não desistiu da idéia.
Estava decidido a puni-la. Não só por sua suposta fuga, mas também por todo o mal que Rosália e Rubens lhe infligiram. Queria se vingar dos dois em Thereza.
Por isso mesmo, não pensou duas vezes antes de dar a ordem para que no dia seguinte a amarrassem no tronco.
Rodrigo então, ao perceber que nada faria o fazendeiro mudar de idéia, ameaçou-o dizendo, que se assim procedesse, o mesmo nunca mais poria os pés naquela casa. No mesmo instante em que agredisse Thereza, estaria rompido qualquer compromisso do fazendeiro com ele.
Da mesma forma, Rodrigo não teria nenhuma obrigação com relação a fazenda ou a Ataúfo.
O fazendeiro, ao ouvir as ameaças do rapaz, perguntou:
-- Então achas que faço isso, por que sou ruim? Pois saiba você que eu tenho sérios motivos para assim proceder. Essa menina já me humilhou muito. Não posso mais admitir seus abusos.
-- Pois então diga. Que abusos são esses? O que é que eu preciso entender? Por que você que é sempre tão duro com os escravos, a trata pior do que a qualquer um deles. Me explique. Eu quero entender. – disse o rapaz, irritado com a conduta do fazendeiro.
-- Explicar. Eu é que tenho que explicar... E o que ela fez, não justifica um justo castigo?
-- Sim. Mas por que tem que ser o mais duro, o mais cruel? Não pode simplesmente dar-lhe mais trabalho, deixá-la sem ver os pais?
-- Rodrigo meu filho. Se eu deixar por isso mesmo, nenhum escravo mais vai me respeitar. Não posso fazer isso e você sabe.
-- Não sei de nada. Mas eu espero que até amanhã cedo, o senhor pense melhor e mude de idéia. – disse e retirou-se da sala.
Ataúfo então, ficou por alguns instantes, sozinho na sala.
Foi quando apareceu o feitor e seu filho Ricardo.
Estes, ao entrarem na sala, foram informados pelo fazendeiro que Thereza estava presa, isolada em uma das cabanas da fazenda.
Depois disso, o feitor recebeu ordens para preparar o tronco.
Surpreso descobriu que a mesma seria punida pela fuga que tentara empreender.
Nisso Ricardo que ouvira tudo atônito, tentou, assim como Rodrigo, convencer o pai a não castigar Thereza. Tudo em vão.
Ataúfo estava insensível ao apelo de quem quer fosse.
De forma alguma deixaria escapar a oportunidade de se vingar. Nem que para isso, perdesse Rodrigo, que não aceitaria nunca tamanha crueldade. Isso por que, assim como ela, o rapaz também era negro e sabia do sofrimento de sua raça. Afinal, apesar de viver há muitos anos no conforto, como se fora um branco, conhecia o valor do sofrimento, dada a infância de trabalho que tivera.
Mesmo assim, Ataúfo estava resoluto.
Tanto que logo que o dia começou a surgir, o tronco já estava preparado.
Thereza, ciente de seu castigo, não conseguira dormir. Estava nervosa demais. Além disso, para evitar qualquer movimentação na senzala, o fazendeiro mandou que a mesma ficasse em uma das cabanas que haviam na fazenda.
Assim, mais ou menos as oito horas, Thereza foi levada até o tronco e amarrada.
Para que servisse de exemplo, o fazendeiro ordenou que todos os escravos presenciassem o castigo.
Rodrigo, ao perceber que Ataúfo não mudaria de idéia, foi até o local onde todos estavam reunidos. Isso por que, munido de uma cega esperança, acreditava que no último momento o mesmo desistiria do castigo e pensaria em outra forma de puni-la.
Isso porque, apesar de tudo, não considerava Ataúfo, um homem cruel. Ao contrário. O fato de tê-lo criado, qualquer que fosse o motivo, para ele já era uma mostra de que o fazendeiro não era um homem ruim. Além disso, como todos os homens do lugar – dada a criação que tiveram –, não tinham como pensar de forma diferente, com relação aos escravos. A sociedade em que viviam era dura com os negros.
Para Rodrigo no entanto, cabia aos negros lutar contra as injustiças. Principalmente aos negros, que como ele, tiveram oportunidade de estudar.
E apesar de sua pouca idade, já que nesta época só tinha quatorze anos, o jovem já tinha perfeita consciência que, independente da profissão que seguisse, lutaria pelos negros.
E na cabeça de Rodrigo, não havia possibilidade de Ataúfo agir de forma tão cruel. Para o jovem, o fazendeiro era um homem bom.
Tão bom, que quando alguém o criticava, ele era o primeiro a defender seu tutor.
Mas a verdade é que ele não conhecia Ataúfo de verdade.
Rodrigo só tivera contato com o lado bom dele. Ao contrário dos demais negros que sabiam o quanto ele era ruim.
Mesmo assim o rapaz acreditava que no último momento ele desistiria do cruel intento.
Mas, infelizmente, para sua tristeza, o fazendeiro parecia determinado.
Tão determinado que até mesmo Thereza, num lampejo de coragem, perguntou:
-- Por que o senhor está me castigando? Eu não tentei fugir, eu só queria ficar sozinha. – falou ela, gritando.
-- Fale baixo, sua atrevida. Com quem pensa que está falando? – respondeu ele, agressivamente.
Mas Thereza resolveu enfrentá-lo.
-- Pensa que eu tenho medo de você? Pois está enganado. Eu sei que o senhor é um covarde, por isso matou minha mãe. Por acaso vocês foram amantes?
-- Cale a boca, sua maldita, ou eu começo a cortar suas costas com esse látego, imediatamente.
-- Pois então faça. Eu não me importo de morrer. – respondeu ela com desdém.
Nisso os escravos que a criaram, acorreram em seu encontro, na vã tentativa de fazerem Ataúfo desistir da coça.
Mas logo que ameaçaram se aproximar do local onde a moça estava amarrada, os peões da fazenda os detiveram.
Porém a mãe de criação de Thereza não se deu por vencida. Por um instante gritou para o fazendeiro:
-- Por favor. Perdoe ela. Ela não fez por mal.
Mas sua tentativa foi debalde.
O fazendeiro estava decidido a se vingar da traição que sofrera treze anos atrás. Foi então que preparou-se para dar a primeira chicotada nas costas de Thereza.
Porém, quando ía executar o gesto, foi impedido por Ricardo, que pela primeira vez, enfrentou seu pai. 
Mas foi ao segurar seu chicote que Ataúfo, tomado de um profundo ódio, o empurrou, jogando longe.
Nesse instante, Rodrigo, sem acreditar na tamanha crueldade do ato que estava presenciando, começou a falar:
-- Como pode? O homem que teve o desprendimento de pegar um negro para criar, e criou como se fosse da família, ignorar centenas de outros negros, que iguais aquele menino, também merecem uma oportunidade. Como pode ser isso? Como pode haver, tamanha contradição?
Ataúfo, ao ouvir as palavras de desespero de Rodrigo, respondeu na mesma hora:
-- Por acaso achas que gosto de fazer isso meu filho? A única pessoa que não tinha o direito de me criticar é você, meu filho. O filho que eu escolhi para continuar o meu trabalho. Para juntamente com seu irmão Diego, continuarem o trabalho que um dia foi de meu pai, passou para mim, e vai continuar com vocês.
Ao ouvirem isso, todos os negros, Ricardo, Diego, Rodrigo e Thereza, ficaram espantados. Afinal, o que estava acontecendo? Por que Ataúfo falava como se Rodrigo fora seu filho?
Foi então que Rodrigo, ainda espantado com as palavras de Ataúfo, perguntou:
-- Como? Diego é meu irmão? Então a explicação para tamanha generosidade se deve ao fato de eu ser teu filho?
Ataúfo, traído por suas próprias palavras, ao perceber o desalento nas palavras de Rodrigo, foi obrigado a admitir. Sim, ele trouxera Rodrigo para casa, por que este era seu filho, fruto de um relacionamento com uma escrava.
Os escravos que estavam em volta do pelourinho, ficaram surpresos.
Mesmo que a maioria deles desconfiasse que havia um forte motivo para que o fazendeiro criasse o garoto, nunca poderiam imaginar que este confessaria seu adultério na frente de todos eles.
Perplexos, mal sabiam o que pensar. Afinal, por este mesmo motivo infligira a sua jovem esposa, um tormentoso martírio.
Como pudera fazer isso, se ele mesmo já lhe fora infiel?
Os escravos então, começaram a cochichar entre si.
Ataúfo, ao perceber o olhar de reprovação em todos os negros, ordenou-lhes que ficassem em silêncio. Iracundo, não queria saber de falatório, e assim, ameaçou-lhes para que se calassem.
E os negros se calaram.
Mas o mal já havia sido feito.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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