Poesias

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 8

Isso por que, descobririam dentro em breve o que havia acontecido de tão grave em suas vidas.
E assim foi.
Um dia, apesar de uma aparente calmaria, Thereza percebeu ao voltar para a senzala, rumores de que algo definitivo estava para acontecer.
Contudo os escravos, temerosos, resolveram não dizer o que estava acontecendo. Não queriam que estranhos descobrissem o que estavam planejando. Por isso não ousaram revelar seus planos a ela.
No entanto, em questão de dias, após muito planejar e discutir depois do trabalho e longe dos olhares curiosos do feitor da fazenda, decidiram contar a ela sobre seus planos.
Desejosos de conhecerem novas formas de viver, estavam decididos a fugir dali.
Como Ataúfo era rude, cruel e desumano, não tinham motivos para permanecer ali.
Um dos escravos, revoltado que estava com sua situação, por um triz não cometeu uma inconfidência ao comentar que a pior ignomínia que o fazendeiro havia cometido, fora com ela.
Mas os demais escravos, tentando contornar a situação, disseram-lhe que ele estava falando demais, e assim o mesmo resolveu se calar.
Thereza no entanto, ao ouvir a história, insistiu para que eles lhe contassem:
-- Afinal. O que foi que aconteceu de tão grave? O que foi que Seu Ataúfo fez, para que eu seja sua principal vítima?
Foi então que um dos escravos, disse que a implicância de Ataúfo com ela, era inadmissível. Era intolerável.
Mas a resposta, não a convenceu.
E Thereza, já estava ficando cansada de ser enganada.
Por isso mesmo, ao ver seus pais se aproximando da senzala, fez questão de inquiri-los a esse respeito. Afinal, do que estavam falando?
Mas para desapontamento de Thereza a resposta do casal foi evasiva como sempre.
Tal fato a irritou profundamente. Por isso, aborrecida, resolveu voltar para a sede e nos últimos dias, passou a dormir por lá mesmo.
Dessa forma, poderia aproveitar para enquanto trabalhava, descobrir mais alguma coisa sobre seu passado.
Porém, de uma coisa já sabia, os escravos que a criaram, não eram seus verdadeiros pais. Isso por que, um dia, quando estava se dirigindo a cozinha para começar a trabalhar, ouviu uma conversa de duas escravas a respeito de sua provável origem. Sim, as duas diziam ser ela filha de uma desavergonhada.
Quem seria essa desavergonhada?
Pelo que as duas comentaram, devia se tratar de uma dama. Mas como ela, uma simples escrava poderia ser filha de uma dama?
Contudo, dado o mistério que todos faziam a respeito do assunto, sabia que havia algo de muito sério. Algo que talvez se relacionasse até, com a história de Rodrigo. Sim por que, nem mesmo ele conseguia compreender o gesto do fazendeiro em lhe acolher.
Thereza, no entanto, receosa de contar toda a verdade, não revelou ao amigo o que havia ouvido dias antes na cozinha.
Isso por que, ainda espantada com a notícia, não sabia o que fazer com a história. Atordoada, logo que ouviu os comentários maliciosos das escravas a respeito de sua possível mãe, ficou paralisada. Não sabia como agir. Por isso, logo que entrou na cozinha, resolveu se afastar das escravas e arrumar a casa.
Não comentou também que uma vez ouviu ele e Diego discutirem.
Mas Rodrigo, percebendo que Thereza estava estranha, desconfiou de que ela estava lhe ocultando algo.
Thereza ao notar a desconfiança desconversou dizendo que não era nada.
Rodrigo então fingiu acreditar na resposta.
Contudo voltando para a sala, sentou-se num dos bancos, e ficou pensativo.
Ensimesmado, Ricardo, ao ver-lhe tão introspectivo, indagou-lhe:
-- Em que você está pensando? Por acaso seria numa certa criada da casa?
-- Não. Não é nada não. – respondeu secamente.
-- Sei. Como se eu não te conhecesse. Até parece que você ajuda essa menina ...
-- Como é? Acaso eu dei lhe essa intimidade? Por que achas que sou seu amigo? Achas então que esta é uma forma de uma aproximar dela? – perguntou Rodrigo, desta vez aborrecido com Ricardo.
Ricardo por sua vez, ao ver o amigo tão aborrecido com sua impertinência, resolveu desculpar-se dizendo:
-- Me perdoe Rodrigo. Eu fiz a pergunta com a melhor das intenções. Eu não quis te aborrecer nem te faltar com o respeito. Eu só acho que as vezes você é reservado demais.
Silêncio.
-- Eu sei que nem sempre sou receptivo com as pessoas, mas você tem que entender que tenho direito a um pouco de solidão. Às vezes todos nós precisamos ficar sós.
-- Está certo. Então eu vou-me embora. – disse Ricardo, um tanto quanto desapontado.
Mas Rodrigo respondeu:
-- Não. Não é necessário. Podes ficar. Eu não me importo. Só te peço que não me faças mais este tipo de pergunta. Só isso.
No que Ricardo concordou. E assim, permaneceram durante longo tempo juntos.
Depois dizendo que precisava percorrer a fazenda, comentou que tinha trabalho a fazer.
Rodrigo porém, continuava cismado com o comportamento de Thereza.
Com isso, logo que terminou seus afazeres, tratou logo de se dirigir a cozinha, na tentativa de mais uma vez, conversar com Thereza.
Ao lá chegar, foi logo avisado que a moça estava na sala de jantar, servindo a família.
Rodrigo então, foi direto para a aludida sala. Passando pelo alpendre, ao entrar na casa depois de passar por cômodo, logo estava na sala de jantar.
Ao ver Thereza servindo a família e Ataúfo brigando com ela, dizendo que não tinha bons modos e que não sabia servir o jantar, Rodrigo fez questão de intervir e chamar a moça para um canto. Queria conversar.
Mas Ataúfo insistia para que ela lhe servisse o jantar.
Rodrigo então vendo que o fazendeiro só a queria manter na sala para humilhá-la, resolveu se impor e pediu para que a outra escrava que estava entrando na casa, servisse a família.
Assim, pegou Thereza pelo braço e a levou até o outro cômodo.
Ataúfo ao ver isso, disse ao moço que não era a hora para conversas e que não gostava nem um pouco quando este se ausentava da mesa, no horário das refeições.
Foi então que Rodrigo disse que era importante o que tinha que falar com a moça.
Mas Ataúfo não quis saber, exigiu que o mesmo permanecesse à mesa.
Com isso, a conversa iria ter de esperar.
Assim, depois de cearem, Rodrigo, temeroso de que Thereza estivesse o evitando, imediatamente foi procurá-la na cozinha.
Para sua satisfação, a moça, desta vez, não tinha ido para a senzala.
Por isso, logo que a viu tratou de avisá-la que tinham muito o que conversar.
Foi então que Thereza disse:
-- Pois então, que seja breve, por eu não tenho todo o tempo do mundo. Eu ainda tenho que ajudar a lavar, toda essa louça.
Nisso uma escrava que escutou a conversa ofereceu-se para fazer o trabalho. Assim, Thereza poderia conversar sossegadamente com Rodrigo.
Dessa forma, sem ter como fugir da conversa, Thereza acompanhou Rodrigo até um jardim que havia nos fundos da sede, para que ali pudessem conversar sem serem interrompidos.
Por isso, ao lá chegar, logo perguntou:
-- Eu pensei em tudo o que você me falou outro dia, e cheguei a uma conclusão. Você não me contou toda a verdade.
-- Contei sim. Eu contei tudo o que eu sabia.
-- Não contou não. Se tivesse me contado, não estaria me evitando como está fazendo agora. O que foi? Acaso perdeste a confiança em mim?
-- Mas é claro que não.
-- Então, conte-me. O que está havendo?
Nisso, sem ter alternativas, não lhe restou mais nenhuma desculpa. Precisava contar sobre suas dúvidas, e após muita insistência de Rodrigo, Thereza acabou lhe segredando ao ouvido, tudo o que descobrira, dias antes.
Rodrigo espantado, ao ouvir a amiga, revelou-lhe que sabia de mais alguma coisa.
Foi então que Thereza, curiosa, perguntou:
-- Mas, se você sabia, por que é que nunca me contou? Por que me deixou nesta agonia?
-- Sinto muito Thereza, mas como é que eu poderia saber? Como é que eu poderia imaginar que a história que eu ouvi poderia ser a sua história? Afinal, desde que a conheci, naqueles cafezais, eu nunca imaginei que você pudesse ter um passado tão tenebroso quanto este.
-- Está certo. Está bem. Nem eu mesma poderia imaginar que toda a minha vida pudesse ser uma mentira. Mesmo com as implicâncias de Seu Ataúfo, como eu podia imaginar que algo de errado havia acontecido em minha vida? Pra mim, ele é um louco, um homem cruel. Mas só.
-- E você acha que ele também está envolvido em sua história?
-- Mas é óbvio. Ou senão, por que as pessoas tem tanto medo de me contar a verdade? Por que todos tem ódio dele? Por que ele me odeia tanto? Sim, por que, nem mesmo as escravas que aqui estão há muito tempo, são tão maltratadas por ele quanto eu. Então é lógico que eu pense que ele tem alguma relação com tudo o que já aconteceu na minha vida, e o que me deixa mais desapontada, é o fato de você saber de tudo isso há tanto tempo e nunca haver me contado. – respondeu ela furiosa e já quase gritando.
-- Fale baixo... Escute, eu não tive a intenção de te enganar. Acredite-me, eu realmente não sabia que a menina das histórias que as escravas um dia me contaram, era você. Eu juro que se eu soubesse, eu teria te contado.
-- E então, vai me contar ou não? Ou será que eu vou ter que descobrir tudo sozinha? Por que não tenha dúvidas. Se você não me contar, pode ter certeza. Mesmo assim eu vou descobrir. Ainda que demore mais, mas eu descubro. – respondeu ela visivelmente irritada.
-- Acalme-se Thereza. Está bem? Eu vou te contar o que sei. Embora não seja muito, eu vou te contar. Só quero que me prometa que esse assunto vai ficar entre nós. Você não poderá comentar com ninguém o que ouvir. Está claro? Pelo menos enquanto não entendermos toda a história. Prometa-me.
-- Prometo.
-- Então está bem. Eu vou te contar o que sei.
E assim o rapaz lhe revelou que sabia da história da mulher casada que teve uma filha ilegítima e que por isso, ao ser descoberta, acabou morrendo de desespero.
No entanto, ao ser indagado sobre quem seria o homem capaz de tamanha atrocidade, não soube revelar se era o fazendeiro.
Mas Thereza imaginou quem fosse. E pior, imaginou que a história da mulher ter morrido de desespero, fosse uma mentira para ludibriá-la. Tanto que depois de ouvir parte da história, ficou tão atordoada que nem sequer se despediu de Rodrigo, saiu dali, correndo, desesperada, em direção a senzala.
Pronto, a moça estava indo se encontrar com os escravos que a criaram.
Mas nesse momento, Rodrigo se lembrou que este tempo, a mesma estava fechada. Não havia como entrar.
Assim, receoso, preocupado com a possibilidade de a moça fazer alguma besteira, tratou de chamar o pai, para este avisasse o feitor, para que a fosse procurar.
Contudo, visando evitar qualquer castigo contra Thereza, pediu a Ricardo que acompanhasse o feitor na busca.
Enquanto isso, ele e Ataúfo, cavalgariam em outra direção, na tentativa de encontrá-la.
E assim o fizeram.
Durante toda a madrugada procuraram pela moça.
Mas esta, prevenida de que alguém viria em seu encalço, fez todo o possível para se manter oculta o maior tempo possível.
Assim, cada vez que sentia alguém se aproximando, procurava se esconder.
Contudo, a certa altura, cansada demais para correr, acabou sendo encontrada por Ataúfo e Rodrigo.
Pronto. Não tinha mais como fugir.
Ataúfo, ao conseguir encontrá-la, ficou profundamente satisfeito.
Agora tinha um bom motivo para castigá-la.
Nem mesmo Rodrigo, extremamente generoso com a moça, poderia fazer nada para impedir.
Sim, agora finalmente poderia completar sua vingança. Depois de tantos anos tendo de aturar aquela bastarda – forma pela qual sempre se referia a ela quando estava sozinho –, finalmente seria presenteado com a possibilidade de puni-la.
Melhor, puni-la, por uma razão que ela mesma havia dado causa. Sim, por que, agora ninguém poderia acusá-lo de estar perseguindo e punindo-a sem motivo.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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