Manhã, maio de 1992.
Mais um dia começa na pacata cidade de Água Branca.
A esta altura, os alunos matriculados na escola municipal estão começando mais um dia de aula.
Todos os alunos da sétima série estão sentados em suas carteiras, exceto uma aluna, Raíssa.
Por esta razão, todos os alunos que sentavam próximos a sua carteira, começaram a comentar entre si:
-- Onde é que ela foi ? – perguntou Luís.
-- Eu não sei. – respondeu Cláudio.
-- Talvez ela tenha matado aula. – comentou Leocádio.
Neste momento, a professora ao se dar conta do burburinho em classe, caminhou em direção as carteiras dos alunos alvoroçados, e de surpresa, lhes dirigiu uma admoestação:
-- Belo exemplo que os senhores estão dando para o resto da classe.
Como os alunos estavam distraídos com a conversa, não tiveram tempo de notar a presença da professora, e por isso, todos se assustaram com a bronca. Para tentar consertar a situação disseram:
-- Desculpe professora.
No que ela retrucou:
-- Eu não quero desculpas. Quero que vocês prestem atenção na aula. Isso cai na prova.
Depois de adverti-los, a professora retornou para sua mesa, e dirigindo-se a lousa, continuou a aula.
Muito embora, a aula tenha continuado sem mais interrupções, aqueles alunos continuavam curiosos para saber onde teria se metido Raíssa.
Isso porque ela se comprometera com eles em estar presente naquela hora, pois após o término das demais aulas que ainda teriam a tarde pela frente, eles iriam se preparar para aprontar algumas brincadeiras com as beatas da cidade. Mas com a ausência da faltosa, como iriam preparar tudo? Logo ela, que era mestra em aprontar. Aprontava inclusive com eles próprios.
Em razão disso, um deles comentou:
-- A Raíssa, é a mó vacilona. – comentou Luís.
No que um deles concordou:
-- É mesmo. Combina tudo com a gente e depois fura desse jeito. – retrucou Cláudio.
Por sorte, a professora entretida em suas explicações sobre a geografia da Rússia e o regime político do socialismo, não percebeu a conversa dos alunos inquietos.
Por fim, bateu o sinal anunciando o término das aulas.
Esse barulhinho, que é emitido às dez para uma, é o prenúncio da libertação para muitos alunos, que consideram a escola, uma escravidão. É por esta razão que os alunos arrumam apressadamente seus pertencentes e saem tão ansiosos da sala de aula.
Infelizmente diante de tanta euforia pelo término de mais um dia letivo, tem-se a impressão de que os estudos são um martírio, quando não deveria o ser.
Mas enfim, as aulas acabaram por hoje, e agora é hora dos alunos irem para casa almoçar, e depois se distrair com alguma coisa.
No entanto, os três garotos, Luís, Cláudio e Leocádio, este último mais conhecido por Léo, saem da classe com outro intuito.
O que eles querem é encontrar Raíssa, para que ela lhes explique por que faltou ao compromisso.
Os três estão muito aborrecidos com ela, porque sem a sua presença, perderam a oportunidade de aprontar um pouco na cidade.
Caminhando em direção a suas casas, encontram Pedro, antigo colega de outra turma, com o qual agora os garotos tem pouco contato. Assim, para matar as saudades, os quatro conversam animadamente, trocam idéias e ficam sabendo das novidades um do outro.
Foi assim que descobriram que muita coisa mudou na vida de Pedro.
Que agora, ele ajuda em casa, pois seu pai falecera há pouco e que ele era a única pessoa que trabalhava na casa. Sendo assim, por ser o filho mais velho dentre três irmãos e sua mãe já estar trabalhando desde o final do ano passado, precisou também trabalhar, para colaborar na manutenção financeira da família. Com isso reduziram-se as possibilidades de algazarras na ruas, aprontar na cidade, provocar os outros garotos, etc. Agora, em tese, se tornara um garoto responsável.
Em razão disso, os três começaram a fazer brincadeiras com o amigo.
Fazendo insinuações sobre ser ele agora o novo chefe da família. Que ele teria que dar o exemplo para os irmãos menores. E tudo mais que um garoto responsável deve fazer.
Como a troça parecia que não ía acabar, Pedro tratou de se despedir dos amigos e ir embora. Tinha que ir trabalhar.
Os amigos simplesmente disseram:
-- Vai, vai. Vai ganhar o leitinho dos maninhos. Vai arrumar dinheiro para sustentar a família.
E caíram na risada.
Ao chegarem em casa trataram de almoçar, para depois, irem atrás de Raíssa, para conversar, conforme o combinado na hora da saída.
Terminaram o almoço e foram até a casa dela para conversar. Quem atendeu-os foi a madrasta rabugenta da garota, que não estava para conversa. De dentro da casa simplesmente disse:
-- Ela não está. Vão procurar ela em outro lugar, que aqui ela não tá.
Ao ouvirem as palavras ditas em tom ríspido, trataram de se retirar. Procurando por ela, passaram defronte a Igreja da Matriz e pararam na Praça que havia ali.
-- A Raíssa é uma tremenda de uma furona. – disse Luís.
-- É... vacilou feio. – disse Claúdio.
-- Calma, gente. Estou vendo ela ali, quem sabe ela tenha uma explicação. – comentou Leocádio.
Nisso, Raíssa, que caminhava tranqüilamente em frente a Praça da Matriz, avistando-os, se aproximou para conversar:
-- E ai, tchurma. Tudo bem?
-- Tudo bem nada. Onde você se meteu? – perguntou Luís.
-- Ficamos esperando por você na escola a manhã toda. – falou Cláudio.
-- Calma pessoal. Eu não fui a escola hoje porque minha madrasta descobriu o que nós fizemos no sábado, quando nós batemos boca com aquela turma da oitava série e depois zoamos as beatas do Padre Olavo. Ela não gostou nem um pouco e ficou me dando bronca por conta do acontecido. Pior é que, quando ela parou de falar, eu já estava super atrasada e sabia que se eu não entrasse a tempo na escola, o porteiro não iria me aliviar mais esta vez.
-- Ah, Raíssa, conta outra! A sua madrasta não ia te impedir de ir a escola. – disse Luís.
-- É, verdade. Eu estou te falando. Aquela lá é uma megera. Quando ela cisma com alguma coisa, ela não facilita para ninguém. Ela te chama as falas e pronto. Não adianta argumentar que com ela não tem argumento. Ela não vai nem um pouco com a minha cara.
-- Por que será? Né Raíssa? – disse Leocádio.
-- Vai ver ela é uma mala, que nem você. Seu chato. – retrucou Raíssa.
-- Ah... eu te ofendi, desculpe. Não foi minha intenção. – retorquiu Leocádio.
-- Vai se ferrar.
-- Pessoal. Não vamos brigar. – falou Luís.
-- É, não é pra tanto, também. – emendou Cláudio.
-- É que eu não gosto de ironia. Se eu não fui na escola, é porque não deu. – respondeu Raíssa.
-- Está certo. Não está mais aqui quem falou. Mas que essa história está estranha, está. Sua madrasta é chata pra caramba. Isso nós sabemos. Mas te atrapalhar desse jeito, eu acho que não. – insistiu Leocádio.
-- Então tá bom, Leocádio. Eu vou te convidar pra passar um fim de semana com ela. Que tal? Te garanto que em menos de seis horas, você vai querer sair de lá correndo. Tá certo?
Nisso Cláudio e Luís caíram na gargalhada imaginando como seria o idílico fim de semana com a madrasta de Raíssa, e disseram, quase em uníssono:
-- Ah... se ferrou.
Leocádio não gostou muito da brincadeira, mas como foi ele que começou a confusão, teve que aturar as gozações por muito tempo.
Por fim, depois de resolvida a questão quanto a personalidade da madrasta de Raíssa, os quatro combinaram então as travessuras do dia seguinte.
Enquanto combinavam os planos do dia seguinte, três beatas passaram pela praça e ao vê-los começaram a destratá-los. Chamando-os de moleques atentados e insinuando que eles estavam aprontando para estarem tão quietos conversando, as beatas começaram a provocá-los.
No que eles, que não eram santos, começaram a responder dizendo:
-- Saíam daqui seus urubus de igreja. – falou Luís.
-- Metam-se com suas vidas, futriqueiras. – Cláudio.
-- Sumam daqui suas cobras. – Leocádio.
--Vão para onde o diabo as queira levar. – Raíssa.
Nisso as beatas se benzeram e falaram:
-- Blasfemadores. Vocês vão se arrepender de tudo isso.
Disseram isso e se afastaram.
Estando a sós, os quatro começaram a rir. Até que Leocádio perguntou:
-- De onde você tirou isso?
-- Não sei. Foi a primeira coisa que veio a minha cabeça. – respondeu Raíssa.
E continuaram a rir.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021
A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 1
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