Traidora. Como pode fazer isso com ele? Justo ele que, sempre que podia, satisfazia os seus desejos. Sempre fora atencioso com os filhos. Nunca dera motivos para que ela se queixasse.
Magoado, só pensava em se vingar da esposa. Acabar com tudo e com todos os que haviam se envolvido naquela sórdida história.
Corina, pressentindo que poderia sofrer as conseqüências da traição da patroa, pediu ao patrão.
-- Perdoe, Seu Ataúfo. Eu não tive como recusar. Era minha família que estava de volta. Eu sentia muita saudade deles. Eu não tinha escolha. Me desculpe. – disse isso quase chorando.
-- Se aquiete escrava. Eu não vou fazer nada contra vosmecê. Vosmecê, é a menos culpada das criaturas nessa história imunda. Pode ir embora. Vosmecê já fez o que deveria ter feito há muito tempo. – respondeu ele penalizado com o desespero da escrava.
-- Obrigada, sinhô.
-- Só tem um detalhe ... De hoje em diante, vosmecê não põe mais os pés na casa grande. Vosmecê vai para a senzala enquanto eu penso no que vou fazer.
Desesperada, Corina ajoelhou-se e implorou.
-- Por favor sinhô. Eu não tive culpa. Não me castigue, por favor. Me deixe ir embora com minha família. Eu prometo que nunca mais volto para incomodar o sinhô, patrão.
-- Vou pensar. Mas agora, vá embora daqui. Vá embora daqui antes que eu me arrependa.
Nisso a escrava se levantou e saiu.
Decepcionado, agora se dera conta de que estava sendo traído há muito tempo. E com quem menos esperava. Um dos seus escravos de confiança havia levianamente o traído.
Seus olhos cintilavam de raiva. Precisava matar o infeliz que desgraçara sua família.
No entanto, precisava cuidar para que a história não virasse um escândalo. Não queria ser desmoralizado. Se isso acontecesse, teria de sair da região. Teria que viver em outro lugar. Ele, um homem de posses, nascido naquele lugar. Naquela fazenda, que fora presente de casamento por seu pai.
Deste momento em diante passara a cuidar da propriedade. Comandava o trabalho dos escravos, dava continuidade ao trabalho de uma vida inteira de seu pai.
Naquela fazenda, investira os melhores anos de sua vida. Dedicado, lutou muito para que tudo progredisse. Queria suplantar o trabalho do pai, e assim o fez. A fazenda, desde que passou para suas mãos triplicou. Possuía um alto índice de produtividade e não queria abrir mão de tudo por conta de um problema familiar.
Não podia abrir mão de tudo o que lutou para construir.
Por isso, precisava encontrar a melhor forma de acabar com o casal traidor.
Atormentado com a idéia, passou a dormir no quarto de hóspedes, enquanto a esposa, convalescente, permanecia em seu leito conjugal.
Não desejava estar perto dela. Sabia que se se aproximasse novamente da esposa infiel, a mataria.
Não. Não agora.
Precisava planejar tudo. Não queria um escândalo na família. Não agora que a fazenda progredia a olhos vistos. Muito embora estivesse tomado pela raiva, precisava ser cauteloso.
E assim o fez.
Numa emboscada preparada por seu feitor, capturaram o escravo e o aprisionaram em um lugar distante da fazenda.
Lá, pelas próprias mãos de Seu Ataúfo, foi torturado até confessar a traição. Disse que sempre admirou Dona Rosália. Que ela era uma grande mulher. Merecia ser tratada com todo o respeito e consideração.
Ao proferir essas palavras, passou a ser esbofeteado pelo patrão.
No entanto, este, mesmo sendo agredido, não deixou de defender Rosália. Dizia que ela não tivera culpa. O sentimento dos dois foi maior do que tudo. Do que a prudência, o bom senso.
Tais palavras no entanto, só serviram para atiçar ainda mais a ira de Ataúfo.
Assim, tomado de um profundo ódio, passou a agredi-lo com maior violência. Alertou-lhe de que se arrependeria de tudo o que fizera. Que não devia ter traído o patrão dele.
E continuou a bater-lhe. Até que o escravo exausto que estava, desfaleceu.
Ferido, estava extremamente machucado. Não, possuía forças para reagir. Assim em decorrência disso, contundido, e sem alimentação, em pouco mais de três dias morreu. Antes de morrer, só sabia dizer o nome de Rosália.
– Rosália, Rosália, Rosália. Me perdoe, eu não pude fazer nada.– disse com a voz bastante enfraquecida. -- Rosália, Rosá ...
Proferiu estas palavras e morreu.
Morreu e foi enterrado, ali próximo do local onde estivera preso. Sem nem ao menos uma indicação de que lá fora enterrado.
Quanto Rosália soube do ocorrido, ficou desesperada. Começou a gritar. Chamou o marido de assassino e chorou compulsivamente.
Ataúfo, ao ver o desespero da mulher. Indagou-lhe:
-- Como tens coragem de chorar a morte dele, na minha frente?
Mas, chocada que estava com a notícia da morte de Rubens, não conseguia falar. Só conseguia chorar. Compungida com a tragédia, não conseguia pensar em mais nada.
Nesse instante, Ataúfo disse-lhe:
-- Vejo que aquele escravo era mais importante para você, do que sua própria filha.
Ao dar-se conta de que sua filha corria perigo, perguntou:
-- O que vosmecê pretende fazer com Thereza?
-- Não sei ainda. Mas vosmecê, Dona Rosália, saberá, asseguro-te.
-- Ataúfo, por favor. Não mate a menina. Mate a mim. Eu sou a traidora. – disse entre lágrimas.
-- Agora vosmecê se lembra de que tem uma filha. Curioso!
-- Por favor. Poupe-a.
Nisso, retirou-se do quarto onde estava a esposa, deixando-a só. Apavorada, só fazia gritar e implorar o perdão do marido, que não se comoveu nem um pouco com o seu desespero.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021
A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 3
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário