Com isso, ao término da transmissão , Clarissa mais uma vez, desligou o rádio.
Mas qual não foi sua surpresa ao descobrir nas mãos da tia, um jornal intitulado ‘Revolução Fabril: A Voz do Operário’.
Raquel, ao levar para casa uma edição do jornal, foi logo perguntando a sobrinha, se ela sabia quem estava envolvido com a produção do jornal.
Clarissa desconversou. Porém, pensou: Como ela poderia saber?
Mas sua tia não estava convencida. Por isso, procurando avisar a garota, comentou:
-- Clarissa, pelo amor de Deus, não se meta com essa gente. Você vai acabar arrumando confusão para sua vida. Esse jornal mesmo, está circulando por toda a cidade. Umas vizinhas aqui do cortiço até comentaram que na tecelagem onde você trabalha, mandaram apurar quem teria sido o responsável pela publicação do jornal.
Clarissa ao ouvir as palavras de sua tia, deu de ombros.
Sim, as partes começavam a se manifestar.
Assim se denota, dada a dimensão dos fatos, que o jornal já estava cumprindo com sua finalidade.
E para espanto de todos, de maneira muito mais eficiente do que esperavam.
Na cidade inteira não se falava em outra coisa.
Assim que amanheceu e todos os moradores encontraram o jornal em suas portas, trataram de lê-los.
Os textos contudo, faziam uma dura crítica ao sistema capitalista. Isso em uma época de ditadura e de perseguição política.
Nesse período, muitas lideranças sindicais já haviam sido deportadas.
Mas Bruno, Clarissa, e os demais participantes do movimento de luta operária, estavam convencidos de que já era hora de perderem o medo e continuarem a lutar.
Por isso, irmanados nesse objetivo, resolveram criar um jornal, que representaria a voz de todos os excluídos e discriminados.
Dessarte, para a alegria deles, ao distribuírem o jornal nas portas das casas, possibilitaram que outras pessoas tomassem conhecimento da luta.
E mais, dada a ousadia dos militantes, não se falava em outra coisa por quase toda a cidade.
Era impressionante. Muito embora a grande maioria dos leitores tivessem concordado com a abordagem crítica dos assuntos, uma pequena, mas representativa minoria discordou profundamente de tudo o que fora escrito.
Assim, os empresários, ao se depararem com o jornal, numa tentativa de tentar contornar a situação, passaram a telefonar uns para os outros, com o intuito de se reunirem e conversarem sobre as primeiras medidas a serem tomadas.
Por isso, ao combinarem o local onde iriam conversar e horário da reunião, todos se apressaram. Precisavam chegar em tempo ao local.
Quando chegaram ao lugar da reunião, a casa de um deles, que por ser mais ampla, era o local ideal para isso, foram logo recepcionados pelos criados e encaminhados para o escritório. Lá por ter uma ampla sala, destinada a reuniões, poderiam conversar sossegadamente.
E foi isso que fizeram.
Discutindo muito sobre o assunto e as medidas que poderiam tomar, chegaram a conclusão que o aludido jornal tinha que ser fechado o mais depressa possível.
Afinal de contas, se esse movimento crescesse, prejudicaria os negócios de todos eles. Isso por que, no caminho do jornal viriam os conflitos, nos quais os operários passariam a medir forças com eles. Por isso, precisavam evitar que o movimento ganhasse força. Precisavam descobrir onde os redatores do jornal se encontravam e, juntamente com a ajuda da polícia, prender todos os responsáveis por aquele acinte.
Precavidos e intransigentes, não podiam deixar que a situação lhes escapasse do controle.
Indignados, mas não entorpecidos pela raiva, tiveram o cuidado de ler mais uma vez as matérias.
Tudo isso para tentarem descobrir algum possível indício que os levassem até o responsável pela publicação daquelas matérias.
Um deles, de tão exaltado que estava, pegou o jornal com as matérias, e começou a ler uma referente a história do trabalho. Intitulada ‘O Opróbrio dos Povos Humildes’, relatava o seguinte:
A história do trabalho começa com muita vergonha e abjeção. Isso por que, a primeira forma de trabalho, se deu com a escravidão. Ou seja, o homem passou a ser explorado por outro homem. Por um seu igual.
Além disso, por dívidas, muitos homens foram compelidos a essa indigna condição, como forma de pagarem por suas dívidas. Como conseqüência, muitos deles eram mutilados, seviciados e até mortos, para solverem seus débitos.
Uma verdadeira indignidade como se pode perceber.
Na Grécia por exemplo, havia os escravos, os servos e os homens livres. Por ser o trabalho considerado algo menor nessa cultura magnífica, somente os escravos e os homens de origem humilde eram a verdadeira força de trabalho do lugar.
Já os homens livres e bem nascidos, estes participavam das discussões políticas na Ágora. Para eles, somente os homens em boa condição poderiam participar dessas discussões. Ninguém mais. O ócio era um fator muito valorizado na Grécia, ao contrário do trabalho, que era um fardo.
Portanto os negociantes, assim denominados em razão de abrirem mão do ócio, eram tratados com desprezo.
Contudo, quando os romanos, na sua ânsia por ampliar seus horizontes, invadiram a Grécia, os gregos foram logo reduzidos a condição de escravos.
No entanto, os mais escolarizados, se tornaram professores, filósofos e conselheiros. Estes escravos com seu trabalho, ajudaram Roma, a se fortalecer culturalmente.
Algum tempo após, a escravidão passou a ser um meio de subsistência. Como se tratava de um negócio muito lucrativo, imperou em muitas culturas. Também, com a facilidade de se adquirir escravos e dado o fato de que não recebiam salário, não tinham muitas despesas com estes.
Outra indignidade!
Como roupa, só tinham o suficiente para não ficarem nus e como alimento, somente o necessário para sobreviverem. No mais, viviam em péssimas condições.
Na Idade Média, imperou o regime da servidão. Mais este era tão ou mais indigno que a escravidão.
Isso por que, os servos eram tão explorados quanto os escravos. Embora recebessem do senhor feudal um pedaço de terra para cultivar, boa parte do tempo, empregavam, cuidando das terras do próprio senhor feudal.
Contudo, apesar de servos, quando a propriedade era vendida, os mesmos iam junto com a terra, como acessórios.
Depois de um certo período, o regime de servidão entrou em declínio.
Em seu lugar surgiram as Corporações de Ofício, onde artesãos e outros profissionais se reuniram. Os mestres eram donos das oficinas e únicos autorizados a explorar determinada atividade comercial. Além disso, eram os mestres que dirigiam estas, como forma de defender os interesses da classe.
No entanto, apesar desta organização de trabalho, para o companheiro, – subordinado ao mestre – conseguir chegar ao grau de mestre, era necessário realizar uma obra mestra. Tal obra, de alto grau de dificuldade, eram o que lhe possibilitava ascender profissionalmente. Contudo, tal obra, para ser aprovada, necessitava do aval dos mestres integrantes da Corporação, o que era deveras difícil de se conseguir.
Portanto essa possibilidade era remota. Até por que, o objetivo maior das Corporações era assegurar o mercado de trabalho para os mestres e seus herdeiros. Ou seja, para seus dirigentes.
Bem se vê com isso, que o trabalho desde sempre, era colocado de lado, como se fora um mero detalhe na relação trabalhista.
Entrementes, após um certo tempo, dada a rigidez da estrutura dessas Corporações, as mesmas acabaram se estagnando.
Foi nesse período que surgiu a classe dos burgueses. O burgueses eram pequenos comerciantes, que embora bem sucedidos financeiramente, estavam afastados do poder e que ansiavam por esta possibilidade.
Nesse momento, surge a doutrina liberal, a qual Adam Smith, formulou seu embasamento acadêmico. Por meio desta escola, o Estado deveria deixar de intervir nos assuntos de natureza econômica, autorizando os particulares a agirem livremente.
Com isso, surge a Revolução Francesa e o Iluminismo. E entre os envolvidos na luta contra o absolutismo, estava Jean Paul Marat, que defendia ferrenhamente, o retorno das Corporações de Ofício, como forma de assegurar um mercado de trabalho, manter o nível de aprendizagem profissional e a dignidade dos trabalhadores.
Nos séculos XVIII e XIX, com o avanço tecnológico, dá-se início a Revolução Industrial. Surgindo inicialmente na Inglaterra, se espalhou por vários países.
Transformando as oficinas de artesãos em fábricas, passaram então a produzir produtos em larga escala.
Foi a partir daí que surgiu um dos períodos mais sombrios da história do trabalho.
Isso por que, num primeiro momento, a utilização de máquinas em lugar do trabalho humano, causou desemprego e revolta. Depois, com o rápido surgimento das indústrias, a mão-de-obra trabalhadora foi sendo novamente absorvida, mas, a despeito da evolução tecnológica, em condições extremamente adversas para o trabalhador.
Assim, sendo grande a oferta de mão-de-obra e não havendo qualquer controle estatal, os salários foram sendo fixados em níveis cada vez mais baixos, enquanto a jornada de trabalho era ampliada para além dos limites de resistência física.
Por economia, utilizavam-se do trabalho de crianças, que eram submetidas a jornadas de trabalho extenuantes. Nesse tempo, havia a jornada de sol a sol, na qual, o trabalho perdurava até quando houvesse luz.
Além disso, muitos empregadores espancavam seus empregados por qualquer deslize.
Em suas memórias, Robert Blincoe, nos conta, que teve seu couro cabeludo infectado de tanto sofrer contusões nesta região.
Mas, para horror de todos, quão pior não foi o tratamento ao qual foi submetido. Como forma de tratá-lo, derramaram piche quente derretido sobre seu crânio. Quando o piche esfriou, formando uma placa, foi arrancado, levando junto, todos os cabelos.
Ademais, relata-se o caso de um adolescente que aos 15 anos, deformado, que tinha apenas um 1,14 m de altura. Isso em razão de seu trabalho, por ter de trabalhar de 15 horas por dia em uma indústria têxtil com os joelhos dobrados.
Para piorar ainda mais a situação, os salários eram aviltantes, assim como hoje. Assim, os trabalhadores não tinham direito as condições dignas de existência.
Nesse contexto, assim como nos dias atuais, muitos consideravam a pobreza, como a vontade de Deus.
Mas em meio a toda essa injustiça social, surgem as idéias socialistas de Robert Owen (1771-1858), de Charles Fourier (1772-1837) e de Karl Marx (1818-1883).
Para Owen, deveria haver comunidades industriais, com melhores condições para os trabalhadores. Fourier todavia, idealizou os falanstérios, os quais seriam comunidades inteiramente livres, onde todas as atividades, inclusive o amor, se desenvolveriam naturalmente, conforme as inclinações individuais de cada elemento. Desta maneira, desapareceriam as diferenças entre o trabalho e o prazer.
Mas Owen e Fourier, esgotaram suas fortunas tentando implantar as tais comunidades ideais, sem contudo, lograrem êxito em seu intento.
Marx então, imaginou uma república de operários, com a extinção de todas as outras classes e o Estado, o qual perderia sua função. Este foi o ponto crucial para inspirar a realização da Revolução Socialista Soviética de 1917.
Ao mesmo tempo, enquanto despontavam as teorias sociais, surgiram os movimentos sindicais operários, com muitas mortes.
A Igreja então, despertando para os movimentos sociais, editou as encíclicas papais Rerum Novarum, Quadragesimo Anno, Divini Redemptoris e Mater et Magistra.
Com isso, o Estado, também vai abandonando lentamente a doutrina do não intervencionismo e passa a promulgar as primeiras leis de proteção ao trabalho. Assim, é criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919.
Mas ao que parece, apesar das inúmeras conquistas internacionais, o nosso país continua a sofrer com a exploração no trabalho.
Jornadas de trabalho extenuantes, exploração do trabalho infantil, baixa remuneração, desvalorização do trabalhador. Até quando teremos que suportar isso?
O Brasil não precisa fazer parte desse histórico. Precisamos que sejam assegurados os direitos dos trabalhadores.
Será que os empresários não percebem que com boas condições de trabalho, os operários trabalharão mais motivados?
Este é um ponto para ser pensado.
Depois de terminar de ler a matéria, um dos empresários exclamou exaltado:
-- Estão querendo nos derrubar. Isto é um acinte. Esses baderneiros não podem continuar a fazer galhofa conosco. Precisamos nos mobilizar contra essa pilhéria. Não podemos admitir esse tipo de situação.
-- Realmente. Isto é um acinte sim. Mas o que podemos fazer? – perguntou outro, preocupado com a possibilidade de que o jornal, causasse problemas para eles.
-- Precisamos descobrir quem foi o responsável por isto.
E assim, passaram horas discutindo.
Enquanto isso na cidade, não se falava em outra coisa que não fosse no aludido jornal. Desde as pessoas mais simples, até os empresários – como já mostrado –, todos se admiraram com a audácia dos envolvidos.
O mais impressionante é que praticamente toda a cidade havia recebido o jornal.
Na rádio já se ouvia falar no citado jornal.
Parecia o assunto do momento.
De tão comentado, nos dias seguintes, um dos principais jornais de São Paulo, comentou sobre o aparecimento de jornais apócrifos. Mas a matéria em si, não esclarecia a finalidade do jornal. Pelo contrário, só ajudava os interesses dos empresários.
Clarissa ao ler a matéria, ficou profundamente irritada, com o rumo que os acontecimentos vinham tomando. Não podia acreditar que todo o trabalho que tiveram, não adiantara de nada.
Aborrecida, na reunião que se deu após os fatos supra narrados, a moça fez questão de comentar que o efeito fora reverso.
Mas Bruno, ao contrário de Clarissa, estava satisfeito com a reação causada pela divulgação do jornal. Afinal, a cidade estava em polvorosa. Em muitas conversas não se falava em outra coisa. E também, não seria na primeira aparição, que o jornal atingiria sua finalidade.
Além disso, o próprio Bruno comentou, que conversando com algumas pessoas, as mesmas demonstraram legítimo interesse em também participar das reuniões.
Clarissa, no entanto, pediu a Bruno que averigüasse quem eram tais pessoas, pois, dada a repercussão do jornal, poderiam ser pessoas ligadas aos interesses dos empresários.
Para ela, todo o cuidado era pouco.
Foi então que Bruno comentou:
-- Mas como poderiam ser pessoas infiltradas, se pareciam tão humildes?
-- Simples. Pois saiba que é muito mais fácil uma pessoa instruída se passar por uma pessoa simples, do que o contrário. Quem garante o empresariado não está tomando medidas para tentar nos apanhar?
-- Você tem razão, Clarissa. Muito embora em meio ao meu entusiasmo eu não tivesse pensado nisso, você está certa. Temos que tomar cuidado. Não podemos nos descuidar. Além disso, dentro da fábrica, quem tiver interesse em aderir ao nosso movimento sabe muito bem como fazer para chegar até a gente.
Nesse momento Clarissa comentou que precisavam sumir por alguns tempos. Isto é, deveriam mudar o local onde se reuniam, para que não fosse descobertos. Até por que, se seus colegas soubessem onde eram realizados os encontros, facilmente poderiam delatá-los.
Daí, para serem pegos seria só um passo.
Por isso, precisavam agir.
Bruno então, com a ajuda de todos militantes, começou a arrumar os objetos que estavam no velho galpão.
Em seguida, para que não levantassem suspeitas da vizinhança, combinaram de retirar os objetos de dentro do galpão, logo que a noite caísse.
E assim o fizeram.
Depois de algumas horas, lá foram eles rua afora, carregando o maquinário necessário para a confecção do jornal e levando-o para outro lugar.
Nesse trabalho de formigas, passaram toda a noite.
Mas enfim, conseguiram transportar tudo o que precisavam para um lugar mais seguro.
O sol já estava surgindo no horizonte, quando finalmente terminaram a mudança.
Enfim, já podiam descansar um pouco.
Contudo, ainda não estavam totalmente seguros.
Isso por que, apesar de estarem temporariamente longe das vistas de qualquer interessado em denunciá-los, precisavam tomar cuidado.
Tudo por que apesar de o novo local de reuniões distar um pouco do antigo galpão, a polícia, no encalço dos responsáveis pela publicação do jornal, poderia facilmente chegar até eles.
Assim, como medida de segurança, decidiram então, temporariamente, deixar de lado os encontros e as reuniões. Isso por que, precisavam despistar os empresários e assim os desarticular.
Ou agiam assim, o iriam destruir o movimento que mal haviam começado. E assim, durante algum tempo, cessaram-se as reuniões.
Dito e feito.
Em menos de três dias após terem empreendido a mudança, policiais invadiram o velho galpão, na vã esperança de encontrarem as principais lideranças do novo movimento operário que se iniciava.
Mas como se pode perceber, não lograram êxito.
Desta vez, os militantes do movimento agiram depressa. Mas nem sempre seria assim.
Todavia isso é assunto para mais adiante.
Com isso, cabe ressaltar, que para os tios de Clarissa, saberem que a moça estava calma nos últimos dias, foi um conforto.
Apesar de a moça não ter dormido em casa certa vez, e sua tia Raquel ter percebido a que horas ela havia voltado.
A sua preocupação maior era de que a sobrinha poderia estar se envolvendo com algum movimento clandestino. Daí a razão de seus desentendimentos com Clarissa.
Mas para ela, Bartolomeu e Ludovico, verem Clarissa seguidas vezes em casa, tranqüila, somente tendo por distração a leitura de alguns livros e revistas, foi um conforto. Um verdadeiro alívio.
Dessa forma, o afastamento temporário de sua luta, foi benéfico para ela e seu relacionamento com os tios. Afinal, ficando sossegada em casa, não haveria motivos para eles desconfiarem que ela estava fazendo algo errado, e assim sossegaram.
Com isso, Clarissa ganhou mais tempo, até que eles finalmente descobrissem a verdade.
Muito embora, apesar de suas estratégias, os três já estivessem desconfiados, não tinham certeza ainda do que Clarissa fazia. Mas já temiam que pudesse ser algo relacionado com a luta operária, ou com algum movimento clandestino.
Diante disso, por mais que vigiassem Clarissa, não tinham como impedir que a mesma participasse de reuniões. Como todos ali trabalhavam muito, não tinham como tomar conta o tempo todo dela.
Assim, a moça tinha extrema liberdade para ir e voltar quando quisesse. E muito embora brigassem muito com ela quando chegava tarde, não tinham como impedir de fato, de que ela fizesse o que bem entendesse.
Por isso vê-la em casa, quietinha, sem causar preocupação a eles por seus sumiços misteriosos, era um motivo de alegria.
De tão contentes, chegaram até dizer:
-- Que bom que você se acalmou, minha querida sobrinha. – comentou Ludovico, dando um abraço em Clarissa.
-- É, parece que as coisas vão se acalmar. Pelo menos por algum tempo. – reforçou seu irmão, Bartolomeu.
Raquel, vendo os três juntos, simplesmente sorriu.
Ludovico então, disse:
-- Só de ver que você não está atrás das idéias de seu tio doidivanas, já é um alívio para nós. Não sabe como ficavamos preocupados quando ele cismava em colocar caraminholas em sua cabeça.
-- Sim, Ataúfo não é má pessoa, mas é muito desmiolado. Não tem siso. – reiterou Bartolomeu. – Estavamos felizes por você não estar envolvida em nenhuma confusão. Não sabe como nos deixava preocupada com seus sumiços repentinos.
-- Mas eu não estava fazendo nada de mais. – respondeu ela.
-- Agora nós sabemos. – respondeu Ludovico.
No dia seguinte, como era dia de trabalho, todos levantaram-se cedo, e preparando-se para mais um dia de labuta, vestiram-se, tomaram café da manhã e foram trabalhar.
Clarissa foi para a tecelagem e seus tios foram para a fábrica.
Já Raquel, por trabalhar em casa, resolveu ainda cedo, começar a passar algumas roupas de seus clientes.
Durante a tarde, caminhando e andando de bonde, passou na casa de todas as suas freguesas para lhes entregar as roupas lavadas, passadas e engomadas e receber o pagamento pelo seu trabalho.
Enquanto isso, seus irmãos trabalhavam na linha de produção de uma fábrica e Clarissa ajudava a preparar os tecidos, que futuramente seriam vendidos em lojas e transformados em roupas.
Ao final do dia, como era de se esperar, todos voltaram para casa, jantaram e conversaram sobre como tinha sido o dia de trabalho.
Como tinham que se levantar muito cedo no dia seguinte, trataram de ir dormir.
Assim, tudo transcorria na maior das calmarias.
Contudo a tranqüilidade não duraria por muito tempo.
Com a convocação dos brasileiros em 1942 para lutarem na Europa, muitas cientes da partida dos filhos, choraram por sua ida a guerra.
Muitas inclusive, choraram por muito mais do que partidas dos filhos, valentes soldados que lutaram na guerra. Choraram pela despedida inexorável dos mesmos, filhos da terra.
No entanto, cabe a nós primeiramente, falar da convocação dos pracinhas brasileiros.
A notícia da convocação, caiu como uma bomba na família de Clarissa.
Ao saber que havia sido convocado, Ludovico ficou muito orgulhoso de saber que desempenharia uma função nobre em defender a pátria.
Raquel contudo, ficou bastante desalentada com a notícia. Temendo que o irmão morresse na guerra, chegou a pensar em ajudá-lo a se liberar desse encargo. Mas como?
Bartolomeu, observando a apreensão da irmã, quanto ao fato de Ludovico lutar, comentou que quanto a isso, nada podiam fazer. Se se opusessem estariam incorrendo em crime, ainda mais em tempos de ditadura.
Clarissa, percebendo que os ânimos estavam exaltados, comentou que infelizmente, não podiam fazer nada com relação a convocação. A moça, percebendo a gravidade da situação, comentou que se eles de qualquer tentassem se insurgir contra a medida, fatalmente acabariam presos, em virtude do cometimento de crime político.
Mas Raquel, mesmo ouvindo isso, não se conformava. Decepcionada, chegou até a comentar:
-- Esse Getúlio Vargas não faz nada para a gente e nós ainda temos que aceitar suas imposições!
Clarissa ao ouvir a indignação da tia, ficou muito orgulhosa de sua coragem.
Isso por que, diante da situação inesperada, nem por um momento a mulher se preocupou em saber se poderia haver alguém que estivesse ouvindo aquela conversa.
Pelo contrário. Enervada com a incoerência da situação, chegou até comentar que Getúlio Vargas um dia fazia uma coisa, no outro, mudava completamente de idéia e tomava uma atitude diametralmente oposta a que vinha tomando. Não dava para entender.
Bartolomeu comentou então que o que levava o presidente a agir dessa maneira era o fato de que este era o jogo político.
Clarissa discordando do tio, comentou que a política que o presidente fazia, não tinha nenhuma relação com uma política verdadeira. Suas práticas populistas e oportunistas nada mais eram do que uma forma de se manter no poder.
Nisso Raquel, que já estava se acalmando, resolveu mudar de assunto.
Mas, triste do jeito que estava, nenhum assunto a faria esquecer de mais um dos inúmeros inconvenientes que a guerra trazia.
Não bastasse a carestia, a ausência de produtos de primeira necessidade, agora também estavam tirando os jovens de sua terra para obrigá-los a lutar em terras distantes. O que mais lhes seria tirado?
Nos dias que se seguiram, foi uma tristeza só.
Enquanto alguns jovens solteiros procuravam se casar para se desobrigarem do compromisso de lutarem na guerra, outros aceitavam corajosamente os desígnios do presidente.
Corajosos e determinados, assim que receberam a convocação, trataram logo de se apresentarem nos quartéis.
Algumas moças, imbuídas do espírito de solidariedade, também se ofereceram para trabalharem como enfermeiras. Dispostas a auxiliarem os soldados brasileiros, muitas moças se habilitaram a tal encargo.
Assim, o que viu a seguir, foram inúmeras, incontáveis cenas de despedidas.
Raquel, Bartolomeu e Clarissa, despedindo-se de Ludovico, diante do inevitável, desejaram-lhe sorte.
Dali, Ludovico seguiria até o porto, de onde partiriam todos os soldados da adorada São Paulo.
Balançando um lenço Raquel se despediu chorando do irmão. Inconsolável com a partida de Ludovico, a mulher só fazia se lamentar.
Bartolomeu e Clarissa, que também se emocionara na despedida, já não sabiam mais o que fazer.
No entanto, com o passar dos dias, percebendo ela que de nada adiantava o seu inconformismo, resolveu retomar sua vida, e voltando ao trabalho, procurou se esquecer da ausência do irmão.
Mergulhada no trabalho, por alguns instantes se esqueceu que Ludovico partira.
Clarissa por sua vez, tendo o trabalho por ocupação, passou a se distrair cada vez mais com a rádio-novela ‘Encontro com o Desconhecido’.
Sua heroína Eleonora era surpreendente. Cada vez mais ousada, não temia em se arriscar.
Tanto que durante algum tempo manteve relacionamento com dois cavalheiros.
Cuidadosa, cuidou de cada detalhe para que um não soubesse de seu envolvimento com outro.
Cautelosa, contando com a ajuda da organização da qual fazia parte, Eleonora diversas vezes, saiu com um ou outro cavalheiro. Sequiosa de descobrir novos e relevantes detalhes sobre a guerra e as estratégias dos alemães, a moça era toda ouvidos quando a conversa tomava esse rumo.
Isso por que, sabendo ser envolvente, conseguiu diversas vezes, fazê-los falar sobre suas ligações com o führer.
Assim, toda vez que Eleonora descobria mais algum detalhe sobre essas ligações, mais ela ficava impressionada com o poder que Hittler tinha sobre as pessoas.
Impressionada com o poder de influência que ele tinha sobre as massas, a moça ao conversar com um dos integrantes da organização a qual pertencia, comentou que nada o impediria de dizimar os judeus.
O homem ao ouvir as palavras desalentadoras de Eleonora comentou que mesmo diante do inevitável, eles deviam fazer alguma coisa. Se não fosse para impedir Hitler de executar seus planos diabólicos, ao menos para fazer com que os efeitos minorassem. Isso por que, se conseguissem salvar mais pessoas, já estariam desempenhando um grande papel. Eleonora, ao ouvir as palavras confortadoras do colega espião, concordou.
Sim, se eles podiam ajudar, tinham a obrigação de fazê-lo.
Com isso, muito embora fosse difícil acreditar que poderiam ajudar mais alguém, Eleonora revelou tudo o que descobriu para o homem.
Este, de posse das informações, insistiu para que ela mantivesse contato.
Eleonora prometeu que assim que soubesse de mais novidades, entraria em contato com eles.
A seguir, sorrateiramente, a moça saiu do lugar, e caminhando discretamente pelas ruas da Riviera, voltou para o hotel.
Antes porém, passeou pelos arredores. Caminhou pela beira da praia. Admirando a luz da lua, perguntou a si mesma se estava valendo a pena seu esforço.
Durante o trajeto pela praia, encontrou alguns homens que preparando-se para sair no dia seguinte, ajeitavam alguns barcos.
Eleonora, depois de algum tempo caminhando, finalmente voltou ao hotel.
Cansada, assim que adentrou o quarto, tirou o lindo tailleur que usava.
Em seguida colocou um camisola de cetim, e exausta, atirou-se na cama.
De tão cansada, dormiu boa parte da manhã.
Não fosse a telefonista ligar para o quarto avisando que Handolph aguardava-a na recepção, a moça teria dormido por mais algum tempo.
Nisso ao atender o telefonema, Eleonora levantou-se num sobressalto. Isso por que, esquecida do compromisso, não se lembrou de levantar mais cedo.
Surpreendida com o aparecimento do rapaz no hotel, Eleonora pediu para que ele aguardasse na recepção do hotel que no máximo em meia hora, ela estaria descendo.
Apressada Eleonora resolveu antes de vestir uma roupa, tomar um banho.
Depois, sem saber direito o que vestir, decidiu usar um vestido. Sim. Em razão de estar atrasada, não haveria tempo para escolher bem os acessórios que iria usar. Assim, usando um vestido, teria menos trabalho para se compor.
Cuidadosa, mesmo atrasada, a moça arrumou o cabelo. Porém, fazendo um penteado diferente do usual, resolveu deixar os cabelos totalmente soltos. Utilizando-se de uma escova e do laquê, modelou os cabelos de modo que eles ficassem volumosos e assemelhados aos penteados das famosas divas do cinema.
Handolph ao vê-la tão bem composta, elogiou-a.
Eleonora, gentil, perguntou-lhe se havia demorado muito.
O rapaz respondeu:
-- Não. Mas também se fosse preciso, eu esperaria muito mais.
Eleonora, percebendo o ar galante, sorriu para ele.
Em seguida, chamando para dar um passeio, Handolph ofereceu seu braço.
Eleonora então, percebendo o gesto de delicadeza, aceitou o oferecimento e saindo juntos, a moça teve seu braço envolvido pelo dele.
Passeando pelo boulevard, os dois tomaram café juntos e compraram alguns jornais.
Muito embora Handolph estivesse interessado nela, a moça já não era mais tão atenciosa quanto antes.
O rapaz, percebendo que ela estava um pouco arredia, perguntou diversas vezes por que ela estava tão estranha.
Eleonora, estranhando a pergunta, respondeu que não estava estranha, apenas estava preocupada com o fato de suas férias estarem terminando, e ela ter de voltar para sua terra de origem.
Handolph então, tomado de uma profunda curiosidade, perguntou mais uma vez de onde ela havia vindo.
Eleonora respondeu que havia vindo de muito longe. Tão longe que os ventos a haviam levado para lá.
O rapaz não compreendeu o enigma.
A moça, com olhar enigmático, também não se preocupou em esclarecer o por quê daquelas palavras. Pressentindo que sua missão estava chegando ao fim, resolveu armar uma situação convincente para justificar sua partida.
Sim por que, como estava se expondo em demasia, a moça corria o risco de certamente vir a ser descoberta.
Ademais, como espiã, mais cedo ou mais voltaria a circular nos meios sociais mais elevados, e com isso poderia ser desmascarada se um daqueles homens a vissem em companhia de outras pessoas.
Diante disso, Eleonora não podia se arriscar.
Handolph, percebendo que poderia perder para sempre a oportunidade de fazer uma grande conquista, fez de tudo para convencê-la a ficar a sós com ele em seu quarto de hotel.
Eleonora porém, sempre se recusava.
Contudo, Handolph estava cada vez mais impaciente com suas desculpas.
Ao relatar os últimos acontecimentos, Eleonora comentou que embora estivesse conseguindo contornar a situação com Herman – em razão deste ser mais discreto –, com Handolph, o mesmo não se podia dizer. Isso por que afoito, o rapaz começou a mostrar um lado que não esperava conhecer.
Ansioso por fazer uma nova conquista, o rapaz fazia de tudo para convencê-la a ficar a sós com ele.
Apreensiva, a moça revelou a um colega, que não conseguiria contornar a situação por muito tempo.
Percebendo a inquietação da moça, o integrante da organização, recomendou-lhe que se mantivesse calma. O homem então, esclarecendo que ficariam a postos, garantiu a ela, que ninguém a obrigaria a fazer nada que não quisesse.
Eleonora então, um pouco mais tranqüila agradeceu o empenho e mais uma vez contou quais eram os novos planos tanto de Herman, quanto de Handolph.
Após, a moça retornou ao hotel.
Handolph, ao se aproximar, percebeu algo estranho. Ao ver um homem de uniforme parado, nas proximidades do hotel, o rapaz notou uma atitude suspeita no mesmo. Contudo, como estava mais interessado em conversar com Eleonora do que falar em pequenos incidentes, acabou se esquecendo do ocorrido.
Convidando a moça para almoçar, para seu desapontamento ouviu como resposta que ela já tinha um compromisso. Curioso, quis logo saber com quem.
Eleonora, sentindo-se pressionada, respondeu que era com alguém que ele não conhecia.
Handolph então, insistiu para que ela desmarcasse o encontro, mas Eleonora, dizendo que não poderia fazê-lo, prometeu se encontrar com ele mais tarde.
Passada uma hora, eis que surge Eleonora, em um magnífico maiô. Estava pronta para ir a praia.
Como o hotel não distava muito da praia, Eleonora aproveitou esta comodidade para sair pronta para o banho de mar.
Herman fez o mesmo.
E assim, os dois se encontraram na praia.
Eleonora, cautelosa, pediu para que ele a encontrasse por lá. Isso por que, ela não podia deixar Handolph desconfiado.
E assim, encontrando-se na praia, Eleonora e Herman aproveitaram para se divertir no banho de mar. Entretidos com a brincadeira, não se preocuparam em nenhum momento disfarçar o quão estavam satisfeitos com a bela manhã de sol que fazia naquele lugar.
Animados, assim que saíram da praia, os dois caminharam juntos pela areia.
Depois, Eleonora, aproveitando para descansar um pouco, se recostou em uma das inúmeras cadeiras de praia alugadas e admirando a beleza do lugar, deixou o corpo ao sol.
Herman, encantado com a beleza da imagem, lamentou que não pudesse eternizar aquela cena. Comentando com Eleonora, que adoraria fotografá-la, pediu para que ela o acompanhasse em um passeio pelo boulevard.
Eleonora, ao se lembrar que havia prometido sair com Handolph se viu inclinada a declinar do convite.
Herman, ao ouvir a recusa, tentou debalde convencê-la a desmarcar o compromisso.
A moça respondendo que adoraria fazê-lo, comentou que não podia. Como já havia empenhado sua palavra, não havia como voltar atrás. Precisava ir.
E assim, Herman, mesmo relutante, acabou deixando-a voltar ao hotel.
Em seguida, ele também foi embora.
Enquanto isso, os membros da organização, utilizando-se das informações fornecidas por Eleonora, passaram a elaborar um plano para desmantelar o grupo organizado por Herman, Handolph e outros empresários que auxiliavam no esforço de guerra.
Dispostos a impedi-los a continuarem com seus planos nefastos, a dita organização, por meio de seus membros, estavam dispostos a acabar com a euforia daqueles homens. Isso por que, se conseguissem destruir seus planos, estariam dando um grande passo. Estariam ajudando a pôr fim naquela guerra.
E assim, imbuídos nesse espírito, os integrantes da organização, assim que elaboraram um plano, passaram a colocá-lo em prática.
Descobrindo a forma como conseguiam adquirir matéria-prima, os espiões trataram logo de criar empecilhos para que estas negociações ocorressem. Alguns homens, fazendo-se passar pelos empresários, passaram informações falsas a respeito do local do encontro.
Assim, quando Herman e Handolph, cada qual em uma oportunidade, foi negociar com os estrangeiros sobre a compra de matérias-primas, enquanto os empresários iam em uma direção, os estrangeiros iam para o local oposto.
Com isso, a negociação não pôde ser realizada.
Os empresários, ao perceberem que os estrangeiros não apareceriam, ficaram bastante irritados.
Os estrangeiros, ao chegarem no local do encontro e não encontrarem ninguém, também ficaram absolutamente surpresos. Aborrecidos com a falta de atenção e cuidado na hora de marcar o local do encontro, nunca mais mantiveram contato com os empresários.
Handolph, ao tentar ligar para o exportador, não conseguiu mais manter contato.
Herman também tentou entrar em contato também e igualmente não obteve êxito.
Os dois ao tomarem conhecimento do que tinha sucedido a ambos, ficaram bastante desconfiados. Estranhando a coincidência, ficaram a pensar.
Porém não o suficiente para começarem a desconfiar de Eleonora.
Muito pelo contrário. Acreditando que a moça era inofensiva, continuaram mantendo encontros com ela.
Mas cautelosos, passaram a evitar falar de trabalho.
Eleonora ficou desapontada. Isso por que seu interesse em ambos se devia unicamente ao fato de que eles eram boas fontes de informação. Tirando esse fato, nada mais interessava a moça. Todavia, não podia deixá-los perceber que ela era uma espiã.
Se por um momento os dois desconfiassem disso, a moça passaria a correr grandes riscos.
Por esta razão, mesmo desapontada com o resultado dos encontros com os dois, a moça continuou demonstrando interesse. Cuidadosa, continuou saindo com Herman e Handolph.
Mais tarde, tornando a comentar sobre o fim das férias, disse que dali a pouco tempo, ela teria que partir.
Handolph, ao saber da intenção da moça partir, resolveu tentar uma última cartada.
Certa vez, depois de convidá-la para um jantar, alegando que estava com muita dor de cabeça e que por isso, não conseguia dirigir pediu a ela para que o levasse até seu hotel. Ao chegar lá, ele pediria para um táxi levá-la de volta ao hotel onde estava hospedada.
Eleonora, bem que tentou não se envolver nessa situação. Gentil, ela se ofereceu para chamar um táxi para ele.
Handolph contudo, insistiu para que ela o levasse em casa. Dizendo que não queria ficar sozinho, pediu reiteradas vezes para que ela o acompanhasse ao menos durante o percurso até o hotel.
Eleonora sem saída, acabou concordando. E assim, mesmo reticente, a moça se encarregou de levá-lo até o hotel.
Ao lá chegar, o rapaz, dizendo que não conseguia ficar em pé sozinho, pediu para um dos funcionários do hotel o levasse até seu quarto.
Eleonora, acreditando que ele realmente estava sentindo uma forte dor de cabeça, esquecendo dos seus temores, ofereceu-se para acompanhá-lo pelo menos até a porta do quarto.
Handolph agradeceu a gentileza.
Eleonora acompanhou-o então.
Ao chegarem em frente ao quarto, Handolph, ainda fingindo estar com muita dor de cabeça, pediu para a moça ir.
Muito embora ele estivesse com muita dor, ela não tinha como fazer nada por ele.
Eleonora ao se dar conta de que realmente não podia fazer nada, concordou com o rapaz.
Handolph, percebendo que seu plano estava indo por água abaixo, dispensou o funcionário. Dizendo que estava bem, pediu para que ele fosse embora. Agradecendo, insistiu em dizer que estava tudo bem.
Contudo, ao tentar entrar no quarto, fingindo ter uma tontura, fez o possível para demonstrar a Eleonora que precisava de ajuda.
A moça percebendo que ele não podia ficar sozinho, resolveu entrar no quarto.
Auxiliando-o a caminhar, levou-o até sua cama. Lá, preocupada em deixá-lo sozinho, tentou telefonar para a portaria do hotel.
Handolph no entanto, não deixou que ela efetuasse a ligação. Dizendo que estava melhor, pediu para que ela ficasse com ele.
Eleonora, percebendo que tudo não passara de uma armação, decidindo sair do quarto foi até a porta.
Handolph, ao perceber que se não fizesse nada ela sairia do quarto, resolveu correr e chegando na porta antes dela, passou a chave e colocando-a dentro da camisa, disse:
-- Se a senhorita deseja sair desse quarto vai ter que pegar a chave comigo.
Eleonora, irritada, respondeu que não estava brincando quando demonstrou que queria sair dali.
Handolph ao ouvir as ameaças da moça, começou a rir.
Eleonora se acalmando, comentou que não podia ficar com ele aquela noite. Dizendo que pessoas a esperavam no hotel, a moça ressaltou que tinha que voltar.
O rapaz não acreditou nem um pouco em sua história. Dizendo que tudo aquilo era muito absurdo para ser verdade, Handolph fez questão de deixar bem claro que não a deixaria sair enquanto ela não fizesse o que ele queria.
Eleonora, sentindo-se acuada, ameaçou fazer um escândalo se ele não a soltasse.
Handolph ao ouvir as palavras da moça, comentou:
-- Ah! É mesmo? Quer dizer então, que a mocinha encantadora, portadora dos mais belos modos da aristocracia, vai fazer um escândalo. Pois bem. Então faça. Só não se esqueça de que se o fizer, não estará apenas arruinando a minha reputação. Não, estará fazendo mais do que isso. Estará também se expondo.
Eleonora, percebendo a delicadeza da situação, tentou mais uma vez se acalmar e dizendo que precisava ir até o toillet, pediu para que o rapaz lhe desse licença.
Handolph consentiu.
Eleonora ao se fechar no banheiro, tentou, mesmo sabendo que estava no décimo andar, fugir dali.
Procurando um local por onde pudesse sair, finalmente a moça encontrou uma saída. Como a janela do banheiro dava acesso a fachada do prédio, Eleonora tentou sair por ela.
Handolph por sua vez, acreditando que a moça não tinha escapatória, comentou que não adiantava ela se trancar no banheiro. Mais cedo ou mais tarde teria que sair dali. E ele estaria pacientemente esperando.
Nisso, enquanto ele discursava para ela, Eleonora saía lentamente do quarto.
Utilizando a janela, a moça passou a caminhar cuidadosamente por fora do prédio. Apoiando-se no frisos e detalhes da fachada, conseguiu encontrar um pequeno espaço para andar. Cautelosa, procurou não olhar para baixo e circulando pelo lado de fora dos quartos, finalmente encontrou uma escada de incêndio. Ao encontrar a saída, mais do que depressa começou a descer seus degraus.
Ansiosa por sair dali, não se preocupou nem um pouco com o fato dele desconfiar do silêncio e partir em seu encalço.
Confiante de que fora do prédio ele não teria coragem de se expôr, quando finalmente conseguiu descer as escadas, mais do que depressa a moça contornou o prédio e entrando pelos fundos, apareceu no saguão e andando depressa, foi até a rua.
Lá, começou novamente a correr.
Quando finalmente encontrou um táxi, entrou nele.
Assustada, pediu para que o motorista a levasse até o hotel onde estava hospedada.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021
BARRACÃO DE ZINCO - CAPÍTULO 4
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