Poesias

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 24

Dias depois, Thereza foi presa. Denunciada por testemunhas, a mulher foi encarcerada.
Quando Cleide e os amigos da moça tomaram conhecimento do fato, trataram logo de avisar Rodrigo.
Alvoroçada com os últimos acontecimentos, Cleide tratou logo de escrever uma missiva. Contudo, como a comunicação naqueles tempos idos eram muito complicada, Cleide, percebendo que Rodrigo talvez não recebesse a correspondência a tempo, resolveu ela mesma, ir até o Rio de Janeiro, contar a ele o que estava acontecendo.
Apressadamente, a mulher arrumou sua mala e partindo para o Rio de Janeiro, foi ao encontro de Rodrigo.
Nisso Thereza, humilhada pelo delegado da cidade, era obrigada a trabalhar como uma escrava.
Durante as investigações sobre o crime, o comissário, descobrindo que Thereza mentira sobre sua condição de liberta, prometeu a ela que a mesma se arrependeria de tudo o que fizera. Muito embora Diego fosse detestado no lugar, o fato de a assassina ser mulher e negra, tornava-a a pior das criminosas.
Mesmo quando ela contou que matou o homem por que ele tirara a vida de sua filha, o comissário não desistiu da idéia de puni-la.
A descoberta da falsidade de sua carta de alforria se deveu ao fato de ter sido realizada uma cuidadosa perícia. O técnico, percebendo que a carta fora forjada, avisou imediatamente ao comissário.
Tal fato complicou deveras a situação da mulher.
Thereza, com seus trinta e quatro anos, era a mais completa imagem da derrota. Abalada e abatida, era insensível a qualquer agressão. Indiferente dizia que não via a hora de cumprir receber sua pena. Ciente de que morreria, não sofria nem um pouco por isso.
Assim, o tempo foi passando.
Rodrigo ao saber da situação da mulher, fez todo o possível para impedir que o pior acontecesse. Contudo, por mais que se esforçasse, nada poderia impedir que Thereza fosse punida.
Em uma sociedade racista e patriarcal, salvá-la da morte certa era praticamente impossível.
Ao saber disso, Rodrigo desesperado, pediu ao tio para intervir.
Altino ao tomar conhecimento do ocorrido, pesaroso pela morte de Rosália, fez todo o possível para ajudar a mulher. Contudo, nem assim foi possível evitar que o era praticamente certo.
Angustiado, Rodrigo ao perceber que nada podia fazer para impedir a morte certa da esposa, resolveu voltar a região.
Ao lá chegar, percebeu que era deveras tarde para fazer qualquer coisa. Thereza, acorrentada, seguia até o pelourinho montado em frente a igreja. Como punição por seus crimes, Thereza seria martirizada até sua morte.
Ao ser julgada e condenada, tomou logo conhecimento de sua pena.
Conformada, a mulher aceitou a punição.
Quando foi conduzida até o pelourinho, Thereza deixou-se amarrar. Em nenhum momento ofereceu resistência.
E assim foi sendo chicoteada.
Rodrigo ao vê-la sendo torturada, gritou seu nome.
Thereza, esgotada pela surra, não compreendeu que Rodrigo a chamava. Desfalecendo agonizava. Ao sentir o peso do látego em suas costas, pouco a pouco a mulher foi se recordando de passagens de sua vida. Gritava, pela última vez por Rosália.
Enquanto sofria açoites, Thereza, viu sua vida se esvaindo.
Como último gesto cerrou os olhos. Cansada de sofrer, despediu-se da vida.
O povo ao perceber que Thereza estava morta, começou a chamar os homens que a conduziram para a morte, de assassinos. Furiosa, a população, exigindo que o comissário e seus homens fossem embora dali, começaram a lançar pedras e outros objetos contra os mesmos.
O comissário, percebendo que não podia conter a multidão, resolveu se afastar dali.
Nisso Rodrigo e Cleide, ao se aproximarem da moça, percebendo que estava morta, entraram em desespero. Rodrigo, chorando pedia ao corpo sem vida de Thereza que o perdoasse.
Cleide que também chorava, dizendo que ela não ouvia mais nada, tentava fazer com que Rodrigo liberasse o corpo dela.
Homens e mulheres, escravos e libertos, vendo que a mulher estava amarrada, acorreram para desamarrá-la. Prestativos, conduziram o corpo em procissão até a sede da fazenda onde a moça vivera os últimos anos de sua vida.
Lá, Cleide, auxiliada por várias mulheres, que, gratas pelo que Thereza fizera por elas, resolveram cuidar de seu corpo. Lavaram-na e colocando um lindo vestido branco, deitaram seu corpo na mesa de jantar da casa.
Lá, velaram o corpo da mulher que para eles era a melhor pessoa do mundo.
Era doze de maio de 1888.
Diz a lenda que muitos escravos vindos das fazendas da região acompanharam o velório e o enterro. Dizem ainda que escravos há muito tempo fugidos da região, voltaram para se despedir da mulher que ajudou tanto os negros.
Gratos, visitaram o túmulo de Abelardo e dizendo que os dois eram almas elevadas, rezaram dias e dias por eles.
Rodrigo desolado com as perdas recentes, resolveu definitivamente se livrar da fazenda onde passara boa parte de sua vida. Ricardo, compreendendo o pesar do irmão, pediu a ele que lhe vendesse a propriedade.
Rodrigo cansado de tudo resolveu doar a propriedade.
Sozinho, o rapaz voltou para o Rio de Janeiro. Atormentado com a sua triste história, o rapaz nunca mais se casou.
Ricardo e Dorothéa por sua vez, tiveram muitos filhos.
Cleide e os amigos de Thereza, depois de sua morte, abandonando a fazenda, voltaram para São Paulo.
Ercílio, depois de muitos anos, passando por São Paulo, ao rever os amigos, descobriu que Thereza matara Diego. Ao tomar conhecimento de detalhes da história, o rapaz resolveu visitar Rodrigo.
Este porém, desejando se libertar do passado, não quis nem saber de aproximação. Depois que voltou ao Rio de Janeiro, vivendo com o tio, resolveu dedicar-se exclusivamente ao trabalho.
Conforme o tempo foi passando, as fazendas passaram a receber cada vez mais visitas. A região, considerada histórica, passou a ser preservada.
No túmulo de Thereza, diariamente os moradores depositam flores. Dizem ser agradecimento por um pedido atendido.
Segundo o padre que hoje vive na região, tudo não passa de conversa para boi dormir.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 23

Quando Rodrigo foi até o alpendre, qual não foi seu espanto ao ver o casal carregando duas malas, exaustos, parados em frente a sede.
Surpreso com a cena, Rodrigo foi logo perguntando o que havia sucedido.
O casal, explicando que resolvera sair da fazenda, comentou que Diego estava ficando louco. Dizendo que podia resolver tudo, tentava impedir o inevitável.
Percebendo que a perda da propriedade era praticamente certa, o mesmo sugeriu que eles passassem a morar com eles.
Thereza ao tomar conhecimento do ocorrido, não se opôs. Pedindo a uma das criadas que arrumasse um quarto para o casal ficar, pediu a ambos que ficassem à vontade. Dizendo que eles poderiam ficar na fazenda o tempo que quisessem, pediu licença e usando roupas de montaria, foi até a estrebaria. Lá escolhendo um animal, foi cavalgar pela fazenda.
Mais tarde, procurando saber como estava indo a colheita, conversou com Antenor, que colocou-a par de tudo.
Ricardo e Dorothéa, percebendo que quem tomava conta de tudo era Thereza, comentaram com Rodrigo que ela não era uma pessoa comum. O rapaz, orgulhoso da mulher, respondeu que não. Muito embora ele já tivesse se oferecido muitas vezes para ajudá-la, era muito raro ela aceitar sua ajuda.
Esse fato fazia os fazendeiros terem ainda mais admiração por sua pessoa.
Rodrigo, procurando ser útil, auxiliava como podia a esposa, todavia. Contudo, sentindo falta de um trabalho que o detivesse por um longo período, Rodrigo sugeriu a esposa voltar a advogar.
Thereza ao ouvir as palavras de Rodrigo, ficou desapontada. Isso por que, sequiosa por completar sua vingança, não podia partir agora.
Rodrigo, percebendo a resistência de Thereza em voltar a viver em uma grande cidade, perguntou-lhe o por quê de tanto interesse em permanecer por lá.
Pela primeira vez, Rodrigo perguntava a moça qual fora a razão para ela se instalar na região.
Thereza, dizendo sentira vontade de voltar as origens, contou a ele que sentia curiosidade em saber como estavam as coisas por lá.
Rodrigo desconfiado, não acreditou muito na história de Thereza. Mas sem saber direito o que pensar, resolveu deixar de lado suas desconfianças.
Contudo, algo havia se partido. Depois dessa conversa nunca mais Rodrigo veria a moça com os mesmos olhos.
Nessa época, Diego sem recursos para manter a fazenda, afundado em dívidas, acabou por perder a propriedade. Ao ser demandado judicialmente, Diego depois de muito lutar, perdeu a única propriedade que lhe restara.
Ao saber disso, Thereza, por meio de um representante, tratou de adquirir a propriedade. Como sonhava há muito tempo em comprar a propriedade, ao se ver prestes a adquiri-la, mal pôde conter a alegria.
No entanto, a alegria só foi completa quando ela finalmente conseguiu passar a escritura para seu nome.
Seu marido, ao tomar conhecimento de que fora ela quem comprara as terras que outrora pertencera a família de seu pai, exigiu que ela passasse as terras para seu irmão.
Thereza no entanto, respondeu que jamais faria isso. Mas disposta a não deixá-los em má situação, prometeu doar-lhes o sítio que adquirira juntamente com a fazenda.
Ricardo e Dorothéa, ao se tornarem donos daquele pedaço de terra, agradeceram penhoradamente Thereza.
Rodrigo porém, cismado com o comportamento de Thereza, passou a compreender seus propósitos.
Percebendo que Thereza voltara para região visando se vingar, perguntou a ela se ele também fazia parte de sua desforra.
Thereza, ouvindo as palavras do esposo, respondeu-lhe que nunca envolvera-o naquela história. Dizendo que precisava acertar as contas com Diego, respondeu que ele e Ricardo não tinham nada com isso.
Rodrigo não acreditou.
Muito embora a mulher tivesse tentado convencê-lo, nem por um minuto Rodrigo acreditou nela. Desesperada, Thereza percebendo que poderia perder o marido, pediu a ele que ficasse mais um pouco. Dizendo que a situação estava prestes a se resolver, prometeu faria seu irmão o administrador das terras.
Ao ouvir isso, Rodrigo se acalmou um pouco.
Para Thereza, só faltava agora fazer com que Diego descobrisse ser ela a nova proprietárias das terras.
No tocante a isso, foi apenas uma questão de tempo para o rapaz descobrir tudo.
Quando descobriu porém, furioso, Diego foi até sua fazenda. Insistindo em dizer que queria falar com Thereza, enfrentou Antenor que não parecia disposto a deixá-lo se aproximar da casa.
Rodrigo, percebendo a confusão, tentou conversar com Diego.
O mesmo porém, não estava nem um pouco interessado em falar com ele. Irritado começou a gritar o nome de Thereza.
A mulher, ouvindo seu nome, foi até o alpendre. Perguntando sobre o que estava acontecendo, ouviu como resposta:
-- O que está acontecendo, sua negra ordinária, é que você me roubou.
Thereza ao ouvir isso sorriu.
Diego percebendo o ar de satisfação da moça, continuou:
-- Ria. Pode rir sua negra maldita! Ria enquanto puder. Ria o quanto quiser. Ria bastante por que não tarda o dia em vais chorar muito.
Rodrigo, tentando conversar com o irmão, almejava uma aproximação, mas Diego, irascível não queria saber de conversas. Dizendo que tinha mais o que fazer, sumiu dali.
Aborrecido com o incidente, Rodrigo advertiu a mulher de que o ela estava fazendo, ainda se voltaria contra ela.
Thereza desdenhou. Dizendo que cão que ladra não morde, esqueceu as ameaças.
E assim, a vida prosseguiu.
Contudo, um certo dia, quando tudo parecia caminhar muito bem, uma tragédia se abateu sobre sua vida.
Rosália, cavalgando sozinha, ao se aproximar da propriedade recém-adquirida por Thereza, acabou sendo baleada. A criança alvejada no peito, morreu na mesma hora.
Mais tarde, foi encontrada ao lado de um formigueiro por um escravo da aludida propriedade. Um escravo passando pelo local, ao reconhecer nela a filha de Thereza, tratou de levar o corpo até a sede da fazenda onde morava Thereza. Lá deixou o corpo deitado no gramado em frente a propriedade, o que causou desespero a todos.
Thereza, que a esta altura estava muito aflita, passou a procurá-la pela fazenda. Ao ver que a menina não estava em casa devassou toda a propriedade.
Palmilhando cada recanto da fazenda porém, não encontrou a menina.
Rodrigo, que a auxiliava na tarefa também não encontrou nenhum sinal de Rosália.
Quando então retornaram a sede, ao descobrirem o corpo de criança morta, Thereza, angustiada, foi a primeira a querer olhar a menina. Trêmula, virou o rosto da criança. Ao ver que a menina morta era sua filha Rosália, Thereza foi tomada de um profundo desespero. Ao constatar que sua filhinha jazia diante dela, Thereza gritou com todas as forças de seu coração.
Relutante, custava a acreditar que Rosália havia morrido. Lembrando-se das ameaças de Diego, Thereza acusou-o de ser o assassino de sua filha.
Rodrigo, dizendo que Diego jamais teria tido coragem de atirar na menina, cogitou visivelmente abatido, que qualquer um poderia ter atirado e acidentalmente atingido a criança. Ao dizer que o escravo lhe dissera onde a menina foi encontrada, Rodrigo comentou que aquele era um trecho muito fechado de floresta. Ali muitos homens caçavam.
Thereza contudo recusando-se a acreditar naquela história, respondeu que sua filha fora levada para o local.
Rodrigo quis discutir, mas notando a tristeza da mulher, resolveu esquecer a briga.
Por isso, nos dias que se seguiram, sentindo que precisavam se ajudar, abandonaram as diferenças e se apoiando, acompanharam desalentados o enterro da filha.
Como sucedera a Abelardo, a cerimônia foi breve. Emocionada, Thereza percebeu que mais um ente querido se despedia dela.
Ao perceber que nunca mais colocaria os olhos em sua filha, Thereza, por um instante pensou o quão longe havia chegado com sua vingança. Arrasada, só conseguia pensar no responsável por toda aquela maldade.
Por esta razão, dias depois, sentindo-se um pouco mais forte, prometeu a si mesma que iria acertar suas contas com Diego.
Ao perceber que tudo a sua volta ruía, constatou que os fazendeiros arruinados, deixaram de apoiá-la. Até mesmo Padre Lívio se afastou.
Thereza vendo-se abandonada por todos, resolveu agir.
Viajando para São Paulo, contratou os serviços de outro investigador. Cega de ódio, queria descobrir o paradeiro de Diego. Obcecada, só conseguia pensar nas palavras dele ameaçando-a.
Inquieta, Thereza esperava a conclusão das investigações.
Cleide preocupada com a amiga, tentou fazer com ela se distraísse, mas Thereza não estava interessada em distrações. Diante disso, Cleide não podia fazer nada.
Rodrigo, cansado de tentar convencer a esposa a retomar a vida, decidiu voltar para o Rio de Janeiro. Dizendo que precisava encontrar um novo significado para sua vida, aconselhou Thereza a fazer o mesmo.
Thereza no entanto, insistiu em ficar na fazenda.
Quando Rodrigo partiu, todos os que ficaram com ela perceberam o quão difícil seria impedi-la de fazer alguma besteira.
Dito e feito.
Uma semana depois da partida de Rodrigo, Thereza, ao tomar conhecimento do paradeiro de Diego, foi até seu encontro para se vingar.
Disposta a matá-lo, Thereza, comprando uma arma, partiu em seu encalço.
A mulher ao vê-lo morando num humilde casebre, vivendo como meeiro em uma pequena propriedade, sacou sua espingarda e mirando nele, ameaçou atirar.
Diego, olhando fixamente para ela, respondeu que já estava vingado.
Furiosa, Thereza ao ouvir a confirmação de ser ele o responsável pela morte de sua filha, apertou o gatilho.
Segundos depois, Diego jazia morto.
Thereza ao ver o corpo inerte, abandonou a espingarda.
Um dos meeiros ao ver a mulher diante do corpo de Diego, correu assustado.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 22

Enquanto isso, a pequena Rosália, criada para ser uma grande dama, desde cedo, ficou sob os cuidados de Cleide, que exigente, lhe ensinava sobre boas maneiras.
A menina, obediente, seguia a todas as recomendações da prestimosa preceptora.
Tranqüila Rosália era o xodó de todos os empregados da fazenda.
Isso por que, por ter nascido em um ambiente de fazenda, a menina estava mais do que acostumada a ver cavalos e plantações. Mesmo assim, a criança não se cansava de admirar a beleza daquelas várzeas. A veiga daqueles campos a encantava sobremaneira.
Thereza, percebendo isso desde cedo estimulava Rosália a se interessar pelos assuntos da casa. Ensinando-a a cavalgar, Thereza aproveitava para lhe mostrar lugares da fazenda que a pequena desconhecia.
Rosália, ávida por novas descobertas, sempre que era chamada por Thereza ou por seu pai para passearem por aquelas terras, aceitava o convite, e cavalgando, se encantava cada vez mais com aquele ambiente bucólico.
Certa vez, ao ver a casa do sítio contíguo a fazenda, Rosália, curiosa, quis logo saber o que havia lá dentro. Thereza, lembrando-se que ali eram realizados os encontros de Abelardo, proibiu veementemente a menina de se aproximar da casa. Dizendo que aquele lugar não lhe trazia boas recordações, insistiu com a menina para que ela nunca mais se aproximasse da casa.
Rodrigo, percebendo que Thereza estava assustando a menina, pediu a mulher que não fosse tão rigorosa com ela.
Thereza, percebendo que a menina estava quase chorando, deixou-a voltar com Rodrigo para casa.
Ela por sua vez, dizendo precisava ficar um pouco por ali, esperou eles desaparecerem do seu campo de visão para adentrar a casa.
Apreensiva, ao ver o interior da construção abandonada, Thereza, percebeu que permaneciam intactos todos os equipamentos que Abelardo usara para produzir seus jornais. Emocionada, ao ver jogado em gavetas vários escritos do marido, descobriu desolada o quanto Abelardo produzira enquanto viveu apartado dela.
Apaixonado como sempre fora por ela, Abelardo, durante o período em que permaneceu longe de suas vistas, dedicou-lhe inúmeras poesias.
Curiosa e enternecida com a descoberta, Thereza passou a ler os escritos do falecido esposo.
Um a um a mulher foi lendo-os todos.
Emocionada, percebia que a cada poesia que lia mais e mais os sentimentos de Abelardo pareciam se depurar. Pesarosa, Thereza chegou a pensar se não havia sido dura demais com ele. Isso por que, sempre soube que ele fora idealista. Assim, não seria uma simples mudança de ares que o faria deixar de ser o que ele era. De tão idealista, sacrificou sua vida pela causa.
Thereza ao se dar conta disso, plangeu dolorosamente.
Reflexiva, passou longas horas naquela casa.
Pensando nos curtos anos em que pôde privar da companhia do moço, Thereza pensou que tivera o privilégio de receber dele o que ele tinha de melhor. Sua paixão pela vida.
Paixão esta que Rodrigo também possuía, embora esta fosse canalizada para interesses diferentes.
Imbuída deste pensamento que não lhe saía da mente, Thereza finalmente decidiu voltar para casa.
Ao chegar na sede da fazenda, Rodrigo preocupado, foi logo lhe perguntando:
-- Onde você estava? Demorou tanto.
Com isso, conforme os anos se passaram, Diego, em situação financeira cada vez pior, vendeu as últimas propriedades que a família tinha.
Ricardo, pesaroso com a notícia, pediu reiteradas vezes para que ambos fossem ter com Rodrigo. Dizendo que o irmão estava em boa situação, Ricardo comentou com Diego que se pedissem um empréstimo a ele, certamente o mesmo não furtaria a ajudá-los.
Diego, porém, sentindo-se desconfortável com a possibilidade de pedir um favor a Rodrigo, foi veemente. Dizendo que não precisavam da ajuda de Rodrigo, respondeu que ele podia perfeitamente salvar sozinho a fazenda.
Ricardo dizendo que há anos ele vinha com a mesma ladainha, revelou que estava cansado de ouvir sempre a mesma história.
Thereza, lembrando-se do boato que lançara há anos atrás, determinada a completar sua vingança, ao viajar novamente para São Paulo, teve o cuidado de espalhar entre os investidores da cidade que vários fazendeiros da região estavam arruinados.
Auxiliada por terceiros, muito bem pagos para tanto, Thereza conseguiu deixar os investidores receosos em contratar com alguns dos fazendeiros do lugar.
A mulher, acompanhada de Rodrigo e sua filha Rosália, aproveitou a viagem para mostrar a eles como São Paulo progredia. Rosália, habituada com a vida na fazenda, não se impressionou nem um pouco com a vida na cidade. Dizendo que viver na fazenda era muito melhor, diversas vezes perguntou a mãe quando voltariam para casa.
Isso no entanto não impediu a menina de se divertir nos parques e se encantar com a beleza dos prédios. Cleide, sua preceptora, acompanhando a família aproveitava os raros momentos que a menina ficava em casa, para lhe passar algumas lições.
Como era de costume na época, desde cedo algumas crianças, nascidas em abastadas famílias, tomavam contato com o mundo do conhecimento.
Rosália, era uma dessas crianças. Por isso mesmo desde cedo, seus pais, preocupados com sua formação, recomendaram a Cleide que passasse a ensinar a menina. Assim a mulher ensinando-lhe boas maneiras, além de história, geografia, e outros conhecimentos em voga, passou a preparar Rosália para a grande dama que ela seria um dia.
Filha de negros, diferente de sua mãe, teria desde o berço, contato com o que de melhor havia em matéria de educação.
E assim, enquanto passeavam, Cleide aproveitava para passar mais um pouco dos seus conhecimentos a menina.
A garota durante a estada da família na cidade, visitou o túmulo dos avos.
No dia seguinte, voltando para a fazenda, Thereza aproveitou para conversar um pouco com a filha durante o percurso do trem.
Rosália porém, encantada com a paisagem que conhecia desde que nascera, não estava nem um pouco interessada em conversas. Assim, Thereza teve que esperar chegar em casa para conversar com a menina.
Ao chegar na sede da fazenda, Thereza, desculpando-se com a filha sobre o ocorrido tempos atrás, convidou a menina para, no dia seguinte, fazer um passeio com ela pela fazenda.
Contente, Rosália aceitou logo.
Animada, enquanto cavalgavam a menina não se cansava de dizer como toda aquela verdura era linda.
Rosália, com sete anos, era esperta e fagueira como poucas meninas de sua idade. Ágil, era com grande prazer que os empregados da fazenda diziam a menina como tudo funcionava por ali. E Rosália, lepidamente aprendia tudo com maior facilidade.
Rodrigo comentando com a esposa que precisava visitar Ricardo, sugeriu que ela o acompanhasse.
Mas Thereza, dizendo que não estava disposta a rever Diego, comentou que preferiria permanecer em sua morada.
Percebendo que Thereza não tencionava se relacionar com Diego, Rodrigo não insistiu. Prevendo que seria mal recebido por Diego, achou até melhor a esposa não acompanhá-lo.
E assim, lá foi ele até a fazenda.
Ao lá chegar, percebeu que Diego estava cuidando da plantação. Por isso mesmo só foi recebido por Ricardo, que solícito fez questão de que ele entrasse na sede.
Ricardo, casado com Dorothéa, recebeu com toda a atenção que podia.
Sim por que, diante da difícil situação da fazenda a única coisa que podiam oferecer ao irmão, era café.
Rodrigo, percebendo a situação da família, perguntou ao irmão se não seria melhor venderem as terras. Com o dinheiro que ganhariam, poderiam começar a vida em outro lugar.
Ricardo explicou então, que Diego jamais venderia a fazenda. Comentando que já propusera isso ao irmão, respondeu que Diego, vociferando, alegou que só deixaria aquele lugar quando estivesse morto.
Rodrigo ao ouvir as palavras do irmão, ficou chocado. Porém, percebendo a situação de penúria da família, prometeu ajudá-los. Oferecendo a casa em que morava com Thereza, comentou que em caso de necessidade, eles poderiam viver por lá.
Ricardo e Dorothéa agradeceram a oferta. Contudo, dizendo que precisava convencer o irmão a vender tudo, Ricardo respondeu que tentaria mais uma vez falar com Diego.

Nisso, Diego, tentando negociar a venda de novas safras de café, tomou um novo prejuízo. Ao se dirigir a São Paulo, sabendo que boa parte dos negociantes de café viviam por lá, tentando fazer um bom negócio, não conseguiu vender nenhuma saca de café.
Sem compreender o que estava acontecendo, acabou descobrindo mais tarde, que boatos sobre uma provável praga na lavoura de alguns fazendeiros, bem como a impossibilidade de muitos deles não poderem honrar seus compromissos, fez com que os investidores e negociantes não se interessassem em negociar com ele.
Ao saber disso, o homem bem que tentou se explicar. Tentando de todas as formas possíveis convencer a todos de que aquelas notícias era falaciosas, acabou desistindo. Ninguém acreditaria nele.
Como as notícias não eram de todo mentirosas, os negociantes estavam ressabiados.
Diante disso, só coube a Diego suportar o prejuízo. Com o insucesso da venda, voltou para a fazenda.
Ricardo ao tomar ciência de que ele fracassara ao tentar vender o café produzido, ficou preocupado. Pensando no que seria de sua família, encheu-se de coragem e tentando convencer o irmão de que precisavam de ajuda, insistiu para que o mesmo pedisse um empréstimo a Rodrigo.
Qual o quê!
Diego dizendo que só estavam passando por uma má fase passageira, respondeu que já sabia o que faria.
Ricardo, percebendo que não havia nada mais a ser feito, revelou ao irmão que eles não tinham mais dinheiro para continuar investindo em novas colheitas. Se não vendessem logo a fazenda, certamente quando o fizessem só teriam prejuízos.
Irritado ele respondeu que se ele não tomasse uma atitude definitiva quanto a propriedade, ele arrumaria suas malas e iria morar com o irmão. Dizendo que Rodrigo oferecera sua casa para a família, comentou que só permanecia ao lado dele por que acreditava que poderia persuadi-lo. Contudo vendo que Diego não o ouvia, Ricardo resolveu tomar uma atitude definitiva.
Diego, percebendo que não conseguiria reter o irmão, respondeu indignado:
-- É sempre assim! Os ratos são os primeiros a abandonar o navio quando o mesmo está prestes a afundar. Pois bem! Podem ir. Só quero que saibam de uma coisa... Quando tudo estiver caminhando bem na minha fazenda, nem pensem em voltar.
Ricardo ao ouvir isso, respondeu:
-- A despeito de tudo isso, esta fazenda não é só sua. Porém, não vou brigar. Se você faz tanta questão de ser dono de uma propriedade arruinada, faça bom proveito. Eu não faço questão nenhuma de ser proprietário de nada aqui.
Diego, furioso com as palavras do irmão, mandou que ele arrumasse suas malas o quanto antes. Que sumisse o mais depressa possível de sua frente.
Ricardo guardando seus pertences, auxiliado por Dorothéa, arrumou duas malas. Era tudo o que o casal possuía de seu.
Ao colocarem seus pertences em uma charrete, Diego percebendo ambos pretendiam seguir de charrete até a fazenda de Thereza, irritado com o que ele considerava uma ousadia, os proibiu de tocarem nos animais. Dizendo que se eles queriam sair dali deviam fazê-lo por meios próprios, respondeu que não podia se desfazer de seus cavalos.
Dorothéa ao perceber que Diego se divertia em humilhá-los, pediu ao marido, que fossem logo embora dali. Dizendo que nunca fora tão ofendida, comentou com Ricardo que nunca mais voltaria para aquele lugar.
Diego, ao ouvir as palavras da mulher, respondeu:
-- É um favor que a senhora me faz. Cambada de ingratos!
Ricardo, dizendo que ele ainda lamentaria muito o que estava fazendo, ouviu como resposta um sorriso irônico.
Cansado de tentar se entender o irmão, Ricardo e Dorothéa, seguiram a pé.
O casal, caminhando durante boa parte da noite, chegou a fazenda da família de Rodrigo praticamente ao amanhecer.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 21

Dias depois, finalmente foram visitar o querido tio de Rodrigo.
Altino ao sabê-lo casado, ficou muito feliz.
O homem ao ver a moça, elogiou o bom gosto do sobrinho.
Thereza realmente era uma bela mulher. Do alto de seus vinte e cinco anos, a moça era um belo exemplo da beleza negra. Chamada de deusa de ébano por Altino, a moça agradeceu o elogio.
Na Rua do Ouvidor a moça relembrou do último passeio que fizera com o falecido marido pela cidade.
Mais tarde na confeitaria onde os dois voltaram a conversar, o casal se lembrou de suas respectivas histórias de vida.
Todavia, como não era momento para se lembrarem de suas tristezas, Rodrigo fez de tudo para animar Thereza.
E assim os últimos dias de passeio do casal pela cidade, foram os mais felizes na vida da moça. A jovem senhora, mal podia acreditar em tanta felicidade.
Quando retornaram para a fazenda, dois meses após o himeneu, Thereza tinha muitas novidades para contar a todos.
Cleide perguntando-lhe por que não tinham viajado para Europa, ouviu como resposta que tinha alguns assuntos para resolver em São Paulo. Assim, aproveitando o ensejo, viajaram pelo entorno. Mais tarde, quando as coisas estivessem mais calmas, os dois poderiam ir até o velho continente.
Nisso os meses se seguiram.
De vez em quando Thereza, acompanhada de Rodrigo ía até São Paulo verificar como andava a administração de seus bens.
Ricardo, igualmente noivo, visitava regularmente a fazenda de Thereza e Rodrigo.
Isso por que, depois do casamento do irmão, Ricardo passou a visitar a propriedade. Quem nunca se interessou em vê-los foi Diego.
Para Thereza, saber que Diego não tinha o menor interesse em ver como o casal estava era ótimo.
Com isso, aproveitando que tudo parecia ter se aquietado, Thereza, disposta a descobrir quem havia acabado com a vida de Abelardo, depois de contratar um investigador em São Paulo, esperou pacientemente o resultado das investigações.
Ao descobriu que o autor fora um fazendeiro que tivera sua fazenda invadida, Thereza ficou furiosa. Muito embora desconfiasse que algum daqueles fazendeiros pudessem ter praticado o delito, não havia com ter certeza. Agora porém, não havia mais dúvidas.
Thereza, decidida a se vingar de todos, passou a elaborar um plano para destruir o fazendeiro. Ao saber que o mesmo passava por dificuldades financeiras, e que nunca mais sua fazenda fora a mesma depois da fuga em massa dos escravos, Thereza, instruindo seus empregados, recomendou aos mesmos que comentassem na vila que alguns fazendeiros estavam passando por sérias dificuldades financeiras.
Os empregados, aumentando a gravidade da situação, chegaram a comentar que alguns deles estavam a beira da bancarrota.
Diego, ao saber disso, sentindo-se diretamente atingido com a notícia, – posto que não era novidade que atravessa há muitos anos sérias dificuldades – ficou bastante irritado com a notícia.
Contudo, como não sabia quem espalhara a notícia, não tinha como acertar as contas com o responsável pela confusão.
Quem também não gostou nem um pouco de saber disso foram os fazendeiros. Nenhum deles. Mesmo aqueles que gozavam de uma boa situação financeira sentiram-se incomodados com as notícias.
Thereza, ao saber que as novidades estavam tomando uma dimensão maior do que esperava, ficou profundamente feliz. Isso por que era apenas uma questão de tempo para ver todos aqueles homens arruinados. Ao tomar conhecimento de que Diego também fora atingido com a história plantada, a mulher ficou ainda mais feliz.
Cuidadosa, Thereza recomendou ao homens que se encarregaram de espalhar a aludida notícia que não comentassem com ninguém sobre o assunto. Recomendando a eles que não tocassem no assunto nem com Rodrigo, a mulher obteve como resposta que o silêncio deles estava garantido.
Enquanto isso Thereza, percebendo que estava grávida, pediu a Cleide que a ajudasse a contar a Rodrigo a novidade.
Cleide ao saber da novidade, comentou feliz:
-- Finalmente eu vou ter um aluno para quem eu possa novamente ensinar alguma coisa!
Satisfeita com a novidade, Cleide prometeu a amiga que a ajudaria a contar a novidade.
Quando Rodrigo tomou conhecimento da gravidez, ficou exultante.
Com isso, conforme os meses se seguiram, finalmente uma criança veio ao mundo.
Thereza, depois de horas e horas, finalmente deu a luz a uma criança.
Em homenagem a sua mãe biológica, Thereza batizou a filha com o nome de Rosália.
Rodrigo, sabendo da importância da história para ela, concordou com o nome.
Por conta disso, Thereza depois de muitos anos, enchendo-se de coragem, visitou novamente os túmulos de Rosália e de seu pai Rubens.
Abandonadas, as sepultaras mal podiam ser vistas pelos passantes.
Thereza percebendo isso, cuidando para que as mesmas não ficassem abandonadas, pediu Antenor que levasse dois dos empregados da fazenda para fazer uma limpeza nos túmulos. Cuidadosa, recomendou a Antenor que os mesmos fizessem esse trabalho toda a semana. Pensando em todos os detalhes, a mulher recomendou ao capataz que dissesse aos curiosos que seu interesse era apenas em preservar a beleza do lugar. Comentando que não era certo deixar as sepulturas abandonadas, providenciou lápides.
O comportamento da moça gerou uma certa desconfiança. Contudo, como não havia nada que depusesse contra ela, logo o desvelo de uma estranha com dois túmulos abandonados foi deixado de lado.
Pensando se tratar de um ato de generosidade, os moradores da região, acabaram acreditando que Thereza era apenas uma boa mulher.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 20

Nisso Thereza, pensativa, cheia de dúvidas, não sabia o que pensar da resposta de Rodrigo. Por ser viúva, não seria bom que ela se casasse tão cedo.
Isso por que, naquela sociedade conservadora e machista, ela precisaria esperar um longo tempo para novamente se casar.
Em virtude disso, Thereza pensou diversas em recusar o pedido.
Contudo, quando Rodrigo, retornando a fazenda, foi conversar com Thereza,  a moça ficou sem jeito. Temendo magoar o amigo, demorou algum tempo para responder a famigerada pergunta. Dizendo que não estava pronta para se casar novamente já que estava viúva a tão pouco tempo, tentou o máximo que pôde, dissuadi-lo da idéia de casamento.
Rodrigo, ao perceber a relutância de Thereza, respondeu-lhe que não precisavam casar-se logo. Ciente de que a moça estava em uma posição delicada, o mancebo respondeu que detalhes circunstanciais não eram motivo suficiente para ela recusar o pedido.
Insistindo muito, o rapaz disse que não iria deixá-la se casar novamente. A menos é claro, que fosse com ele.
Thereza ao ouvir a resposta de Rodrigo, achou seu tom engraçado. Por isso mesmo, riu, acreditando se tratar de uma brincadeira.
Rodrigo percebendo que Thereza não o levava a sério, respondeu que não sairia dali enquanto ela não desse a resposta certa.
Thereza percebendo isso, tentou convencê-lo a desistir da idéia. Dizendo que ele estava confundindo um sentimento de amizade com algo mais profundo, Thereza alegou que aquele não era um bom momento para assumir um novo compromisso.
Rodrigo dizendo que eles é que deviam fazer o momento ser bom, comentou que se fosse esperar o momento certo nunca teria coragem para se declarar. Alegando estar cansado de esperar por ela, o rapaz disse que não iria aceitar não como resposta. Menos ainda um não vago.
A moça, percebendo que não conseguiria fugir da resposta, disse decidida:
-- Não!
Rodrigo desapontado, perguntou:
-- Como não? Eu venho até aqui, me declaro para ouvir um simples não? Por que isso?
Thereza, tentando explicar seus motivos, contou novamente sobre a história de ser uma viúva.
Rodrigo, cansado da ladainha, respondeu que aquele motivo não o suficiente. Dizendo que se ela tivesse lhe dito que amava muito o marido para pensar em casamento, ele mesmo desapontado, aceitaria a recusa. Porém, percebendo que ela procurava desculpas para a recusa, respondeu que ficaria na fazenda dela até ela se decidir sobre o assunto.
Thereza, sem saber o que fazer, tentou diversas vezes convencer o rapaz a voltar para a fazenda.
Rodrigo contudo, se recusava veementemente. Dizendo que só arrastado sairia dali, permaneceu na sede por horas.
Nisso Thereza cansada de se explicar, recolheu-se.
Rodrigo, insistindo em ficar por lá, acabou dormindo na sala da casa de Thereza. Dormindo pesadamente, só acordou ao ser sacudido por ela.
Espantada a moça ao vê-lo dormindo no sofá de sua sala, foi logo perguntando-lhe o fazia ali.
Rodrigo dizendo que não sairia dali sem ouvir sua resposta, sentou-se no sofá.
Thereza, percebendo que não conseguiria expulsá-lo de lá, respondeu:
-- Está certo! Então nós nos casamos. Só que não agora.
Rodrigo ao ouvir a resposta, ficou radiante.
Feliz, abraçou Thereza. Depois, dizendo que precisava voltar para casa, partiu.
Cleide, dizendo que ouvira a conversa, desejou a moça muitas felicidades.
Thereza ao saber que Cleide ouvira o colóquio, não gostou nem um pouco disso. Censurando-a disse ela não deveria ficar bisbilhotando-os.
Cleide ao se ver objeto de censura, comentou que ouvira tudo por acaso.
Thereza respondeu:
-- Sei bem!
Entusiasmado, Rodrigo, andando a galope, era só alegria. Imaginando como faria para contar a todos que se casaria com Thereza, ficou a pensar. Feliz, nada parecia abalá-lo, nem a reação desabrida de Diego.
Assim determinado, ao chegar na fazenda, o rapaz, se arrumando, resolveu descansar um pouco.
Mais tarde, ao contar a Ricardo, recebeu um forte abraço de felicitações. O moço, sabendo que isso certamente aconteceria, chegou até a comentar que Rodrigo agira muito rápido.
Diego, ao tomar conhecimento da notícia, agiu com desdém. Debochando de Rodrigo, disse que aquele seria o casamento do ano.
O jovem noivo, ciente de que essa seria a reação de Diego, nem ligou.
E assim, nos dias que se seguiram, o rapaz, visitando reiteradas vezes a noiva, comentou que precisavam marcar a data. Thereza, cautelosa, dizia que ainda era cedo para isso, mas Rodrigo ansioso, dizendo que tinham muito o que fazer, acabou convencendo-a providenciar a data.
Insistindo com Thereza para que cuidasse do enxoval, comentou que quando tudo estivesse pronto, os dois poderiam se casar.
A moça, tentando adiar a data do enlace, bem que tentou retardar os preparativos do casamento.
Cleide porém, ajudando o rapaz, sempre lhe avisava quando Thereza estava tentando lhe enrolar.
Diante disso, não demorou seis meses para a moça se casar novamente.
O novo casamento, ao contrário do primeiro, teve todo o luxo e requinte que Rodrigo esperava para tão nobre momento. Dizendo que era o seu casamento, comentou que queria uma cerimônia inesquecível.
Thereza, ao perceber o interesse de Rodrigo em organizar uma bela festa, ficou espantada. Isso por que, geralmente quem sonhava com as festas eram as noivas e não os noivos. Assim, vê-lo tão animado com a festa, era surpreendente.
Rodrigo, por sua vez, não se importava nem um pouco com a reação das pessoas. Dizendo que aquele era o seu casamento, ressaltou que queria mostrar a todos o quão estava feliz por aquele enlace.
Cleide entendendo a posição do rapaz, concordou com ele. E assim a festa se fez do jeito que ele pretendia.
A cerimônia, ao ar livre, foi celebrada por Padre Lívio. Este, feliz pelos noivos, preparou um belo discurso.
Cleide madrinha do casal, acompanhada dos amigos da moça, e Ricardo, permaneceram junto dela no altar – montado especialmente para aquela ocasião.
Emocionado, Padre Lívio comentou que estava celebrando o casamento de uma guerreira, de mulher que apesar de abatida com os últimos acontecimentos, se reergueu e retomando sua vida, resolveu se casar novamente. Em seguida, dizendo que Rodrigo também era um jovem nobre, respondeu que aquela união, indissolúvel, era a mais bela aliança do mundo.
Desfazendo-se de seu luto, Thereza ao se casar, vestiu um lindo vestido perolado.
Com isso, depois do casal colocar as alianças, seguiu-se o encerramento da cerimônia e Thereza, caminhando de braços dados com Rodrigo, recebeu os cumprimentos dos convidados.
A pedidos, jogou o buquê. Ansiosas as mocinhas da região, ficaram afoitas. Como todas queriam segurar o buquê, foi uma disputa, conseguir o almejado objeto.
Quando Cleide conseguiu segurar o buquê, todos ficaram surpresos. As mocinhas, decepcionadas, não se conformavam com o fato de justamente dela o ter pego.
Thereza ao ver Cleide segurando o buquê, ficou muito feliz por ela.
Mais tarde, dançando no belo baile pedido por Rodrigo, Thereza encantou a todos com sua habilidade para valsar. Até mesmo Rodrigo ficou espantado com sua leveza.
Dançando ficaram a noite inteira.
Que bela festa! O baile que se seguiu e o casamento foram impecáveis.
Desse baile os moradores da região, falariam ainda por muitos anos.
Nisso, Thereza e Rodrigo, ao encerrarem as valsas, depois de muito se divertirem, foram até a sede e com as malas prontas prepararam-se para partir.
Thereza, trocando o vestido de noiva, colocou um traje discreto. Rodrigo fez o mesmo.
Em seguida, despedindo-se dos criados e amigos, os dois partiram.
De charrete, seguiram até a estação. A mesma estação que alguns anos antes trouxera ela e Abelardo para aquelas paragens.
Ricardo, a essa altura devia estar dormindo.
Quanto a Diego, Rodrigo não fazia a menor idéia de onde este pudesse estar. Como não aparecera no casamento, Rodrigo não sabia o que ele poderia estar fazendo.
Para Thereza, o fato dele não ter comparecido, foi um alento.
Sim por que para ela, se a simples idéia de ver aquele rapaz adentrando sua propriedade já lhe era penoso, o que se poderia dizer ter de conviver com sua pessoa? Por esta razão a moça ao ver que o rapaz não apareceria, ficou satisfeita.
Quem não gostou nem um pouco da desfeita foi Rodrigo.
Thereza, tentando acalmar o rapaz, respondeu-lhe que não precisava ficar aborrecido. Dizendo que fora até melhor ele não aparecer, comentou que o casamento fora perfeito, exatamente como queria.
Rodrigo, ao constatar que estava casado com Thereza, resolveu deixar a decepção de lado e aproveitando a viajem, observou a paisagem. Conversando com Thereza, descobriu o quanto sua vida mudara desde que ela deixara a fazenda.
Rodrigo também contou com fora sua vida nos últimos anos.
Durante a lua-de-mel o casal aproveitou para visitar as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Rodrigo que visitara poucas vezes São Paulo, encantou-se com o ar europeu da urbe. A moça, aproveitando a estada na província, comentou com o rapaz que precisava ver como andavam as coisas. Assim, conversando com Assírio  constatou que tudo estava indo bem.
Cuidadosa, durante o tempo em que estiveram na cidade, o casal ocupou a casa em que moça vivera quando morou por lá.
Aproveitando a estada na cidade, Thereza aproveitou para visitar as propriedades e verificar os investimentos que sua família fizera.
Rodrigo percebendo que a moça amealhar um vasto patrimônio, ficou espantado.
Mas não era só isso.
Thereza, proprietária de fazendas em outras localidades da província, deixou-o ainda mais boquiaberto.
Muito embora ele também possuísse alguns bens, não era nada se comparado com o vasto patrimônio de Thereza. Espantado com isso, o rapaz se perguntava como ela conseguira amealhar tão grande fortuna.
Cuidadoso, porém, não lhe fez nenhuma pergunta a esse respeito. Interessado em aproveitar sua lua-de-mel, o rapaz resolveu deixar as perguntas para mais tarde.
Além disso a moça, preocupada em visitar o túmulo dos pais, acabou fazendo-o desistir da idéia de inquiri-la. Thereza, procurando lembrar de Dona Odete e Seu Hélio, como forma de homenageá-los, depositou flores em seu túmulo.
Rodrigo, ficou tocado com a cena.
Dias depois, de viagem para a Corte, o rapaz, convidando a moça para se hospedar na casa de seu tio, ouviu como resposta, um sonoro não. A moça, dizendo que preferia se hospedar em um bom hotel, comentou que eles precisavam de um pouco de privacidade. Além disso, ela não queria incomodar o tio do rapaz, que por ser um homem de idade, poderia não estar interessado em receber estranhos em sua casa.
Rodrigo concordou.
Muito embora tivesse escrito de São Paulo sobre seu casamento, não havia comentado quando viajariam para o Rio de Janeiro. Assim, o tio Altino não devia nem fazer idéia de quando eles iriam para lá.
Assim, quando chegaram na Corte, o casal se hospedou em um luxuoso hotel da cidade.
Acomodados, o casal usufruiu de todos os confortos e luxos que um bom hotel pode proporcionar.
Mais tarde passeando pela cidade, revisitaram os lugares por onde passaram anos atrás.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 19

Debalde, porém.
Abelardo, conhecendo a posição da esposa, negou qualquer envolvimento na ação.
A moça então, sem ter o que fazer, respondeu que rezaria por ele. Sabendo que ele estavam mentindo, disse a ele para que tivesse cuidado. Isso por que, depois do ocorrido, quando o fazendeiro tomasse conhecimento de quem fora o responsável por aquela debandada de escravos, certamente tentaria se vingar.
Nisso seguiram-se alguns dias de tranqüilidade.
No entanto, após algum tempo de calmaria, novamente uma ação libertou outros escravos em uma fazenda vizinha.
Nova ação bem sucedida.
Todavia, na terceira operação, quando Abelardo, mascarado, tentava ajudar os escravos a fugir, o feitor da propriedade, percebendo a estranha movimentação, driblando a vigilância dos homens que acompanhavam o rapaz, foi até a sede da fazenda.
O fazendeiro, ao saber do que estava acontecendo, pegou sua arma e atirando na direção de Abelardo atingiu-o bem no peito.
O rapaz, ao sentir o impacto do tiro, caiu do cavalo imediatamente. Provavelmente nem teve tempo para se dar conta do que estava acontecendo.
Nisso os negros, que estavam por perto, percebendo a confusão, trataram de fugir. Correndo feito loucos, sumiram no mato.
E assim, muito embora o fazendeiro gritasse com os negros exigindo que os mesmos voltassem para a senzala, os mesmos não o obedeciam.
O fazendeiro desesperado, mandou o feitor tentar pegar os negros no meio do mato.
O homem, dizendo que não sabia o que fazer para achá-los, pediu para que o fazendeiro o liberasse para chamar primeiramente o capitão-do-mato. Percebendo que era o melhor a fazer, o fazendeiro concordou.
E assim seguiu a madrugada tormentosa.
Os demais integrantes do movimento abolicionista, ao perceberem que Abelardo estava morto, trataram se evadir da fazenda.
Nisso, o fazendeiro, se aproximando do corpo já sem vida do rapaz, ao puxar o capuz, percebendo que havia atirado em Abelardo, ficou espantado.
Surpreso, por um instante pensou que Thereza estivesse envolvida em toda aquela confusão. Diante dessa possibilidade, o homem ficou furioso. Depois porém, cauteloso, temendo a reação de Thereza, que nessa época era muito influente na região, o fazendeiro, escondeu o corpo.
Embrulhando o corpo de Abelardo numa manta, o fazendeiro enterrou o jovem longe dali.
Enquanto isso, Thereza, depois de ficar três dias sem ver o marido, preocupada com sua ausência, foi até o sítio. Ao lá chegar, percebendo que Abelardo não estava por lá, Thereza ficou ainda mais preocupada.
Intranqüila com a ausência de Abelardo, Thereza pediu a Antenor para que fosse até a vila para descobrir se algo estranho estava acontecendo.
Antenor, foi.
Ao chegar na venda que havia na região, ouviu comentários a respeito de uma nova ação numa fazenda vizinha.
Contudo, sob a desculpa de que precisava comprar alguns mantimentos para a fazenda, muito embora tenha tentado, não conseguiu maiores detalhes sobre a ação dos invasores.
Thereza, ao saber que uma nova ação ocorrera, ficou apavorada.
Comentando com Cleide que ele poderia estar em perigo, confessou que temia que ele pudesse estar morto.
A amiga, notando o desespero, tentou de todas as maneiras possíveis, convencer Thereza de que ela estava errada.
Inutilmente.
Thereza, convencida de que Abelardo estava morto, pediu que a quatro de seus funcionários que vasculhassem os arredores das três propriedades em busca de algum indício da presença de Abelardo.
Cautelosa, sabia que não podia dizer o que sabia. Assim, procurou agir o mais discretamente possível.
No entanto, não foi preciso muito empenho para que descobrissem o paradeiro de Abelardo. Isso por que, na pressa em se livrar do corpo, o autor da morte, não tivera o devido cuidado em fazer uma cova profunda. Assim, em questão de dias, uma das mãos, surgindo na flor da terra, deu o sinal que precisavam. Um dos homens, ao ver a mão, tratou de desenterrar o corpo. Ao ver que era Abelardo, o homem ficou chocado.
Assim, ao final de alguns dias, finalmente Thereza soube o que havia sucedido ao marido.
Desolada, apesar de saber o que tinha se sucedido, a mulher sentiu muito a morte do esposo. A despeito de estarem brigados, Thereza e Abelardo se amavam e para ela, perder seu companheiro, foi extremamente doloroso.
Em razão disso, Cleide, percebendo o penar de Thereza, prestativamente se ofereceu para cuidar de todos os detalhes da cerimônia fúnebre.
A Thereza restou portanto, se recordar dos bons momentos que tivera com Abelardo. Sentida e emocionada, Thereza se lembrou do casamento com Abelardo, da presença amiga de seus pais de criação, e da atmosfera de tranqüilidade e amor que enchiam seu coração de paz, naquele momento tão sublime de sua vida.
A cerimônia, realizada numa igreja simples, causou espanto na sociedade paulistana. Isso por que, um casamento entre pessoas da raça negra não era comum, entre a elite. Assim, por menos interesse que as pessoas tivessem em comparecer ao casamento, os jornais publicaram a notícia. E assim, mesmo em se tratando de uma igreja modesta, o casamento foi celebrado diante de muita gente. Amigos e até mesmo figuras ilustres da sociedade paulistana, compareceram à cerimônia.
Durante a cerimônia, esqueceu-se de sua triste história. Por alguns instantes esqueceu-se da idéia de vingança.
Assim, a moça ouviu atentamente as palavras do padre. Felizes, Dona Odete e Seu Hélio, acompanharam o casamento da única filha que tiveram na vida.
No final da cerimônia de celebração do casamento, uma cena de conto de fadas. Thereza, acompanhada de Abelardo, subiu em uma carruagem, cuidadosamente decorada para a ocasião, e passearam um pouco pela cidade. Mais tarde, foram aproveitar a lua-de-mel.
Feliz por ter encontrado alguém como Abelardo, Thereza pensou em desistir de sua vingança, ao menos por alguns instantes.
Agora com a morte de seu fiel companheiro, não havia mais nada que impedisse de finalmente executar seus planos de vingança. Triste porém, não conseguia pensar em mais senão na idéia de que estava completamente sozinha. Sozinha como sempre estivera, durante boa parte de sua vida.
Pesarosa, apesar de toda a dor que decerto sentia, a moça ficou o tempo todo ao lado do caixão. Lacrado, posto que o corpo já se encontrava em decomposição, Padre Lívio dizendo a moça que não podiam ficar com o corpo dentro de casa, pediu para rezar uma pequena missa.
Thereza, aturdida, envolvida em um turbilhão de emoções, concordou com o padre.
E assim, o sacerdote, percebendo o estado de espírito de Thereza, tratou de se apressar para começar a cerimônia. Cumprindo toda a liturgia exigida pela igreja, o homem terminou a missa, encomendando o corpo.
Dizendo a todos que rezassem para que Abelardo descansasse na morada do Pai Celestial, rezou um pai nosso. Depois, dizendo que poderiam levar o corpo, pediu a quatro empregados, que conduzissem o caixão.
Alguns fazendeiros, ao saberem da morte repentina do rapaz, foram até a fazenda de Thereza prestar suas condolências.
A mulher de luto, ao ver aqueles homens em sua casa, por um instante, pensou em expulsar a todos de lá.
Furiosa, quase colocou tudo a perder. Não fosse a intervenção de Cleide teria destruído seu trabalho de meses em convencer aqueles fazendeiros de que ela não era uma ameaça.
Sim, Cleide agil rápido.
Dizendo que Thereza não estava bem, pediu a eles que a desculpassem. Afinal de contas ela estava vivendo um momento muito difícil.
Um dos fazendeiros, dizendo que compreendia a atitude da moça, comentou que era totalmente aceitável o fato dela não estar sendo muito amigável com eles naquele momento.
Cleide agradeceu a compreensão.
Nisso, depois do término da missa, os empregados da fazenda, Thereza, seus amigos e os demais fazendeiros da região, acompanharam o enterro de Abelardo.
Solenes, acompanharam o enterro.
Ao verem o caixão receber as primeiras pás de terras, alguns homens comentaram com Thereza que a perda de Abelardo era lastimável.
Thereza tristemente, só ouvia.
Sentida com a perda de Abelardo, a mulher prestou sua última homenagem. Despetalando as rosas que trazia consigo, Thereza lançou-as no túmulo de seu querido Abelardo. Emocionada, disse ainda, que inscrevessem na lápide: ‘Ao meu querido esposo’.
Ao ouvirem isso, todos elogiaram Thereza.
A morte, comentada em toda a região, chegou até a fazenda de Diego. Mas este, ao saber da morte de Abelardo, não se incomodou nem um pouco. Dizendo que a morte de um negro não significava nada para ele, comentou que era até bom aqueles negros morrerem, pois assim, não misturavam sua cor com a cor dos brancos.
Ricardo ao ouvir as palavras do irmão, ficou assombrando com a indiferença de Diego. Por isso mesmo recriminou-o.
Diego no entanto, não se importava com o que Ricardo pensava a seu respeito.
O jovem mancebo porém sentindo-se no dever de prestar suas condolências, foi até a fazenda de Thereza. Lamentando sinceramente a morte de Abelardo, ofereceu seus préstimos.
Thereza, visivelmente abatida, agradeceu a gentileza.
Quanto a Rodrigo, este por estar viajando, só tomou conhecimento do óbito, semanas após o ocorrido. Determinado a vender as sacas de café estocadas em sua fazenda, o rapaz foi até Santos negociá-las.
Assim, negociando a mercadoria, o rapaz passou algum tempo longe da fazenda.
Quando finalmente retornou para casa, qual não foi sua surpresa ao saber que Thereza se encontrava na triste condição de viúva.
O jovem mancebo, sentindo-se no dever de amparar a amiga de infância, foi até a fazenda de Thereza. Apressado, nem desfez suas malas. Ansioso por ver a moça, o mandou o capataz preparar um cavalo. Dizendo que queria sair imediatamente para cavalgar, causou surpresa.
Como havia voltado de viagem, todos acreditavam que Rodrigo devia estar exausto. Porém, ao saber da morte de Abelardo, o rapaz, ao invés de esperar o dia seguinte, quando então estaria mais descansado para visitá-la, resolveu fazer a visita imediatamente.
Rodrigo, percebendo o espanto de todos, comentou que precisava dar umas voltas. Mais tarde voltaria e descansaria.
Ricardo, sabendo Rodrigo era amigo de Thereza, entendendo a atitude do mesmo, disse a ele que não tivesse pressa.
Isso por que, apesar do mesmo nunca ter admitido a natureza de sua admiração por Thereza, sabia perfeitamente que ele sentia por ela bem mais do uma simples amizade.
E assim, montando um cavalo o rapaz cavalgou veloz, em direção a fazenda de sua amiga Thereza. Angustiado, cada trote do cavalo acompanhava as batidas do seu coração. Exausto, finalmente chegou a fazenda.
Adentrando a propriedade, a certa altura, foi interpelado por Antenor que curioso, queria saber onde o mancebo almejava ir.
Rodrigo, apeando de seu cavalo, usando de toda sua diplomacia, respondeu que precisava conversar com Thereza. Dizendo que tinham um assunto muito importante para resolver, pediu ao capataz que o deixasse seguir. Alegando o assunto que tinha a resolver com ela mudaria para sempre sua vida, pediu novamente licença.
Antenor, percebendo o ar de gravidade do rapaz, consentiu que o mesmo seguisse até a sede. Rodrigo agradecido, retirou seu chapéu, e fazendo um cumprimento, subiu em seu cavalo e continuou cavalgando.
Agora porém, percebendo a proximidade da sede, passou a cavalgar cada vez mais lentamente. Estava nervoso.
E a cada passada de seu animal, mais Rodrigo sentindo que não podia mais recuar, enchendo-se de coragem, prosseguiu.
Finalmente, ao chegar em frente a sede, percebendo a beleza da construção, pensou o quanto Thereza devia estar sozinha. Imaginando-a triste e meditativa, chegava a se perguntar, como faria para dizer o que ía em seu coração.
Nessa dúvida, o rapaz permaneceu durante um longo tempo. Depois a certa altura, cansado de esperar, decidiu entrar na casa.
Enquanto caminhava pelo alpendre, Cleide, que circulava pela sala, acabou o encontrando. Perguntando o que ele desejava, ouviu como resposta que ele precisava conversar com Thereza.
Cleide, dizendo que Thereza não estava em condições de receber ninguém, pediu a ele esperasse para conversar com ela outro dia.
Rodrigo, imaginando que isto poderia acontecer, disse a Cleide que o que tinha a dizer a Thereza era de suma importância. Tão importante que não poderia esperar nem um dia para ser dito.
Cleide, tentando então saber o teor da conversa, começou a fazer perguntas ao rapaz.
Rodrigo, percebendo a curiosidade da mulher, respondia apenas que o assunto era reservado e que só conversaria sobre ele com Thereza.
Cleide, percebendo então que não faria o rapaz desistiu, tratou logo de chamar Thereza. Conversando com a moça, que abatida, mal saíra da cama, a mulher disse-lhe que Rodrigo estava aguardando-a. Dizendo que algo muito importante para falar, Cleide alegou que o mancebo parecia bastante afoito.
Thereza, ao ouvir as palavras de Cleide, desistiu de tentar resistir ao encontro. Assim, dizendo para que ela que primeiramente se vestiria e depois iria conversar com o rapaz, pediu a Cleide que o deixasse entrar na sala.
Cleide concordou.
Thereza então, escolhendo um vestido preto, arrumou-se e foi até a sala conversar com Rodrigo. Tentando esconder seu abatimento, passou um pouco de carmim sobre as maçãs do rosto.
Mesmo assim sua tristeza era evidente.
Rodrigo ao vê-la se aproximando, sentado, logo se levantou.
Thereza cumprimentou-o e perguntando qual era o assunto, sentou-se.
Rodrigo, retribuindo o cumprimento também novamente sentou-se. Depois, dizendo que primeiramente gostaria de hipotecar sua solidariedade, respondeu que sentia muito o que havia acontecido.
Thereza, agradeceu a preocupação.
Rodrigo, desculpando-se então por sua ausência, disse que estivera viajando, e que só soube do passamento de Abelardo a poucas horas.
Thereza respondeu que compreendia sua situação.
Rodrigo então, se aproximando, segurou as mãos de Thereza. Gaguejando, comentou que embora aquele não fosse o momento oportuno, disse que há muito tempo que dedicava a ela a mais distinta consideração.
Thereza, ouvindo as palavras de Rodrigo, respondeu aturdida, que não estava entendendo onde ele queria chegar.
O mancebo, tomando coragem, respondeu que quando encontrou-a no Rio de Janeiro, ficou muito desapontado ao saber que ela estava casada com Abelardo.
Thereza, ao ouvir estas palavras, ficou chocada.
Rodrigo, percebendo que se excedera, pediu desculpas. Em seguida, dizendo que ficara enciumado, confessou que inúmeras vezes desejou estar em seu lugar.
Thereza ficou ainda mais espantada.
Rodrigo, percebendo que a moça tentava soltar sua mão, passou a segurá-la com mais força. Decidido, o rapaz, percebendo o constrangimento da moça, logo disparou a seguinte pergunta:
-- Quer se casar comigo?
Thereza, ao ouvir a proposta de Rodrigo, ficou espantada. Sem saber o que dizer, precisou pensar bastante antes de perguntar se ele estava ficando maluco. Dizendo que fazia semanas que enviuvara, a moça respondeu que não tinha como se casar.
Rodrigo sabendo disso, respondeu-lhe que não precisavam se casar imediatamente. Também não precisava lhe dar uma resposta naquele instante.
Thereza disse então:
-- Não sei o que pensar.
Rodrigo percebendo que surpreendera a moça, insistiu em dizer-lhe que não precisava ter pressa.
Thereza atônita, depois de muito pensar, respondeu que não sabia o que dizer. Por isso mesmo, tentando ganhar tempo, pediu ao mancebo que esperasse um pouco para que ela pudesse responder sua proposta.
Rodrigo dizendo que esperaria o tempo que fosse necessário, comentou que precisava voltar para casa. Dizendo que precisava ver como ficaram as coisas quando ficou ausente, respondeu que nos próximos passaria por lá para saber sua resposta.
Thereza sem direito o que dizer, perguntou ao rapaz se ele não queria ficar para jantar.
Rodrigo, mesmo sentindo vontade de ficar, respondeu que precisava voltar. Antes de partir porém, pediu a ela que ficasse bem.
Educada Thereza se despediu dele.
Rodrigo então, apressadamente, voltou para a fazenda. Como a noite estava prestes a cair, o rapaz decidiu se apressar.
Cavalgando velozmente, chegou ao cair da noite na fazenda. Cansado, resolveu tomar um banho e logo em seguida, deitou-se. Fatigado, nem quis saber de jantar.
Ricardo, percebendo que o dia fora longo para ele, resolveu não incomodá-lo. No dia seguinte, durante a tarde Ricardo, percebendo o ar de tranqüilidade de Rodrigo, foi logo perguntando como tinha sido a conversa entre eles.
Rodrigo, dizendo fora até lá somente para prestar suas condolências, respondeu que não tinha nada para comentar. Alegando que tinha que conversar com o feitor da fazenda, respondeu que precisava saber como tudo estava.
Ricardo dizendo que ele poderia perfeitamente informá-lo de tudo o que acontecera nos últimos dias, disse que ele e Diego cuidaram muito bem da propriedade.
Rodrigo, dizendo que confiava nele pediu a ele que contasse então como tudo transcorrera.
Foi o que Ricardo fez.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 18

Agradecidos, devotavam a ela uma profunda consideração. Negra com eles, a única coisa que os separavam dela era o fato desta possuir uma melhor condição social. Somente isso. Generosa, toda vez que ela sugeria algo para melhorar a vida dos empregados, Abelardo, orgulhoso da esposa, não cansava-se de elogiá-la.
Aliás quanto a isso, Abelardo também era benquisto por todos. Igualmente generoso, chegou inúmeras vezes a acompanhá-los na feitura dessas obras.
Abandonando qualquer vaidade, chegava até a amassar barro com eles.
Os empregados da fazenda, quando o viam assim, sujo, coberto de barro, sentiam que ele era um igual. Contudo, nem tão igual assim. Cientes disso, nunca se esqueciam de que ele era seu patrão.
Os fazendeiros ao saberem das inovações que Thereza fazia na administração de sua fazenda, ficaram espantadíssimos. Temendo que seus escravos se rebelassem ao tomar conhecimento da novidades que aconteciam na fazenda de Thereza, os fazendeiros se queixavam padre.
Preocupados, perguntavam a Lívio:
-- Onde é que vamos parar com isso?
Diplomático, o sacerdote procurava explicar-lhes que Thereza não estava nem um pouco interessada em se indispor com eles. Porém, devido sua condição, sendo mulher e negra, ela sentia-se na obrigação de ajudar seus irmãos de cor. Assim, eles deviam ter paciência com ela.
Thereza, ao saber da reação dos fazendeiros, fez questão de pedir a Padre Lívio para que esse realizasse um encontro entre ela, seu marido e os fazendeiros.
O sacerdote, honrado com a presença da benfeitora da região, aquiesceu com a proposta.
E assim e lá foi ele novamente ter com os fazendeiros. Dizendo a eles que Thereza estava disposta a conversar com eles, disse que ela possuía a melhor das intenções.
Os fazendeiros, relutantes, demoraram para aceitar a proposta de entendimento. Contudo, como não tinham nada a perder, acabaram concordando.
E assim, depois de alguns dias, lá estavam eles conversando.
Thereza dizendo que não tinha interesse em causar uma revolução no lugar, comentou que sabia que os negros eram necessários para a economia da região.
No entanto, conhecendo o sofrimento dos mesmos, a moça comentou que se sentia na obrigação de auxiliá-los. Contudo, sabendo que eles não concordavam com ela, Thereza, fez questão de afirmar que ninguém era obrigado a agir como ela. Todavia, eles até podiam continuar a tratar seus escravos como vinham tratando, mas não tinham o direito de se intrometerem na administração de sua fazenda.
Os fazendeiros, ao ouvirem as palavras de Thereza, perguntaram a Abelardo se ele não tinha algo a acrescentar.
O rapaz cauteloso, respondeu que não. Dizendo que cada qual sabia o que era melhor para sua fazenda, não cabia a eles, que haviam acabado de se mudar para lá, se intrometerem na administração de tão novéis fazendeiros.
Os homens, ao ouvirem as palavras elogiosas de Abelardo, ficaram profundamente envaidecidos.
Com o ego massageado, quando tornaram a falar com o casal, fizeram questão de os cumprimentar. Thereza e Abelardo, percebendo a mudança de atitude, fizeram questão de retribuir a gentileza.
Isso por que, desde que passaram a viver ali, nunca foram cumprimentados. Somente os escravos, corajosamente lhe dirigiam cumprimentos. Ao ver o casal negro andando pelas ruas da vila, os cativos chegavam a acreditar que algum dia também poderiam ter a vida que eles tinham. Inicialmente surpresos com a novidade, que correu rapidamente pela região, os negros passaram a se sentir mais confiantes ao saberem de tal fato.
Alguns, atrevidamente chegavam a enfrentar seus donos depois que conheciam a história de Abelardo e de Thereza.
Isso contribuiu e muito para que os fazendeiros não os vissem com bons olhos.
Com o passar do tempo porém, os mesmos percebendo que Thereza estava até mesmo disposta a ajudá-los a cuidar dos negros de suas fazendas, conversando, comentou que se eles lhes dessem melhores condições de vida, certamente trabalhariam com mais afinco.
Num primeiro momento, os fazendeiros rejeitaram veementemente sua oferta. Depois, visitando a fazenda da moça e vendo a forma como os negros eram tratados, a vida que tinham, a forma com que se dedicavam ao trabalho, acabaram por se convencer pelas palavras da moça.
E assim, Thereza acompanhada por eles, mostrou que com poucos investimentos podiam fazer tudo o que ela fizera.
Thereza, ao mostrar as vantagens de seu sistema, comentou, que como era ela quem providenciada praticamente tudo o que precisavam, ainda com eles ganhando um módico salário, não despendia uma grande fortuna para tanto.
Os fazendeiros então, dizendo que podiam fazer todas aquelas melhorias, comentaram que a despeito das boas intenções da moça, que decerto eram boas mesmos, eles não podiam libertá-los.
Thereza, reconhecendo que os fazendeiros estavam numa solução difícil, concordou com eles. Isso por que, vendo que eles se propunham a melhorar a vida dos negros na fazenda, Thereza achou por bem concordar.
Abelardo ao saber que eles não tinham intenção nenhuma de libertar os negros, não ficou nem um pouco satisfeito. Mas o pior não fora saber disso. O que mais lhe decepcionou foi saber que Thereza concordara com aqueles fazendeiros retrógrados.
A moça então, tentando se explicar, contou que se não concordasse com eles, os mesmos não aceitariam nem fazer as melhorias.
O rapaz ao ouvir a explicação da moça, continuou decepcionado com ela. Dizendo que esperava uma atitude mais firme de sua parte, comentou que era uma vergonha existir escravidão no Brasil.
Thereza concordou, mas dizendo que não seriam de uma hora para outra que mudariam toda aquela situação injusta que se perpetuava por séculos, comentou que precisavam fazer tudo aos poucos. Assim no final das contas, todos sairiam satisfeitos.
Abelardo porém, teimoso que era, não concordou com a esposa, e dizendo que a mesma estava acovardando, acabou discutindo seriamente com ela.

Cleide, ao tomar conhecimento do desentendimento dos dois, ficou deveras preocupada.
Procurando conversar com os dois, constatou que não seria nada fácil fazer com o ambos se entendessem.
Enfim, as coisas não estavam tão boas para Thereza.
Apesar de gozar de prestígio na região, seu relacionamento com Abelardo, não ía nada bem.
Mas coisas iriam piorar ainda mais.
Isso por que Abelardo, determinado a acabar com aquela injustiça que se perpetuava naquelas paragens, passou a organizar um movimento abolicionista na região. Fazendo uso da outra sede, localizada no sítio que Thereza adquirira, Abelardo passou a se encontrar com pessoas que não concordavam com aquela situação.
Desafiando os fazendeiros, passou a incomodá-los.
Embora não soubessem quem era o atrevido que ousava se insurgir contra eles, os homens estavam determinados a descobrir o autor dos escritos apócrifos que os desmoralizavam publicamente.
Thereza, afastada do marido, nem sequer imaginava que ele estava envolvido nesta confusão.
Contudo, depois de um longo tempo, percebendo que ele adotara um comportamento muito estranho, Thereza, decidida a esclarecer a história, mandou que Antenor o seguisse.
Foi assim que ela descobriu que Abelardo estava envolvido até o pescoço naquela história toda. Temendo que seus planos ruíssem, a mulher pediu reiteradas vezes para que ele desistisse de tudo.
Abelardo, tentando negar, dizia que ela estava enganada.
Thereza porém, dizendo que sabia que era ele quem produzia os jornais que passaram a circular na região, comentou que os fazendeiros eram homens perigosos. Se eles descobrissem que ele estava envolvido naquela história, acabariam com ele. Pior, certamente pensariam que ela também se envolvera em tudo aquilo.
Abelardo, ao ouvir as palavras desairosas da esposa, disse que ela era igual a todos aqueles fazendeiros. Chamando-a de covarde, Abelardo fez questão de dizer que estava envergonhado com sua atitude. Decepcionado com a esposa, relembrou-se de sua justificava para se mudar para lá. Mas, segundo ele, qual fora sua atitude? Simplesmente aceitou o que os fazendeiros pensavam dos negros.
Thereza, irritada com Abelardo, discutiu mais uma vez com ele. Dizendo que ela fizera muitas coisas boas, não só para os negros como para todos na cidade, comentou que preferia fazer uso de sua inteligência e não da brutalidade. Ao dizer que ela só perderia se tentasse resolver tudo por meio da violência, comentou que estava obtendo mais resultados com sua estratégia, do que ele com a idéia de enfrentar os fazendeiros.
Irritado, Abelardo disse que não havia nada de errado em acreditar em uma causa. A dele por acaso era a dos negros. Poderia ser qualquer outra. Mas ele era abolicionista e lutaria de qualquer forma para impedir os desmandos dos fazendeiros.
Depois de proferir essas palavras, o rapaz saiu deixando Thereza para trás. Mais tarde, voltando para o local dos encontros, conversou com os outros integrantes do movimento. Planejando uma ação, Abelardo cuidou dos últimos detalhes.
No dia seguinte, invadiriam uma das fazendas da região e libertariam os escravos.
Assim o fizeram.
Durante a madrugada do dia seguinte, cinco homens invadiram uma das fazendas e abrindo os portões da senzala, libertaram os escravos.
Encapuzados, renderam um dos homens que guardavam a senzala. Atacando-o de surpresa, trataram de amarrá-lo ao tronco.
Assim, enquanto ele tentava se soltar, os escravos fugiam.
Durante a manhã, quando o fazendeiro deparou-se com a senzala vazia, vendo que o homem que fazia a guarda da senzala estava amarrado, ordenou ao capitão-do-mato para que fosse atrás dos escravos homiziados.
Como todos os escravos haviam fugido, o homem precisou de reforços. Mesmo assim, dispersos pelo mato, muitos negros conseguiram fugir.
E assim apesar da recaptura de escravos, o fazendeiro, sem ter como continuar a colheita, ordenou ao capitão-do-mato que continuasse a procurá-los. O homem acatou a ordem. Procurando pelos negros, vasculhou todos os lugares. Por fim, percebendo que não seria possível encontrar mais alguém, recomendou ao fazendeiro que adquirisse novas peças.
O homem, preocupado, respondeu que seria muito difícil conseguir novos escravos. Com as medidas do governo, para conseguir comprar algumas peças teria que negociar com comerciantes estrangeiros.
Sem saída, o homem acabou indo até Santos.
Nisso, Thereza, quando soube da invasão, foi conversar com Abelardo.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 17

Thereza por sua vez, sentada em uma confortável cadeira no alpendre de sua casa, conversando com Cleide, percebeu que a mesma não se convencera de que ela só estava ali para descansar. A preceptora, hoje grande amiga da moça, desconfiada de que havia algum interesse por trás de tudo aquilo, começou a se preocupar com a moça. Ao descobrir que um dos moradores da região era também seu amigo, a mulher ficou espantada. Curiosa, diversas vezes perguntou a ela de onde os dois se conheciam.
Quando Thereza explicou que se conheceram no Rio de Janeiro, Cleide continuou desconfiada. Isso por que, pouquíssimas vezes, desde que ela passara a conviver com a família da moça, a viu viajar para a Corte.
Thereza dizendo então que o conhecera durante suas viagens, encerrou a conversa. Irritada com a insistência de Cleide em saber mais detalhes sobre a suposta amizade, levantou-se e se dirigindo para dentro da casa, respondendo que tinha outras coisas com que se ocupar.
Abelardo, conhecendo a fazenda, feliz por estar com Thereza, decidiu se inteirar da vida no campo. Dedicado, procurou auxiliar a esposa em seus afazeres.
Thereza, notando o interesse de Abelardo em administrar a fazenda, perguntou se ele gostaria de permanecer algum tempo por lá.
Abelardo, fazendo-se de desentendido, respondeu que precisava pensar um pouco. Porém, conforme o tempo passava, o rapaz se mostrava cada vez mais interessado na vida ao ar livre.
Entusiasmado com a beleza que o cercava, desde que passara a viver na fazenda, Thereza nunca ouvira dele que já era hora de partir. Pelo contrário. Desde que colocara os pés naquelas terras, deixou-se encantar.
Animado, era freqüentemente visto na pequena vila que distava da região.
No começo, os fazendeiros, incomodados com sua presença, faziam questão de ignorá-lo. Mais tarde porém, com Thereza se esforçando cada vez mais para se fazer respeitar, os latifundiários, reconhecendo a importância das obras da moça em benefício da comunidade, passaram a respeitá-la.
Sim, Thereza, além de doar uma grande soma em dinheiro para a reforma da igreja da vila, também passou a colaborar com outras obras. Preocupada com a situação dos negros na região, sugeriu ao padre que construíssem uma nova igreja, para que os mesmos, pudessem participar das missas.
Incialmente, ao tomarem conhecimento da idéia de Thereza, os fazendeiros, ficaram verdadeiramente chocados. Revoltados, sempre que se reportavam ao padre, diziam que a igreja fosse construída, se instalaria o caos no lugar.
Padre Lívio, decidido, ao contrário do que se poderia imaginar, nem por um minuto, se acovardou. Dizendo que seria bom os escravos terem um lugar de orações, deixou bem claro aos fazendeiros que nada o faria mudar de idéia. Ademais, procurando convencê-los de que era uma ótima idéia, comentou que, ocupando a mente dos negros com as doutrinas e dogmas religiosos, certamente eles deixariam de pensar em fugas e em se rebelarem contra eles.
Os fazendeiros, ouvindo as palavras sensatas do padre, depois de muito pensar, acabaram concordando.
Sim, o sacerdote estava certo. Se eles não se opusessem a construção da obra, poderiam posar de bons homens, generosos e tolerantes.
Durante a confusão, Thereza pensou inúmeras vezes que o padre desistiria da idéia. Temendo que a pressão dos fazendeiros o fizesse desistir da idéia de construir uma igreja para os negros, a própria Thereza, cansada da incerteza sobre a feitura da obra, resolveu construir uma capela em sua fazenda.
Com a ajuda de um arquiteto de São Paulo e contando com o valoroso trabalho dos negros libertos de sua fazenda, Thereza conseguiu construir uma bela capela em sua fazenda.
Quando o padre soube disso, fez questão de dizer aos fazendeiros que precisava apressar as obras da nova igreja. Visitando cada uma das propriedades, foi conseguindo a colaboração de todos para que a obra se realizasse.
Os latifundiários, ao saberem da construção da capela, na fazenda de Thereza, trataram logo de contribuir para as obras da nova igreja.
Sentindo-se desafiados, não queriam deixar por menos. E assim, muitos contribuíram com vultosas somas em dinheiro.
Padre Lívio, feliz com isso, ao passar pela fazenda de Thereza, logo comentou que todos os fazendeiros estavam colaborando financeiramente na construção da nova igreja.
Thereza, ao ouvir as palavras do padre, ficou deveras feliz.
Surpreso, o padre perguntou:
-- Mas não te incomoda o fato deles estarem fazendo tudo isso, só para medirem forças com a senhora?
-- Não me importo nem um pouco com isso. Para quem viu a resistência desses fazendeiros de perto, vê-los contribuindo para a construção da nova igreja, parece até um milagre. O senhor não acha padre?
Sem saber o que responder, o sacerdote concordou com a moça.
Convidado para cear em sua casa, o padre declinou do convite. Dizendo que ainda tinha que visitar a fazenda da família de Diego, ouviu uma pergunta intrigante de Thereza.
-- E o senhor acha que eles tem condições de contribuírem com as obras da igreja?
-- Sempre existe uma forma de ajudar. Se não for financeiramente, certamente poderá oferecer braços para realizarem as obras... – respondeu o padre. Depois, surpreso com a curiosidade da moça, perguntou. – Mas por que o interesse? Não sabia que a senhora tinha conhecimento da situação financeira da família.
Surpreendida com a pergunta, a moça respondeu:
-- Nada demais. Perguntei por perguntar. É que eu soube, por meio de comentários, que eles estão atravessando uma situação financeira muito ruim. Não sei se é verdade, mas como conheço um pouco um deles, fiquei preocupada.
-- É verdade. – respondeu ele. – A situação da família não é nada boa... Mas eu não sabia que a senhora conhecia a família.
-- De fato, eu não conheço a família. Mas eu conheço um pouco Rodrigo. Chegamos a conversar quando estive de passagem pela Corte. – respondeu ela visando afastar qualquer suspeita.
-- Entendo. – respondeu o padre.
Nisso, repetindo que precisava partir, despediu-se dela, de Abelardo e de Cleide.

Lívio, indo então ao encontro da família de Diego, ao chegar na sede da fazenda, cumprimentou Ricardo e entrando na sala, depois de dizer amenidades, foi logo perguntando sobre o restante da família.
Ricardo, dizendo que os irmãos estavam se aprontando para o jantar, pediu licença ao padre e foi chamá-los.
Em alguns minutos, os três irmãos voltaram para a sala.
Como o jantar já ia ser servido, Diego e Rodrigo, cumprimentaram o padre e, convidando-o para a ceia, acompanharam-no até a mesa.
Enquanto jantavam, o padre comentou que Diego estava em falta com ele.
O rapaz não gostou nem um pouco de ser censurado pelo padre.
Padre Lívio, não se incomodou nem um pouco com a reação do rapaz porém. Pelo contrário, dizendo que ele precisava ir mais vezes à igreja, comentou que Rodrigo e seu irmão Ricardo, estavam de parabéns.
Irritado com as palavras do padre, Diego foi logo perguntando o que ele queria.
Padre Lívio, fazendo um pouco de voltas em torno do assunto, foi dizendo que como surgiram novas demandas, e novas gentes estavam interessadas em expressar sua religiosidade, um novo tempo se apresentava.
Diego, percebendo a demora do sacerdote em tocar no assunto que o levara até lá, foi logo dizendo:
-- Padre Lívio, deixe de história. Vamos, diga logo. O que o trouxe aqui?
Ao se ver interrompido por Diego, meio sem jeito, Lívio foi dizendo que estava ali, por uma coisa muito nobre.
Diego, sem cerimônia, e sem paciência para delongas, disparou:
-- Padre. Diga logo. O que o trouxe para cá?
O sacerdote respondeu então:
-- Pois então. Eu vim até a sua casa para contar que estamos construindo uma nova igreja. Só que este templo será somente para os negros. No entanto, muito embora isso seja ótimo para eles, construir uma igreja gasta muito dinheiro, e é por isso que eu estou aqui.
Diego irônico, respondeu:
-- Eu já imaginava. Sua visita não seria gratuita. Absolutamente.
-- Mocinho, o senhor está me ofendendo. – respondeu o padre irritado.
-- Não estou não. Querendo meu dinheiro para construir obras para negros! Era só o que me faltava! Depois de tudo o que esses desgraçados nos fizeram.
Ricardo bem que tentou apartear, mas Diego, desabrido, mandou que ele se calasse.
Rodrigo, tentando discutir, foi logo dizendo que mais mal tinham feito os brancos. Só o fato de fazerem outros homens escravos, tornava tudo pior. Pior até do que destruírem uma fazenda.
Diego, ao ouvir as palavras de Rodrigo, criticou-o duramente. Dizendo que fora ele quem reerguera a fazenda enquanto ele se divertia na Capital, salientou que ele não era ninguém para criticá-lo.
Rodrigo retrucou. Dizendo que não partira a toa, e nem estivera se divertindo na Corte, respondeu que estudou e trabalhou para se manter. Depois de formado, chegou até a advogar.
Diego, irritado, respondeu:
-- Muito bom! E o que você fez de valor para esta fazenda?
Rodrigo então se calou.
Sorrindo, Diego continuou a proferir impropérios. Furioso, respondeu ao padre, que jamais ajudaria os negros que tiraram a vida de seu pai, e destruíram aquela terra. Dizendo que desde que a aquela tragédia se abatera sobre eles, nunca mais a fazenda se recuperou totalmente, disse ao padre que todas as dificuldades pelas quais a família estava passando, era culpa dos negros. Segundo ele, dos malditos escravos que os portugueses trouxeram para cá.
Desconcertado com a situação, Padre Lívio, resolvendo se retirar, despediu-se de todos, e dizendo que precisava voltar para sua igreja, tratou de sair o quanto antes.
Rodrigo e Ricardo, dizendo para ele terminar a ceia, bem que tentaram contornar a situação, mas a atitude intempestiva de Diego, impedia que o padre permanecesse ali.
Constrangido, o sacerdote, saiu da sede e guiando seu cavalo, voltou para a igreja.
Quando os demais fazendeiros tomaram conhecimento do ocorrido, a situação ficou muito ruim para ele.
Diego, que sempre fora por eles considerado com um sujeitinho arrogante e insuportável, filho de uma mulher ordinária e de um pai fraco, passou a ser ainda mais não tolerado por todos.
Os mesmos, ao saberem que ele em nada contribuíra para a feitura da obra, ficaram ainda mais revoltados com ele.
Com isso, enquanto o rapaz era mal visto por todos, Thereza, em razão de seu empenho em participar da vida na comunidade, era cada vez mais valorizada por todos.
A despeito de sua condição de mulher negra, e de viver em uma sociedade escravagista, ao perceberem que a moça não tinha o menor interesse em se indispor com eles, os fazendeiros, constatando ser ela bastante generosa, passaram a tratá-la cada vez melhor.
Sim, Thereza, colocando em prática seu plano, não media esforços para causar em todos uma ótima impressão.
Como benemérita, ajudou financeiramente na construção da nova igreja. Além disso, prometeu aos seus escravos, construir-lhes uma escola para que os mesmos pudessem aprender a ler.
Surpreso, os negros, ao tomarem conhecimento das intenções de Thereza, ficaram um tanto desconfiados. Depois porém, ao ver que a moça não estava de brincadeira, todos colaboram para construir a edificação. E assim, depois de algum tempo, as crianças, puderam ter um primeiro contato com as palavras. Os adultos, por sua vez, também foram ensinados.
E assim, na fazenda de Thereza, os empregados ficaram ainda mais agradecidos a ela.
A moça, porém, não fazia isso para conquistá-los.
Pelo contrário, o que ela queria era ajudá-los. Isso por que sendo um dia, escrava, Thereza sabia muito bem o que era viver em senzalas, ser destratado e desprezado. Por isso mesmo, depois de ver que todos aprovavam as mudanças que fazia em suas terras, Thereza pensou em construir casas para que eles tivessem um lugar melhor para viverem.
Quando ela sugeriu a eles que construíssem suas casas, todos a aplaudiram.
Satisfeitos com a patroa que tinham, percebiam que tudo estava melhorando para eles. Ganhando um salário, tendo uma casa boa para morar, escola para estudar, igreja para rezar, os negros estavam muito felizes por terem encontrado uma pessoa com Thereza em suas vidas.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 16

Nisso, Thereza, se acostumando com a vida em fazenda, fazia cada vez mais passeios pela propriedade. Acompanhada pelo marido, visitou pela primeira vez, a pequena propriedade que adquirira da família de Diego. Bem cuidada, a construção, embora fosse bem menor do que a sede de sua fazenda, era bastante aconchegante. Além disso, as plantações, cultivadas pelos empregados, eram uma beleza.
Ousada, toda vez que Thereza passeava pelos arredores, usava calças de montaria.
Interessada pela vida de fazenda, Thereza criou o hábito de cavalgar pela propriedade. Ver de perto a nascente.
Um dia aproveitando que não havia ninguém por perto, convidou o marido para se banhar nas águas do rio.
Nisso o tempo foi passando.
Quando a igreja finalmente ficou pronta, Lívio, como havia prometido, convidou-a para participar da missa. Sentando-se na primeira fileira, a moça chocou a todos com sua presença.
Muito embora muitos fazendeiros e até mesmo suas famílias, soubessem que Thereza e seus amigos eram negros, nunca imaginaram que os mesmos teriam a audácia de frequentar a mesma igreja que eles. Julgando-se superiores, os fazendeiros, revoltados, saíram pouco a pouco da igreja.
Thereza, sem se importar com a hostilidade dos latifundiários, permaneceu na igreja.
Rodrigo ao ver Thereza, pediu aos irmãos que não saíssem da igreja.
Diego no entanto, recalcitrante, ao ouvir o apelo do irmão, não pensou duas vezes e imediatamente se retirou do recinto.
Ricardo porém, atendendo o pedido de Rodrigo, permaneceu ao seu lado na igreja. Ciente do que o irmão passara nos primeiros tempos, ao voltar para a região, resolveu ajudar a moça.
Sim, Rodrigo ao voltar para a fazenda, foi feito de escravo durante muito tempo por Diego, que não se cansava de humilhá-lo. Primeiramente, ao vê-lo elegantemente trajado, tentou tomar suas roupas, mas o rapaz, dizendo ser advogado e conhecedor de seus direitos, comentou com Diego que este não podia fazer o que bem entendesse com ele, até por que ele tinha conhecidos na Corte, que ao menor sinal de dificuldade, imediatamente acorreriam ao seu encontro para auxiliá-lo.
Diego, ao ouvir as palavras de Rodrigo, ainda insistiu na idéia, mas Rodrigo não deixou por menos. Desafiando Diego, o intimou a fazer o que estava pensando.
O mancebo porém, sabendo que Rodrigo não era nenhum tolo, deixou de lado as ameaças.
Contudo a despeito disso, Diego nunca perdia a oportunidade de destratá-lo.
Chamando-o de negro na frente dos escravos, Diego dizia a todos que Rodrigo era exatamente igual a eles.
Pensam vocês que o rapaz se ofendeu?
Absolutamente. Rodrigo agradeceu as palavras do irmão. Dizendo que ele tinha toda a razão, ressaltou que somente tinha um pouco de instrução.
Diego ao ver que o mancebo não se ofendia com suas palavras, ficava profundamente irritado.
Mas era só a irritação passar para ele novamente desprezar o irmão. Dizendo que os negros eram inferiores e que ele era um escravo, passou a lhe dar ordens.
Rodrigo, apesar de destratado, nunca aceitou as provocações de Diego. Ignorando-o, quando perdia a paciência, dizia apenas que brancos e negros eram iguais e que ele não era por melhor que ninguém quando adotava aquela atitude arrogante e prepotente.
Diego por esta razão, ficava irritadíssimo com a atitude de Rodrigo, mas como não tinha como expulsá-lo dali, aturava sua presença. Não podia expulsá-lo, por que, Ataúfo, ciente de que Diego tentaria prejudicar o irmão, deixou em testamento o direito que Rodrigo tinha de usufruir de tudo o que havia construído.
Mesmo tendo esse cuidado, isso não impediu que Diego tomasse conta de todas as propriedades do falecido pai. Dizendo-se dono de tudo, ao ver Ricardo retornando para a fazenda, depois de quatro anos de estudos na capital, deixou bem claro que era ele quem mandava. Quando Ricardo disse que ele tinha direito a parte da fazenda, ouviu como resposta que:
-- Ah! Não é não. Quem cuidou de tudo isso aqui durante todos esses anos fui eu. Por isso, se tem alguém que tem direito a isso tudo sou eu. Você permanecerá aqui apenas como hóspede que é.
Ricardo, ciente de que estava sendo passado para trás, tentou se opôr ao irmão, mas este, ganancioso que era, nem por um instante reconsiderou suas idéias. Ameaçando Ricardo, disse-lhe que se ele continuasse insistindo em dizer que também era herdeiro, corria o risco de se prejudicar.
Ricardo, preocupado, tratou logo de escrever a Rodrigo, relatando o que estava acontecendo.
Por esta razão, o rapaz voltou.

E agora Rodrigo ao ver o quanto havia lutado para ser aceito, tentava agora ajudar a amiga, e por isso permaneceu na igreja. Ricardo, apoiando o irmão, também ficou.
Ricardo no entanto, sabendo da mentalidade da sociedade, comentou com Rodrigo que não seria nada fácil convencer os fazendeiros a aceitarem a moça. Ele mesmo só foi aceito depois que todos souberam que ele era filho do falecido Ataúfo. Só depois disso o rapaz passou a freqüentar a igreja. E assim, ao contrário dos demais negros, todos os brancos o cumprimentavam quando o viam passar por ali.
O padre, ao ver a reação dos fazendeiros e suas respectivas famílias, não se fez de rogado, continuou celebrando a missa.
Thereza, Abelardo, Cleide, e os demais amigos de Thereza, adentrando a igreja, juntamente com Rodrigo e Ricardo, participaram da celebração. Acompanhando a missa até o final, irritaram os fazendeiros que esperando que a moça saísse do templo, acreditaram que poderiam assistir a missa sem problemas.
Revoltados, ao perceberem que Thereza e seus acompanhantes não sairiam da igreja, resolveram voltar para casa.
Diego, irritadíssimo com a ousadia da moça, bem que tentou convencer os fazendeiros a protestar. Mas estes, acreditando que com o tempo ela desistiria de provocá-los, resolveram não brigar. Ao menos por enquanto.
Ao término da missa, o padre, agradecendo a iniciativa de Thereza de ajudar no restauro da igreja comentou que todos deviam seguir aquele exemplo.
Ricardo, ao ouvir o nome da moça, ficou surpreso. Muito embora o nome não lhe fosse incomum, o rapaz não conseguia se lembrar onde havia conhecido uma pessoa com aquele nome.
Curioso, foi logo perguntando ao irmão se ele conhecia alguma Thereza.
Rodrigo, pego de surpresa com a pergunta, respondeu que conheceu uma moça há muito tempo atrás, durante o tempo em que morou no Rio de Janeiro.
Ricardo ficou surpreso ao saber que Rodrigo a conhecia.
Com isso, ao término da celebração, Thereza ao voltar-se para trás, percebendo a presença de Rodrigo, fez uma saudação.
O rapaz fez o mesmo.
Quando todos saíram da igreja, Thereza, aproximando-se de Rodrigo, cumprimentou-o novamente e perguntando como ele ia, recebeu como resposta, um lacônico vou bem.
Ao ser indagada ao mesmo respeito, respondeu que também estava bem. Comentando que não havia nada melhor que o ar de fazenda, Thereza disse que estava se acostumando com aquele ambiente.
O rapaz, ao perceber que a moça já estava morando algum tempo na região, ficou um tanto quanto desapontado ao saber que ela não o avisara.
Thereza por sua vez, determinada a pôr seus planos em prática, nem sequer percebeu a decepção no rosto do amigo. Com isso ao se despedir de Rodrigo, a moça convidou ele e Ricardo para visitarem suas terras.
Rodrigo relutante, respondeu que ia pensar no convite.
Thereza deixando bem claro então, que fazia questão que o mesmo conhecesse suas terras, insistiu que ele e seu irmão fossem.
Ricardo que conversava com Abelardo e Thereza, descobriu que ela e ele se conheceram em São Paulo. Lá mesmo se casaram.
Com isso, com a missa havia se encerrado há algum tempo, Thereza, dizendo ao marido e amigos que precisavam voltar para a fazenda, despediu-se de Ricardo.
Em casa Thereza almoçou com os amigos.
Já Ricardo e Rodrigo, ao chegarem na fazenda, censurando a atitude de Diego, comentaram que o mesmo perdera a oportunidade de conhecer ótimas pessoas.
Ricardo, dizendo que Thereza era muito simpática, e que ajudara nas obras da igreja, insistiu com Diego para que assim que pudesse a convidasse para almoçar na fazenda.
Diego, ao ouvir as palavras de Ricardo, ficou irritadíssimo. Dizendo que jamais convidaria uma negra para sentar à mesa, rechaçou a proposta do irmão. Reclamando, respondeu:
-- Era só o que me faltava! Não bastava ter que ouvir o nome dessa negra suja, eu ainda tenho que aturá-la à mesa.
O rapaz, furioso pegou a terrina de sopa e de um só golpe, lançou-a ao chão.
Rodrigo ao presenciar a cena, quis logo discutir com Diego.
Não fosse a intervenção de Ricardo e provavelmente os dois teriam se engalfinhado.
Realmente, desta vez Diego ultrapassara todos os limites.
Todavia, aquele não era o momento para brigarem, bem o sabia Ricardo. E assim, tentando acalmar o irmão, Ricardo conversou com ele. Dizendo que conseguiriam fazê-lo aceitar os novos vizinhos, o rapaz respondeu que era apenas uma questão de tempo para convencê-lo disso.
Rodrigo foi se acalmando. Mas, descrente de que um dia Diego aceitasse Thereza e sua família, respondeu ao irmão que precisava ver para crer.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 15

A viagem de acerto de contas com o passado. A viagem em que resolveria definitivamente suas pendências com os tempos de antanho.
Em razão da longa viagem que empreenderia, Thereza fez questão de providenciar malas e mais malas. Seguida por seus amigos, a moça não viajou só.
De trem, seguiram até a fazenda. A certa altura depois de chegarem na estação, um empregado da fazenda recém adquirida por Thereza, esperava-os para levar todos para a lá.
De acordo com as recomendações, o capataz, sabendo da possibilidade de Thereza vir acompanhada de muitos criados e malas, teve o cuidado de providenciar duas charretes.
Porém ao contrário do que Thereza poderia imaginar, o homem não se espantou ao perceber que ela era negra. Isso por que, advertidos pelo representante de Thereza depois que a moça adquiriu as propriedades, sabiam que se tratava de uma negra livre.
Contudo, num primeiro momento alguns se espantaram. Alguns chegaram a ameaçar até, não trabalhar para ela. Diante disso, em razão da situação tensa que se criara, o representante da moça, tentando convencê-los de que teriam muito a ganhar com isso, prometeu que os mesmos seriam muito bem recompensados.
Os escravos então, na tentativa de ganharem um salário, resolveram ficar. E assim, foi.
Assim, como havia sido combinado, além da liberdade, os mesmos passaram a ser pagos pelo trabalho que faziam. Por esta razão, motivados, trabalharam com afinco para reformarem as propriedades e deixar tudo em ordem.
Alguns, com o passar do tempo, percebendo a demora para a nova dona daquelas propriedades aparecer, começaram a desconfiar que Thereza não seria conhecida por eles.
Contudo, com o passar do tempo, depois de muito esperarem, finalmente a mulher decidiu rumar para lá.
Curiosos os fazendeiros que foram até a recém construída estação, ao verem Thereza ser tratada com toda a atenção que se dedica a uma senhora branca, ficaram indignados. Prestes a se indisporem com a fazendeira, não fosse o aviso de um dos capatazes, e um daqueles homens cometeria o pior erro de sua vida.
O mesmo, ao ouvir do empregado que Thereza ela era sua patroa, ficou estupefato. Seu espanto foi tão grande que ele só pôde pronunciar a frase:
-- Mas ela é negra! Uma sinhá negra!
Por sorte, Thereza, entretida com a liberação da bagagem, nem deu atenção ao homem espantado. Ansiosa em chegar logo a fazenda, nem sequer percebeu a aproximação do fazendeiro arrogante.
Nisso, com as malas colocadas nas charretes, Thereza e seus amigos, acomodando-se, seguiram até a fazenda.
Durante o trajeto o capataz, comentando que fazia muito tempo que não via tanta movimentação na região, ressaltou a importância da recuperação daquele lugar. Disse que o trabalho de Thereza em recuperar a propriedade e tornar aquelas terras novamente produtivas, foi a melhor coisa que ela podia fazer pelos os que ali viviam.
Além disso, dando uma vida digna para os escravos, estavam ensinando a todos os fazendeiros da região, uma lição.
O capataz, animado com a vinda de Thereza para a fazenda, comentou que num primeiro momento, se surpreendeu com o fato de uma mulher se interessar por esse tipo de assunto. Depois, ficou mais espantado ainda, ao saber que além de mulher, Thereza era negra, e mais, ainda muito jovem.
Tudo isso num primeiro momento, gerou uma tremenda comoção entre todos os escravos. Libertados, todos ficaram agradecidos e depois de alguma resistência passaram a se dedicar com afinco em cuidar da fazenda.
Thereza, ao ouvir as palavras do empregado, ficou muito satisfeita em saber que todos estavam gostando da mudança. Enquanto isso, apreciando a natureza exuberante da região, a moça passou a se recordar dos momentos que passou em meio aos cafezais, – presença constante na região.
Quando chegou na sede, Thereza constatou espantada, o primoroso trabalho dos arquitetos e dos ex-escravos. Encantada com o capricho do trabalho, Thereza pediu ao capataz, que agradecesse em seu nome a dedicação dos empregados em cuidar de tudo aquilo, como se fora deles.
Antenor, o capataz, prometeu que o faria.
Thereza então, visitando o interior da casa, apreciou a sala, a sala de jantar, a cozinha, o escritório e os quartos. Ambientes amplos e muito bem decorados, encantaram a moça, que recordando-se do passado, lembrou-se que muitas vezes, limpou pisos de madeira.
Emocionada ao voltar a lembrança para o momento presente, comentou com Cleide, agora tudo seria muito diferente em sua vida.
A mulher, ouvindo as palavras de Thereza, não entendeu claramente o que ela queria dizer com tudo aquilo. Porém curiosa, foi logo perguntando o que ela queria dizer com aquilo.
Thereza, placidamente respondeu que:
-- Nada demais. Só quis dizer que nada será como antes. Aqui eu vou ser feliz como eu nunca fui. Disso eu tenho certeza.
Depois de proferir essas palavras a moça foi até um dos quartos.
Cleide sozinha, ficou a pensar nas palavras de Thereza.
No entanto, por mais que pensasse, não conseguia compreender o significado daquelas palavras ditas num tom muito tranqüilo. Sentindo porém, que Thereza estava um pouco demudada, chegou a pensar que a moça tencionava morar ali.
Nisso, quando Thereza voltou a sala, depois de pedir aos criados que levassem as malas para os quartos, Cleide perguntou-lhe:
-- Senhora. Vossa Mercê pretende permanecer por aqui?
-- Não propriamente. Mas eu quero passar alguns meses, vivendo neste lugar. – respondeu a moça, sem alterar a expressão.
Depois de dizer isto, a moça se dirigiu ao alpendre. Sequiosa de informações sobre a fazenda vizinha, foi logo perguntando sobre Rodrigo. Um dos empregados, que já fora escravo na fazenda limítrofe a propriedade de Thereza, comentou que já fazia algum tempo, um rapaz negro, passara a viver ali, junto com Diego e Ricardo.
Atencioso, o empregado respondeu que Rodrigo passara maus bocados nas mãos de Diego. O rapaz, ao tomar conhecimento da presença de Rodrigo, passou a tratar Ricardo com mais hostilidade que nunca. Dizendo ser o único dono de todas aquelas terras, Diego não admitia a intervenção de estranhos na administração da propriedade.
Apesar de ter perdido muito do patrimônio amealhado por seus ancestrais, o jovem não admitia que ninguém se intrometesse em seus negócios. Rodrigo contudo, nem um pouco preocupado com a reação de Diego, passou a cuidar por sua conta de certos detalhes da administração da propriedade. E assim, mesmo se indispondo com o rapaz, Rodrigo passou a tomar conta da propriedade.
Facundo, o empregado de Thereza, comentou que não fosse a diligência de Rodrigo e os irmãos teriam perdido tudo em decorrência da má administração de Diego, que arrogante, não sabia conduzir a contento os negócios da fazenda.
Muito embora o rapaz conhecesse como ninguém a vida rural e tivesse sido bem sucedido nos primeiros anos em que administrou a fazenda, já que conseguiu reerguer a propriedade, depois de uma violenta revolta dos negros, o mesmo não vinha tendo sucesso nos últimos tempos. Ousado, tentando diversificar suas atividades, movido por um sentimento atroz de ambição, depois de aproveitar-se da ausência de Ricardo, para espoliá-lo, o rapaz começou a investir em atividades arriscadas.
Em constantes viagens para a Corte, o rapaz encantado com o desenvolvimento da cidade, resolveu investir dinheiro em atividades industriais. Contudo, sua falta de jeito com a burocracia dos empreendimentos industriais, fizeram-no perder vultosas somas em dinheiro.
Thereza, ao tomar conhecimento em detalhes da história, ficou a imaginar o quadro. Diego, tendo que suportar a presença de Rodrigo e financeiramente abalado.
Feliz a moça chegou a comentar que aquela situação era ótima para ela.
O empregado continuando seu relato, comentou que por conta das novas atividades de Diego, várias vezes o rapaz precisou vender bens da família. Nisso vendeu terras, imóveis que a família possuía no Rio de Janeiro e em São Paulo. Essas propriedades, cuidadas e conservadas por ótimos administradores como também o fazia Thereza, raramente eram utilizadas pela família. Assim, quando o rapaz se viu forçado a se desfazer dessas propriedades, não pensou duas vezes em vendê-las.
Contudo, o que nunca poderia vender, eram as terras onde nasceu e cresceu. Obcecado com aquelas terras, o empregado revelou a Thereza que já ouviu o rapaz dizer que seria capaz de matar ou de morrer.
Thereza entendeu então, a razão de não ter conseguido as terras. Pensando nisso, chegou a conclusão de que enquanto o rapaz não estivesse completamente arruinado, jamais conseguiria obtê-las para si.
Constatando isso, a moça chegou a conclusão de que se queria vê-lo destruído, precisava começar a abalando sua credibilidade. Assim, precisava ganhar a confiança e o respeito dos fazendeiros. Com isso, precisava que Abelardo fosse o quanto antes para lá.
Assim, esperou pacientemente o marido ir até lá.
Abelardo, em razão de suas atividades profissionais, demorou para ir até lá. Porém, quando finalmente pôde se dirigir a fazenda que a esposa adquirira, mal pôde conter o espanto. Impressionado, comentou que certamente quando os outros fazendeiros a vissem em detalhes, ficaram admirados. Alguns certamente sentiriam inveja.
Antes porém, na estação – conforme havia avisado a esposa –, estava ansioso por chegar até lá.
Por isso quando o rapaz informou a data em que viajaria para a região, Thereza igualmente ansiosa e precavida, recomendou ao capataz que providenciasse uma charrete e fosse até a estação buscá-lo.
Antenor atendeu prontamente o pedido da patroa. O homem, um dos poucos brancos que viviam naquelas terras, respeitava muito aquela senhora que, rompendo as barreiras sociais, conseguiu alcançar os mais elevados círculos. Por esta razão, tudo o que a mulher lhe pedia ele executava. Sem questionar as ordens de Thereza, chegou a realizar a atividades além de sua função de capataz.
Prestativo, quando a mesma lhe perguntou se ele conhecia a situação da fazenda vizinha, Antenor respondeu que os mesmos estavam indo de mal a pior. Dizendo que Diego era um péssimo administrador, comentou que não fosse a ajuda de Rodrigo, e já teriam perdido há muito tempo a propriedade.
Thereza constatou que já era hora então, de se fazer apresentar aos fazendeiros.
Por esta razão, aguardando Abelardo, a moça esperou que o marido chegasse a fazenda. Quando então o rapaz chegou e se instalou, a moça, dizendo que precisava conhecer sua vizinhança, comentou com o marido que precisavam participar da vida na comunidade.
Abelardo concordou com a moça. No entanto, sabendo que não seria nada fácil se imporem aos conservadores fazendeiros da região, o rapaz recomendou que os mesmos passassem a fazer doações para a igreja local.
Thereza concordou. Contudo, precisava primeiramente se apresentar ao padre.
Abelardo, ao perceber o interesse da esposa em fazer parte da comunidade, comentou que precisavam ter cuidado.
Mas Thereza, dizendo que estava cansada de ser precavida, comentou que precisava se impôr. Assim, determinada a se fazer conhecida por todos, ciente de que os moradores do lugar talvez já soubessem que ela era negra, colocou sua melhor roupa e acompanhada de Cleide e alguns criados, a mulher entrou na igreja.
O padre quando viu-a adentrar a igreja, pediu a ela que seus criados permanecessem fora da igreja.
Thereza então, recomendou aos mesmos que saíssem do recinto e a aguardassem no lado externo da igreja. Cleide no entanto, branca que era, permaneceu na igreja juntamente com ela.
O sacerdote, temendo que algum família pudesse entrar na igreja e ver Thereza ali, pediu a moça para que fosse com ele até a sacristia.
Thereza ao ouvir o pedido do padre, não ficou nem um pouco satisfeita. Mas como não queria se indispor com o sacerdote, acabou concordando. E assim, os três foram até a sacristia. Thereza então, perguntando qual era a situação da igreja, ouviu do padre, que a mesma necessitava de muitos reparos.
Thereza ouvindo calmamente as reclamações do padre, foi logo perguntando quais eram os reparos que se faziam mais urgentes, já que a igreja visivelmente, estava em péssimo estado.
O padre então dizendo a moça que precisava de muito dinheiro, comentou que o quanto antes começassem a cuidar da igreja, menos coisas teriam que consertar.
Thereza concordou. Generosa, foi logo oferecendo uma farta quantia ao padre.
O homem, ao tomar conhecimento da soma, foi logo dizendo que se a soma chegasse a tempo, seria muito bem aproveitada.
Thereza entendeu o recado. Assim, em menos de uma semana, depois de seguir para São Paulo e disponibilizar o dinheiro, a moça voltou rapidamente para a fazenda.
Durante o tempo em que esteve em São Paulo, aproveitou para ver de perto como estavam sendo conduzidos os seus negócios. Seu administrador, – o homem que tempos antes a representara na compra e reestruturação das duas propriedades que comprara – mostrando-lhe livros contábeis e dizendo-lhe que semanas atrás tinha ido até as fazendas para saber com os administradores das mesmas como tudo estava indo, revelou-lhe que tudo caminhava a contento.
Thereza ao ouvir isso, depois de verificar as escriturações, ficou bastante satisfeita. Recomendando a Assírio que não deixasse de visitar as fazendas, disse-lhe que assim que pudesse também iria visitá-las.
Com isso, ao término de alguns dias, depois de ter o dinheiro liberado, Thereza voltou para a fazenda.
Assim que voltou, foi logo perguntando a Antenor como andavam as coisas. O capataz, executando novas funções, comentou que as coisas fluíram normalmente.
Nisso, assim que teve uma oportunidade Thereza foi conversar com o padre. Levando para ele a quantia prometida, a moça falou para ele começar imediatamente as obras de reparação da igreja.
Agradecido, Lívio, prometeu que no dia seguinte chamaria alguns operários para trabalharem na restauração da igreja. Satisfeito com a contribuição, o padre prometeu que ela seria a primeira pessoa a ver a igreja pronta. Além disso, assim que a reforma acabasse, ele celebraria uma missa em homenagem a ela, para a qual logicamente ela estava convidada.
Thereza ao ouvir a oferta do padre ficou muito lisonjeada, mas dizendo que não queria criar embaraços para ele, achou por bem declinar do convite.
Lívio no entanto, ao ouvir a recusa, não ficou nem um pouco satisfeito. Dizendo que seria uma desfeita se ela não comparecesse, alegou que aquela seria uma ótima oportunidade para que se apresentasse como uma benfeitora da comunidade.
Thereza, ao perceber a intenção do padre, acabou concordando com ele.
Lívio, ao ouvir a concordância da moça, ficou satisfeitíssimo.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.