Nisso Claudionor e o advogado, continuaram a discutir cuidadosamente os termos do acordo.
Sim por que, se o empresário oferecesse uma quantia generosa em dinheiro para a família, facilmente lhe entregariam a garota.
Todavia, Claudionor deveria se prevenir, ou então passaria a ser vítima de chantagem. Assim, logo que pagasse a quantia a família, Anne deveria estar presente e de malas prontas para partir.
Com isso, encerrados os detalhes do acordo, os dois foram negociar com a família.
Porém, não foi nada fácil driblar Carla e fazer com que a mesma cumprisse com o combinado. A mulher, interessada em conseguir um dinheirinho fácil, fez de tudo para impedir a ida da moça para a casa do empresário.
Isso por que, Carla, acreditando que se se comprometesse e passasse a cuidar bem da moça, facilmente convenceria Claudionor a deixá-la ali morando com eles, acabou dificultando as coisas.
Ambiciosa, Carla pensou que arranjaria uma ótima fonte de dinheiro. Sim por que se ele concordasse com isso, todo o mês ela teria uma quantia certa a receber.
Claudionor porém, desconfiado da proposta, recusou-a peremptoriamente. Isso por que, conhecedor dos modos como a família tratava a moça, sabia que seria somente uma questão de tempo, para que tudo voltasse a ser como sempre foi.
Sim. Talvez num primeiro momento, a moça fosse até bem tratada, mas seria questão de tempo para que Anne voltasse a ser humilhada. E pior, se deixasse a moça nas mãos daquela família pérfida, dificilmente conseguiria tirá-la de lá, se isso fosse necessário.
Assim, percebendo a astúcia de Carla, o empresário teve que ser firme.
Com isso, ao levar o dinheiro para a família, o empresário exigiu que os mesmos renunciassem qualquer direito que tinham sobre Anne.
Além disso, para evitar futuros problemas, foi ajuizada uma ação na comarca onde o empresário morava, já que na cidade de Anne não havia fóruns, para que Claudionor obtivesse a guarda, mesmo que provisória da moça. Isso por que, por ser menor de idade, Anne ainda dependia da família Pereira.
E assim, ao levar Anne consigo, Claudionor exigiu que Carla lhe entregasse sua Certidão de Nascimento, bem como demais documentos que a garota tivesse. Não bastasse isso, o empresário teve que brigar muito para tirar Anne da casa de Carla.
Isso porque Carla, a despeito de ter ganho uma boa quantia no acordo, fez questão de ameaçar o empresário, dizendo que a qualquer hora poderia tirar Anne de sua casa.
Mas a mulher, apesar de interesseira, não foi direta em suas ameaças. Ao contrário, por meio de insinuações é que sugeriu essa possibilidade.
Diante disso, Claudionor, prevenido, passou a todos os meses, enquanto o termo de guarda provisória não era concedido, a entregar uma pequena fortuna a megera.
Porém, depois de obter a guarda provisória e depois a definitiva, o empresário nunca mais deu um centavo a família.
Mas, a evolução dessa disputa judicial, é questão para mais tarde. Agora, o que interessa é contar a primeira impressão que Anne teve ao entrar na mansão de Claudionor.
Isso porque a moça, assustada, não conseguia entender o que estava acontecendo. Até porque, nunca tinha visto Claudionor antes.
Foi então que eles, ao chegarem em casa, pararam, e o empresário se explicou.
Claudionor porém, ao comentar que já sabia de sua situação e de tudo o que tinha acontecido, deixou a moça ainda mais assustada.
O empresário então, percebendo o temor nos olhos de Anne procurou acalmá-la dizendo que não lhe faria nada de mal. Todavia, o empresário não revelou a Anne que fora seu filho que a molestara durante aquela fatídica festa. Pelo contrário, omitiu essa informação. Isso por que, ele temia que ao contar, a moça resolvesse fugir.
Não, não ele não queria correr riscos.
E assim, procurando deixar a moça à vontade, Claudionor ofereceu-lhe chá, bolos e tortas.
Mas Anne, ressabiada, recusava tudo que lhe era oferecido.
Claudionor então, sabedor do interesse da moça pelos estudos, deixou-a à vontade para escolher o livro que quisesse ler, em sua biblioteca.
Anne então, ao entrar no ambiente, ficou encantada com a quantidade de livros que havia naquele lugar. De tão deslumbrada com a visão, chegou a comentar que aquela biblioteca, era maior do que a que havia em sua escola.
Claudionor riu da comparação. Percebendo então, a surpresa da moça, o empresário, sugeriu a ela, a leitura de um célebre romance intitulado ‘A Moreninha’. O empresário, alegou que ela iria adorar o livro.
Anne então agradeceu, e mais do que depressa sentou-se num dos sofás que havia no ambiente, e avidamente começou a ler.
Claudionor ao perceber o interesse de Anne pelos livros, ficou encantado. E assim, durante meia hora ficou observando-a ler atentamente o livro.
Depois disso, ao ser informado que um cliente lhe procurava, o empresário saiu da biblioteca discretamente, e recomendou a governanta e as criadas da casa, que a conduzissem ao quarto, assim que ela parasse de ler. Além disso, cuidadoso e preocupado com a estada da moça em sua casa, Claudionor recomendou que pelo menos nos primeiros dias, as empregadas ficassem o tempo todo bem próximas dela e que a deixassem à vontade na casa.
Nisso o empresário, foi até o escritório e atendeu um telefonema. Depois, pegou o carro e foi direto para o escritório.
Enquanto isso, Anne se divertia lendo sobre as reinações de Carolina e Augusto, os heróis do romance. Entretida com a divertida leitura, Anne passou gostosas horas na biblioteca.
Por fim, cansada da leitura, a moça anotou o número da página em que estava e guardou novamente o livro, na estante da biblioteca. Depois, um pouco perdida e ainda confusa com a nova situação, ao ver sua mala no chão, pensou em imediatamente sair da casa.
Porém, ao tencionar pegar a mala, a governanta se aproximou e sugeriu que ela guardasse suas coisas, no quarto de hóspedes.
Anne ao ouvir a expressão ‘quarto de hóspedes’, ficou espantada. Afinal de contas, por que iria dormir na ala dos patrões? A garota, ao ouvir isso, ficou deveras espantada. Tão espantada que já chegou a questionar isso.
Mas a governanta insistiu. Era para lá que Anne deveria ir.
A moça então, ao entrar no quarto, ficou encantada. O quarto, bem arrumado, nem de longe lembrava seu quarto fuleiro. O triste habitáculo em que vivia.
O ambiente, amplo, arejado, bem cuidado e bonito, era um convite ao descanso. Uma beleza só!
Anne então, preocupada, perguntou a criada, se ela tinha certeza do que estava fazendo. Afinal, quando o empresário foi buscá-la em sua casa, imaginava que iria ocupar a ala dos empregados.
A governanta, ao ouvir isso, começou a rir. Simpática comentou:
-- Que bobagem menina. De onde você tirou isso? Você é uma convidada do Doutor Claudionor, não tem nada que dormir em quarto de empregada. Você é hóspede, minha cara. – respondeu fechando a porta. Porém, antes de sair, disse. – Precisando de qualquer coisa, é só chamar, eu estarei na cozinha. Fique à vontade.
Anne então, ficou sozinha no quarto. Ainda confusa com tudo o que estava acontecendo, mal podia acreditar que realmente estava naquela bela casa, ocupando um quarto de princesa como aquele. Era tudo um sonho. Um sonho tão bom, que temia durar pouco. Por isso, tentou o máximo que pôde não se impressionar com o que lhe era oferecido. Isso por que, se tivesse que voltar para sua triste vida, não teria que suportar a perda. Sim, a garota, cansada de sofrer, não queria passar por mais uma tristeza.
No que aliás tinha toda a razão.
Claudionor também se preocupara com isso. Por isso, ao chegar em casa, fez de tudo para dar atenção e acalmá-la.
Mas, desconfiada, Anne não conseguia ficar à vontade. Exemplo disso, é que, sempre que ela se interessava por um livro da biblioteca, pedia ao empresário, licença para lê-lo.
Este, ao ver o comportamento da moça, insistia em dizer que ela não precisava pedir, era só pegar.
Anne contudo, não conseguia se acostumar.
Mas, Claudionor, contando com a ajuda de seus criados e com muita paciência, acabou convencendo-a, com o passar do tempo, que estava sendo sincero quando dizia que aquele era também, o lar dela.
No entanto, para que Anne passasse a se sentir bem na casa, foi preciso muito tempo.
Com isso, enquanto esse tempo passava, Claudionor contratou uma professora de etiqueta para ensinar a moça, tudo o que era necessário para que ela pudesse conviver bem com as pessoas da alta roda.
E assim, dia após dia, além das leituras que sempre gostou de fazer, a moça recebia aulas de como andar, comer, etc. Ademais, continuou a freqüentar a escola da cidade em que vivera. Porém algo tinha mudado. Agora, tanto para ir quanto para voltar, era levada pelo motorista do empresário.
Dessa forma, nas primeiras vezes em que chegou de carro na escola, todos pararam para olhar.
Seus amigos, Rafael, Enrique e Otávio, chegaram até a comentar:
-- Tá chique heim?
Contudo, embora externamente muita coisa tenha mudado, Anne continuava a mesma. Mesmo depois de passar a conviver com o empresário, não esqueceu dos amigos e sempre os tratava bem.
Certa vez, autorizada pelo empresário, até os convidou para passar a tarde na mansão.
Nisso, os garotos, ao lá chegarem, ficaram encantados com o luxo do lugar. Porém, educados, não mexeram, nem quebraram nada. Ao contrário, comportaram-se muito bem. Tão bem que o empresário sugeriu a Anne que convidasse mais vezes os garotos para visitar a casa.
Nisso, Anne, um dia, ao voltar para casa, acabou encontrando com Carla, que mais do que depressa se aproximou para assombrar a garota. Anne, então, ao ver a perversa mulher, ficou deveras abalada. De tão chateada, passou o restante do dia, confinada em seu quarto.
Claudionor ao saber disso, ficou deveras preocupado. Cuidadoso, adentrou seu quarto e pediu para conversar.
Mas Anne não queria saber de conversa. Reservada, não quis saber de comentar o assunto.
O empresário, então, resolver não insistir. Porém, obcecado com a idéia de animá-la, decidiu que a levaria para fazer compras. Isso por que, todas as vezes em que reparou nas roupas de Anne, constatou que ela sempre estava mal vestida. Sua mala, cheia de roupas velhas, surradas e rasgadas era de fazer pena.
Anne, porém, não se importava nem um pouco com isso. Desacostumada a cuidar de sua aparência, nem ligava quando diziam que ela estava esculachada.
Todavia, a despeito da opinião de Anne, o empresário estava decidido a mudar o modo como a garota se vestia. E assim, apesar da resistência da moça, Claudionor acabou levando-a para fazer compras.
Contudo, desacostumado a comprar roupas para mulheres, o empresário pediu para a professora de etiqueta acompanhá-los.
E assim, pacientemente a mulher ajudou Anne a escolher suas roupas.
Durante o passeio, o empresário comprou roupas, sapatos, perfumes, bijuterias, cintos e outros acessórios. Foram horas de gastança.
Anne, desacostumada com esses passeios, perguntou ao empresário se ele não estava gastando demais.
No que ele respondeu que não. Claudionor estava decidido a transformar Anne em uma pessoa elegante. Tão decidido que não economizaria nenhum centavo para isso.
Por fim, quando os três chegaram em casa, foram necessárias várias idas e voltas da garagem para a sala, para descarregarem todas as compras.
A própria professora de etiqueta ficou impressionada com o volume das compras. Isso por que, ao ver ao final, o resultado da farra consumista, ela constatou que a quantidade de roupas e acessórios que fora comprada, era muito grande. Tão grande que a moça poderia ficar três meses usando as roupas que foram compradas e ainda assim, não repetiria nenhuma peça.
Para Claudionor porém, aquilo era só uma pequena amostra do que ele podia fazer para ajudar Anne.
Ademais, como a moça estava grávida, boa parte das roupas que foram compradas eram para gestante. Com isso, mais tarde, eles precisariam ainda, comprar o enxoval da criança. Porém, estava muito cedo para isso.
Nisso, o empresário percebendo que ainda não haviam jantado, pediu as empregadas que servissem o jantar.
Foi então que cansados e famintos, os três se serviram de um saboroso pernil.
Após, Anne pediu licença a Claudionor e a professora e se retirou da sala.
Antes porém, o empresário pediu que a partir do dia seguinte ela começasse a usar as roupas novas e descartasse as roupas velhas.
A moça concordou. E foi assim, que Anne começou a se arrumar. Contudo, como ainda não estava acostumada a fazer isso, foi logo pedir a ajuda de sua professora de etiqueta para se vestir.
Foi assim que Anne com o passar do tempo, aprendeu a como se vestir, se arrumar, a comer comidas refinadas, a andar, etc.
Além disso, durante o tempo, em que pôde contar com a ajuda de uma professora de etiqueta, a moça, além de acompanhar as aulas do colégio que freqüentava, passou a ter aulas particulares de história, geografia, inglês, espanhol, francês, português, entre outras disciplinas, com professores especialmente contratados para tal fim.
Essa preocupação de Claudionor se justificava. Apesar de Anne freqüentar regularmente uma escola, o nível de aprendizagem era baixo. Com isso, preocupado com o futuro da jovem, o empresário, passou a ter o cuidado de se empenhar para que sua educação fosse a melhor possível.
E Claudionor estava tão empenhado nisso, que se comprometeu com a moça, dizendo que enquanto ela não estivesse preparada para freqüentar uma escola melhor, ela teria aulas particulares, visando a isso.
Assim, mesmo depois de encerrado o ano letivo, Anne continuou tendo aulas com os aludidos professores e aprendendo mais e mais.
Sim, a vida de Anne estava mudando. E o que era bom, estava mudando para muito melhor.
Porém, não foi nada fácil para ela chegar a essa evolução. Isso por que, durante o todo esse processo, Cláudio – o rapaz que provocara toda a reviravolta por que estava passando sua vida –, retornou de um longo exílio na fazenda do pai.
Anne então, ao ver o rapaz que a molestara diante de si, ficou deveras transtornada. Chateada e assustada, pediu aos empregados da casa que a deixassem ir embora.
Mas estes, alegando que estavam cumprindo ordens, não a deixaram partir.
E assim, triste, Anne ficou quase uma semana trancada em seu quarto sem querer ver, nem falar com ninguém.
Claudionor então, ao voltar do trabalho e se deparar com seu filho dentro de casa, ficou furioso. De tão iracundo, quis logo tomar satisfações com Cláudio. Porém, ao aventar a hipótese de que talvez Anne já o tivesse visto, ficou apavorado. De tão apavorado, esqueceu-se do filho e foi imediatamente conversar com a moça.
Esta, para seu desespero, já havia visto o rapaz, e estava há horas trancada em seu quarto.
Claudionor então, tentando entrar no quarto de hóspedes para conversar com Anne, percebeu que a mesma havia chorado muito. Isso por que, ao responder seus apelos com voz chorosa, Anne já dava a exata dimensão do seu sofrimento. Sim, a moça estava muito triste com o que estava acontecendo.
Porém, apesar de seu empenho, não foi desta vez que Anne resolveu conversar com ele.
Contudo, no dia seguinte, o empresário, sabendo que a moça desceria, decidiu então ir mais tarde para o escritório, só para que tivesse a oportunidade conversar com ela.
Dito e feito. A moça, sem saber que o empresário a aguardava, desceu as escadas. Ao chegar na sala de almoço, deparou-se com Claudionor aguardando-a.
Anne então, percebendo-se acuada, tentou fugir mas não conseguiu. Isso por que, Cláudio descia as escadas justamente no momento em que ela tencionava novamente subi-las.
Sem saída, só restou a Anne, permanecer na sala de almoço e ouvir as explicações do empresário.
Cláudio então, percebendo que a conversa seria difícil, tentou debalde sair de fininho. Mas Claudionor percebendo sua presença, deu-lhe ordem para que terminasse de descer as escadas.
Sem saída, o rapaz comentou:
-- Tô ferrado!
Claudionor ao ouvir o comentário do filho, disse a ele que moderasse sua linguagem. Após, comentou com Anne que não tivera a intenção de enganá-la. Pelo contrário. Ele se omitira quanto a isso, simplesmente para não dificultar a aproximação. Não fora por maldade.
Depois, voltando-se para Cláudio, disse:
-- Não bastasse a canalhice que fizeste, ainda teve coragem de desobedecer minhas ordens! Quem lhe autorizou a voltar para cá?
No que o rapaz respondeu:
-- Ao contrário do que o senhor está dizendo, eu não sou um canalha. Muito menos um irresponsável, sabia? Eu voltei por causa da faculdade.
-- E desde quando você se preocupa com isso?
-- Desde quando o senhor me obrigou a trancar a matrícula. Lembra-se?
-- Se você fosse mais responsável, Cláudio, não precisaria ter trancado a matrícula.
-- Quer saber? Dane-se! Pra você eu vou estar sempre errado. – respondeu Cláudio aborrecido, voltando para seu quarto.
Nisso, o empresário, procurando se desculpar com a moça, ficou toda a manhã lhe fazendo companhia. Depois, percebendo que a moça havia se acalmado, despediu-se dela e foi para o escritório.
Diante disso, vendo-se sozinha naquela casa, Anne resolveu permanecer em seu quarto, esperando quem sabe, o rapaz sair de casa.
Dito e feito. Quando finalmente o rapaz saiu, a moça aproveitou para ir até a biblioteca pegar mais um livro para ler.
Assim, a despeito dos inevitáveis encontros com Cláudio durante o café da manhã e algumas provocações do mesmo – as quais ela sempre ignorava –, tudo estava indo bem.
Todavia, certa vez, enquanto estava tomando banho de sol na piscina, um bando de filhinhos de papais apareceu por ali. Estes, ao verem a garota sozinha na piscina, foram logo chamando-a de jeca e de caipira.
Nessa época, ainda sem suas roupas de grife, a moça estava usando apenas as peças que havia levado para lá.
Por esta razão, com as gozações dos amigos de Cláudio, Anne ficou bastante aborrecida e sem disposição para aturar desaforos, tratou de sair da piscina e ir para seu quarto.
Com isso, Claudionor ao tomar conhecimento do ocorrido, deu ordem ao filho de voltar a fazenda, que furioso, teve de obedecer as ordens do pai. Porém, não sem antes acusar Anne de ser a culpada pelos constantes desentendimentos, entre ele e Claudionor.
Claudionor ao ouvir isso, mandou que o filho se calasse.
Foi assim que mais uma vez Cláudio foi para a fazenda.
Porém, era só passar algum tempo que ele voltava.
Voltava para azucrinar a vida de Anne.
No entanto, na segunda vez, preparada para as agressões de Cláudio, Anne, mais acostumada com o modo de vida dos abastados, passou a se defender de suas brincadeiras.
Amparada pelas aulas de etiqueta, roupas melhores, aulas particulares, e toda a atenção de Claudionor e dos criados da casa, que aliás, a adoravam, Anne não tinha mais por que se sentir acuada diante da presença de Cláudio.
Aliás, o próprio já reconhecia que a mesma havia mudado muito. Tanto que, segundo suas próprias palavras, nem parecia a mesma bobalhona de antes.
Com isso para ajudar, o irmão, Lauro – um seminarista –, que estava de férias, aproveitou o ensejo para passar alguns meses em companhia da família, os quais não via há muito tempo.
E assim, Lauro, dias depois de ter chegado a mansão dos Morais, tomou conhecimento da situação delicada que a família estava vivendo.
Desta maneira, quando finalmente pôde conversar com Anne, apesar de sua desconfiança com a história, Lauro acabou se convencendo de que ela era mais vítima do que algoz.
Isso por que Lauro, constatou que a mesma era muito ingênua para ter urdido um golpe contra o irmão, o qual aliás, ele conhecia muito bem e sabia que não era boa bisca.
Por isso mesmo quando Cláudio insinuou que tudo era uma armação da moça, Lauro tratou logo de desmenti-lo mandando que se calasse, fato esse que deixou-o revoltado.
Porém, conflitos a parte, ao chegar, o noviço foi muito bem recebido por sua família. Seu pai, estava morrendo de saudade.
Com isso, ao ver seu filho em casa, efusivamente Claudionor o cumprimentou e perguntou-lhe com estavam indo as coisas no seminário.
Lauro então comentou sobre as novidades.
E assim, a conversa se manteve por horas.
Já Cláudio, menos efusivo, apenas cumprimentou o irmão, e dizendo ter um compromisso marcado, alegou que precisava sair.
Foi então que Lauro comentou:
--O Cláudio não muda nunca!
Nessa oportunidade, o moço foi apresentado a Anne.
Os dois então, educadamente se cumprimentaram.
Em seguida, depois de pegar um livro na biblioteca, a moça voltou para seu quarto.
Nisso, quando Anne saiu, Claudionor continuou a conversar com filho. Dias depois, o empresário contou detalhes da história de Anne, e Lauro que já sabia algo sobre o assunto, passou a conhecê-la melhor.
Nisso o rapaz, convivendo com a moça, passou a conhecê-la cada vez melhor e percebendo que ela não estava mal intencionada, passou até lhe ajudar, defendendo-a das provocações de Cláudio.
Com isso, os dois ficaram tão próximos que acabaram se tornando grandes amigos. Grandes amigos e confidentes diga-se de passagem. Sinceros um com o outro, jamais mentiam entre si.
Essa proximidade passou a ser alvo de comentários maldosos de Cláudio.
Tais comentários no entanto, não agradavam nem um pouco Lauro, que como seminarista, mantinha sempre uma conduta discreta.
Assim, quando o assunto era amizade entre ele e Anne, o rapaz ficava uma fera. Não admitia que fizesse brincadeiras envolvendo sua pessoa e a de Anne. A quem tinha em alta estima.
Cláudio certa vez, observando a reação do irmão quanto a essas brincadeiras, comentou que o mesmo se enervava demais para uma coisa tão á toa quanto aquilo.
Lauro porém, não entendia da mesma forma. Para ele, era uma questão de respeito evitar as brincadeiras. Respeito não só com ele, mas também com relação a moça, que estava fazendo de tudo para se adaptar a vida da família.
Mas, Cláudio, com seu comportamento, não ajudava em nada.
Todavia, Anne, a despeito de tudo o que Cláudio tentava aprontar com ela, estava cada vez mais, aprendendo a se defender de suas artimanhas.
Anne, agora acostumada com as brincadeiras de Cláudio, passou a responder as provocações a altura. Certa vez, quando o rapaz fez uma insinuação maldosa a respeito de sua amizade com Lauro, a moça fez questão de lhe dizer, que haviam se tornado amigos sim, mas que ao contrário dele, o sentimento era sincero. Além disso, ela comentou que Lauro era digno demais para ser envolvido em uma canalhice como aquela.
Claudionor, ao ver a cena, sentiu até uma ponta de orgulho.
Sim, Anne estava se aprimorando cada vez mais, não só culturalmente mas também como pessoa. Mais segura, a moça estava com a auto-estima nas alturas.
Anne estava tão feliz que nem parecia a moça de antes. Porém, certas características não mudam nunca. Assim, de vez em quando, ela ainda preferia a própria companhia, a de qualquer outra pessoa.
Todavia, a despeito de tudo isso, um acontecimento, muito ruim para todos, acabou por acontecer.
Anne, que já estava grávida de cinco quatro meses, acabou sofrendo um aborto.
Inesperadamente, a moça começou a sentir muita dor. Quando se deu conta do que era, ficou desesperada.
Porém, a despeito de todo o empenho de Claudionor em socorrer a moça a tempo, o inevitável aconteceu.
Anne a despeito de todo o cuidado que passara a ter na gravidez, perdeu a criança que gerava.
Este fato, foi extremamente penoso para ela.
Cláudio, então, sentindo-se penalizado pela situação, chegou até a se desculpar com Anne.
No entanto, a despeito de sua pena pela moça, Cláudio sentiu-se verdadeiramente aliviado, quando soube da notícia. Acreditando que agora que Anne não estava mais grávida, retornaria para sua casa, Cláudio ficou exultante. Todavia, cauteloso, tentou o máximo que pôde, disfarçar sua euforia.
Anne, por sua vez, também ficou preocupada com sua situação dali para a frente. Isso por que, acostumada com a vida boa que passara a levar, demoraria muito para se acostumar novamente com a dura vida que sempre viveu. Porém, certa de que sem a perspectiva de ter um neto, o empresário a devolveria a sua família, Anne tratou de imediatamente, arrumar suas malas.
Claudionor então, percebendo a mudança de comportamento de Anne, ao ver as malas prontas, foi logo perguntando o por quê de tudo aquilo.
Anne então, profundamente abatida pela perda do filho, disse que sentia necessidade de ficar sozinha.
O empresário, contudo, não convencido das explicações da moça, tratou logo de saber o que estava acontecendo. Insistente, pressionou Anne de todas as formas possíveis para que ela lhe contasse o que estava se passando em sua cabeça.
De tão incisivo, o empresário deixou a moça sem saída. Foi assim que ela então confessou, que, depois de ter perdido o filho que estava esperando, fatalmente ele a mandaria embora.
Claudionor, ao ouvir as palavras de Anne, ficou profundamente penalizado. Percebendo então, o quão frágil era a situação da moça naquela família, o empresário se comprometeu a continuar cuidando dela, enquanto ela precisasse. Assim, enquanto a moça estivesse freqüentando a escola, e posteriormente, uma universidade, prontamente ele a ajudaria.
Além disso Claudionor comentou com Anne que, se fosse necessário, até a ajudaria a encontrar um trabalho. Assim, o empresário, deu todas as mostras de que ela não estava desamparada. Além disso, Anne poderia continuar morando na mansão, o tempo que quisesse.
No entanto, a despeito de tudo isso, a moça continuava triste.
Claudionor então percebendo isso, mais do que depressa, convidou a moça para um passeio em sua fazenda.
Anne, porém, ao ouvir a proposta de Claudionor, ficou um tanto quanto ressabiada. Isso por que, privada de sua companhia, ela ficaria sozinha na fazenda.
Lauro então, percebendo o desconforto de Anne, ofereceu-se para acompanhá-la no passeio.
Com isso, a garota mais do que depressa, concordou com o passeio. Porém, depois do ocorrido, o empresário, percebendo que Anne ainda necessitava de roupas, tratou de levá-la novamente para um passeio.
Após, devidamente paramentada, a moça, preparou suas malas e juntamente com Lauro, viajou para a fazenda.
Anne então, precavida, mesmo sem ter a obrigação de estudar, fez questão de levar alguns livros consigo a fim de que pudesse ler quando tivesse vontade.
Lá em companhia de Lauro, a moça teve o raro prazer de conhecer de perto, a estrutura de uma fazenda.
A grande propriedade abrigava uma grande variedade de animais, de plantas e de árvores. No pomar, frutas de todos os tipos eram cultivadas. Quanto a horta, essa era uma imensidão verdejante a se perder de vista. Na fazenda, havia ainda o cultivo de cereais.
Para passear, muitos cavalos á disposição. Aliás, na propriedade, havia um lugar exclusivo para o cuidado e treinamento desses animais.
Além disso, o fazendeiro, em homenagem a memória da falecida esposa, mandou construir um imenso e imponente jardim, na entrada da fazenda. Assim, enquanto o carro do visitante passasse pelo caminho que levava a fazenda, podia apreciar a beleza de lindas flores desabrochando pelo trajeto.
Era uma ampla variedade de flores. Tinha até orquídeas.
Com isso, não bastasse o belo e imenso jardim construído na entrada da fazenda, o fazendeiro, ordenou que se construísse um orquidário. Nesse local, todo fechado em vidro, espécies delicadas de plantas eram cultivadas.
Anne ao ver todas essas maravilhas, ficou encantada.
Todavia, o melhor ainda estava por vir.
A natureza contida na fazenda, conseguia ser ainda mais exuberante que a magnífica horta, o imenso pomar, e a extensa plantação.
Caminhando pela fazenda, ou mesmo cavalgando, podia se chegar a belíssimas cachoeiras e a um imponente lago que havia na região.
Porém, como Anne não sabia andar á cavalo, Lauro providenciou uma charrete para levá-la até o local. A moça então ao se deparar com tão rico cenário, ficou encantada. Tão encantada que agradeceu pelo passeio com um beijo no rosto do rapaz.
O seminarista ficou um tanto quanto desconcertado. Porém, ao ver o encantamento de Anne, percebeu que a moça o beijara sem nenhuma intenção maliciosa. Estava feliz e pronto.
Ao final da tarde, ao retornarem para a sede da fazenda, os dois puderam observar atentamente a imponência da construção. Isso por que, logo em sua entrada, havia um imponente alpendre repleto de cadeiras, alguns sofás, mesas, redes e ao fundo, um bar.
Dentro da residência, havia uma ante-sala e logo adiante, uma luxuosa sala de visitas. Ao lado havia uma outra sala, e mais para a frente estava a sala de jantar. Logo a frente da sala de jantar, havia um imponente bar.
Caminhando mais para o interior da casa se via uma sala fechada. Segundo Lauro, era ali que ficava a biblioteca da fazenda e ao seu lado, um pequeno escritório. Ainda na parte social da casa, havia dois lavabos e mais ao fundo ficava a cozinha, a área de serviço, a sala de almoço, e as dependências dos empregados.
E mais, ao lado de biblioteca, ficava a sala lareira, com um magnífico piano de cauda, e mais ao fundo, um jardim de inverno e um átrio.
Lauro então, percebendo o encantamento da moça com a casa, recomendou-lhe que subisse com ele as escadarias que levavam ao segundo pavimento da construção. Era lá que ficavam os quartos. Ao todo, eram doze grandes e luxuosos quartos. Todos com suíte, varanda, closet, saleta, e uma deslumbrante visão para a verdura que se descortinava diante das janelas dos quartos.
Não bastasse isso, no seu corredor, havia ainda uma sala de televisão, com inúmeros equipamentos de última geração.
Foi exatamente num desses quartos que Anne ficou durante toda sua estada na fazenda. Lauro, por sua vez, permaneceu em outro quarto da casa.
No dia seguinte, acompanhada de Lauro, Anne foi conhecer a parte recreativa da sede.
Encantada, Anne conheceu a piscina, o salão de jogos, o salão de festas, a sala de ginástica, a sala de televisão ao lado do deck, a churrasqueira e a capela.
Em seguida, como a temperatura estava convidativa, os dois aproveitaram para tomar banho de sol.
Anne, um pouco desajeitada, não conseguia mergulhar, devido sua falta de familiaridade com a água. Lauro então, prestativo, ofereceu-se para ser seu professor de natação. E assim, conforme os dias foram se passando os dois aproveitaram para passear pela fazenda, nadar e ler.
Anne e Lauro também aproveitavam para conversar.
Enquanto ele comentava sobre seus planos de ser padre, a garota comentava que gostaria de cursar uma universidade e ter uma profissão.
O seminarista então, perguntou se ela já sabia qual era a profissão que ela queria seguir.
Ao ser indagada sobre isso, Anne respondeu:
-- Ainda não sei com certeza. Mas sei que terá que ser alguma coisa relacionada a licenciatura.
-- Então a senhorita quer ser professora?
-- Bem... sim e não.
-- Como assim?
-- É que eu gosto muito de história...
-- De literatura também. – respondeu ele. – Desde você chegou em casa, quantos livros já leu?
-- Não sei. Mas com certeza muitos.
-- Então, por que não se torna escritora? Afinal, com seu interesse pela leitura, deve saber escrever muito bem. – sugeriu ele.
-- Não sei... a profissão é fascinante, mas o país não valoriza os profissionais ligados a cultura. – respondeu ela.
-- Ué! Quem sabe? Quem garante que você não será uma escritora muito famosa? Já estou até imaginando. Anne conquista os leitores brasileiros. Uma grande escritora com uma promissora carreira, heim? Que tal?
Nisso, os dois começaram a rir.
Certa vez, cansados de tanto passear pelos mesmos lugares, Anne, que a essa altura, já havia aprendido a cavalgar, aproveitou para, em companhia de seu amigo, conhecer um pouco melhor a vegetação nativa da fazenda.
Assim, cavalgando em meio a verdejantes campos, os dois aproveitaram para conversar, caminhar, e disputar corridas de cavalo.
Mais tarde, exaustos de tantas peraltices, os dois se deitaram na relva e começaram a conversar.
E entretidos na conversa, os dois permaneceram por horas ali, para só mais tarde se darem conta do quão tarde era, e que já era hora de voltarem para a sede. Algumas vezes, os dois chegaram a voltar quando anoitecia.
Uma das criadas, ao ver isso certa vez, ralhou profundamente com os dois. Dizendo que era muito perigoso permanecer a noite nos campos da fazenda, a mulher advertiu-os para que nunca mais fizesse isso. Isso por que, corriam o risco de se perderem.
Lauro então, responsabilizando-se por tudo, prometeu que nunca mais exporia Anne a um risco desses.
Com isso, a despeito da bronca, os dois, famintos que estavam, trataram logo de cear.
Alguns dias depois, Lauro, depois de muito comentar sobre a cidade vizinha, aproveitou para levar Anne para conhecê-la. Lá, mostrou a moça, todos os lugares pitorescos.
Depois, o rapaz convidou a moça para almoçar em um dos muitos restaurantes do lugar, especializados em comida caseira.
Nesse lugar, os dois se deliciaram com uma comida muito saborosa. Com isso, enquanto Anne e Lauro almoçavam, uma dessas moças, que vendem flores em locais públicos apareceu, e procurando vender sua mercadoria, ofereceu-a a Lauro. Gentil, a vendedora recomendou que o mesmo desse uma flor, para sua namorada.
Lauro e Anne riram. Depois, educadamente, o rapaz comentou que ela não era sua namorada, pois os dois eram só amigos. A vendedora então, constrangida, desculpou-se. Quando estava indo embora porém, Lauro então pediu:
-- Espere! Só um minuto. – disse já tirando dinheiro de sua carteira para comprar uma flor.
A vendedora então, recebendo o dinheiro, escolheu uma linda rosa, que pelo tom claro que tinha, parecia uma pérola.
Lauro então, esperou a vendedora se afastar e delicadamente, ofereceu a rosa a Anne.
Anne então, aceitando o presente, aproximou vagarosamente a flor de suas narinas e sentiu seu delicado perfume. Depois, agradecida pelo gesto, disse:
-- Obrigada.
Nisso, continuaram a almoçar. Depois, pedindo uma sobremesa, Anne se deliciou com uma mouse de maracujá. Já Lauro, preferiu uma fatia de bolo de chocolate.
Mais tarde, ao saírem do restaurante, Lauro ofereceu seu braço para Anne, que prontamente aceitou a oferta. Assim, os dois passearam o resto da tarde, abraçados, pela cidade.
Com isso, ao voltarem para a fazenda, os dois estavam repletos de histórias para contar para os funcionários e agregados. Contudo, como queriam acordar cedo no dia seguinte, ao final das dez horas, os dois se despediram do pessoal e foram dormir.
Assim, logo que raiou o dia, Lauro chamou Anne, que ainda dormia, para fazer um passeio pelos terreiros de café, e ver o tratamento que o mesmo recebia até ser vendido. Também veriam a forma com se acondiciona o arroz, como se tira leite de vaca, e como se produz a farinha.
Enfim, os dois tinham um longo dia pela frente.
Luciana Celestino dos Santos
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