Poesias

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 28

Lutando como um valoroso soldado, Letícia, passando-se novamente por Ticiano, não fugia da luta. 
Ávida por confrontos, a moça não se amedrontava nem diante dos maiores perigos.
E foi assim, em meio a luta, soldados feridos e muito desespero, que Letícia novamente encontrou-se com seu amigo Rogério, que também fazia parte do batalhão.
Além dele, estava lá, Álvaro, lutando como oficial. 
Quanto a isso Letícia não pôde deixar de se surpreender com a situação. Temerosa que ambos revelassem aos militares o que sabiam a seu respeito, Letícia passou a evitá-los.
Rafael então, ao descobrir que eles a conheciam e que sabiam que ela não era Tício coisa nenhuma, foi conversar com os dois e pedindo a eles que não contassem o que sabiam sobre Letícia, constatou que eles não estavam ali para prejudicá-la. Rogério, alegou que só encontrou-a ali por acaso. Álvaro contudo, não negou que estava ali por causa dela. Tanto é, que assim que soube que a moça estava lutando como soldado, tratou também, de se dirigir para lá e se alistar. 
Assim, quando viu a moça lutando como um simples soldado, sujeita a toda uma série de riscos, Álvaro ficou deveras preocupado e por diversas vezes, tentou convencê-la a sair dali. Isso por que se fosse ferida, fatalmente os homens descobririam que ela era uma mulher. 
Letícia incomodada com Álvaro, respondeu que faria o possível para não se ferir.
O mancebo, percebendo a teimosia da moça, respondeu, que numa guerra não havia como se evitar feridos e até mesmo perdas humanas. 
A moça, dizendo que estava ciente dos riscos que estava correndo, alegou que não havia por que ele se preocupar. 
Álvaro então, percebendo que não conseguiria demovê-la da idéia de continuar lutando, passou a fazer o possível para protegê-la.
Mas Letícia, espertamente, percebendo as artimanhas dele, fazia de tudo para resolver suas questões da maneira que achava conveniente. Assim, Álvaro, por mais que tentasse, nunca conseguia controlá-la. 
Nisso, a moça cada vez mais se destacava por sua atuação. 
Álvaro então, cansado de brigar, resolveu se aproximar e oferecendo flores, que havia colhido a ela, só conseguiu deixa-la apreensiva. Isso por que, se alguém visse a cena, certamente pensaria que Álvaro não estava em seu juízo perfeito. 
Letícia, percebendo o risco, tratou de levá-lo até uma das barracas e lá, longe de olhares curiosos, os dois conversaram. Álvaro então, dizendo que havia sentido saudades dela, comentou que nunca mais a deixaria sair de sua vida.
Letícia, sem compreender o significado daquelas palavras, ficou a olhar para Álvaro, que cansado de tentar se fazer entender, puxou-a para si e beijou-a.
A moça, espantada, perguntou:
-- Por que o senhor fez isso?
O jovem mancebo respondeu:
-- Bem ... por que me deu vontade. E por que eu estou cansado de me fazer entender. Também estou cansado de esperar o momento oportuno. Desde que a senhorita morou em minha casa, desde aquele baile, eu estou tentando dizer-lhe que gosto muito de vosmecê e não consigo. Isto já estava me sufocando... E... eu quero te namorar. Pronto, disse.
Letícia, atônita, não sabia o que pensar. 
Álvaro, notando a perplexidade da moça, pressionou-a a lhe dar uma resposta sobre seu pedido de namoro.
Letícia, dizendo que precisava pensar, tentou escapar pela tangente, mas o rapaz, percebendo a estratégia, disse-lhe que ela tinha que responder imediatamente.
A moça, ao se ver pressionada pelo mancebo, não gostou nem um pouco daquilo, mas sem saída – já que Álvaro não se intimidava com sua agressividade –, acabou,  depois de algum tempo, respondendo. Titubeante, Letícia disse a ele, que poderiam tentar ficar juntos.
Mesmo não sendo a resposta que esperava, Álvaro acabou concordando.
No entanto, havia um problema. Como fariam para ficar juntos, sem que ninguém percebesse que havia algo errado? Sim por que, para todos os efeitos, Letícia era Ticiano e não ficaria nada bem os dois serem vistos juntos, como se fossem dois namorados.
Nisso, Rafael, prometeu ajudar os dois.
E nisso, deixando os dois a sós em uma das barracas, ficava sempre a vigiar. Se um estranho aparecesse, ele bateria na barraca avisando para que Letícia se escondesse. 
E foi assim, que os dois começaram a namorar. Em meio ao tumulto da guerra.
Contudo, eram raras as vezes que podiam ficar juntos.
Letícia, cada vez mais requisitada, lutava mais e mais.
Foi justamente em uma dessas batalhas que a moça acabou se ferindo seriamente. 
Álvaro, ao saber que a moça corria sérios riscos de vir a falecer, caiu em prantos. 
Seus comandados ao perceberem a reação dele, não conseguiram compreendê-la. Isso por que, apesar de saberem que os dois eram amigos, os soldados nunca haviam visto antes, um homem chorar. No entanto, a despeito da reação de Álvaro, nem por um momento suspeitaram da relação dele com a ferida. 
Nisso, as enfermeiras, cuidando do ferimento de Ticiano, acabaram descobrindo que se tratava não de apenas mais um soldado ferido e sim de uma mulher. 
Com isso, os oficiais mais graduados, ao saberem do fato, prometeram tomar medidas drásticas. 
Álvaro e Rogério, ao tomarem conhecimento disso, suplicaram aos militares mais graduados para que nada fizessem contra a moça.
No que os oficiais, ao constatarem que os dois já sabiam do embuste, ameaçaram também puni-los.
Os moços, ao perceberem isso, concordaram em se submeter a punição. Já, quanto a moça, os dois pediram, para que quando ela se recuperasse, não a punissem. Pelo contrário! Em respeito aos relevantes serviços prestados nas batalhas, a moça devia ser condecorada e não punida.
Os militares ao ouvirem isso, depois de muita relutância, acabaram concordando.
E assim, a história ficou por isso mesmo.
Todavia, nem tudo estava resolvido. Isso por que, Letícia ainda corria risco de morte. Álvaro, preocupado com essa possibilidade, postou-se ao lado do leito da moça e pedindo-lhe para que não morresse, agora, que já conhecia sua história, prometeu que faria de tudo para encontrar seu outro irmão, Antônio. 
Não se sabe se por milagre ou não, mas o fato é que, depois de ouvir a promessa de Álvaro, Letícia passou a melhorar pouco a pouco. Meses depois, a moça estava restabelecida. 
Álvaro, ao vê-la tão bem, mal podia acreditar que quase a perdera por duas vezes. 
Dizendo que nunca mais queria sentir aquela sensação, insistiu para que ela nunca mais colocasse sua vida em risco daquela maneira. 
Letícia prometeu que não faria mais isso. Com um dos ombros enfaixados em razão do ferimento, Letícia só queria saber de encontrar, a pessoa mais importante da família.
Álvaro dizendo que ela não podia abusar, comentou que eles deviam esperar mais um pouco para procurar pelo menino, que a essa altura já era um rapazote.
Impaciente, Letícia, ao ouvir isso, disse que não queria esperar e que eles deviam partir imediatamente.
Rogério, percebendo o impasse, prometeu a ela que ele próprio se encarregaria de procurar pelo garoto. Assim, logo que soubesse de alguma notícia, voltaria ali para lhe revelar seu paradeiro.
Letícia porém, teimosa, bem que tentou manter seu ponto de vista, mas Álvaro ao dizer que se Rogério havia se prontificado a ir atrás, não precisava ela ficar tão inquieta, acabou convencendo-a.
Não que  a moça, tenha ficava feliz e satisfeita com os argumentos de Álvaro, mas como havia prometido não se meter mais em confusões, acabou por ficar mais algumas semanas descansando.
No entanto, bastou se livrar das ataduras para brotar novamente em seu coração, a vontade de partir em busca do irmão.
Álvaro então, percebendo que não conseguiria segurá-la por muito tempo ali, pediu ao menos que ela esperasse Rogério se comunicar. Isso por que, em o homem se comunicando, Álvaro poderia lhe avisar que estavam voltando para casa.  
E assim foi. Letícia e Álvaro, partiram e voltando para casa – depois de avisar Rogério –, ficaram aguardando as próximas notícias dele. 
Em dezembro de 1868, finalmente Antônio foi localizado. 
Letícia, ao tomar conhecimento da novidade, foi correndo até o orfanato em que o garoto estava. A moça, ao olhar para o rapaz, foi tomada de uma profunda emoção.
Antônio, com quase quinze anos, logo que a viu, a reconheceu. Isso por que, estando com cinco anos quando foi tirado de sua companhia, apesar de uma leve mudança, para ele Letícia não estava tão diferente assim. 
Ao ver que o garoto a reconheceu, Letícia ficou muito emocionada. Chorando, contou que mesmo durante todos aqueles anos, nem por um minuto, deixou de lembrar dele. Todavia, sem saber por onde começar a procurá-lo, pensou primeiro em amealhar algum dinheiro, para depois partir em seu encalço.
Letícia, que até então, era pouco afeita as palavras, não parou de falar nem por um minuto. Dizendo que depois que fugiu do reformatório a primeira coisa que fez foi procurá-lo, disse que ao se aproximar da casa de Júlio, percebeu que tudo estava fechado. Perguntando para um e outro, descobriu que ele havia sido preso com uma criança.
Antônio explicou então:
-- Sim. É verdade. Eu me lembro desta cena. Foi horrível. Levaram o pai e eu fui para um orfanato. Nunca mais eu o vi.
Letícia ao ouvir as palavras do garoto, não pôde conter o choro. Emocionada, comentou que desde que Mariana foi embora de casa, tudo mudou em sua vida. Criança, tinha apenas dez anos quando toda essa confusão se instalou em sua vida. Aos onze anos, Letícia contou, que passou a cuidar dele.
Antônio ao ouvir isso respondeu, que ela sempre fora a mãe dele.
Letícia se emocionou. Nisso a moça, percebendo que precisava regularizar a situação do garoto, comentou com Álvaro – que a essa altura já era seu marido –, que precisava obter um registro. Ele concordou.   
E assim, subornando um escrevente, Álvaro conseguiu obter uma certidão de nascimento de Antônio. Como mãe, estava Letícia e ele, que casado com a moça, registrou o garoto em seu nome.
Rogério, percebendo que ajudou a amiga, comentou arrependido que nem por um instante pensou em fazer uso daquelas informações para prejudicá-la. 
Letícia respondeu que acreditava nele. Feliz por finalmente ter encontrado Antônio, agradeceu por tudo o que ele fizera. Comentando que se não fosse por ele, nunca teria encontrado seus dois irmãos, nem revisto seu passado e resolvido todas as questões referentes a ele, agradeceu seu gesto tresloucado. 
Realmente a preocupação de Rogério com ela, mudou sua vida. Toda a mágoa foi-se embora. 
Muito embora não fosse possível reconstruir o passado, ao menos era possível retomar a vida e fazer o presente e o futuro melhores. As tristezas que se passaram não deixariam de serem dores, mas ao menos podiam ser superadas.
Todavia, todas essas tristezas acompanhariam ela e Antônio por toda a vida, por mais que ambos tentassem se livrar delas. 
Álvaro e Rogério o sabiam muito bem. Rafael também.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.   

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