Poesias

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 8

Com isso como bom cumpridor de seus deveres, Ticiano chegou a sede da fazenda, prontamente, às sete horas da manhã. 
Ao adentrar a propriedade o rapaz foi saudado pelo fazendeiro e agora amigo, José.
Ao vê-lo em pé, ao lado da porta, o fazendeiro tratou logo de convidá-lo para tomar café com ele.
Ao sentar-se, Ticiano percebeu que Tereza se aproximava da mesa. Com isso, mais que depressa o rapaz se levantou e ajeitou uma das cadeiras da mesa para que ela pudesse se sentar. No que a moça agradeceu e se sentou.
José, ao ver a cena, estranhou a atitude da filha. Mas não a advertiu, dado que precisava conversar  com Tício. E assim, passou a tratar dos assuntos da fazenda. 
Enquanto José e sua filha se deliciavam com os quitutes, comendo ambos, regaladamente, Ticiano, timidamente comia as porções de um bolo de fubá. 
José, estranhou o pouco apetite do rapaz. Muito embora fosse ainda muito cedo, sabia que trabalhadores como ele se alimentavam muito bem. Por isso insistiu para que ele comesse um pouco mais. E assim, colocou um pedaço de torta no prato do rapaz, mais um pouco de café em sua xícara, e pediu para que as escravas providenciassem mais frutas. E assim, continuaram o café.
Com isso ao terminarem o café da manhã, a conversa continuou. Ticiano e José, passaram a tarde toda conversando sobre a fazenda. O fazendeiro queria inteirá-lo de tudo. 
Por isso José passou a explicar detalhadamente os seus planos. Desta forma o fazendeiro falou da criação de animais, de seus cuidados, e do preparo para competições.
No tocante a isso, Tício afirmou que já estava mais do que acostumado com o trabalho. Desde que lá chegara, era só o que fazia.
Quanto a isso, José concordou. 
Contudo o fazendeiro também precisava inteirá-lo da contabilidade. Dos gastos com produtos com animais, dos salários dos peões, enfim de tudo o que dizia respeito ao bom andamento da fazenda. Cuidadoso, não se furtou nos menores detalhes. Chegou até a mostrar os livros com os lançamentos contábeis. 
Por essa razão, Ticiano precisava apresentar-se condignamente. Para exercer uma função com tantas responsabilidades, precisava se trajar à altura do encargo.
Assim, ao longo de três semanas, os trajes ficaram prontos. 
Magníficos trajes. Vestido com eles, Ticiano pareceria um rei. Com seu porte elegante e boas maneiras, nem de longe daria a impressão de um rude peão.
Para tanto, o jovem precisava experimentar as roupas. 
E assim foi feito. Para isso José indicou-lhe o quarto dos hóspedes, para que lá o rapaz se vestisse. Assim que estivesse pronto, Ticiano deveria apresentar-se na sala. 
Diante disso, Ticiano tratou de colocar umas das roupas que lhe deram. Uma calça marrom, camisa branca, e uma capa escura. 
Ticiano ao vestir-se com as roupas feitas pela serviçal, mais parecia um nobre. 
Mas, desacostumado que estava com as roupas, ficou um pouco constrangido em usá-las. Portanto, tratou de tirar a roupa nova e em seu lugar, colocar a sua velha roupa surrada. Alegando de que não era necessário o incômodo, Ticiano quis devolvê-las ao patrão. 
No que este, recusou-se veementemente a aceitá-las. Bravo, respondeu que não teria o fazer com as roupas, já que estas eram um presente seu para ele.  José afirmou ainda, que, se houvesse recusa em aceitá-las, se sentiria deveras ofendido. E ainda, ao vê-lo com seus trajes simplórios, José imediatamente mandou-o se desfazer deles e passar a usar as roupas que havia ganho.
Foi quando Ticiano novamente retornou ao quarto de hóspede e se vestiu. 
Apresentando-se para o patrão com os novos trajes, este falou:
-- Finalmente. Roupas dignas e elegantes. 
Nisso, Tereza apareceu na sala e disse:
-- Realmente meu pai, nem parece um rude peão. Se assemelha a um perfeito cavalheiro.
Tício, ao ouvir isso, ficou espantado. Não esperava encontrá-la naquele momento. 
Em razão disso, não disse uma só palavra.
No entanto, não obstante o silêncio que se fez na sala, José aproximou-se da filha e lhe segredou algo no ouvido.
Com isso, depois que o mais novo administrador da fazenda se retirou, o fazendeiro foi ter com a filha. Preocupado com o inesperado interesse da moça pelo rapaz, imediatamente a advertiu:
-- Tereza, escute bem. Eu não quero ver você de conversinhas com Ticiano. Ele é meu empregado. Não um amigo seu. E eu exijo que vosmecê o respeite.
-- Mas, meu pai. Quem foi que disse que eu o estava desrespeitando?
-- Tereza, não me provoque. Eu sei muito bem que você está aprontando alguma coisa. Mas eu lhe aviso. Não faça nada com que vá se arrepender. Por que se você aprontar alguma coisa, eu não vou ser condescendente com vosmecê, mesmo sendo minha filha. Ouvistes?
Sem ter argumentos, Tereza concordou:
-- Sim, meu pai. Eu ouvi. Não se preocupe.
Ao ouvir estas palavras, o fazendeiro se tranqüilizou. Ao menos por enquanto, sua filha não iria fazer nada para prejudicar o rapaz. Mas atento, alertou a esposa, para que tomasse conta da filha, assim como as escravas.
Assim, se tornaria inviável, qualquer tipo de aproximação dela com o rapaz.
Contudo, a despeito dos cuidados que passou a ter em vigiar a filha, isso não impediu que diversas vezes, Tereza, tentando aproximar-se do mancebo, se insinuasse para ele.
Provocadora, Tereza chegou a interpelar-lhe diversas vezes, procurando saber o que este sentia em relação a ela.
Insistente, sempre que se livrava da vigilância dos pais, a moça aproveitava para ver o rapaz.
Durante a festa que seu pai organizou, na qual foram convidados diversos fazendeiros da região, Tereza não perdeu a oportunidade, e encontrando o rapaz, passou a novamente se insinuar para ele. 
Como o rapaz não lhe dava confiança, Tereza passou a interpelar-lhe cada vez mais agressivamente. Rude, ainda na festa, não perdeu a oportunidade e passou a provocá-lo.
Disse-lhe para que se retirasse da festa. Devia se retirar dado o fato de que não era da família, e sim um simples empregado. 
No que José, ao perceber a atitude da filha, imediatamente a repreendeu e mandou que se recolhesse. Jamais admitiria que mesmo um filho seu, ofendesse algum empregado.
Além do mais, o fazendeiro gostava muito do rapaz, e conhecendo Tereza como conhecia, sabia que era mais uma de suas provocações. Daí a admoestação. 
Contudo, Ticiano, constrangido com a cena, mais do depressa, pediu para se retirar da festa. Não queria permanecer ali.
Mas José, consciente de que o jovem fora gravemente ofendido, pediu-lhe desculpas e insistiu para que o mesmo permanecesse na festa. Isso porque, gostaria muito de apresentá-lo para seus colegas fazendeiros. Até porque, como passara a ser um administrador, Ticiano precisava ser conhecido pelos outros fazendeiros. Provavelmente em seu novo trabalho, passaria a freqüentar a casa de muitos deles. Daí a necessidade de ser conhecido por todos.
E assim, José não se fez de rogado. Conforme os convivas chegavam a festa, logo iam sendo apresentados ao mancebo. 
Educado, Ticiano não fez feio. Cumprimentou a todos. Cortês, conversou um pouco com todos os presentes.
Enquanto isso, José o observava extremamente satisfeito. Ao vê-lo tão a vontade conversando com os outros fazendeiros da região, começou a ser dar conta de que tinha feito uma ótima escolha ao nomeá-lo seu administrador.
Hábil, Ticiano captou boa parte da atenção dos convidados.
Na hora da ceia, comportou-se muito bem a mesa. Parecia até um nobre.
A despeito da sofisticação das iguarias que eram servidas, não demonstrou nenhum nervosismo ao ter de sentar-se à mesa com outros convidados de renome. Realmente, foi impecável. Parecia ser até, o dono da casa, tamanha intimidade com as regras de etiqueta.
Ademais, conforme conversava com os convivas, Ticiano mostrou-se ainda, uma pessoa ilustrada. Isso por que, enquanto conversava com os convidados, demonstrou ter um grande conhecimento de arte.
Em razão de seu nome ser o mesmo de um renomado pintor italiano, logo que os convivas lhe eram apresentados, estes, imediatamente lhes perguntava se havia alguma relação que ligasse o seu nome ao do pintor.
Foi então que o jovem explicou que sua mãe era uma grande admiradora da obra deste pintor, daí seu nome.
Ao ouvir isso, José ficou intrigado. Como a mãe do jovem poderia ser uma admiradora de grandes artistas, em especial pintores, e ele a viver em tão lastimável estado?
Isso era realmente estranho. 
Cismado com a história, assim que acabou a festa, o fazendeiro mandou chamá-lo, para que fosse até seu escritório.
Embora estranhasse o pedido, Ticiano não se furtou a cumpri-lo. Assim que pôde foi ter com o patrão.
Ao adentrar a sede, assim que passou pela sala, o jovem Tício logo foi chamado pelo fazendeiro.
Foi então que ele entrou em seu escritório e fechou as portas.
José, incontido, foi logo interpelando-o:
-- Caro Ticiano. Que história é essa, de que sua mãe é uma amante das artes? 
Surpreendido, só restou a Ticiano dizer:
-- É que ... Seu José. Ocorre que minha mãe era de origem nobre, e ... muito embora tivesse se casado com um simples artesão, nunca deixou de lado, seu gosto pelas artes. Por isso, sabendo que sua irmã tinha posses, preocupada com meu futuro, antes de morrer, pediu para que ela me criasse.  E ela me criou. Todavia muito embora ela tivesse sido muito boa comigo, seu marido não me suportava. Não bastasse isso, após algum tempo ela também acabou falecendo e sem dinheiro, e amparo já que seu esposo vivia me hostilizando, eu tive que sair por aí, tentando reconstruir minha vida.
O fazendeiro, diante de tal explicação, não outra alternativa senão aceitá-la e dar o assunto por encerrado. Por esta razão, desculpando-se, propôs ao jovem que tomassem uma taça de vinho, para finalmente encerrarem com chave de ouro a festa.
Mas Tício, cansado que estava, recusou gentilmente o oferecimento, e voltou para sua casa. Precisava dormir.
No dia seguinte, ao se levantar e se dirigir a cocheira, foi logo abordado por seus amigos, Caio, Mário, Sérgio e Juvenal. Estes, encantados com a festa, não pouparam palavras para descrevê-la.
Animados comentaram com o amigo que tudo estivera uma beleza. Mesmo estando do lado de fora da casa, onde o mais interessante acontecia, todos puderam regalar-se com as boas comidas que foram servidas. 
Simples, os peões festejaram a seu modo.
Além disso, os quatro homens disseram que a noite estava linda lá fora, um céu estrelado de fazer inveja aos poetas.
Realmente uma beleza, insistiram.
Mas, movidos por uma grande curiosidade, não perderam a oportunidade de esgueirando-se, adentrarem a cozinha da sede, e discretamente olharem o que acontecia no salão da casa-grande.
Encantados, disseram ao amigo que tudo estava muito lindo. A mesa posta, parecia uma pintura de tão bonita. Mas para eles, a mesa apesar de muito bem adornada, não estava tão bonita assim, pois não havia nenhuma refeição depositada sobre ela. O que era estranho para eles, já que mesa é um lugar onde se põe comida. 
Ticiano então, ao perceber que todos estranharam a disposição da mesa, foi logo explicando:
-- Caríssimos, um jantar é feito daquela forma. São os criados que servem os convidados. Além do mais, com a quantidade de comida que foi servida naquele jantar, mesmo que os donos da casa quisessem, não haveria possibilidade de se colocar tudo em cima da mesa, sob pena de os convidados não terem onde cear.
-- É aquela tal de etiqueta. Não é? – perguntou Mário.
No que Ticiano assentiu com a cabeça, concordando.
Contudo, ao saber que os amigos foram espiar a festa da família, Ticiano passou então a repreendê-los. Argumentando que os amigos não deveriam ter feito o que fizeram, disse-lhes que tal ato poderia justificar uma demissão. Portanto não deveriam nem sequer comentar sobre isso.
Os quatro homens, vendo-se sem saída para explicarem isso, procurando desculpar-se, comentaram que o viram dançando com algumas das senhoritas, filhas dos fazendeiros. Disseram ainda, que o viram conversando e depois ceando com os demais convidados.
Diante disso, tendo-se em vista a impecável conduta do mancebo, só lhes restavam os elogios, que vieram rasgados.
-- Ticiano, o senhor estava impecável. – elogiou Sérgio.
-- É verdade. Estava até melhor que o patrão. – ressaltou Mário.
-- Estava parecendo uma daquelas pinturas que estavam na parede. – emendou Caio.
-- Realmente, Ticiano, o senhor estava uma beleza. – continuou Sérgio.
Ao perceber que os quatro não iriam parar com os elogios, Ticiano tratou de dispersá-los dizendo que estavam ali para trabalhar, e não simplesmente, jogar conversa fora.
Foi então que Mário, Caio, Sérgio e Juvenal saíram apressados da cocheira. Atarefados, precisavam cuidar dos animais. Como sempre, tinham muito o que fazer.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria. 

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