Poesias

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 22

Com isso, conforme os dias foram se passando, e de acordo com o que tinha prometido, Ticiano, momentos antes de viajar, foi ter com o amigo.
Como já era de se esperar, Rogério estava pronto para lhe revelar tudo o que sabia a seu respeito. Por isso, cautelosamente, começou dizendo que há muito tempo o conhecia.
O rapaz ficou surpreso. Afinal, como Rogério poderia conhecê-lo se fazia muito pouco tempo que ele havia rumado para lá? Em sua estada na Capital do Império, não ficou mais do que um ano! 
Mas Rogério continuou a insistir dizendo que o conhecia há muito.
Ticiano, incrédulo, instou o amigo para que explicasse direito o que estava querendo dizer com tudo aquilo.
Rogério então disse:
-- Está bem. Eu vou lhe explicar minudentemente o significado desta afirmação. Não só isso. Eu vou provar a você que tudo o que eu digo é a mais lídima verdade. 
-- Prossiga. – insistiu Ticiano.
Rogério então, continuou:
-- Meu caro Tício. Não faz muito tempo, eu me lembrei de uma passagem muito curiosa em minha vida. Aconteceu há vários anos atrás. Um menino muito triste e acanhado, apareceu de repente na fazenda em que eu vivia, sabe? Aquele menino, de nome Ticiano, me lembra muito você. Curiosamente, da mesma forma que ele apareceu em minha vida, sumiu. Depois que ele partiu, nunca mais ouvi falar dele. Cheguei até a pensar que tivesse morrido, dado o mistério que envolvia sua curta existência. Isso por que, vivendo bem na fazenda, não havia nenhum motivo aparente para ele fugir...
Ticiano, após ouvir o relato, comentou que não estava entendendo o porquê daquela conversa. 
Rogério então, prosseguiu: 
--  Lembra-se daquele baile que ocorreu não faz muito tempo aqui na região? Foi um lindo baile. Mas não foi só isso. Você dançou com uma senhorita e com seus modos cavalheirescos impressionou muita gente. Foi então que eu cheguei a seguinte conclusão. Uma pessoa de origem humilde, jamais conseguiria ter tão bons modos sem que alguém muito refinado ensinasse como se comportar. Enfim, não sei se você está me entendendo, mas somente uma pessoa de muitas posses, conseguiria criar um filho tão bem. 
Ticiano, ao ouvir o comentário sobre sua criação, foi logo interrompendo o rapaz. Tentando esclarecer, disse que havia sido criado por uma tia muito rica, e que sua mãe o deixara aos cuidados da gentil senhora, por que estava às portas da morte. Porém, com o passar dos anos, esta sua tia, ao ver-se em uma situação difícil, acabou por se desfazer de seus bens, e falecendo, acabou deixando-o ao léu.
Nisso, Rogério, que ouvia a tudo atentamente e sem discutir, interveio dizendo:
-- Não minta Ticiano. Eu sei muito bem que esta história não é verdadeira. Eu sei perfeitamente que você é filho de uma família muito abastada da Corte. Por isso tiveste uma formação esmerada, com o aprendizado de idiomas, viagens ao exterior com a família, leitura de bons livros, e até o acompanhamento de preceptores. Sei até que já moraste por essas paragens quando ainda era muito jovem, e que por isso mesmo os moradores da região não te reconheceram.
-- É mentira! – respondeu Ticiano revoltado. – Eu nunca estive nesta cidade. Se dissesses que morei em Serra Azul, seria obrigado a concordar. Mas aqui...
-- Meu caro Tício. Sabes perfeitamente que o digo é autêntico. Jamais cometeria a leviandade de levantar falso contra você. Muito embora me conheças muito pouco, gosto muito de você. Desde que te vi caminhando pelas ruas da Corte, me impressionei com você. Sempre discreto, se portava muito bem diante de todos. Melhor até que, seus colegas de farda, e dentre estes, os mais ricos. Isso por que, riqueza não compra educação. Dinheiro não compra berço. 
-- Quer dizer logo onde quer chegar? Eu já estou farto de ouvir essa conversinha sem sentido algum. – respondeu um Ticiano descontrolado.
--  Acalme-se Tício. A minha intenção não é agredi-lo.
--  Pois então, vá direto ao ponto. – respondeu o rapaz.
-- Pois bem. Voltemos ao assunto de nossa conversa. Eu descobri que você é exatamente o que eu pensava. O senhor é muito mais do que aparenta ser. Bem nascido, teve a melhor educação que o dinheiro pode proporcionar. Mesmo diante de sua condição, poderia facilmente se sobressair, não fossem as vicissitudes da vida.
Ao ouvir falar em infortúnio, Ticiano empalideceu.
Rogério, percebendo isso, prosseguiu contando:
-- Não obstante isso, você já foi muito feliz. Já teve família com pai, mãe e irmão. E ainda os teria não fosse a tragédia que se abateu sobre vocês. Eu sei de tudo. Sei que trabalhou como cavalariço em uma fazenda no interior da província. Sei que quase se casou. Que andou vagando por várias cidades até chegar em Serra Azul. Mas também sei o principal, o motor que o propulsionou a fazer tudo o que fizeste. E creia em mim, eu não te culpo por ter feito o que fizestes, pois em seu lugar, provavelmente eu teria feito a mesma coisa. Então, não se preocupe com o que eu vá pensar.
Ticiano, ao ouvir as palavras de Rogério foi tomado de um profundo sentimento de desespero. Dizendo frases desconexas, falou que precisava sair dali o quanto antes. Porém, ao tencionar sair da casa do rapaz, Ticiano foi impedido pelo próprio Rogério, que insistia em dizer que os dois ainda tinham muito o que conversar. 
Desta forma, acossado, o rapaz acabou se sentando e ouvindo tudo o que o amigo tinha a dizer, ainda que contrariado. 
Foi então que Rogério prosseguiu:
-- Eu sei de tudo.  
-- Não. Você não sabe de nada. Não sabe. – começou a gritar o rapaz. – Você não tem o direito de me prejudicar. Me deixe em paz. Quantas vezes eu vou ter que repetir que eu não preciso de sua ajuda?
Rogério então se aproximou do amigo e segurando seu rosto, falou:
-- Escute amigo. Eu não quero te prejudicar. Pelo contrário. Eu quis saber sobre você para poder te entender melhor. Não foi para te julgar, te criticar, ou te prejudicar. Longe de mim. Então, ouça bem...
Ticiano, irritado, afastou as mãos do amigo de seu rosto e disse rispidamente que não precisava nem da ajuda, nem da piedade de ninguém.
Mas, Rogério, insistia em prosseguir com seu relato. 
E assim, o homem contou o seguinte:  

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.   

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