Poesias

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 3

Tício, era como o rapaz era conhecido por alguns colegas de labuta, os quais sempre foram camaradas com ele. Os mesmos gostavam de sua companhia, pois ele trabalhava bem, embora, o achassem um pouco triste e solitário. Coisas de amigo. 
Mário, Caio, Sérgio e Juvenal eram as pessoas mais chegadas a ele, desde que chegou àquelas paragens, há quase dois anos. No começo o achavam um pouco taciturno e sombrio. Não parecia estar interessado em amizades. 
Os quatro ao conhecerem-no se espantaram ao vê-lo sozinho, sem família. Até mesmo, porque, quando Ticiano chegou àquelas cercanias, estava sujo e maltrapilho. Parecia fugir de alguma coisa. Entretanto, não parecia assustado.
O fazendeiro, dono da propriedade, José, estranhou um bocado a ausência de seus pais, dada a tenra idade que o mancebo parecia ter. Assim, quando foi ter com o rapaz, procurou logo se inteirar de sua situação. 
Preocupado com a possibilidade de se tratar de um menor desaparecido, crivou-o de perguntas. Chegou até mesmo a pensar em levá-lo para um abrigo de menores, dada a insistência do rapaz em dizer que não tinha pais. No entanto desistiu de tal intento ao constatar que o jovem era um excelente trabalhador.
José, reiteradas vezes tentou saber sobre a família de Ticiano. Pensou até em investigar a vida pregressa do rapaz. Mas o fazendeiro abandonou essa idéia, mesmo o jovem tendo, em conversas com o então futuro empregador, mencionado ter vindo de São Paulo. 
Para José, havia algo de estranho em suas poucas explicações sobre sua origem. Não havia muitos detalhes em sua história, e quando alguém tentava descobrir mais sobre sua vida, Ticiano se fechava como se fora uma ostra. 
Contudo, o fazendeiro aceitou-o em sua fazenda. Enquanto fizesse um bom trabalho, não haveria motivos para dispensá-lo.
Até porque, acostumado com a discrição do jovem mancebo, José nunca tivera um motivo sequer para desconfiar dele. Mesmo as rusgas que havia entre Ticiano e Tereza, não davam razão para desconfiar do rapaz que sempre agira corretamente com o patrão.
Além do mais, sempre que José via sua filha Tereza junto do moço, tratava logo de admoestá-la e proibi-la de fazer troça com ele.
Ticiano era portanto, um rapaz correto. Por isso, pouco se podia falar contra ele. Exceto por seu temperamento fechado e sua insistência em não falar sobre sua vida, o seu comportamento era impecável.
Mas havia, como já foi dito, esta estranha aura de mistério que circundava sua vida. Sempre sério, taciturno, alguns camponeses o achavam presunçoso, outros, ao contrário. Ao se aperceberem de sua habilidade para a leitura e para os estudos, concluíram tratar-se de alguém com um certo refinamento e portanto membro de uma rica família. 
Estes últimos comentários caíram nos ouvidos de José, que novamente, depois de meses em que Ticiano trabalhava para ele, pensou em investigá-lo. O fazendeiro cogitou até, ir a São Paulo, para descobrir seu paradeiro. 
Isso por que José, sempre achara muito estranha a história que ele havia contado. 
Para ele a história de que os pais de Ticiano morreram quando ele era muito pequeno, e que havia sido criado por uma tia, era pouco provável. Contudo ao ouvir que o rapaz era maltratado constantemente, e por que isso resolveu fugir, José então, começou a acreditar na história. 
Foi por esta razão também, que Ticiano comentou que antes de chegar lá, se escondeu em vários lugares. Até que chegou naquela região, e logo ficou sabendo que havia um fazendeiro que precisava de empregados. Necessitado de um pouso, imediatamente se candidatou para o labor. Assim, depois de muito caminhar, ali chegou e por lá ficou. 
Com isso, no começo, alguns dos camponeses pensaram se tratar de um andarilho, mas como Ticiano permanecera na fazenda, descartaram a idéia. Um andarilho não ficaria tanto tempo num mesmo lugar.  Mário, um dos colegas de Tício, cismou que o rapaz trazia consigo uma dor muito grande, daí aquele jeito gélido e duro de tratar as pessoas. Ele achava que Ticiano se comportava daquela maneira para se defender. Por isso, várias vezes, tentou descobrir em vão o que fizera ele ser tão indiferente. Curioso comentava com os amigos:
-- Não adianta, Ticiano é duro como uma rocha. Não comenta sobre seu passado.  
-- O Tício, não fala de nada. Vosmecê quer dizer. – retrucou Juvenal.
-- Não adianta, Mário. Ele não quer contar. Não podemos obrigá-lo. – disse Caio. 
-- Deve ter acontecido algo muito sério em sua vida, para que não queira falar. – insistiu Mário.
Ás vezes, Mário, Caio, Sérgio e Juvenal, se reuniam numa venda que havia próxima a fazenda onde trabalhavam e ficavam a noite inteira bebendo e conversando. Falavam sobre a vida de trabalho duro que tinham, dos outros camponeses iguais a eles, sobre a vida do patrão, etc. Também, perguntavam ao dono do estabelecimento sobre as novidades, e nessa conversa se divertiam por horas e horas. 
Naquelas paragens, essa era uma das poucas distrações que os campesinos tinham. As idas à cidade eram escassas, só se dirigindo para lá quando havia absoluta necessidade. Não precisavam comprar seus alimentos porque, com seu labor garantiam a comida. 
Isso já  era uma grande conquista, dado que, a grande maioria dos trabalhadores que havia eram escravos, que nada recebiam por seu trabalho. Por essa razão, eram uma exceção. Possuíam liberdade. Poderiam de lá sair quando quisessem. Ao contrário dos escravos.
Entretanto, para que sairiam de lá? Na Fazenda Passárgada tinham tudo que precisavam. Toda a família deles ali trabalhava e era dali que retiravam seu sustento. Ademais, já estavam por ali há muito tempo. 
Lugar pacato, sossegado, tranqüilo, repleto de fazendas cafeeiras. De longe, nas precárias estradas de terra que existiam, se podia ver a imensidão da verdura das lavouras de café. Tudo por ali era calmo. 
Quando surgia um estranho, alguém de outras paragens, era um acontecimento. 
Isso por que, esta era uma forma de conhecerem outros lugares, visto que a maioria dos camponeses que ali viviam, vieram de regiões próximas, ou até mesmo, já nasceram lá. O lugar mais distante que conheciam era a cidade próxima. 
Então, o aparecimento de alguém novo por lá, era uma forma de se ter novidades e assunto para conversar.  
Por isso, quando Ticiano surgiu por lá, todos queriam conhecer sua origem. 
Contudo como o rapaz se revelou uma pessoa extremamente calada, uma aura de mistério permanecia ao redor. 
Em razão disso, mesmo após algum tempo, Ticiano ainda era motivo de assunto para muitos dos camponeses do lugar.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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