Poesias

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 2

Apesar de sua pouca idade, Ticiano não era a dado a grandes confabulações, ficando boa parte do tempo calado. Por isso possuí poucos muitos amigos.
E apesar de seu interesse pelos estudos, não era muito suave em suas maneiras. Era um pouco rude com as pessoas. Por muitos era tido como um sujeitinho arrogante e até presunçoso.
Os próprios filhos do fazendeiro, o tratavam com pouco caso, e reiteradas vezes, tentaram intimidá-lo e humilhá-lo.
No que, apesar de sua origem simples, não se deixava intimidar. Se tentam ofendê-lo respondia firmemente que, respeito é uma troca, e que quem não o respeitava, não devia exigir dele respeito.
A despeito de suas maneiras sisudas, quando necessitava argumentar com os filhos do fazendeiro sobre algo que o incomodava, não se fazia de rogado.
Uma vez disse que:
-- A finalidade do ser humano é a busca de sua realização, e a partir do momento em que se tenta escravizar um homem, ou reduzi-lo a condição análoga de escravo, vosmecês estão praticando, não só contra esse homem, mas também, contra toda a humanidade, um ato de violência. O fim de qualquer ser humano, não é a escravidão, nem a exploração deste por outro homem. Não é reduzindo um homem a mera condição de objeto, que conseguirão retirar dele sua consciência, suas convicções. Ademais, até onde sei, a própria Igreja Católica, através de seu maior símbolo, recrimina isso. Não é o próprio Jesus Cristo, que diz, ‘Amai-vos uns aos outros?’ Se ele realmente disse isso, ele já estava pregando a igualdade em sua época.
Depois que terminou de dizer estas palavras, calou-se e saiu.
Entretanto, diante de tal argumentação, todos que por ali estavam, ficaram impressionados. Como alguém aparentemente tão pobre e simplório poderia ter uma visão tão crítica e perigosa sobre a condição dos escravos?
Ao chegar aos ouvidos de José a tal conversa, o fazendeiro tratou logo de chamá-lo. Queria ter com ele.
Ao ser chamado, o rapaz, imediatamente se dirigiu a sede da fazenda.
Ticiano, adentrando a sede da fazenda, atravessou a sala principal para chegar até o escritório do fazendeiro, o qual ao vê-lo foi imediatamente inquirindo-o:
-- O que vosmecê, tem contra a escravidão?
Imediatamente, o rapaz, notando o sinal que o fazendeiro fazia, tratou de fechar a porta. Em seguida, respondeu:
-- Aparentemente nada. Somente o fato de que quem está submetido a este regime, está privado de sua liberdade.
-- Bobagem. Se eu os libertasse agora, eles não teriam para onde ir.
-- Eu sei. Mas isso não é culpa deles, nem do senhor. Tenho perfeita consciência de que este sistema é tão antigo quanto a própria humanidade. O que não o impede de estar errado.
-- E que é que o senhor quer que eu faça?
-- Nada. O senhor, apesar disso, trata bem todos eles pelo que vejo, e só não os liberta por que não teria como.
-- Vosmecê, acha realmente isso, Ticiano?
-- Sim eu acho. Se o senhor realmente libertasse seus escravos, teria que enfrentar a ira e a reprovação de todos os seus amigos fazendeiros escravagistas. Todos eles temeriam os reflexos de sua atitude.
-- Ticiano, vosmecê me surpreende dizendo isto. Realmente, eu não poderia fazê-lo sem o apoio dos outros fazendeiros, e até mesmo do governo, pois como eu faria para contratar novos trabalhadores, para colocá-los em seu lugar?
-- Realmente, um problema de difícil solução. Diante de tal fato, eu não tenho mais argumentos.
-- Está bem Ticiano. Pode se retirar.
-- Com licença.
Dito isso, retirou-se e ao sair, encostou a porta.
Essa fora apenas uma das diversas conversas que o rapaz teve com seu patrão.
Deveras, diversas vezes Ticiano foi interpelado pelos filhos do fazendeiro que tentavam atingi-lo de alguma forma.
Uma vez, Tiago usou o argumento de que os homens devem amar uns aos outros, para tentar desarmá-lo.
No que Ticiano retrucou:
-- Talvez isso tudo seja uma grande quimera. Não existe uma forma de escravizar as pessoas para que possam ser controladas. No entanto, foi ensinado através da religião, aos humilhados, que se conformem com a escravidão que lhes é imposta. Para que assim, não reajam. Porque quando morrerem terão o reino dos céus.
Ao estar diante de uma afirmação tão inesperada e perturbadora, dada sociedade e a época em que vivia, Tiago encontrou-se sem argumentos para se defender das palavras de Ticiano. Não esperava por aquilo. Afinal, Ticiano era sempre tão cristão em suas colocações!
Por fim, para não se sentir em grande desvantagem, Tiago tratou de adverti-lo de não dizer o que acabara de dizer para qualquer um, pois se o fizesse poderia ter problemas.
Enfim, sempre que encontrava oportunidades para falar de coisas que lhe interessava, Ticiano acabava por mostrar um pouco do que ía dentro de si.
Exatamente nessas horas, quando enfim, proferia algumas palavras, é que podia notar, que Ticiano, não era um camponês ignorante e inculto. Nesses momentos, via-se nele um brilho de cultura, algo de educação.
Certa vez, Catarina ao ouvi-lo conversar com seu filho, intrigada, indagou:
-- Porque será que esse rapaz veio para cá? Pelo seu jeito de falar, nota-se que possuí alguma instrução.
-- Não sei. Às vezes, eu brinco com ele dizendo-lhe que ele é um peão ignorante, mas ...
-- Mas o que Tiago?
-- É que ele me lembra alguém, algo muito familiar.
-- Quem?
-- Tolice da minha parte. Como é que ele poderia ser algum conhecido meu?
-- Verdade. Mas que esse rapaz é muito mais que um peão, isso ele é.
Por esta razão e também por outras, a família Vieira sempre desconfiou um pouco da vinda do jovem Ticiano para lá.
Os próprios filhos do fazendeiro, viviam a provocá-lo e quando ele lhes respondia, ou, como acontecia na maioria da vezes, ignorava-os, o jovem mancebo demonstrava uma certa altivez. Sem dúvida alguma, o misterioso rapaz era muito mais do que o que mostrava ser.
Certa vez, Tereza, a filha do fazendeiro tentou provocar-lhe, dizendo palavras grosseiras. Ao que Ticiano, o jovem empregado de seu pai, distraído que estava com seus pensamentos, nem ouviu suas imprecações.
Ao perceber que não era notada, Tereza imediatamente puxou o prato em que estava a refeição do jovem e a atirou no chão. Por pouco o rapaz não bateu em Tereza. Para tanto, o rapaz precisou se conter.
Com isso, depois do incidente, Ticiano abandonou o refeitório improvisado próximo a sede da fazenda e se dirigiu a cozinha, para poder finalmente, terminar sua refeição.
Ao terminar a refeição, farta, embora muito simples, Ticiano retornou a sua labuta diária. Trocou a água dos animais, colocou mais feno na cocheira para os cavalos, e no final do dia, ao cair da tarde, se recolheu, para então descansar.
Muito embora estivesse cansado, cuidadosamente, retirou as botas, guardou-as debaixo da cama, e na penumbra do quarto, banhou-se e trocou a roupa suada do trabalho, por outra, a qual usava como uma espécie de pijama.
Depois, tratou de deitar-se e dormir.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

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