Poesias

terça-feira, 3 de agosto de 2021

SONHO DE VALSA - CAPÍTULO 1

São Paulo, 1956. Época dos anos dourados. Momento em que a música popular brasileira, ainda era cantada por grandes vozes. Onde se namorava na praça. Onde poucos podiam se dar ao luxo de ter televisão.
Nessa época, os eletrodomésticos que surgiram, se tornaram uma febre. Vieram os carros. A industrialização no Brasil, ganhava força.
Essa foi uma época de ouro no Brasil.
Onde ainda se podia andar de mãos dadas pela rua, a uma certa hora da noite, sem o temor de ser interrompido por alguém.
Aliás, assaltos, assassinatos e outros tipos e manifestações de violência, era algo raro naqueles tempos. Assim, quando se ouvia falar em algo desse tipo, toda a sociedade se escandalizava. A violência nesses tempos dourados de namorinho de portão, era algo inimaginável.
Ao contrário dos tempos atuais, onde a violência a cada dia, atinge níveis mais brutais, e a qual, infelizmente, tivemos que nos acostumar.
Pois bem, nessa época, vivia em São Paulo, uma família de elevada estirpe. Moravam todos em uma bela casa, num bairro nobre da cidade, com alguns empregados.
Família esta, constituída de um casal e duas filhas.
O pai empresário, trabalhava em um elegante escritório de arquitetura. Era um profissional renomado em sua área. Sua casa, uma linda mansão em estilo neo-clássico, fora totalmente projetada por ele. Na época em que a edificara, estava prestes a se casar com Rose.
E, hoje, passados quase quinze anos, ainda moram no mesmo lugar. Como recompensa por seu trabalho de arquiteto, até hoje, muita gente se admira da edificação. Acham-na linda. Perguntam: ‘Quem a construiu?’, ‘Quem teve a idéia de fazê-la nesse estilo?’. Com isso, sua casa se tornou, o melhor cartão de visitas para seu trabalho.
Sua esposa, Rose, recentemente, abrira um salão de cabeleireiros. Queria ser independente. Depois de anos e anos cuidando das duas meninas, agora poderia ter um tempo só seu. E acima de tudo, poderia gastá-lo como bem entendesse. Assim decidiu que queria trabalhar. Para tanto, precisava primeiro saber, no que poderia trabalhar.
Não sabia fazer roupas, e quase todo o serviço doméstico era feito por empregadas. Foi então que Rose lembrou-se que gostava de maquiagem, de se arrumar, e isso sempre soube fazer muito bem. Muitas vezes, até mesmo para ir a grandes festas, ela mesma se produzia. Nunca precisou de cabeleireiros para se arrumar, ao contrário da maioria de suas amigas.
Pensando nisso, Rose decidiu que esta poderia ser uma boa profissão para ela.
Decidida, resolveu contar ao marido a novidade.
Assim, quando Paulo chegou em casa, depois de um longo dia de trabalho, Rose resolveu lhe contar:
-- Estou decidida a voltar a trabalhar.
-- E desde quando você decidiu isso?
-- Desde que as meninas cresceram e passaram a se cuidar sozinhas.
-- Minha querida. Para que você vai trabalhar? Eu não estou cuidando bem de vocês três? Está faltando alguma coisa?
-- Não é isso. É claro que o senhor está cuidando da família. Além de tudo é um ótimo pai, está sempre presente. É um ótimo marido, e eu sei que vai me entender.
-- Rose, meu bem. Pra que isso?
-- Por que eu quero me sentir realizada.
-- Mas você não precisa trabalhar. Precisa? Além do mais, o que é que você vai fazer? Você não sabe nem pregar um botão em uma camisa.
-- Espere aí, Paulo. Embora eu não seja uma mulher prendada, isso nunca impediu que eu cuidasse bem das minhas filhas, nem que as coisas deixassem de funcionar por conta disso. Além do mais, eu nunca precisei fazer estas coisas.
-- Então, por que trabalhar? Você nunca trabalhou que eu saiba.
-- Trabalhei sim. Você me conheceu trabalhando. Se esqueceu?
-- Aquilo? Você chama aquilo de trabalho? Vender toalhas bordadas da sua tia, esporadicamente é trabalho?
-- Claro que é. Afinal de contas, eu ganhava algum dinheiro com aquelas vendas. Sabia?
-- Para os seus alfinetes.
-- Não interessa, meus pertences eram comprados com o meu dinheiro.
-- Está certo. E em que a senhora pretende trabalhar?
-- Pensei em cuidar de cabelos e maquiagem. Sempre fui boa nisso.
-- Cabelos e maquiagem. E como a senhora pretende fazer isso?
-- Pretendo trabalhar em algum salão renomado.
-- Ah! Então você pretende trabalhar em um salão repleto de homens, para ganhar alguns trocados? Esqueça!
-- Porque?
-- Por que mulher minha não saí por aí trabalhando em espeluncas, se sujeitando a ser assediada por um chefe imoral. Você não vai trabalhar e está acabado!
-- Mas, querido. Não é assim. Eu tenho o direito de cuidar da minha vida.
-- Enquanto a senhora for mãe das minhas filhas, não tem o direito de expor a família ao ridículo. Por favor, Rose. Esqueça isso.
Entretanto, apesar da resistência inicial, seu esposo Paulo, ao final de algum tempo acabou se convencendo e concordou então, em dar-lhe o dinheiro necessário para que ela abrisse um salão.
Para tanto, foi necessária muita conversa da Dona Rose para que o esposo concordasse. Ele resistiu o quanto pôde, mas nada a demovia da idéia de trabalhar fora. Alegava que precisava dar um sentido a sua vida. Insistiu, insistiu. Chegou até a discutir com o marido seguidas vezes durante as refeições. Maria Lúcia e Laura, já não agüentavam mais as brigas dos pais.
Assim, diante da resistência da mulher, Paulo acabou concordando. Não resistiram os seus argumentos, portanto.
Com isso, de posse do dinheiro dado pelo marido para montar o salão, Rose passou a pesquisar, em lojas especializadas, o preço dos produtos de beleza que iria usar em seu salão, os equipamentos que iria precisar para o trabalho, assim como os preços de aluguéis de pontos comerciais. Tinha muita vontade de começar a trabalhar logo. Queria obter sua independência e para isso, precisava começar. Precisava trabalhar.
Sabia que não seria fácil. Mas, mesmo assim, insistiu. Nas últimas semanas, Rose chegou a passar praticamente o dia inteiro andando pela cidade em busca de tudo que precisava para começar o trabalho.
Depois de algum tempo, finalmente encontrou, segundo ela, o lugar ideal para desempenhar seu trabalho. Numa charmosa instalação na Rua Augusta, iria dar início ao seu sonho. O sonho de ter um estabelecimento comercial próprio.
Para cuidar do contrato de locação, pediu algumas orientações para o marido, que apesar de não acreditar muito na idéia da esposa, se prontificou a ajudá-la. Não queria ser o primeiro, a desanimar-lhe, muito embora achasse que aquilo não passava de bobagem. Logo ela desistiria.
No entanto, para sua surpresa, apesar da canseira quase que diária, pois passava boa parte do dia fazendo pesquisas e compras de produtos na rua, Rose parecia bastante animada com a possibilidade de ter um salão, um negócio próprio. Mais surpreso ainda ficou, quando a esposa deu-lhe mostras de que não estava de brincadeira e até tinha um certo tino para os negócios. Antes que o salão começasse a funcionar, preparou uma pequena inauguração. Para tanto, elaborou convites, organizou um coquetel e por fim, mandou publicar uma pequena notinha, em três dos jornais de maior circulação na cidade.
Assim, diante de tamanha estratégia, nada poderia dar errado.
E assim, foi feito.
A festa se seguiu maravilhosa. A fina flor da sociedade paulista esteve presente. Todos compareceram em peso para felicitar a amiga, e dar-lhe as boas vindas na nova empreitada.
Acompanhada de suas duas filhas, Maria Lúcia e Laura – a caçula, Rose enfrentou o desafio e seguiu em frente.
Admirados, os amigos chegaram a perguntar a Paulo, o que havia acontecido para que ele autorizasse a esposa a trabalhar fora. A eles, Paulo disse apenas que capitulou. Quem haveria de, diante de magnífica mulher, não ceder aos seus caprichos?
Satisfeitos com a resposta, os convidados não falaram mais sobre o assunto.
Neste momento, diante do profissionalismo de Rose, não tinham o que falar. Estavam sem comentários. Por não terem o que dizer, simplesmente elogiaram a festa. Estava simplesmente magnífica.
Enfim, a noite de inauguração foi impecável.
Rose ficou feliz com o resultado da divulgação.
Feliz, poderia verificar, no dia seguinte, o resultado de sua divulgação.
E assim, o fez.
No dia seguinte, logo de manhã, Rose pegou logo o jornal. Entre as fotos da coluna social, estava uma matéria sobre a inauguração de seu salão. Feliz, pôde constatar que a festa realmente havia sido um sucesso. Agora só precisava esperar o expediente começar, para poder então a trabalhar.
Ansiosa, Rose nem bem esperou o café da manhã ser colocado a mesa. De tanta ansiedade, desde as cinco da manhã já estava pronta para o trabalho. Assim, entrou cautelosamente nos quartos das meninas, para que pudesse se despedir delas enquanto ainda dormiam. Não queria acordá-las.
Muito embora, dentro de meia hora, as duas tivessem que se levantar, pois tinham aula. E quanto a isso, não haveria desculpas.
Assim, as duas deveriam estar prontas na hora certa para poderem ir a escola. Faltar, só em caso de extrema necessidade. Mas por ser ainda muito cedo, Rose não queria acordá-las antes da hora.
Depois de se despedir das filhas, entrou furtivamente em seu quarto, e despediu-se do marido que também dormia. A seguir, Rose saiu do quarto, desceu cuidadosamente as escadas e de carro, foi para o salão. Queria começar a trabalhar.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário