Poesias

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 14

Curiosos, os quatro homens imaginavam que Ticiano poderia estar disfarçado, vivendo com mendigo ou em outra fazenda, trabalhando como peão.
 No entanto, conforme o tempo foi passando, Mário, Caio, Juvenal e Sérgio começaram a achar incoerente a história que lhes contaram sobre o desaparecimento do rapaz. Afinal, se o rapaz queria realmente enriquecer, como muitos disseram, por que não aproveitara a oportunidade de casar-se com a filha de Seu José, a Senhorita Tereza?
Assim, fugir para evitar o compromisso não fazia sentido. Até porque, se essa era realmente a intenção de Ticiano, ele não se furtaria em assumir publicamente, o compromisso com a moça. Além do mais, como se sabia por ali, Tereza nunca simpatizara com o rapaz. Pelo contrário, a moça, sempre que podia, procurava humilhá-lo. Arrogante, não aceitava que Ticiano fosse tratado com tanto respeito e consideração pelo pai.
Com isso Sérgio disse aos amigos, que diversas vezes, percebeu Tereza cercando Ticiano. Várias vezes a viu na cocheira e entre os peões, observando o trabalho do rapaz:
-- Eu sempre desconfiei que aquilo não poderia dar em boa coisa. – ressaltou Sérgio.
-- Se era como vosmecê falou. – disse Mário.
-- Vosmecês não perceberam os olhares mortiços que ela lançava para ele quando achava que ninguém estava olhando? Aquela ali não é flor que se cheire. Quem sabe toda essa história não passe de uma grande mentira. – insistiu Sérgio.
-- Vosmecê acha que Tereza fez tudo isso de caso pensado? – perguntou Mário.
-- Só fez. – afirmou Sérgio.
Ao constatarem que tudo o que o amigo dizia poderia ser o retrato fiel da realidade, ficaram admirados. Ticiano fugira, para não ter que se envolver com uma bruxa. Uma bruxa que quase conseguiu o que queria.
No entanto, enquanto os peões chegaram a esta conclusão, José, teimou em rejeitar essa possibilidade. Tereza, sua filha, não podia ser tão leviana ao ponto de envolver o rapaz em tão grave mentira. Afinal de contas, por causa dela, chegou a se desentender com Ticiano. Diversas vezes, quando o rapaz tentou se explicar, mandou-o calar-se. Isso porque, os fatos diziam por si mesmos. Segundo, ele não havia escusas para o proceder do jovem.
Muito embora, José gostasse muito do rapaz, não poderia admitir que se portasse com sua filha com se esta fosse uma qualquer. Apesar de conhecer a filha e saber de seu temperamento, jamais poderia imaginar que fosse tão maldosa e intrigante.
Por isso, ao chegar a mesma conclusão que os peões, depois de algum tempo, José disse a si mesmo que isso não poderia ser verdade. Como sua filha, a menina que criara com tanto desvelo, poderia ter uma imaginação tão fértil para maldades como essa? 
Mas, como o tempo ensina, aos poucos o fazendeiro deixou por terra o pouco de resistência que ainda possuía quanto a esta possibilidade. Atento José passou então a ver o comportamento da filha. Freqüentemente, Tereza destratava os escravos, e sempre dizia que estes eram um mal necessário.
Mas a gota d’água mesmo, foi vê-la tentar humilhar um dos peões.
Ao ver a cena, José não pôde mais fingir que não sabia a verdade. Sua filha tramara, tudo. Furtivamente adentrou a casa em o rapaz morava e deitou-se em sua cama. 
Assim, tomado de uma profunda raiva pela filha, arrastou-a até seu escritório. Como a conversa seria definitiva, José pediu a escrava que estava arrumando a sala, que saísse.
E assim, começou dizendo:
-- O pensas que está fazendo? Estas louca? Que direito achas que tem para poder tratar um dos meus melhores peões daquela maneira?
-- Ele me desrespeitou. Eu pedi para que fizesse algo e ele se recusou a fazer.
-- Naturalmente. Ele não é seu empregado, e muito menos uma das mucamas. Para isso, temos escravos.
-- Mas isso não lhe dá o direito de me ofender.
-- É mesmo? E o que foi que ele fez? Diga-me, que se ele realmente te desrespeitou, eu mesmo me encarregarei de castigá-lo. Ande, digas. O que foi que ele fez? – perguntou impaciente.
Surpresa com a atitude do pai, Tereza disse-lhe que não era nada grave. A ofensa não fora tão grande assim.
Mas seu pai, insistiu para que ela revelasse o que se passara. 
Contudo, Tereza parecia titubear e não quis contar. 
No entanto, diante da atitude vacilante da filha, o fazendeiro, irritado, ordenou-lhe que contasse o que havia se passado. De tão furioso, ameaçou-a com uma surra se não contasse a verdade.
Assustada Tereza disse-lhe que ele teimou em dizer que não era escravo e que se queria que alguém fizesse o que pediu, que chamasse uma das escravas da casa. Tereza afirmou ainda, que o empregado praticamente a deixou falando sozinha.
Ao terminar de falar, Tereza se sentiu visivelmente aliviada.
Seu pai, no entanto, não acreditou na história. Como observara toda a cena, pôde perceber que a filha não contara como tudo aconteceu. Sabia que Tereza mentia descaradamente. Por isso, ao ouvir tal inverdade, começou a berrar.
Tamanha foi sua raiva, que mesmo sem perceber, José começou a sacudir a filha e a esbofeteou.
O tapa foi tão forte, que a moça caiu sentada no sofá do escritório.
Transtornado,  José exigiu-lhe, entre gritos e ameaças, que contasse toda a verdade.
Afinal, por que razão, Ticiano criaria uma confusão tão grande, se já fazia um ano que trabalhava como administrador e estava muito bem encaminhado na vida? Por que jogaria tudo isso fora, para se envolver com Tereza e não tirar nenhum proveito disso?
Sem saída, Tereza teve que finalmente revelar que fora ela que urdira toda a trama que envolveu o jovem. Nada acontecera naquela noite, muito embora ela quase tenha apanhado por isso. 
Tereza, amedrontada, revelou que estava há muito, interessada no rapaz. Mas como os dois haviam começado muito mal, não sabia como ganhar-lhe a simpatia. Por isso, tentou muito ser amiga dele. Contudo o moço não lhe dava esperanças. Diante disso sem saber o que fazer, resolveu tentar um último recurso. Mas, ao contrário do que imaginou, o rapaz fugiu. Inúteis foram, as tentativas de tentar prendê-lo.
Ao ouvir tais barbaridades, José ficou ainda mais furioso. 
-- Sua imbecil. Como pôde fazer isso? Sabes que agora todos pensam que vosmecês tiveram alguma coisa? – perguntou José estapeando-a.
Ao final de alguns minutos, atalhou:
-- Com a besteira que fizeste, além de prejudicar o rapaz, prejudicaste a ti mesma. Vosmecê acabou com qualquer possibilidade de se casar.
Realmente, depois de tudo o que aconteceu, dificilmente Tereza arrumaria marido. Além disso, o próprio fazendeiro e sua família estavam implicados em um escândalo. Afinal, como fazer para calar a boca de escravos e empregados?
Isso porque, pelo menos parte da história era de conhecimento de todos. Grande parte dos empregados e dos escravos sabiam que o rapaz estava metido em uma encrenca com a filha do patrão. Alguns dos escravos, chegavam até mesmo a aumentar a história.
Diante disso, José precisava tomar uma atitude.
Por isso, mandou a filha Tereza para longe. Sob a alegação de que a moça precisava estudar, matriculou-a em um colégio interno em Salvador. Isso porque, em razão do ocorrido, não queria correr o risco de que sua filha encontrasse pessoas conhecidas em São Paulo, lugar em que possuía alguns amigos.
Não, não podia correr o risco de deixar a história se espalhar. Daí a razão em mandar a filha para tão longe.
Dessarte, para se certificar de que a moça iria exatamente para o local indicado, José tratou logo de acompanhá-la, levando-a em viagem, até a longínqua paragem.
Ao chegar lá, José imediatamente fez questão de marcar uma entrevista com o responsável pelo colégio. Como possuía conhecidos na região, providenciar um bom colégio para a moça estudar, não era questão das mais difíceis para se resolver.
Além do mais, poderia usar como desculpa para tão repentina decisão, o fato de que tencionava se mudar da região, e havia ouvido notícias, quando em viagem por lá, de que por ali existia um bom internato. Assim, enquanto ele não resolvia as questões administrativas com relação a venda de sua propriedade, sua filha estaria aos cuidados da direção do colégio. 
Cauteloso, José não queria que sua filha aprontasse mais nenhum escândalo. Por isto todo o empenho e cuidado para que ela não ficasse totalmente desacompanhada. Inseguro que estava diante do que ocorrera, achou por bem trazer um parente, para que, mesmo de longe, vigiasse os passos de Tereza.
Assim, enquanto esteve em Salvador, José cuidou de todos os detalhes para que Tereza pudesse fazer parte de um dos tradicionais institutos educacionais da cidade.
E realmente o fez. Em menos de duas semanas, Tereza estava matriculada no colégio. 
Diante disso, não havia mais nada para o fazendeiro fazer na cidade. Com seu objetivo alcançado, José tratou de voltar logo para sua cidade.
Como era de se esperar, levou muito tempo para conseguir retornar. Mas quando chegou, José afirmou peremptoriamente que nunca mais, as coisas voltariam a ser como antes. Mesmo com a surra que dera em alguns escravos e a ameaça de serem vendidos, ainda assim a confusão criada por Tereza não tinha como ser desfeita. 
Aliás esse fora um dos motivos que o incentivou a manter sua filha longe dali. Para evitar mais maledicências, José precisou levar a filha para bem longe, visando inclusive tornar viável, um futuro casamento para ela.
E fez bem, porque, diante das circunstâncias, se ali permanecesse, dificilmente arranjaria marido. Mas com a mudança oportuna de ambiente, poderia facilmente arranjar compromisso. Afinal estava em tempo de se casar.
Além do mais, dado o escândalo em que a moça colocara a família, José decidiu que, além manter a filha afastada, venderia a fazenda. Contudo, não faria tudo apressada e precipitadamente. Utilizando-se de uma idéia criada pelo próprio Ticiano, José organizaria um evento. Um grande evento com leilão de animais, e proposta de venda da propriedade.
José precisava de dinheiro. Apesar do muito que já ganhara administrando a propriedade, precisava, se desfazer dela. Precisava abandonar tudo o que havia construído. Tudo por causa de Tereza. Mas infelizmente, o poderia ser feito? 
Como todo homem da época, um escândalo envolvendo a honra de um ente da família, desmoralizava todos os demais.
Além do que, não poderia ser egoísta. Assim como sua filha precisava casar, seu filho Tiago, também precisava de uma esposa. E por conta de um ato impensado de sua filha, não poderia por tudo a perder.
Daí a decisão de José de vender tudo e mudar-se para outro local.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.   

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