Deparei-me com ricas histórias de vidas.
Tudo começou com um casarão construído em 1855. Em tal época retrato da riqueza e opulência dos Barões do Café. Construção que muito faustosa devia ser. A fazenda, outrora imensa, possuía um amplo terreiro para secar café.
Café, ouro negro plantando na Serra que circunda a antiga construção. Plantado e colhido por escravos. Lavado em um tanque de pedras, onde passava por várias etapas de manejo. E secado no terreirão.
A fazenda, é acessada por ampla escadaria de pedras, de onde os antigos Barões, observavam o trabalho dos escravos.
Hoje está descaracterizada, com móveis modernos, mesclada com móveis ou reproduções de objetos antigos.
Propriedade adquirida em segunda aquisição por outra família. Onde atualmente, é cuidada pelos descendentes destes proprietários segundos.
Cercado de pessoas interessadas na conservação do casarão e do entorno. A família também realiza pesquisas, além de receber contribuições, ou melhor, doações de móveis e objetos antigos.
Com ricas histórias, informações, doações.
Ao lá chegar, recepcionada fui por familiar dos donos segundos da propriedade. E depois, um professor, de nome Ângelo, nos guiou a visita.
Recepção como nos antigos tempos, com água de rosas, despejadas de um vaso de louça em uma tina.
Utensílios acomodados em uma ampla mesa redonda e antiga, trabalhada e em madeira de lei. As mãos lavadas, foram enxutas com uma toalha.
Na entrada, um espaço para colocar chapéus.
Em outro móvel, instrumentos utilizados nas torturas dos escravos. Grilhões vários, correntes, objetos que lembravam arreios de animais. Segundo o guia, uma vez agrilhoado, o escravo, nunca mais se veria sem os ferros.
Caso fugisse, logo seria visto pelo Capitão do Mato e logo capturado. Negros, “escravos”, escravizados estigmatizados.
Triste lembrança dos tempos de escravidão.
Em dado momento, um robusto tijolo, é mostrado como forma de demonstrar como foi construído o casarão. E impressiona pela sua espessura.
Em cristaleiras várias, objetos de várias épocas. Fruto de doações, contribuições.
Em uma sala, a junção de vários ambientes, de várias e diferentes épocas. Contando até com gramofone da década de quarenta.
Em uma das mesas, objetos de pratas, ou imitações destes.
A demonstração do que era uma alcova. Quarto sem janelas.
O guia informou em explanação, que o quarto era trancado por fora. Para que a visita não ficasse a bisbilhotar a residência.
Durante a noite, uma visita providenciada era, para companhia lhe fazer. A qual a noite no quarto ficava.
O escravo responsável por tal empresa, passou para a história como alcoviteiro.
Em tal ambiente, cama de casal, cômoda, guarda-roupa, louça para lavar o rosto e penico.
E por falar em alcova, foram mostrados outros três ambientes assemelhados. Num dos quartos, havia uma velha mala de madeira, um baú e mais alguns objetos.
Em um dos ambientes, um quarto para as mulheres que haviam acabado de parir e ficavam de resguardo. Sem janelas, como o quarto para visitas.
No caso de familiar, aí o tratamento era bem diverso.
O familiar ficava em um quarto próximo aos proprietários do casarão.
Numa das alcovas, uma ancestral dos segundos proprietários, permaneceu boa parte de sua vida encerrada em seu quarto. Lá, teceu uma linda colcha que hoje enfeita a cama de memórias.
De acordo com uns, era tida por louca, por outros, como uma mulher à frente de seu tempo.
Segundo o guia que guiou a visita por este museu vivo de memórias, só não ficavam trancados dentro do quarto, as visitas próximas: parentes e amigos muito chegados.
Durante a visitação, o guia informou que por muito tempo, não houve preocupação em preservar e por esta razão, muitas construções foram desfeitas, e muitas fazendas destruíram suas senzalas, transformaram -se em hotéis.
E, consoante esta linha de pensamento, uma capela que havia no local foi destruída.
Além de outras construções, como uma senzala para os escravos de fora.
Ao longo do passeio, deparamo-nos com uma sala de jantar, com diversas mesas e louças.
Em todos os ambientes, tábuas de madeira originais.
Em alguns pontos, pode se ver o chão abaixo da casa, pelas fendas e frestas das tábuas.
Em dois armários: louças diversas e penicos de porcelana. Que de tão ricos, eram confundidos com sopeiras. Louças com duas asas para segurar e penicos com uma apenas.
Também foram mencionadas as escarradeiras.
O guia mostrou-nos uma cozinha com modificações: como um forno para pizza.
Mas também havia um forno a lenha, além de panelas de ferro.
Ao longo do ambiente, uma máquina de costura com pedal, um moinho para processar mandioca etc. Na casa, em um dos seus corredores, ferros de passar, antigos.
Também havia um “banheiro”, com dois buracos, e um rio logo abaixo.
Embaixo da casa, uma senzala baixa, onde os escravos, ou melhor, escravizados, andavam curvados. Segundo informações, para que não houvesse hierarquia entre os negros escravizados.
Nos fundos da casa, corre um rio, também utilizado como instrumento de tortura dos escravos.
Isto porque, houve um tempo em que não era lucrativo escravos mortos.
Mas nem por isto, os castigos corporais deixaram de existir.
Ora, os negros eram amarrados de ponta cabeça para servirem de exemplo.
Cumpre destacar que mesmo com a preocupação em preservar a propriedade, novas construções surgiram.
Uma pequena criação de gado, entre outras coisas.
O guia estabeleceu a diferença entre os escravos de casa e os escravos de fora.
Havia diferenças inclusive no tratamento.
Segundo o guia, os escravos de casa eram criados para vigiar os negros de fora e delatá-los em caso de fuga.
Cultura perversa onde um era jogado contra o outro. Sutis formas de manipulação e controle.
Na parte externa da casa, um pelourinho usado para torturar os escravos. Onde os mesmos ficavam amarrados, presos.
Quanta história, quanta pesquisa, para se descobrir ricas histórias de tanto sofrimento!
Entrelaçadas com a história da própria família, que concordou em abrir mão de parte das terras, para preservar o casarão e restaurá-lo.
Isto porque, um irmão não possuía interesse no casarão.
Em seguida, empreenderam pesquisas para reconstituir a história do lugar. Além de descobrirem as características originais, construtivas do imóvel, visando restaurá-lo.
Contudo, o restauro do imóvel é oneroso, e as coisas são lentas.
Segundo o guia, os procedimentos para o tombamento não foram levados a efeito ainda, porque a partir deste momento, não poderão ser alteradas, as características do imóvel.
Salientou que ainda não foram descobertas todas as características do imóvel.
Também comentou que o gramado em frente ao imóvel, já fora um calçamento de pedras.
Salientou que em se escavando o terreno, se poderá ver o calçamento original.
Em outra construção, nos servimos de café, é de muitas outras histórias.
A fazenda foi cenário de várias novelas da Globo, sendo reformada para tanto.
A proprietária, Beth, contou que ganhou réplicas de pinturas de artistas famosos. Também ganhou pinturas de “Vovó Catarina”, retratando os tristes tempos da escravidão.
Atentou para o termo escravos, quando o correto seria, negros que foram escravizados.
Contou a história de sua tia, e de como radiestesistas captaram com seus equipamentos, uma energia pesada em um dos quartos, onde vivera esta parente.
Chegou a falar que um radiestesista cego, trabalhou para de certa forma, recompor a energia do lugar. Relatou a história de negros, que carregando os excretos de seus donos, ficavam manchados, devido à acidez da urina, passando a ser conhecidos como tigres.
A senhora também contou a história de uma entidade, que relatou histórias do lugar, as quais foram confirmadas ao pesquisar uma documentação em Areias.
Relatou sua preocupação na preservação da história dos negros, sempre esquecidos.
Durante a visitação, foi nos contada a história das negras que amamentavam os filhos da sinhá. E então os filhos das escravas e dos senhores eram criados mais ou menos juntos. Sendo as crianças negras, um “brinquedo” dos brancos.
Daí seguia a linhagem dos escravos de casa.
Segundo Ângelo, a casa serviu como uma espécie de mercado de escravos, onde os mesmos ficavam escondidos até serem encaminhados para “suas fazendas”.
Os negros com bons dentes e canelas finas eram objeto de cobiça dos fazendeiros, por os considerarem, melhores para o trabalho.
Famílias eram separadas. Uma tristeza!
O guia comentou que na construção original, nas paredes internas da casa, havia papéis de parede. Contudo, no momento, as paredes estavam pintadas de branco.
Foi salientado que algumas construções originais se perderam e outras novas foram construídas.
O que não compromete o passeio, e o mergulho feito na história.
Afinal, os proprietários da fazenda se preocupam com a história, e não com a beleza.
Independente disto, adorei o passeio. Linda viagem pela história deste país tão desconhecido chamado Brasil.
Salve Fazenda dos Coqueiros em Bananal. Aparecida do Norte, estado de São Paulo, dias 08 e 09 de agosto de 2018.
Luciana Celestino dos Santos
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