Entre os longínquos anos de 1784 a 1785, a situação da França era bastante crítica.
Isso por que, quase toda a renda da nação vinha da agricultura, e a população de vinte e seis milhões, vivia em sua grande maioria no campo.
Não bastasse isso, boa parte dos camponeses viviam presos a um regime de servidão.
Em razão disso o comércio não conseguia florescer, principalmente em decorrência das barreiras feudais que remanesciam no interior da França, o que obrigava os comerciantes
a pagarem onerosos impostos aos donos das terras.
Nesse quadro de miséria viviam os pais de Justine.
Marie e Olivier, camponeses, viviam presos a terra que cultivavam.
Por não serem donos das terras, trabalhavam para se manterem.
Vivendo num casebre paupérrimo, o casal criou a única filha que tiveram.
Justine, acostumada com a miséria em que vivia, mal podia imaginar que aquele regime de servidão era horrível.
Isso tudo, em razão de seu desconhecimento.
Como passara a vida inteira vivendo naquele mundo de miséria e pobreza, Justine não sabia o quanto aquela situação era injusta.
Acostumada a cultivar a terra, a moça mal podia imaginar que um dia se insurgiria contra aquele sistema de coisas.
E assim continuava a cultivar as terras.
Arando e semeando a terra, Justine e seus pais fizeram uma exuberante cultura florescer e vicejar.
Não fosse o pesadelo das chuvas e as enchentes que se seguiriam, tudo teria transcorrido a contento.
Para piorar o desalentador quadro que se afigurava, enchentes alternaram-se às inundações que por destruírem as plantações, acarretaram uma flutuação no preço dos mantimentos e víveres.
Em virtude desse desastre, inúmeros camponeses se viram impedidos de comprar os mantimentos que garantiam sua subsistência.
Contudo, quando a situação melhorava, quem sofria os reveses eram os latifundiários, que invariavelmente, faliam.
As indústrias, insipientes, também sofriam com essa trágica situação.
Todavia, ao verem o trabalho de um ano destruído por enchentes, Marie e Olivier inconformados com o revés, ao tentarem comprar mantimentos, foram avisados pelo fazendeiro que este não tinha como pagá-los.
Alegando que a inesperada enchente fez com que ele perdesse todos os seus investimentos, o homem comentou que não tinha dinheiro disponível para pagá-los.
Olivier irritado, comentou que havia trabalhado duramente para conseguir cultivar aquelas terras.
Em razão disso, nada mais justo do que ele ser pago por seu trabalho, já que, independente de qualquer acontecimento o mesmo trabalhara e muito com sua família, para manter as terras produtivas.
O fazendeiro então, dizendo que não previra a enchente, comentou que também sofrera prejuízos com imprevisto.
Alegando que corria o risco de perder sua propriedade, Paul fez questão de deixar claro que não estava agindo de má-fé.
Infelizmente ele realmente não tinha como pagar nem a ele, nem a nenhum a dos camponeses.
Olivier, ao tomar conhecimento disso, furioso voltou para sua morada, e dizendo para esposa que teria que usar o pouco de dinheiro que tinha para comprar alimentos, pediu para
que esta o acompanhasse até o armazém.
Marie ao ouvir isso, foi logo perguntando o que estava acontecendo.
Ao saber que eles não seriam pagos, entrou em desespero.
Aflita, perguntou ao marido como fariam para pôr comida dentro de casa.
Olivier dizendo que eles teriam que fazer uso do dinheiro que estava tentando guardar, causou um profundo pesar em Marie.
Isso por que, eles estava tentando guardar o dinheiro para a filha.
Porém, diante do infortúnio, teriam que fazer uso da módica quantia que ainda traziam consigo.
Todavia, ciente de que não havia outra alternativa, Marie sem pestanejar, entregou o dinheiro ao marido, e a seguir, seguiu com ele até o armazém.
No entanto, qual não foi a surpresa de ambos ao descobrirem que devido a enchente que destruiu boa parte das plantações da região, os víveres haviam mudado de valor.
Atônito, Olivier bem que tentou argumentar.
Dizendo que não tinha como pagar o preço dos alimentos, o homem prometeu que pagaria assim que pudesse.
Contudo, o vendedor não concordou em vender os víveres.
Alegando que todos os camponeses estavam em má situação, comentou que se fosse ajudar a todos, fatalmente faliria.
Olivier, sem ter a quem recorrer, voltou para casa.
Justine ao ver os pais de mãos vazias, quis logo saber o que havia acontecido.
Marie então, desesperada, chorando, lhe contou não puderam comprar os mantimentos por que o dono do armazém os estava vendendo a uma exorbitância, e eles não tinham como pagar.
Justine ao ouvir a explicação da mãe, não compreendeu de imediato o que estava se passando.
Olivier, percebendo isso, explicou então a filha, que por conta da enchente, não havia produtos em quantidade suficiente para ser vendidos.
Em razão disso, a procura era grande, o que fazia os preços subirem.
Além disso, para compensar o prejuízo que teria, o vendedor resolveu aumentar os preços, como forma de se compensar das perdas.
Justine, compreendendo que o homem só visava se garantir, comentou revoltada:
-- Será que esse homem não percebe que esta é uma situação transitória? Afinal de contas as plantações não ficarão submersas eternamente. Recuperar o que foi perdido é apenas uma questão de tempo!
-- Não. Eu acho que não. – respondeu Olivier desolado.
Nisso Marie, desesperada, colocando as mãos na cabeça se perguntava a todo instante:
-- E agora? O que nós vamos fazer? O que vamos comer?
Justine e Olivier não sabiam o que fazer.
Diante do quadro desolador, só restou a eles retomarem seus afazeres.
E assim, embora os três tenham passado até fome, a necessidade não os fez esmorecer.
Mesmo, diante das dificuldades, a família se manteve unida.
Contudo os três que até então entendiam como aceitável sua condição de servos, ao se verem privados do essencial para se manterem, começaram a se indispor com o fazendeiro.
Alegando que estavam cansados de viverem em tão ruins condições, os três ameaçaram abandonar a propriedade e procurar trabalho em outras paragens.
Paul, ameaçando-os, comentou que eles não podiam sair daquelas terras.
Alegando que eles estavam indissoluvelmente ligados àquele lugar, o homem comentou que eles tinham que pagar o tempo em que permaneceram naquelas terras.
Olivier revoltado, comentou que fazia tempo que ele não lhe pagava, e que assim, não lhe devia nada.
O fazendeiro contudo, não gostou do jeito do camponês.
Chamando-o de arrogante e atrevido, Paul comentou que não seria daquela vez que ele se veria livre dele.
Ao ouvir isso o camponês riu.
Perguntando como ele faria para prendê-los àquele lugar, Olivier revelou que sabia de sua precária situação financeira.
Dizendo que era só uma questão de tempo para que ele perdesse tudo, Olivier comentou que sairia dali antes que as coisas piorassem.
Isso por que, já ouvira comentários dos camponeses que, insatisfeitos com a situação, diziam que acertariam suas contas com o latifundiário.
Com isso, temendo pelo pior, o camponês e sua família, trataram logo de arrumar seus poucos pertences numa trouxa e partirem para longe dali.
Assim, enfrentando o fazendeiro, Olivier e sua família partiram em busca de uma melhor condição de vida.
Pronto, estava brotando o inconformismo no íntimo do ser de Justine.
Com isso, a atuação do governo nessa área, aumentou ainda mais o descontentamento.
A monarquia, ao assinar um tratado comercial com os ingleses, impôs uma desvantajosa condição ao país.
Isso por que, vinhos franceses seriam trocados por manufaturas inglesas, com isenção de impostos.
Em razão disso, inúmeras fábricas francesas não suportando a concorrência, faliram.
Faliram por não suportarem a concorrência da avançada técnica dos ingleses na confecção de tecidos.
Com isso percebe-se que era apenas uma questão de tempo, para que uma grande revolta eclodisse.
Isso por que, uma enorme massa de franceses, inconformados com a situação de miséria, e de injustiça social as quais eram submetidos, cedo ou tarde, tomariam as rédeas da
situação em suas próprias mãos.
Foi o que aconteceu.
Luís XVI, percebendo a gravidade da situação, ao abrir a sessão inicial dos Estados Gerais, advertiu os presentes, dizendo que a Assembléia serviria apenas para discutir questões relacionadas às finanças.
Assim não cabia discutir questões políticas.
Diante dessa atitude, o Terceiro Estado – que constituía a maioria esmagadora da população –, agiram prontamente, exigindo que as reuniões fossem feitas conjuntamente e não separadas por Estados.
Para garantir que suas reivindicações seriam atendidas, o Terceiro Estado, proclamou-se Assembléia Geral Nacional.
Leia-se como Estados, a separação entre classes sociais, sendo o Primeiro Estado, representado pelo alto clero; o Segundo Estado, a nobreza e o Terceiro Estado, constituído de camponeses e de outros grupos de excluídos.
Assim, cansados de serem explorados, os camponeses decidiram reagir.
Nisso o rei, em decorrência da atitude intempestiva do Terceiro Estado, desesperado, mandou fechar a sala de reuniões.
O Terceiro Estado ao notar a manobra do soberano, não se deu por vencido e seus deputados tomaram a decisão de proclamar-se Assembléia Nacional.
Dirigindo-se a um salão que a nobreza utilizava para jogos, lá juraram permanecer reunidos até que a França tivesse uma constituição.
Desta forma, aos 27 de junho, o rei ordenou aos demais representantes dos outros dois Estados a participarem da Assembléia.
A seguir, no dia 9 de julho de 1789, reuniu-se pela primeira vez a Assembléia Nacional para redigir uma nova constituição.
Para fazê-lo, os deputados se dividiram em dois grupos, os jacobinos e os girondinos, cujas posições físicas nas bancadas da Assembléia eram estas:
Na ala esquerda ficavam sentados os jacobinos (mais tarde se tornariam os montanheses), liderados por Robespierre, representando a pequena burguesia, profissionais liberais e lojistas.
Próximos aos jacobinos, estavam os cordeliers (adeptos que se reuniam no Convento dos Franciscanos, os cordeliers) sob a liderança de Marat e Danton, representavam os interesses do Terceiro Estado.
Nas cadeiras do centro ficavam os girondinos (que mais tarde receberiam o nome de planície ou pântano), representando os interesses da alta burguesia comercial e financeira e
também da nobreza liberal.
Formavam o maior grupo da Assembléia.
Na extrema direita sentavam-se os representantes do clero e da nobreza.
Constituíam a minoria e defendiam a monarquia.
Nesse contexto, dois grupos começaram a se formar.
De um lado liderados por Mirabeau, havia aqueles que defendiam uma monarquia institucional e de outro, uma minoria liderada por Robespierre, que defendia uma democracia republicana.
Quem não gostou nada disso foi o rei.
Isso por que, tais idéias, se colocadas em prática, significariam a perda do poder absoluto.
Em razão disso, sua reação foi imediata:
Demitiu o Ministro Necker, e ordenou que o exército se preparasse para reprimir as manifestações da burguesia.
Nisso no dia 14 de julho de 1789, a burguesia apelou para a ajuda do povo parisiense.
A Bastilha, construção utilizada como prisão política, foi invadida por populares.
Populares que revoltados e cansados de acatarem os desmandos do soberano, decidiram tomar a situação em suas mãos.
E assim, invadindo a construção, os revoltosos, libertaram os prisioneiros e inverteram a situação.
Adentrando com toda a fúria a Bastilha, os populares mostraram o quão fortes podiam ser quando se uniam.
Desta forma, a violência revolucionária se espalhou pelo interior.
Camponeses invadiram os castelos da nobreza feudal, executaram famílias, e exigiram uma reforma fundiária.
Entre os revoltosos estava Justine, que igualmente cansada da vida de miséria que levava, resolveu juntar-se aos demais camponeses e insurgir-se contra a situação vigente.
Depois de ver seus pais morrerem em decorrência das péssimas condições de vida a que foram submetidos, Justine, no auge de sua revolta, cansada de ser condescendente com
aquela existência miserável que levava, resolveu mudar sua vida.
Com isso, assim que percebeu que alguns camponeses iam agir, Justine se ofereceu para acompanhá-los.
Determinada, lá se foi a moça.
Decidida a modificar sua vida, Justine nunca mais se conformaria com as injustiças a que se submetera por tanto tempo.
Com isso, revoltados e furiosos, estes homens e mulheres, cansados de tantas vicissitudes, resolveram dar uma basta nessa situação.
Contudo, o ímpeto em tudo destruir, fez com os mesmos se excedessem.
Além de pilharem castelos e outras propriedades, os camponeses mataram inúmeras famílias.
Foi exatamente em meia a toda essa virulência, que Justine tomou contato com a crueza da violência.
Ao ver pessoas agonizando diante de si, a moça em sua primeira reação, se assustou.
Apavorada com o impacto da morte, Justine chegou a chorar diante de tanta violência.
Contudo, conforme as ações foram se tornando mais constantes, a moça deixou de se impressionar com o espetáculo, e sentindo-se parte de tudo que acontecia, passou a
igualmente executar pessoas.
Com o passar do tempo, tornou-se extremamente hábil em suas execuções.
Justine, ávida por justiça, mais tarde se mudaria para Paris.
Sedenta por novos desafios, almejava se integrar aos insurretos da cidade.
Quando a moça demonstrou seu interesse em não mais ficar no campo, muitos do camponeses ficaram desapontados com sua atitude.
Dizendo que ela estava abandonando a luta, muitos a criticaram.
Justine porém, não se importava.
Dizendo que precisava partir, ela explicou que algo maior a conduzia para outros caminhos.
Assim, pouco tempo demais, Justine, ansiando por novas lutas, e sentindo-se pronta para o desafio, migrou para Paris.
Em Paris, a garota se espantou com o luxo de algumas construções, mas também se espantou com a situação de extrema miséria em que vivia boa parte da população.
Percebendo que com relação a isso nada havia mudado, a moça comentou consigo mesma:
‘Nada de novo. Parece que estou no mesmo lugar. Para os pobres e desvalidos, tudo é sempre igual. Miséria e mais miséria.’
Diante disso, os temores da burguesia voltaram-se para as ações dos camponeses, que poderiam avançar também contra suas propriedades.
Para se garantirem, decidiram abolir os direitos feudais e, quase ao mesmo tempo, instituíram a Declaração dos Direitos do Homem, aos 26 de agosto de 1789.
Este sim, um grande passo na luta pela igualdade.
Justine e os demais insurretos, ao saberem da existência desse prestigioso documento, comemoraram sua edição.
Outros porém, dizendo que isso era apenas um apanhando de palavras, fez questão de dizer em alto e bom som, que aquele gesto fora empreendido somente para distraí-los.
Isso por que, nenhum nobre estava interessado em perder sua posição para um bando de miseráveis.
Para Justine ouvir estas palavras pessimistas era desconsolador.
Indignada com o ceticismo de Pierre, a moça começou a dizer que não fossem as lutas dos franceses contra aquele sistema imposto, nada daquilo teria acontecido.
Pierre percebendo o idealismo de Justine, comentou que ainda que a luta de todos os franceses tenha começado a frutificar, aquele não era ainda o momento para se comemorar
nada.
Dizendo que muitas coisas ainda iriam acontecer, o galhardo Pierre, recomendou que todos aguardassem os últimos acontecimentos.
Justine e os outros revoltosos prometeram esperar.
Com isso, grande parte da nobreza, atemorizada, sentindo o perigo da situação que se apresentava diante de seus olhos, resolveu emigrar para a Holanda, Inglaterra, Áustria e
outros países.
Agindo assim, esperavam conseguir restaurar o absolutismo, que desmoronava a passos largos.
Com isso, os rebeldes ao saberem que a nobreza fugia, ficaram revoltados.
Temendo
que eles estivessem partindo em busca de auxílio, os insurretos tentaram convencer Pierre a tentar impedi-los.
O homem porém, explicando que a situação por lá era muito complicada, comentou que os mesmos não conseguiriam voltar sem serem percebidos.
Isso por que, se trouxessem um exército com eles, todos seriam pegos e presos.
Confiante, Pierre não conseguia imaginar outro desfecho para aquela situação.
Mas os seus comandados não estavam tão tranqüilos.
Foi então que, ao perceber a inquietude dos mesmos que ele comentou que haviam outros rebeles espalhados pela cidade luz.
Além disso, Pierre disse ainda, que cedo ou tarde, seus planos ruíram e eles tomariam a cidade.
Justine e os demais revoltosos, então se aquietaram.
Nessa época, um dos atos mais importantes da Assembléia Nacional Constituinte foi o confisco de bens do clero.
Estes bens serviram como garantia para os bônus que foram emitidos, com o objetivo de arrecadar fundos e superar a crise financeira.
Ao tomar conhecimento disso a Igreja Francesa reagiu e protestou, mas a Assembléia passou a prender qualquer membro da instituição que se manifestasse politicamente.
O abade, ao tomar conhecimento desta situação por meio de seus subordinados, quis logo explicações.
No entanto, não havia o que discutir.
Sem ter a quem recorrer, ao Abade Antoine, só restou acatar as ordens da Assembléia Nacional Constituinte.
Diante desse quadro nada auspicioso, o rei, percebendo que precisava de ajuda, passou a manter contatos secretos com os emigrados e com as monarquias absolutistas da Áustria e da Prússia, para conspirar contra o governo revolucionário e restaurar o absolutismo.
Ansioso por encontrar uma forma de reverter a situação, numa tentativa desesperada, o Rei Luís XVI tentou fugir para a Prússia, mas no caminho foi reconhecido e preso por
camponeses, sendo obrigado a voltar para Paris.
Entre esses camponeses estavam alguns conhecidos de Justine, que orgulhosos por terem efetuado a tão prestigiosa prisão, comentaram que era uma pena ela não estar com eles.
Nisso, os setores mais moderados da Assembléia conseguiram que fosse aprovada uma Monarquia Parlamentar na Constituição de 1791 semelhante à inglesa.
O poder do rei (executivo) ficava, portanto, limitado pelo poder legislativo (parlamento).
Todavia, o poder legislativo não era escolhido por meio do voto universal (de toda a população) mas pelo voto censitário (somente os mais ricos podiam votar).
Com isso se denota, que o governo da França ficava nas mãos de uma fração minoritária da rica burguesia e da aristocracia.
De formas que, o povo francês continuava afastado das decisões políticas.
Ademais, a situação era tão grave, que as monarquias absolutistas vizinhas, acompanhavam os acontecimentos com grande temor.
Por esta razão, cresceu entre os monarcas a idéia de que era preciso esmagar a revolução no seu nascedouro.
Contudo, os revolucionários franceses, pensando de forma oposta pretendiam expandir a revolução através de uma guerra revolucionária, pois caso contrário, a França ficaria isolada, e a revolução sucumbiria.
Pierre era um dos revolucionários que pensava dessa forma.
Acreditando que expandindo a luta para além das fronteiras da França, conseguiriam novos adeptos para a luta, tinha a absoluta convicção que eles não correriam o risco de serem impedidos de executar seus planos.
Todavia, não era todos os insurretos que concordavam com Pierre.
Alguns homens e mulheres, temerosos da ousadia dessa empreitada, comentaram que estavam se arriscando muito por esta idéia.
Alegando que não tinham gente suficiente para lutar e se expandir para além do território de Paris, quanto mais sair da França, os mesmos insistiam em dizer que tudo aquilo era uma grande loucura.
Justine no entanto, acompanhada de Marcel e Jean ao ouvir os planos de Pierre, comentou que ele estava certo.
Dizendo ser tudo ou nada, a moça comentou que não adiantava ficarem recolhidos em Paris, temendo a reação dos outros exércitos.
O certo era lutarem, mesmo que tivessem que morrer por isso.
Nisso a Assembléia Legislativa francesa declarou guerra à Áustria e à Prússia no dia 20 de abril de 1792, depois que essas monarquias absolutistas se recusaram a garantir um
estado de não beligerância.
Luís XVI tinha esperança que os exércitos franceses fossem rapidamente derrotados, o que permitiria seu retorno ao poder.
Por isso o rei e a rainha, Maria Antonieta, entraram em contato com os inimigos, passando-lhes os segredos da guerra.
Contudo, na Assembléia, Robespierre denunciou a traição do rei e de alguns generais fiéis à nobreza.
Num discurso aos jacobinos, Robespierre dizia que não confiava nos generais e fazendo exceções honrosas, alegou que quase todos tinham saudade da velha ordem, e dos favores que dispunham com relação a corte.
Ressaltando que só confiava no povo, destruiu os planos dos monarcas.
Nisso, nas ruas de Paris e das grandes cidades, os sans-culottes faziam grandes manifestações pedindo a prisão dos responsáveis pelas traições e pelas derrotas francesas nos campos de batalha.
Pierre e Justine, bem como os demais insurretos, revoltados com a situação, também exigiram a prisão destes.
Realizando manifestações pela cidade Justine, Pierre, Marcel, Jean, os sans-culottes e demais membros do povo, exigiram que fosse tomada uma atitude exemplar com relação ao
rei Luís XVI e a rainha Maria Antonieta.
Porém, a situação ficou mais tensa, quando um alto militar prussiano ameaçou de morte os membros da Assembléia, se a família real francesa fosse ultrajada.
Contudo, a ameaça, que tinha por objetivo amedrontar os revolucionários, produziu o efeito reverso.
O povo e os sans-culottes enraivecidos pela arrogância dos inimigos da França, invadiram na noite de 9 de agosto de 1792, o Palácio das Tulherias onde se encontrava o rei e a família real.
Era o fim da monarquia.
Mas, antes da invasão, Pierre, passou as últimas instruções aos revolucionários.
Recomendando cautela, pediu que a todos que não se intimidassem com a segurança que havia no palácio.
Por isso todos os atos que realizassem tinham que ser ágeis e exatos.
Justine e Marcel concordaram.
Com isso, todos os que iriam participar da empreitada, seguindo as recomendações de Pierre, foram aproximando-se discretamente da construção, e pouco a pouco dominando
os guardas que faziam a vigilância do palácio.
Devassando a construção luxuosa, Justine, Marcel, Jean, Pierre e os demais insurretos, se depararam com um cenário de rara sofisticação.
Desacostumados com tanto luxo, constataram que eles mantinham tudo aquilo, com o trabalho do povo.
Furiosos, vasculharam todos os ambientes da construção.
Desta forma, foi questão de tempo, para que tomassem o Palácio das Tulherias e encontrando o rei e a rainha, os tornassem seus prisioneiros pessoais.
Apavorados o rei e a rainha bem que tentaram fugir.
Contudo, percebendo que o palácio estava tomado, não tiveram como escapar.
Presos, tiveram que aguardar pelo fim.
E assim, no dia 2 de setembro de 1792, pela manhã, chegou a notícia de que a fortaleza de Verdun, a última entre Paris e a fronteira, havia sido sitiada.
Imediatamente foi lançada uma proclamação aos franceses:
‘Ás armas cidadãos! Ás armas! O inimigo está às portas.’
Os revolucionários, agindo com toda a impetuosidade, tomaram de súbito a fortaleza, pegando a soldadesca de surpresa.
Em decorrência disso, vários nobres, suspeitos de ligação com os inimigos foram massacrados pela população enfurecida.
Justine, estava entre os populares que massacraram os nobres.
Hábil na arte de matar, Justine se destacava em meio a horda de enfurecidos que se lançavam implacáveis em direção aos nobres, que sem ter para onde correr acabaram sendo mortos pela população.
No dia 20 de setembro de 1792, chegou a Paris a notícia da esmagadora vitória dos exércitos revolucionários franceses sobre as tropas prussianas.
No mesmo dia foi oficialmente proclamada a República da França, cujo órgão principal era a Convenção, eleita por voto universal.
Os setores mais moderados, os girondinos, haviam se apossado da direção política do país.
No entanto, havia um problema imediato a ser resolvido.
Que destino deveria ser dado ao rei e sua família que se encontravam presos?
Diante de tal quadro, os jacobinos não vacilaram.
Assim, o rei deveria ser julgado e executado como traidor.
Com isso, se nota que a proposta jacobina saiu vencedora e Luís XVI foi guilhotinado.
A rainha também.
A população, contente com a execução, acompanhou todos os detalhes deste espetáculo sangrento.
Apreciando a cena, pareciam selvagens.
Lembrando os tempos de
espetáculo e sangue da antiga Roma, os populares se compraziam ao ver o triste fim dos reis.
Com isso a popularidade dos jacobinos crescia apoiados pelos sans-culottes.
Além disso, as vitórias dos exércitos franceses eram acompanhadas de uma crescente simpatia por parte da população.
O território prussiano que já havia sido em parte invadido, era proclamado zona de liberdade.
Marcel e Jean eram dois dos revolucionários que aplaudiam entusiasticamente as vitórias do exército francês.
Dizendo que aquele era mais um grande passo dado na luta por uma França melhor e mais justa, os dois rapazes acreditavam que estava lutando por algo maior do que fim da tirania. Idealistas, almejavam construir um mundo melhor.
Um mundo sem injustiças.
Um mundo onde todos tivessem as mesmas oportunidades.
Um mundo onde todos fossem iguais.
Pierre sabia contudo, que construir esse mundo justo e solidário não seria nada fácil.
Estava certo.
Isso por que, no plano interno, o governo dominado pelos girondinos propôs uma série de reformas moderadas, de forma que os privilégios da alta burguesia não fossem afetados.
Não bastasse isso, muitos girondinos aumentaram suas fortunas, especulando com alimentos para as campanhas militares.
Com isso a situação só piorava, pois os preços subiam a cada dia.
Claude por exemplo, foi um dos beneficiados com esta especulação.
Alferindo vultosas quantias para seu patrimônio pessoal, Claude ficava cada dia mais rico.
Quem não gostava nada disso eram os revolucionários.
Pierre era um dos que, irritados, dizia que não eles não haviam lutado para preservar os interesses da elite.
Dizendo que também lutava por uma sociedade mais igualitária, o revolucionário comentou com Justine e os demais, que aquela situação não podia se manter.
Dizendo que eles precisavam se manifestar contra tal situação, o líder conclamou a todos para a luta.
Alegando que tinha um plano, deixou todos atentos.
Com isso, os sans-culottes, nas ruas de Paris, sob o comando de líderes radicais, exigiam reformas mais profundas e um rígido controle de preços dos alimentos.
Por esta razão, os jacobinos, apoiados pelos sans-culottes, formaram a Comissão de Salvação Pública, que tinha por finalidade controlar os preços (Lei do Máximo) e denunciar os abusos por parte dos negociantes inescrupulosos ligados aos girondinos.
Os girondinos, por sua vez, ficaram cada vez mais temerosos diante do aumento das agitações dos sans-culottes.
Certas regiões da França como a Vendéia, por exemplo, haviam sido tomadas por forças contra-revolucionárias apoiadas pela Inglaterra.
Assim, a revolução e as liberdades conquistadas corriam perigo.
Pierre e seus revolucionários, acompanhando de perto os passos dos sans-culottes, resolveram também aderir as manifestações.
Com isso, percorrendo as ruas da cidade, todos gritavam palavras de ordem.
Gritando, desejavam ver mudada a França.
E, para por isso, que os sans-culottes lutavam, por uma melhor condição de vida.
Nisso, as camadas populares lideradas pelos jacobinos rebelaram-se entre maio e junho de 1793, e o edifício da Convenção foi cercado pela população enraivecida.
Os girondinos, líderes do governo, foram presos e um novo governo de tendência popular foi instaurado.
Mais uma vez Pierre, seguido de Marcel, Jean, Justine e demais comandados, caminhando pelas ruas de Paris, seguiram até o edifício da Convenção.
Além deles, outros populares cercaram a construção.
Furiosos, auxiliaram na prisão dos líderes do governo e na instalação de um novo governo.
Com isso os jacobinos tomaram o poder graças ao apoio irrestrito dos sans-culottes.
Assim, algumas reformas começaram a ser efetivadas.
A principal delas foi a distribuição de pequenas propriedades por toda a França.
Aos poucos um grande número de camponeses transformaram-se em pequenos proprietários, formando uma classe extremamente poderosa em termos político e econômico.
Modificou-se assim o calendário.
Justine, ao tomar conhecimento da distribuição de pequenas propriedades, ficou feliz.
Feliz por seus companheiros que finalmente teriam um pedaço de terra somente para eles.
Triste, lamentou por seus pais não terem vivido para poderem ver tudo aquilo acontecendo.
Pierre, ao vê-la tão desolada, tratou logo de consolá-la.
Dizendo que nem tudo ocorria da forma como seria desejável, ressaltou que ao menos na luta, as coisas caminhavam a contento.
Ao ouvir isso Justine sorriu.
Entrementes, as reformas propostas pelo governo dos jacobinos esbarravam em suas próprias contradições.
Apesar de ser um governo de esquerda e de tendências populares, os jacobinos repartiram o poder com elementos da extrema esquerda e do centro.
Robespierre, inicialmente, conseguiu manter uma posição de equilíbrio, mas, aos poucos, esse equilíbrio foi rompido.
Isso por que, Robespierre mandou prender e executar os membros da extrema esquerda e depois fez o mesmo com os mais moderados, cuja figura mais conhecida foi Danton.
Robespierre assumiu portanto, atitudes anti-populares.
A grande burguesia contudo, o considerava um radical.
Por isso mesmo, a conspiração contra Robespierre começou exatamente no seio da burguesia, insatisfeita com as medidas do governo que a impedia de obter altas taxas de lucros.
No dia 27 de junho de 1794, ao iniciar-se mais uma reunião da Convenção, a burguesia do partido de planície, decretou a prisão de Robespierre.
O líder tentou ainda buscar apoio dos sans-culottes, mas estes não mais acreditavam em Robespierre.
Pouco depois, tanto Robespierre quanto seus mais diretos colaboradores foram executados.
Execução essa que toda a população de Paris acompanhou.
A seguir se instaurou o governo dos ricos burgueses.
Pelo novo calendário, o golpe contra Robespierre havia sido desfechado no dia 9 Termidor (equivalente ao mês de julho) por isso recebeu o nome de governo Termidoriano.
Nesse governo, seus membros eram quase todos ligados à burguesia dos bancos, aos agiotas, grandes negociantes e especuladores em geral.
Diante disso o novo governo apressou-se em tomar uma série de medidas para salvaguardar seus interesses: restaurou a escravidão nas colônias (que havia sido abolida no governo dos jacobinos), acabou com a lei do máximo, liberando os preços dos alimentos e de outros produtos.
Em setembro de 1795 preparou-se outra Constituição que acabou com a Convenção do período jacobino, e instituiu um novo órgão de governo chamado Diretório, que era composto por cinco membros representando o poder executivo, e duas câmaras representando o legislativo: o Conselho de Ansiãos e o Conselho dos Quinhentos.
O governo do Diretório suprimiu o voto universal e restabeleceu o voto censitário (só os que tivessem certa renda podiam votar e serem eleitos).
E o poder retornou para as mãos da rica burguesia.
E assim, ao mesmo tempo em que a economia ficava sob o controle da alta burguesia, tomava-se medidas para reprimir remanescentes do movimento revolucionário.
Foi o que aconteceu com o líder Graco Babeuf, que pregava a volta da constituição jacobina e da igualdade social.
No mês de maio de 1796, Babeuf e seus companheiros foram presos e executados na guilhotina.
Nesse contexto, Pierre, Marcel, Jean, Justine e os demais revolucionários que resistiam, inconformados com as medidas restritivas do novo governo, resolveram agir.
Marcel, Justine e Jean, apoiaram Pierre, mesmo percebendo que teriam pouquíssimas chances de escaparem ilesos da nova empreitada, decidiram ir até o fim.
Realizando manifestações das ruas de Paris, os revoltosos, conseguiram ser notados pela alta cúpula do Diretório.
Contudo, o que a primeira vista parecia bom, revelou-se com o passar do tempo, ruim.
Isso por que ao verem notados, os quatro principais integrantes do movimento, tiveram que fugir.
E assim, escondendo-se em prédios abandonados, lugares afastados da cidade, os quatro conseguiram manter-se a salvo.
No entanto, em dado momento, percebendo que se fossem vistos juntos chamariam muito a atenção, os quatro resolveram se dispersar.
Dispersos, seria mais fácil se esconderem.
Assim o fizeram.
Justine porém, em dado momento, ao ser vista nos arredores de Paris, acabou sendo reconhecida por um camponês.
A moça, percebendo isso, tratou de se esconder.
Isso por que, o camponês logo que a reconheceu fez questão de avisar os soldados que protegiam a região.
Assim, só deu tempo da moça correr.
Adentrando uma construção abandonada, a moça subiu as escadas e foi parar no último andar da edificação.
Sem saída, Justine percebendo que tinha um acesso para o teto, tratou logo de sumir das vistas dos soldados, que atônitos, a procuraram em todos os lugares.
Com isso, Justine, observando do lado de fora a movimentação dos soldados dentro do prédio à sua procura, deitou-se no telhado do prédio.
Assim, se houvessem soldados do lado de fora, aguardando, não conseguiriam vê-la.
Atenta, Justine não os perdeu de vista.
Isso por que, se precisasse fugir, conseguiria agir imediatamente.
Contudo, não foi preciso.
Em meia-hora, cansados de procurá-la, os soldados desistiram.
Porém, imaginando que ela pudesse estar dentro do prédio ainda, foram designados alguns homens para vigiar a entrada do prédio.
Justine, temendo o fato de que eles poderiam ter cercado a área, ao perceber que não havia mais nenhum soldado à vista, resolveu pular os telhados dos prédios vizinhos.
Cautelosa, aproveitando a proximidade das construções, conseguiu se evadir.
Porém, não seria sempre que teria sorte.
Assim foi.
A certa altura, depois de dias de caminhada, faminta, Justine foi novamente reconhecida por vilões.
Numa vila próxima a Paris, a moça, ao parar para pedir informações de onde estava, acabou sendo reconhecida por um morador que a tinha visto em um comício em Paris.
O homem, avisando alguns soldados que estavam de passagem pela região, deixou Justine desesperada.
E ela, bem que tentou correr para escapar da prisão.
Porém, o que conseguiu com sua carreira foi chamar ainda mais a atenção dos soldados, que igualmente a reconheceram como uma agitadora.
Sem ter como fugir, Justine foi presa e amarrada.
Conduzida até Paris, a mesma foi executada juntamente com outros insurretos.
Na praça, os populares acompanharam a execução.
No último momento, Justine, lembrando-se dos momentos que compuseram sua vida, viu-se em sua casa, sendo chamada por sua mãe para jantar.
Marie usando trajes novos, causou espanto na filha que nunca a vira assim tão feliz.
Vendo-se no campo novamente, viu-se novamente cercada de seus primeiros companheiros de luta.
A seguir, vendo Pierre, Jean e Marcel, viu-os assustados, se escondendo de tudo e de todos.
Por fim, relembrando-se de tudo pelo qual havia lutado e acreditado, pensou por um instante que sua luta fora em vão.
Ao pensar nisso, Marie sua mãe, lhe disse que nada por que se luta é em vão.
Dizendo que a filha que ela empreendera um ótimo trabalho, revelou que futuramente todos colheriam os frutos da luta de todos aqueles homens que derramaram seu sangue pela França.
Justine, ao ouvir isso chorou.
Os populares, ao verem as lágrimas que marejavam seu rosto, chegaram a pensar que esta temia sua morte.
Mas não.
Justine chorava por saber que não veria os frutos de sua luta.
Chorava por não ter tido a oportunidade de se ver longe da miséria, da pobreza e das injustiças.
Contudo ao expor seu pescoço...
Por um instante, com o semblante sereno, Justine entregou-se sem medo à sua sorte.
Por sorte Pierre e Jean conseguiram escapar.
Rumando para outros países, os dois cada qual para um lado, viveram em novas terras.
Sem serem reconhecidos, passaram a ter uma existência dissociada da política.
No plano externo o governo Termidoriano conquistava várias vitórias graças às brilhantes campanhas de um jovem general: Napoleão Bonaparte, que se destacava cada dia
mais no cenário político militar da França.
Diante disso a própria Áustria foi obrigada a reconhecer a superioridade francesa assinando um tratado de paz com a França.
Nisso, quando Napoleão foi enviado para combater os ingleses no Egito, os exércitos que lutavam na Europa começaram a sofrer derrotas.
O governo do Diretório perdeu prestígio.
Nesse cenário, a situação era extremamente grave.
A burguesia, esquecendo suas idéias de liberdade, clamava por um governo forte para restaurar a lei e a ordem.
As condições econômicas e sociais se agravavam com as derrotas do exército francês frente aos ingleses e austríacos que haviam retomado a luta contra a França.
Nisso Napoleão Bonaparte encontrava-se no Egito, mas havia deixado seus agentes para criar condições políticas no sentido de preparar um golpe de Estado.
Isso por que, para quase toda a França somente um governo forte salvaria o país da situação de crise e de derrota que se encontrava.
E assim, no dia 10 de novembro de 1799 (18 Brumário pelo novo calendário), Napoleão voltou do Egito, e, em acordo com dois membros do Diretório, dissolveu o órgão do governo e instituiu o Consulado.
Iniciou-se assim, o período Napoleônico.
Isso por que, quase toda a renda da nação vinha da agricultura, e a população de vinte e seis milhões, vivia em sua grande maioria no campo.
Não bastasse isso, boa parte dos camponeses viviam presos a um regime de servidão.
Em razão disso o comércio não conseguia florescer, principalmente em decorrência das barreiras feudais que remanesciam no interior da França, o que obrigava os comerciantes
a pagarem onerosos impostos aos donos das terras.
Nesse quadro de miséria viviam os pais de Justine.
Marie e Olivier, camponeses, viviam presos a terra que cultivavam.
Por não serem donos das terras, trabalhavam para se manterem.
Vivendo num casebre paupérrimo, o casal criou a única filha que tiveram.
Justine, acostumada com a miséria em que vivia, mal podia imaginar que aquele regime de servidão era horrível.
Isso tudo, em razão de seu desconhecimento.
Como passara a vida inteira vivendo naquele mundo de miséria e pobreza, Justine não sabia o quanto aquela situação era injusta.
Acostumada a cultivar a terra, a moça mal podia imaginar que um dia se insurgiria contra aquele sistema de coisas.
E assim continuava a cultivar as terras.
Arando e semeando a terra, Justine e seus pais fizeram uma exuberante cultura florescer e vicejar.
Não fosse o pesadelo das chuvas e as enchentes que se seguiriam, tudo teria transcorrido a contento.
Para piorar o desalentador quadro que se afigurava, enchentes alternaram-se às inundações que por destruírem as plantações, acarretaram uma flutuação no preço dos mantimentos e víveres.
Em virtude desse desastre, inúmeros camponeses se viram impedidos de comprar os mantimentos que garantiam sua subsistência.
Contudo, quando a situação melhorava, quem sofria os reveses eram os latifundiários, que invariavelmente, faliam.
As indústrias, insipientes, também sofriam com essa trágica situação.
Todavia, ao verem o trabalho de um ano destruído por enchentes, Marie e Olivier inconformados com o revés, ao tentarem comprar mantimentos, foram avisados pelo fazendeiro que este não tinha como pagá-los.
Alegando que a inesperada enchente fez com que ele perdesse todos os seus investimentos, o homem comentou que não tinha dinheiro disponível para pagá-los.
Olivier irritado, comentou que havia trabalhado duramente para conseguir cultivar aquelas terras.
Em razão disso, nada mais justo do que ele ser pago por seu trabalho, já que, independente de qualquer acontecimento o mesmo trabalhara e muito com sua família, para manter as terras produtivas.
O fazendeiro então, dizendo que não previra a enchente, comentou que também sofrera prejuízos com imprevisto.
Alegando que corria o risco de perder sua propriedade, Paul fez questão de deixar claro que não estava agindo de má-fé.
Infelizmente ele realmente não tinha como pagar nem a ele, nem a nenhum a dos camponeses.
Olivier, ao tomar conhecimento disso, furioso voltou para sua morada, e dizendo para esposa que teria que usar o pouco de dinheiro que tinha para comprar alimentos, pediu para
que esta o acompanhasse até o armazém.
Marie ao ouvir isso, foi logo perguntando o que estava acontecendo.
Ao saber que eles não seriam pagos, entrou em desespero.
Aflita, perguntou ao marido como fariam para pôr comida dentro de casa.
Olivier dizendo que eles teriam que fazer uso do dinheiro que estava tentando guardar, causou um profundo pesar em Marie.
Isso por que, eles estava tentando guardar o dinheiro para a filha.
Porém, diante do infortúnio, teriam que fazer uso da módica quantia que ainda traziam consigo.
Todavia, ciente de que não havia outra alternativa, Marie sem pestanejar, entregou o dinheiro ao marido, e a seguir, seguiu com ele até o armazém.
No entanto, qual não foi a surpresa de ambos ao descobrirem que devido a enchente que destruiu boa parte das plantações da região, os víveres haviam mudado de valor.
Atônito, Olivier bem que tentou argumentar.
Dizendo que não tinha como pagar o preço dos alimentos, o homem prometeu que pagaria assim que pudesse.
Contudo, o vendedor não concordou em vender os víveres.
Alegando que todos os camponeses estavam em má situação, comentou que se fosse ajudar a todos, fatalmente faliria.
Olivier, sem ter a quem recorrer, voltou para casa.
Justine ao ver os pais de mãos vazias, quis logo saber o que havia acontecido.
Marie então, desesperada, chorando, lhe contou não puderam comprar os mantimentos por que o dono do armazém os estava vendendo a uma exorbitância, e eles não tinham como pagar.
Justine ao ouvir a explicação da mãe, não compreendeu de imediato o que estava se passando.
Olivier, percebendo isso, explicou então a filha, que por conta da enchente, não havia produtos em quantidade suficiente para ser vendidos.
Em razão disso, a procura era grande, o que fazia os preços subirem.
Além disso, para compensar o prejuízo que teria, o vendedor resolveu aumentar os preços, como forma de se compensar das perdas.
Justine, compreendendo que o homem só visava se garantir, comentou revoltada:
-- Será que esse homem não percebe que esta é uma situação transitória? Afinal de contas as plantações não ficarão submersas eternamente. Recuperar o que foi perdido é apenas uma questão de tempo!
-- Não. Eu acho que não. – respondeu Olivier desolado.
Nisso Marie, desesperada, colocando as mãos na cabeça se perguntava a todo instante:
-- E agora? O que nós vamos fazer? O que vamos comer?
Justine e Olivier não sabiam o que fazer.
Diante do quadro desolador, só restou a eles retomarem seus afazeres.
E assim, embora os três tenham passado até fome, a necessidade não os fez esmorecer.
Mesmo, diante das dificuldades, a família se manteve unida.
Contudo os três que até então entendiam como aceitável sua condição de servos, ao se verem privados do essencial para se manterem, começaram a se indispor com o fazendeiro.
Alegando que estavam cansados de viverem em tão ruins condições, os três ameaçaram abandonar a propriedade e procurar trabalho em outras paragens.
Paul, ameaçando-os, comentou que eles não podiam sair daquelas terras.
Alegando que eles estavam indissoluvelmente ligados àquele lugar, o homem comentou que eles tinham que pagar o tempo em que permaneceram naquelas terras.
Olivier revoltado, comentou que fazia tempo que ele não lhe pagava, e que assim, não lhe devia nada.
O fazendeiro contudo, não gostou do jeito do camponês.
Chamando-o de arrogante e atrevido, Paul comentou que não seria daquela vez que ele se veria livre dele.
Ao ouvir isso o camponês riu.
Perguntando como ele faria para prendê-los àquele lugar, Olivier revelou que sabia de sua precária situação financeira.
Dizendo que era só uma questão de tempo para que ele perdesse tudo, Olivier comentou que sairia dali antes que as coisas piorassem.
Isso por que, já ouvira comentários dos camponeses que, insatisfeitos com a situação, diziam que acertariam suas contas com o latifundiário.
Com isso, temendo pelo pior, o camponês e sua família, trataram logo de arrumar seus poucos pertences numa trouxa e partirem para longe dali.
Assim, enfrentando o fazendeiro, Olivier e sua família partiram em busca de uma melhor condição de vida.
Pronto, estava brotando o inconformismo no íntimo do ser de Justine.
Com isso, a atuação do governo nessa área, aumentou ainda mais o descontentamento.
A monarquia, ao assinar um tratado comercial com os ingleses, impôs uma desvantajosa condição ao país.
Isso por que, vinhos franceses seriam trocados por manufaturas inglesas, com isenção de impostos.
Em razão disso, inúmeras fábricas francesas não suportando a concorrência, faliram.
Faliram por não suportarem a concorrência da avançada técnica dos ingleses na confecção de tecidos.
Com isso percebe-se que era apenas uma questão de tempo, para que uma grande revolta eclodisse.
Isso por que, uma enorme massa de franceses, inconformados com a situação de miséria, e de injustiça social as quais eram submetidos, cedo ou tarde, tomariam as rédeas da
situação em suas próprias mãos.
Foi o que aconteceu.
Luís XVI, percebendo a gravidade da situação, ao abrir a sessão inicial dos Estados Gerais, advertiu os presentes, dizendo que a Assembléia serviria apenas para discutir questões relacionadas às finanças.
Assim não cabia discutir questões políticas.
Diante dessa atitude, o Terceiro Estado – que constituía a maioria esmagadora da população –, agiram prontamente, exigindo que as reuniões fossem feitas conjuntamente e não separadas por Estados.
Para garantir que suas reivindicações seriam atendidas, o Terceiro Estado, proclamou-se Assembléia Geral Nacional.
Leia-se como Estados, a separação entre classes sociais, sendo o Primeiro Estado, representado pelo alto clero; o Segundo Estado, a nobreza e o Terceiro Estado, constituído de camponeses e de outros grupos de excluídos.
Assim, cansados de serem explorados, os camponeses decidiram reagir.
Nisso o rei, em decorrência da atitude intempestiva do Terceiro Estado, desesperado, mandou fechar a sala de reuniões.
O Terceiro Estado ao notar a manobra do soberano, não se deu por vencido e seus deputados tomaram a decisão de proclamar-se Assembléia Nacional.
Dirigindo-se a um salão que a nobreza utilizava para jogos, lá juraram permanecer reunidos até que a França tivesse uma constituição.
Desta forma, aos 27 de junho, o rei ordenou aos demais representantes dos outros dois Estados a participarem da Assembléia.
A seguir, no dia 9 de julho de 1789, reuniu-se pela primeira vez a Assembléia Nacional para redigir uma nova constituição.
Para fazê-lo, os deputados se dividiram em dois grupos, os jacobinos e os girondinos, cujas posições físicas nas bancadas da Assembléia eram estas:
Na ala esquerda ficavam sentados os jacobinos (mais tarde se tornariam os montanheses), liderados por Robespierre, representando a pequena burguesia, profissionais liberais e lojistas.
Próximos aos jacobinos, estavam os cordeliers (adeptos que se reuniam no Convento dos Franciscanos, os cordeliers) sob a liderança de Marat e Danton, representavam os interesses do Terceiro Estado.
Nas cadeiras do centro ficavam os girondinos (que mais tarde receberiam o nome de planície ou pântano), representando os interesses da alta burguesia comercial e financeira e
também da nobreza liberal.
Formavam o maior grupo da Assembléia.
Na extrema direita sentavam-se os representantes do clero e da nobreza.
Constituíam a minoria e defendiam a monarquia.
Nesse contexto, dois grupos começaram a se formar.
De um lado liderados por Mirabeau, havia aqueles que defendiam uma monarquia institucional e de outro, uma minoria liderada por Robespierre, que defendia uma democracia republicana.
Quem não gostou nada disso foi o rei.
Isso por que, tais idéias, se colocadas em prática, significariam a perda do poder absoluto.
Em razão disso, sua reação foi imediata:
Demitiu o Ministro Necker, e ordenou que o exército se preparasse para reprimir as manifestações da burguesia.
Nisso no dia 14 de julho de 1789, a burguesia apelou para a ajuda do povo parisiense.
A Bastilha, construção utilizada como prisão política, foi invadida por populares.
Populares que revoltados e cansados de acatarem os desmandos do soberano, decidiram tomar a situação em suas mãos.
E assim, invadindo a construção, os revoltosos, libertaram os prisioneiros e inverteram a situação.
Adentrando com toda a fúria a Bastilha, os populares mostraram o quão fortes podiam ser quando se uniam.
Desta forma, a violência revolucionária se espalhou pelo interior.
Camponeses invadiram os castelos da nobreza feudal, executaram famílias, e exigiram uma reforma fundiária.
Entre os revoltosos estava Justine, que igualmente cansada da vida de miséria que levava, resolveu juntar-se aos demais camponeses e insurgir-se contra a situação vigente.
Depois de ver seus pais morrerem em decorrência das péssimas condições de vida a que foram submetidos, Justine, no auge de sua revolta, cansada de ser condescendente com
aquela existência miserável que levava, resolveu mudar sua vida.
Com isso, assim que percebeu que alguns camponeses iam agir, Justine se ofereceu para acompanhá-los.
Determinada, lá se foi a moça.
Decidida a modificar sua vida, Justine nunca mais se conformaria com as injustiças a que se submetera por tanto tempo.
Com isso, revoltados e furiosos, estes homens e mulheres, cansados de tantas vicissitudes, resolveram dar uma basta nessa situação.
Contudo, o ímpeto em tudo destruir, fez com os mesmos se excedessem.
Além de pilharem castelos e outras propriedades, os camponeses mataram inúmeras famílias.
Foi exatamente em meia a toda essa virulência, que Justine tomou contato com a crueza da violência.
Ao ver pessoas agonizando diante de si, a moça em sua primeira reação, se assustou.
Apavorada com o impacto da morte, Justine chegou a chorar diante de tanta violência.
Contudo, conforme as ações foram se tornando mais constantes, a moça deixou de se impressionar com o espetáculo, e sentindo-se parte de tudo que acontecia, passou a
igualmente executar pessoas.
Com o passar do tempo, tornou-se extremamente hábil em suas execuções.
Justine, ávida por justiça, mais tarde se mudaria para Paris.
Sedenta por novos desafios, almejava se integrar aos insurretos da cidade.
Quando a moça demonstrou seu interesse em não mais ficar no campo, muitos do camponeses ficaram desapontados com sua atitude.
Dizendo que ela estava abandonando a luta, muitos a criticaram.
Justine porém, não se importava.
Dizendo que precisava partir, ela explicou que algo maior a conduzia para outros caminhos.
Assim, pouco tempo demais, Justine, ansiando por novas lutas, e sentindo-se pronta para o desafio, migrou para Paris.
Em Paris, a garota se espantou com o luxo de algumas construções, mas também se espantou com a situação de extrema miséria em que vivia boa parte da população.
Percebendo que com relação a isso nada havia mudado, a moça comentou consigo mesma:
‘Nada de novo. Parece que estou no mesmo lugar. Para os pobres e desvalidos, tudo é sempre igual. Miséria e mais miséria.’
Diante disso, os temores da burguesia voltaram-se para as ações dos camponeses, que poderiam avançar também contra suas propriedades.
Para se garantirem, decidiram abolir os direitos feudais e, quase ao mesmo tempo, instituíram a Declaração dos Direitos do Homem, aos 26 de agosto de 1789.
Este sim, um grande passo na luta pela igualdade.
Justine e os demais insurretos, ao saberem da existência desse prestigioso documento, comemoraram sua edição.
Outros porém, dizendo que isso era apenas um apanhando de palavras, fez questão de dizer em alto e bom som, que aquele gesto fora empreendido somente para distraí-los.
Isso por que, nenhum nobre estava interessado em perder sua posição para um bando de miseráveis.
Para Justine ouvir estas palavras pessimistas era desconsolador.
Indignada com o ceticismo de Pierre, a moça começou a dizer que não fossem as lutas dos franceses contra aquele sistema imposto, nada daquilo teria acontecido.
Pierre percebendo o idealismo de Justine, comentou que ainda que a luta de todos os franceses tenha começado a frutificar, aquele não era ainda o momento para se comemorar
nada.
Dizendo que muitas coisas ainda iriam acontecer, o galhardo Pierre, recomendou que todos aguardassem os últimos acontecimentos.
Justine e os outros revoltosos prometeram esperar.
Com isso, grande parte da nobreza, atemorizada, sentindo o perigo da situação que se apresentava diante de seus olhos, resolveu emigrar para a Holanda, Inglaterra, Áustria e
outros países.
Agindo assim, esperavam conseguir restaurar o absolutismo, que desmoronava a passos largos.
Com isso, os rebeldes ao saberem que a nobreza fugia, ficaram revoltados.
Temendo
que eles estivessem partindo em busca de auxílio, os insurretos tentaram convencer Pierre a tentar impedi-los.
O homem porém, explicando que a situação por lá era muito complicada, comentou que os mesmos não conseguiriam voltar sem serem percebidos.
Isso por que, se trouxessem um exército com eles, todos seriam pegos e presos.
Confiante, Pierre não conseguia imaginar outro desfecho para aquela situação.
Mas os seus comandados não estavam tão tranqüilos.
Foi então que, ao perceber a inquietude dos mesmos que ele comentou que haviam outros rebeles espalhados pela cidade luz.
Além disso, Pierre disse ainda, que cedo ou tarde, seus planos ruíram e eles tomariam a cidade.
Justine e os demais revoltosos, então se aquietaram.
Nessa época, um dos atos mais importantes da Assembléia Nacional Constituinte foi o confisco de bens do clero.
Estes bens serviram como garantia para os bônus que foram emitidos, com o objetivo de arrecadar fundos e superar a crise financeira.
Ao tomar conhecimento disso a Igreja Francesa reagiu e protestou, mas a Assembléia passou a prender qualquer membro da instituição que se manifestasse politicamente.
O abade, ao tomar conhecimento desta situação por meio de seus subordinados, quis logo explicações.
No entanto, não havia o que discutir.
Sem ter a quem recorrer, ao Abade Antoine, só restou acatar as ordens da Assembléia Nacional Constituinte.
Diante desse quadro nada auspicioso, o rei, percebendo que precisava de ajuda, passou a manter contatos secretos com os emigrados e com as monarquias absolutistas da Áustria e da Prússia, para conspirar contra o governo revolucionário e restaurar o absolutismo.
Ansioso por encontrar uma forma de reverter a situação, numa tentativa desesperada, o Rei Luís XVI tentou fugir para a Prússia, mas no caminho foi reconhecido e preso por
camponeses, sendo obrigado a voltar para Paris.
Entre esses camponeses estavam alguns conhecidos de Justine, que orgulhosos por terem efetuado a tão prestigiosa prisão, comentaram que era uma pena ela não estar com eles.
Nisso, os setores mais moderados da Assembléia conseguiram que fosse aprovada uma Monarquia Parlamentar na Constituição de 1791 semelhante à inglesa.
O poder do rei (executivo) ficava, portanto, limitado pelo poder legislativo (parlamento).
Todavia, o poder legislativo não era escolhido por meio do voto universal (de toda a população) mas pelo voto censitário (somente os mais ricos podiam votar).
Com isso se denota, que o governo da França ficava nas mãos de uma fração minoritária da rica burguesia e da aristocracia.
De formas que, o povo francês continuava afastado das decisões políticas.
Ademais, a situação era tão grave, que as monarquias absolutistas vizinhas, acompanhavam os acontecimentos com grande temor.
Por esta razão, cresceu entre os monarcas a idéia de que era preciso esmagar a revolução no seu nascedouro.
Contudo, os revolucionários franceses, pensando de forma oposta pretendiam expandir a revolução através de uma guerra revolucionária, pois caso contrário, a França ficaria isolada, e a revolução sucumbiria.
Pierre era um dos revolucionários que pensava dessa forma.
Acreditando que expandindo a luta para além das fronteiras da França, conseguiriam novos adeptos para a luta, tinha a absoluta convicção que eles não correriam o risco de serem impedidos de executar seus planos.
Todavia, não era todos os insurretos que concordavam com Pierre.
Alguns homens e mulheres, temerosos da ousadia dessa empreitada, comentaram que estavam se arriscando muito por esta idéia.
Alegando que não tinham gente suficiente para lutar e se expandir para além do território de Paris, quanto mais sair da França, os mesmos insistiam em dizer que tudo aquilo era uma grande loucura.
Justine no entanto, acompanhada de Marcel e Jean ao ouvir os planos de Pierre, comentou que ele estava certo.
Dizendo ser tudo ou nada, a moça comentou que não adiantava ficarem recolhidos em Paris, temendo a reação dos outros exércitos.
O certo era lutarem, mesmo que tivessem que morrer por isso.
Nisso a Assembléia Legislativa francesa declarou guerra à Áustria e à Prússia no dia 20 de abril de 1792, depois que essas monarquias absolutistas se recusaram a garantir um
estado de não beligerância.
Luís XVI tinha esperança que os exércitos franceses fossem rapidamente derrotados, o que permitiria seu retorno ao poder.
Por isso o rei e a rainha, Maria Antonieta, entraram em contato com os inimigos, passando-lhes os segredos da guerra.
Contudo, na Assembléia, Robespierre denunciou a traição do rei e de alguns generais fiéis à nobreza.
Num discurso aos jacobinos, Robespierre dizia que não confiava nos generais e fazendo exceções honrosas, alegou que quase todos tinham saudade da velha ordem, e dos favores que dispunham com relação a corte.
Ressaltando que só confiava no povo, destruiu os planos dos monarcas.
Nisso, nas ruas de Paris e das grandes cidades, os sans-culottes faziam grandes manifestações pedindo a prisão dos responsáveis pelas traições e pelas derrotas francesas nos campos de batalha.
Pierre e Justine, bem como os demais insurretos, revoltados com a situação, também exigiram a prisão destes.
Realizando manifestações pela cidade Justine, Pierre, Marcel, Jean, os sans-culottes e demais membros do povo, exigiram que fosse tomada uma atitude exemplar com relação ao
rei Luís XVI e a rainha Maria Antonieta.
Porém, a situação ficou mais tensa, quando um alto militar prussiano ameaçou de morte os membros da Assembléia, se a família real francesa fosse ultrajada.
Contudo, a ameaça, que tinha por objetivo amedrontar os revolucionários, produziu o efeito reverso.
O povo e os sans-culottes enraivecidos pela arrogância dos inimigos da França, invadiram na noite de 9 de agosto de 1792, o Palácio das Tulherias onde se encontrava o rei e a família real.
Era o fim da monarquia.
Mas, antes da invasão, Pierre, passou as últimas instruções aos revolucionários.
Recomendando cautela, pediu que a todos que não se intimidassem com a segurança que havia no palácio.
Por isso todos os atos que realizassem tinham que ser ágeis e exatos.
Justine e Marcel concordaram.
Com isso, todos os que iriam participar da empreitada, seguindo as recomendações de Pierre, foram aproximando-se discretamente da construção, e pouco a pouco dominando
os guardas que faziam a vigilância do palácio.
Devassando a construção luxuosa, Justine, Marcel, Jean, Pierre e os demais insurretos, se depararam com um cenário de rara sofisticação.
Desacostumados com tanto luxo, constataram que eles mantinham tudo aquilo, com o trabalho do povo.
Furiosos, vasculharam todos os ambientes da construção.
Desta forma, foi questão de tempo, para que tomassem o Palácio das Tulherias e encontrando o rei e a rainha, os tornassem seus prisioneiros pessoais.
Apavorados o rei e a rainha bem que tentaram fugir.
Contudo, percebendo que o palácio estava tomado, não tiveram como escapar.
Presos, tiveram que aguardar pelo fim.
E assim, no dia 2 de setembro de 1792, pela manhã, chegou a notícia de que a fortaleza de Verdun, a última entre Paris e a fronteira, havia sido sitiada.
Imediatamente foi lançada uma proclamação aos franceses:
‘Ás armas cidadãos! Ás armas! O inimigo está às portas.’
Os revolucionários, agindo com toda a impetuosidade, tomaram de súbito a fortaleza, pegando a soldadesca de surpresa.
Em decorrência disso, vários nobres, suspeitos de ligação com os inimigos foram massacrados pela população enfurecida.
Justine, estava entre os populares que massacraram os nobres.
Hábil na arte de matar, Justine se destacava em meio a horda de enfurecidos que se lançavam implacáveis em direção aos nobres, que sem ter para onde correr acabaram sendo mortos pela população.
No dia 20 de setembro de 1792, chegou a Paris a notícia da esmagadora vitória dos exércitos revolucionários franceses sobre as tropas prussianas.
No mesmo dia foi oficialmente proclamada a República da França, cujo órgão principal era a Convenção, eleita por voto universal.
Os setores mais moderados, os girondinos, haviam se apossado da direção política do país.
No entanto, havia um problema imediato a ser resolvido.
Que destino deveria ser dado ao rei e sua família que se encontravam presos?
Diante de tal quadro, os jacobinos não vacilaram.
Assim, o rei deveria ser julgado e executado como traidor.
Com isso, se nota que a proposta jacobina saiu vencedora e Luís XVI foi guilhotinado.
A rainha também.
A população, contente com a execução, acompanhou todos os detalhes deste espetáculo sangrento.
Apreciando a cena, pareciam selvagens.
Lembrando os tempos de
espetáculo e sangue da antiga Roma, os populares se compraziam ao ver o triste fim dos reis.
Com isso a popularidade dos jacobinos crescia apoiados pelos sans-culottes.
Além disso, as vitórias dos exércitos franceses eram acompanhadas de uma crescente simpatia por parte da população.
O território prussiano que já havia sido em parte invadido, era proclamado zona de liberdade.
Marcel e Jean eram dois dos revolucionários que aplaudiam entusiasticamente as vitórias do exército francês.
Dizendo que aquele era mais um grande passo dado na luta por uma França melhor e mais justa, os dois rapazes acreditavam que estava lutando por algo maior do que fim da tirania. Idealistas, almejavam construir um mundo melhor.
Um mundo sem injustiças.
Um mundo onde todos tivessem as mesmas oportunidades.
Um mundo onde todos fossem iguais.
Pierre sabia contudo, que construir esse mundo justo e solidário não seria nada fácil.
Estava certo.
Isso por que, no plano interno, o governo dominado pelos girondinos propôs uma série de reformas moderadas, de forma que os privilégios da alta burguesia não fossem afetados.
Não bastasse isso, muitos girondinos aumentaram suas fortunas, especulando com alimentos para as campanhas militares.
Com isso a situação só piorava, pois os preços subiam a cada dia.
Claude por exemplo, foi um dos beneficiados com esta especulação.
Alferindo vultosas quantias para seu patrimônio pessoal, Claude ficava cada dia mais rico.
Quem não gostava nada disso eram os revolucionários.
Pierre era um dos que, irritados, dizia que não eles não haviam lutado para preservar os interesses da elite.
Dizendo que também lutava por uma sociedade mais igualitária, o revolucionário comentou com Justine e os demais, que aquela situação não podia se manter.
Dizendo que eles precisavam se manifestar contra tal situação, o líder conclamou a todos para a luta.
Alegando que tinha um plano, deixou todos atentos.
Com isso, os sans-culottes, nas ruas de Paris, sob o comando de líderes radicais, exigiam reformas mais profundas e um rígido controle de preços dos alimentos.
Por esta razão, os jacobinos, apoiados pelos sans-culottes, formaram a Comissão de Salvação Pública, que tinha por finalidade controlar os preços (Lei do Máximo) e denunciar os abusos por parte dos negociantes inescrupulosos ligados aos girondinos.
Os girondinos, por sua vez, ficaram cada vez mais temerosos diante do aumento das agitações dos sans-culottes.
Certas regiões da França como a Vendéia, por exemplo, haviam sido tomadas por forças contra-revolucionárias apoiadas pela Inglaterra.
Assim, a revolução e as liberdades conquistadas corriam perigo.
Pierre e seus revolucionários, acompanhando de perto os passos dos sans-culottes, resolveram também aderir as manifestações.
Com isso, percorrendo as ruas da cidade, todos gritavam palavras de ordem.
Gritando, desejavam ver mudada a França.
E, para por isso, que os sans-culottes lutavam, por uma melhor condição de vida.
Nisso, as camadas populares lideradas pelos jacobinos rebelaram-se entre maio e junho de 1793, e o edifício da Convenção foi cercado pela população enraivecida.
Os girondinos, líderes do governo, foram presos e um novo governo de tendência popular foi instaurado.
Mais uma vez Pierre, seguido de Marcel, Jean, Justine e demais comandados, caminhando pelas ruas de Paris, seguiram até o edifício da Convenção.
Além deles, outros populares cercaram a construção.
Furiosos, auxiliaram na prisão dos líderes do governo e na instalação de um novo governo.
Com isso os jacobinos tomaram o poder graças ao apoio irrestrito dos sans-culottes.
Assim, algumas reformas começaram a ser efetivadas.
A principal delas foi a distribuição de pequenas propriedades por toda a França.
Aos poucos um grande número de camponeses transformaram-se em pequenos proprietários, formando uma classe extremamente poderosa em termos político e econômico.
Modificou-se assim o calendário.
Justine, ao tomar conhecimento da distribuição de pequenas propriedades, ficou feliz.
Feliz por seus companheiros que finalmente teriam um pedaço de terra somente para eles.
Triste, lamentou por seus pais não terem vivido para poderem ver tudo aquilo acontecendo.
Pierre, ao vê-la tão desolada, tratou logo de consolá-la.
Dizendo que nem tudo ocorria da forma como seria desejável, ressaltou que ao menos na luta, as coisas caminhavam a contento.
Ao ouvir isso Justine sorriu.
Entrementes, as reformas propostas pelo governo dos jacobinos esbarravam em suas próprias contradições.
Apesar de ser um governo de esquerda e de tendências populares, os jacobinos repartiram o poder com elementos da extrema esquerda e do centro.
Robespierre, inicialmente, conseguiu manter uma posição de equilíbrio, mas, aos poucos, esse equilíbrio foi rompido.
Isso por que, Robespierre mandou prender e executar os membros da extrema esquerda e depois fez o mesmo com os mais moderados, cuja figura mais conhecida foi Danton.
Robespierre assumiu portanto, atitudes anti-populares.
A grande burguesia contudo, o considerava um radical.
Por isso mesmo, a conspiração contra Robespierre começou exatamente no seio da burguesia, insatisfeita com as medidas do governo que a impedia de obter altas taxas de lucros.
No dia 27 de junho de 1794, ao iniciar-se mais uma reunião da Convenção, a burguesia do partido de planície, decretou a prisão de Robespierre.
O líder tentou ainda buscar apoio dos sans-culottes, mas estes não mais acreditavam em Robespierre.
Pouco depois, tanto Robespierre quanto seus mais diretos colaboradores foram executados.
Execução essa que toda a população de Paris acompanhou.
A seguir se instaurou o governo dos ricos burgueses.
Pelo novo calendário, o golpe contra Robespierre havia sido desfechado no dia 9 Termidor (equivalente ao mês de julho) por isso recebeu o nome de governo Termidoriano.
Nesse governo, seus membros eram quase todos ligados à burguesia dos bancos, aos agiotas, grandes negociantes e especuladores em geral.
Diante disso o novo governo apressou-se em tomar uma série de medidas para salvaguardar seus interesses: restaurou a escravidão nas colônias (que havia sido abolida no governo dos jacobinos), acabou com a lei do máximo, liberando os preços dos alimentos e de outros produtos.
Em setembro de 1795 preparou-se outra Constituição que acabou com a Convenção do período jacobino, e instituiu um novo órgão de governo chamado Diretório, que era composto por cinco membros representando o poder executivo, e duas câmaras representando o legislativo: o Conselho de Ansiãos e o Conselho dos Quinhentos.
O governo do Diretório suprimiu o voto universal e restabeleceu o voto censitário (só os que tivessem certa renda podiam votar e serem eleitos).
E o poder retornou para as mãos da rica burguesia.
E assim, ao mesmo tempo em que a economia ficava sob o controle da alta burguesia, tomava-se medidas para reprimir remanescentes do movimento revolucionário.
Foi o que aconteceu com o líder Graco Babeuf, que pregava a volta da constituição jacobina e da igualdade social.
No mês de maio de 1796, Babeuf e seus companheiros foram presos e executados na guilhotina.
Nesse contexto, Pierre, Marcel, Jean, Justine e os demais revolucionários que resistiam, inconformados com as medidas restritivas do novo governo, resolveram agir.
Marcel, Justine e Jean, apoiaram Pierre, mesmo percebendo que teriam pouquíssimas chances de escaparem ilesos da nova empreitada, decidiram ir até o fim.
Realizando manifestações das ruas de Paris, os revoltosos, conseguiram ser notados pela alta cúpula do Diretório.
Contudo, o que a primeira vista parecia bom, revelou-se com o passar do tempo, ruim.
Isso por que ao verem notados, os quatro principais integrantes do movimento, tiveram que fugir.
E assim, escondendo-se em prédios abandonados, lugares afastados da cidade, os quatro conseguiram manter-se a salvo.
No entanto, em dado momento, percebendo que se fossem vistos juntos chamariam muito a atenção, os quatro resolveram se dispersar.
Dispersos, seria mais fácil se esconderem.
Assim o fizeram.
Justine porém, em dado momento, ao ser vista nos arredores de Paris, acabou sendo reconhecida por um camponês.
A moça, percebendo isso, tratou de se esconder.
Isso por que, o camponês logo que a reconheceu fez questão de avisar os soldados que protegiam a região.
Assim, só deu tempo da moça correr.
Adentrando uma construção abandonada, a moça subiu as escadas e foi parar no último andar da edificação.
Sem saída, Justine percebendo que tinha um acesso para o teto, tratou logo de sumir das vistas dos soldados, que atônitos, a procuraram em todos os lugares.
Com isso, Justine, observando do lado de fora a movimentação dos soldados dentro do prédio à sua procura, deitou-se no telhado do prédio.
Assim, se houvessem soldados do lado de fora, aguardando, não conseguiriam vê-la.
Atenta, Justine não os perdeu de vista.
Isso por que, se precisasse fugir, conseguiria agir imediatamente.
Contudo, não foi preciso.
Em meia-hora, cansados de procurá-la, os soldados desistiram.
Porém, imaginando que ela pudesse estar dentro do prédio ainda, foram designados alguns homens para vigiar a entrada do prédio.
Justine, temendo o fato de que eles poderiam ter cercado a área, ao perceber que não havia mais nenhum soldado à vista, resolveu pular os telhados dos prédios vizinhos.
Cautelosa, aproveitando a proximidade das construções, conseguiu se evadir.
Porém, não seria sempre que teria sorte.
Assim foi.
A certa altura, depois de dias de caminhada, faminta, Justine foi novamente reconhecida por vilões.
Numa vila próxima a Paris, a moça, ao parar para pedir informações de onde estava, acabou sendo reconhecida por um morador que a tinha visto em um comício em Paris.
O homem, avisando alguns soldados que estavam de passagem pela região, deixou Justine desesperada.
E ela, bem que tentou correr para escapar da prisão.
Porém, o que conseguiu com sua carreira foi chamar ainda mais a atenção dos soldados, que igualmente a reconheceram como uma agitadora.
Sem ter como fugir, Justine foi presa e amarrada.
Conduzida até Paris, a mesma foi executada juntamente com outros insurretos.
Na praça, os populares acompanharam a execução.
No último momento, Justine, lembrando-se dos momentos que compuseram sua vida, viu-se em sua casa, sendo chamada por sua mãe para jantar.
Marie usando trajes novos, causou espanto na filha que nunca a vira assim tão feliz.
Vendo-se no campo novamente, viu-se novamente cercada de seus primeiros companheiros de luta.
A seguir, vendo Pierre, Jean e Marcel, viu-os assustados, se escondendo de tudo e de todos.
Por fim, relembrando-se de tudo pelo qual havia lutado e acreditado, pensou por um instante que sua luta fora em vão.
Ao pensar nisso, Marie sua mãe, lhe disse que nada por que se luta é em vão.
Dizendo que a filha que ela empreendera um ótimo trabalho, revelou que futuramente todos colheriam os frutos da luta de todos aqueles homens que derramaram seu sangue pela França.
Justine, ao ouvir isso chorou.
Os populares, ao verem as lágrimas que marejavam seu rosto, chegaram a pensar que esta temia sua morte.
Mas não.
Justine chorava por saber que não veria os frutos de sua luta.
Chorava por não ter tido a oportunidade de se ver longe da miséria, da pobreza e das injustiças.
Contudo ao expor seu pescoço...
Por um instante, com o semblante sereno, Justine entregou-se sem medo à sua sorte.
Por sorte Pierre e Jean conseguiram escapar.
Rumando para outros países, os dois cada qual para um lado, viveram em novas terras.
Sem serem reconhecidos, passaram a ter uma existência dissociada da política.
No plano externo o governo Termidoriano conquistava várias vitórias graças às brilhantes campanhas de um jovem general: Napoleão Bonaparte, que se destacava cada dia
mais no cenário político militar da França.
Diante disso a própria Áustria foi obrigada a reconhecer a superioridade francesa assinando um tratado de paz com a França.
Nisso, quando Napoleão foi enviado para combater os ingleses no Egito, os exércitos que lutavam na Europa começaram a sofrer derrotas.
O governo do Diretório perdeu prestígio.
Nesse cenário, a situação era extremamente grave.
A burguesia, esquecendo suas idéias de liberdade, clamava por um governo forte para restaurar a lei e a ordem.
As condições econômicas e sociais se agravavam com as derrotas do exército francês frente aos ingleses e austríacos que haviam retomado a luta contra a França.
Nisso Napoleão Bonaparte encontrava-se no Egito, mas havia deixado seus agentes para criar condições políticas no sentido de preparar um golpe de Estado.
Isso por que, para quase toda a França somente um governo forte salvaria o país da situação de crise e de derrota que se encontrava.
E assim, no dia 10 de novembro de 1799 (18 Brumário pelo novo calendário), Napoleão voltou do Egito, e, em acordo com dois membros do Diretório, dissolveu o órgão do governo e instituiu o Consulado.
Iniciou-se assim, o período Napoleônico.
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Luciana Celestino dos Santos
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