Poesias

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

QUANDO O DIA AMANHECER - CAPÍTULO 40

Com o tempo, Andressa conheceu outros menores. 
Muito embora já tivesse Clau e Tina como amigos, nunca seria demais, encontrar outros companheiros. 
Vivendo na rua, quanto mais amigos tivesse, melhor seria para ela.
E assim, muito embora tenha sido discriminada no início, após um certo tempo, passa a pertencer a um grupo. 
Ao lado de Clau e Tina, conhece Vanderlei, Robson e Cleusa, os quais também se tornam seus grandes amigos nessa época de muitas dificuldades.
Já há quase um ano vivendo nas ruas, Andressa está bem escolada. 
Acostumada com os imprevistos que viver ao ar livre trás, a garota raramente se surpreende com alguma coisa.
Nesse momento, já bastante acostumada a lidar com dificuldades, o que a garota menos espera é que alguém lhe estenda a mão. 
Por isso, quando uma vez ou outra, aparece alguém querendo lhe dizer uma palavra de conforto, sob a suposta fachada de oferecer uma ajuda, a garota logo desconfia. 
Sim, por que, acostumada a sofrer desde cedo, Andressa não tem mais razões para acreditar nas pessoas. 
Por esta razão, e temendo que sejam pessoas dispostas a levá-la de volta, evita qualquer aproximação.
Tina e Claus também não gostam desse suposto interesse dos supostos assistentes sociais.
Vanderlei, Robson e Cleusa, igualmente não se agradam com essa estranha aproximação.
Revoltado, Robson comenta que uma vez, sugeriram a ele que fosse para um abrigo.
Tina ao ouvir isso, comenta:
-- Ah, sim! Claro! Ir para um abrigo à noite, comer uma comida rala, dormir até uma seis ou sete da manhã e depois ser expulso de lá, por que não podemos ficar o dia inteiro. Ótima alternativa.
Surpresa, Andressa pergunta por que não podem ficar no lugar até um pouco mais tarde.
-- Deve por causa dessa tal política pública. – respondeu Vanderlei pomposamente.
-- Pra mim é palhaçada mesmo! – respondeu Robson.
-- Ou seja! Eles trocam seis, por meia dúzia. – retrucou Cleusa.
-- Mas isso não resolve nada! As pessoas continuam na rua. – emendou Andressa.
Com relação este ponto, todos concordaram.
Por esta razão, nenhum deles aceitava sair da rua. 
Até por que, andando em grupo, dificilmente alguém se atreveria a enfrentá-los.
Contudo, muito embora, Andressa tenha a companhia dos amigos, ao presenciar inúmeras cenas de violência, percebe que a vida nas ruas é dura demais.
Isso por que, diversas vezes viu mendigos serem agredidos por policiais, menores perseguidos, pessoas se drogando, etc. 
Sem contar as inúmeras vezes em que se deparou com pessoas mortas, abandonadas em lugares públicos.
Na primeira vez em que presenciou a cena tétrica, Andressa entrou em choque.
Impressionada com a imagem da pessoa morta, jogada no chão, a garota ficou dias sem dormir. 
Isso por que, toda vez que fechava os olhos, vinha-lhe a lembrança do corpo estendido no chão.
Porém, como a violência é uma companheira constante de quem vive a dura vida das ruas, Andressa acabou se acostumando.
Esse é o problema. 
As pessoas se acostumarem com a violência.
Mas infelizmente é isso que acontece. 
As pessoas ficam tão habituadas à violência, que ver, ou saber, que mais uma pessoa foi morta, não faz a menor diferença.
Foi que aconteceu com Andressa. 
Acostumada com a violência a certa altura, não estranhou mais os corpos encontrados vez por outra pelas ruas onde vivia. 
O que ela estranhava, é quando nenhum corpo aparecia, para deleite dos curiosos, que sempre paravam para olhar.
Enfim, quando não havia nenhum corpo para ver visto, parece que parte do espetáculo diário se perdia.
Mesmo assim, a aparente indiferença de Andressa, Clau, Tina, Vanderlei, Robson e Cleusa, era apenas aparência. 
Muito embora parecesse não se importarem com tanta violência, precisavam, ao menos de vez em quando, fugirem da realidade. 
Isso por que, a vida real se mostrava pesada demais para eles, tão jovens.
Assim, mesmo sem se darem conta, procuravam desesperadamente, meios de fuga. 
Exatamente por conta dessa triste realidade, todos se tornam usuários e viciados em drogas.
Nem mesmo Andressa, apegada com seus princípios, conseguiu resistir por muito tempo a idéia. 
Com isso, diante das dificuldades da vida, acabou capitulando. 
Enfraquecida com a dureza da realidade, cedeu. 
Primeiro, começou cheirando cola de sapateiro. 
Depois, como a droga não fazia mais efeito, a garota, bem como seus amigos, passaram a usar drogas mais pesadas.
Vanderlei, Robson e Cleusa, que já viviam há muitos anos na rua, viviam dizendo que a única forma de agüentar aquela vida, era experimentando outras realidades. 
Sem a fiel companheira das horas difíceis – conforme diziam – não seria possível, continuar vivendo aquela vidinha miserável.
Vanderlei então, mencionando que muitas vezes precisou roubar para comer, comentou que inúmeras vezes precisou se drogar para ter coragem para fazer isso. 
Mesmo assim, ele não sentia culpado por isso. 
Afinal de contas, era a única coisa que podia ter feita.
Isso por que, quando a barriga roncava, era a natureza chamando.
Andressa, por sua vez, comentou que também se viu compelida a roubar.
Robson emendou:
-- Na rua, não tem santos. Não dá pra ser santinho. Quem vive na rua pensando que dá pra ser honesto, se dá mal.
Ao ouvirem isso, todos os demais concordaram.
E Andressa, começava a entender esta lógica. 
A vida na rua não é possível com princípios, ou você os abandona, ou eles acabam com você. 
Era o que pensava.
Sua vida era assim.
De dia, ela e todos os seus amigos, praticavam pequenos furtos. 
Mais tarde, usavam o dinheiro para comer alguma coisa. 
Ou que era pior, para usar drogas. 
Ultimamente, era o que mais vinham fazendo, infelizmente. 
O vício era tanto, que perdiam o bom senso. 
Muitas vezes os seis davam tudo o que tinham para comprar drogas.
Uma vez, passaram a tarde inteira consumindo maconha.
Essa era a vida deles. 
Sem estudo, sem família, sem futuro, sem perspectiva, sem esperança.
Viviam da forma como podiam e como julgavam melhor.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.  

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