Poesias

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

QUANDO O DIA AMANHECER - CAPÍTULO 27

No dia seguinte, ainda abalada com o abandono, Andressa permanecia retraída.
Triste, raramente conversava com alguém.
Só ficava de longe observando as outras crianças brincarem.
Carmem – uma das funcionárias do orfanato –, ao notar o ar de desânimo de Andressa, chamou-a para conversar.
Preocupada com toda aquela tristeza, a mulher fez de tudo para chamar a atenção da menina.
Dizendo que entendia seu pesar, Carmem ofereceu-se para ser sua amiga.
Andressa porém, estava triste demais para aceitar qualquer oferta.
Carmem então, percebendo que não seria fácil entrar no mundo daquela criança, resolveu ficar atenta.
Desta forma, quando viu a menina isolada no refeitório, sem tocar na comida, Carmem se aproximou.
Gentil, perguntou-lhe se não estava com fome.
Lacônica, Andressa respondeu que não.
Carmem, ao ouvir isto, respondeu:
-- Menina! Coma pelo menos um pouquinho! Senão você some.
Andressa não respondeu.
Carmem, notando o desinteresse da menina, ficou preocupada.
Afinal de contas, diante das circunstâncias, não podia obrigar a criança a comer.
Mas o que fazer afinal?
Quando a história da recusa de Andressa em se alimentar caiu nos ouvidos, de uma das funcionárias responsáveis pelo orfanato, aí é que a situação se complicou.
Isso por que, Francisca, ao tomar conhecimento da situação, ficou aborrecida.
Sem ter muito jeito para lidar com crianças, quis logo obrigar a menina a comer.
Mesmo diante dos apelos de Carmem, Francisca se dirigiu até o jardim, e perguntando a uma das funcionárias quem era a menina que não queria comer, descobriu que se tratava de
Andressa.
Rapidamente, mandou a funcionária chamar a menina para uma conversa.
Andressa então, conduzida pela funcionária, caminhou em direção a Francisca.
Irritada a mulher perguntou:
-- Por que a mocinha não quer comer?
Intimidada com Francisca, a menina se assustou.
Francisca, percebendo que Andressa não tinha coragem de responder sua pergunta, disse:
-- Responda menina. Eu te fiz uma pergunta.
Andressa continuava muda.
Francisca então, ficou mais irritada ainda.
Puxando a menina pelo braço, respondeu:
-- Menina! Você é surda? Quando eu te fizer uma pergunta, responda. - Eu não aceito falta de educação. Insolente!
Andressa, ao ouvir estas palavras, começou a chorar.
Carmem, que observava a cena de longe, ao notar que Francisca se excedia, resolveu intervir.
Aflita, pediu insistente para que Francisca soltasse o braço da menina.
Francisca, ao ouvir os apelos de Carmem, não ficou nada satisfeita.
Dizendo que aquele não era assunto dela, respondeu que faria Andressa entender que ali não ela não podia fazer o que quisesse.
Carmem porém, não se deixou intimidar.
Dizendo que precisava conversar com Andressa, pediu encarecidamente para Francisca, deixa-la a sós com a garota.
Francisca contrariada, retrucou dizendo que não era hora de passar a mão na cabeça de ninguém.
Carmem, por sua vez, insistiu.
Precisava muito conversar com a menina.
Dizendo que se responsabilizaria por tudo o que Andressa fizesse, finalmente conseguiu fazer com que Francisca atendesse seu pedido.
Não sem antes ouvir, o seguinte:
-- Tudo bem! Está certo! Mas ouça bem! Você se responsabilizou por tudo o que esta garota fizer daqui para frente. Então, faça se comportar com se deve, ou você vai sofrer as
conseqüências.
Nisso se afastou do jardim.
Carmem então, se aproximou de Andressa.
Dizendo que ela não precisava ficar com medo, comentou que Francisca só estava um pouco nervosa.
Argumentando que ela não a agredira por mal, tentava consertar a situação.
Mas Andressa estava desconfiada daquelas maneiras.
Carmem, percebendo que não estava sendo convincente o bastante, perguntou-lhe novamente por que não queria comer.
Andressa não respondia.
Ao constatar que não adiantaria fazer perguntas a meninas, estendeu sua mão para Andressa.
Dizendo que gostaria de levá-la para um lugar muito especial, conseguiu finalmente despertar o interesse de Andressa para alguma coisa.
E assim, mesmo ressabiada, a menina segurou a mão da gentil mulher.
E as duas caminharam pelo jardim.
Como se tratava de um terreno grande, as duas caminharam durante algum tempo.
Durante este trajeto, Carmem comentou que aquele era um lugar muito acolhedor.
Andressa parecia não acreditar.
-- Apesar de tudo. De todas as histórias tristes que essas crianças trazem consigo, ainda assim é possível haver espaço para a alegria. Eu sou feliz por trabalhar aqui. Mesmo
convivendo com tantas histórias tristes, eu vejo que as crianças tentam ser felizes a sua maneira, e isso é bom. É sinal de que existe algo por que lutar.
Andressa, não conseguia compreender o que Carmem estava dizendo.
Percebendo que estava confundindo a menina, Carmem se desculpou.
-- Eu não sei onde estou com a cabeça, para falar de um assunto tão sério com uma criança.
Nisso, as duas chegaram a uma gruta.
Carmem, mostrou a Andressa uma bica d’água que existia dentro da gruta.
Curiosa, a menina se aproximou.
Foi quando percebeu que haviam vários objetos espalhados pela gruta.
Carmem, percebendo o interesse da menina em saber o porquê dos objetos espalhados pela gruta, começou a explicar:
-- Esses objetos foram aqui deixados, como forma de agradecer um pedido atendido.
Andressa, ao ouvir tais palavras, timidamente, perguntou:
-- Que pedido?
Carmem, ao ouvir a pergunta, satisfeita, respondeu:
-- São pedidos que as crianças fazem para serem felizes, encontrarem uma nova família ... enfim, qualquer coisa.
-- São sempre atendidas? – perguntou novamente Andressa.
-- Quase sempre. É que para um pedido ser atendido, tem que ser feito com muita fé.
Muita confiança.
E nem sempre é atendido de forma imediata.
Sem entender muito bem o que Carmem dizia, Andressa perguntou para quem devia ser feito o pedido.
A mulher respondeu:
-- A quem você quiser. A seu Anjo da Guarda, ao seu Santo de devoção, diretamente a Deus. Você é quem sabe. Peça do seu jeitinho. Nem é preciso saber uma oração de cor.
Aliás, você sabe rezar?
Envergonhada, Andressa respondeu que não.
Prestativa, Carmem que iria lhe ensinar todas as orações que conhecia.
A seguir, aproveitando que havia conseguido despertar a atenção de Andressa, começou a conversar com ela sobre sua tristeza.
Dizendo entender suas dificuldades em se adaptar àquele ambiente, a mulher comentou que ela não podia se deixar abater.
Andressa ao ouvir tais palavras, emudeceu novamente.
Mas Carmem insiste.
Dizendo que ela precisa se alimentar, conta que as crianças são como plantinhas, e assim, para crescerem fortes, precisam de alimentos.
Curiosa, Andressa pergunta como as plantinhas fazem para comer.
Carmem sorri.
-- Elas se alimentam com o que tem no solo.
-- Mas eu nunca vi uma planta comendo o que tem no chão.
-- É que elas se alimentam através de suas raízes, que estão cravadas no solo. Nós não podemos ver.
Andressa fez sinal de parecer entender.
-- Assim, como você pôde notar, até mesmo as plantas precisavam de alimento. É assim que elas crescem. As crianças também precisam se alimentar. É assim que crescem
fortes e determinadas para enfrentarem a vida. E é por isso que você precisa comer. Senão você vai ficar fraquinha, e vai sumir, sumir, até desaparecer.
-- Eu não tenho fome. – respondeu a menina.
-- Mesmo assim, coma pelo menos um pouquinho. Coma, brinque. Não se ocupe com problemas que não são da sua idade. Deixe que nós nos preocupemos com a vida de vocês.
Tente ser feliz, mesmo vivendo neste lugar. Não deixe que as tristezas lhe tirem o ânimo para fazer o que se tem vontade. Seja feliz, apesar de tudo!
Andressa, ao ouvir estas palavras, começou a chorar.
Lembrou-se de seu pai, e da maneira carinhosa como ele sempre respondia todas as suas dúvidas.
De como ele sempre que podia ia buscá-la na escola.
E mesmo quando estava cheio de trabalho, deixava de lado um pouco suas obrigações, somente para lhe dar um pouco de atenção.
Triste, lembrou-se destes momentos, mas não os revelou a Carmem, que prontamente a abraçou e procurou consolá-la.
Durante o jantar, Andressa ao ver o prato de comida a sua frente, fez um esforço para comer um pouco.
Embora a comida não fosse saborosa, a menina finalmente tocou no prato e comeu um pouco.
Carmem, que a observava à distância, ficou deveras feliz com o esforço da criança.
A noite, quando todas as crianças foram se recolher, mais uma vez Andressa, ficou sentada em sua cama.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

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