Poesias

quarta-feira, 17 de junho de 2020

COISAS DO BRASIL PARTE 2 – REGIÕES NORTE E CENTRO OESTE - CAPÍTULO 14

CAPÍTULO 14 

Com isso, o pajé passou a falar sobe o Jurupari.9
O Jurupari, é um ente sobrenatural visita os homens em sonhos e causa aflições tanto maiores, quanto trazendo-lhes a faculdade da voz.
Esta concepção que poderá ser a que criaram as amas-de-leite, amalgamando as superstições indígenas, com as de além-mar, tanto vindas da África como da Europa, não é a do nosso indígena.
Para ele Jurupari é o legislador, o filho da virgem sem cópula, pela virtude do sumo da cucura do mato, e que veio mandado pelo Sol, para reformar os costumes da terra, a fim de poder encontrar nela uma mulher perfeita, com o que o Sol possa casar.
Jurupari, conforme contam, ainda não encontrou, e embora ninguém saiba onde, continua a procurá-la, e só voltará ao céu quando a tiver encontrado.
Jurupari é, pois, o antenado lendário, o legislador divinizado, que se encontra como base em todas as religiões e mitos primitivos.
Quando ele apareceu, eram as mulheres que mandavam, e os homens obedeciam, o que era contrário às leis do Sol.
Ele tirou o poder das mãos das mulheres, e o restituiu aos homens e, para que estes aprendessem a ser independentes daquelas, instituiu umas festas, em que somente os homens podem tomar parte, e uns segredos que somente podem ser conhecidos por estes.10
As mulheres que os surpreendem, devem morrer; e em obediência desta lei, morreu Ceuci a própria mãe de Jurupari.
Ainda assim, nem todos os homens conhecem o segredo; só o conhecem os iniciados, os que, chegados à puberdade, derem prova de saber suportar a dor, serem seguros e destemidos.
Os usos, leis e preceitos ensinados por Jurupari e conservados pela tradição ainda hoje professados e escrupulosamente observados por numerosos indígenas da bacia do Amazonas, e embora tudo leve a pensar que Jurupari é um mito Tupi-Guarani, todavia, tenho visto praticadas suas leis por tribos das mais diversas proveniências, e em todo o caso largamente influíram e, pode-se afirmar, influem ainda em muitos lugares do nosso interior sobre usos e costumes atuais, o não conhecê-las, tem decerto produzido mais mal-entendidos, enganos e atritos do que geralmente se pensa.
Ao mesmo tempo, porém, tem permitido, como tem-se dito mais de uma vez, ocasião de observar pessoalmente, que ao lado das leis e costumes trazidos pelo cristianismo e civilização européia, subsistem ainda uns tantos usos e costumes, que embora mais ou menos conscientemente praticados, indicam quão era forte a tradição indígena.
Quanto à origem do nome, aceita-se a explicação que ela foi dada por um velho tapuio, a quem objetava ter sido afirmado que o nome de Jurupari quer dizer “o gerado da fruta” - Intimãã, Iurupari céra onheên putáre o munha iané iurú pari uá.
Nada disso.
O nome de Jurupari quer dizer que fez o fecho da nossa boca.
Vindo, portanto, de iuru boca e pari aquela grade de talas com que se fecham os igarapés e bocas de lagos, para impedir que o peixe saia ou entre.11
A origem Tupi-Guarani do mito é discutível.
Foi divulgado, à força d’armas, no Rio Negro, pelos indígenas da raça Aruaca, vindos do Norte.
É, geograficamente, o mito mais prestigioso, com vestígios vivos em quase todas as tribos.
É um deus legislador e reformador, puro, sóbrio, discursador, exigente no ritual sagrado.
Jurupari-demônio é uma imagem da catequese católica do séc. XVI.
D. Frederico Costa, Bispo do Amazonas, na “Pastorai”, documento de informação etnográfica, não aceitou o satanismo de Jurupari, de quem expôs os oito mandamentos:
1º A mulher deverá conservar-se virgem até a puberdade;
2º Nunca deverá prostituir-se e há de ser sempre fiel a seu marido;
3º Após o parto da mulher, deverá o marido abster-se de todo o trabalho e de toda a comida, pelo espaço de uma lua, a fim de que a força dessa lua passe para a criança;
4º O chefe fraco será substituído pelo mais valente da tribo;
5º O tuxaua (chefe) poderá ter tantas mulheres quantas puder sustentar;
6º A mulher estéril do tuxaua será abandonada e desprezada;
7º O homem deverá sustentar-se com o trabalho de suas mãos;
8º Nunca a mulher poderá ver Jurupari, a fim de castigá-la de algum dos três defeitos nela dominantes: incontinência, curiosidade e facilidade em revelar segredos”.
Os indígenas não adoravam Jurupari.
Um bispo escreveu:
“Parece também evidente que houve erro em identificar Jurupari com o demônio”.
Nenhum demônio possuirá as exigências morais de Jurupari.
O reformador instituiu nas cerimônias instrumentos musicais de sopro, especialmente uma longa trombeta de paxiúba, que um som cavernoso e profundo.
As mulheres não podem, sob pena de morte, ouvir sequer esse som.
Nem os instrumentos musicais, máscaras e outros apetrechos das danças de Jurupari podem ser vistos por mulher e mesmo rapaz não iniciado.12
Com isso o pajé, ao dar-se conta do adiantado da hora, mandou todos os índios se recolherem, pois mais um dia iria se iniciar e todos precisavam trabalhar.

9 Jurupari, o demônio, o espírito mau, segundo todos os dicionários e os missionários, exceção feita do Padre Tastevin. “A palavra jurupari parece corrutela de jurupoari”, escreve Couto de Magalhães em nota da segunda parte do Selvagem, que ao pé da letra traduziríamos - boca mão sobre: tirar da boca. Montoia (Tesoro) traz esta frase: - che jurupoari - tirou-me a palavra da boca. O Dr. Batista Caetano traduz a palavra: “Ser que vem à nossa rede, isto é, ao lugar onde dormimos.” 
10 Concepção patriarcal da época.
11 (Stradelli, Vocabulário da Língua Geral, 497-498). Explicação que me satisfaz, porque de um lado caracteriza a parte mais saliente do ensinamento de Jurupari, a instituição do segredo, e do outro lado, sem esforço se presta a mesma explicação nos vários dialetos Tupi-Guaranis, como se pode ver em Montoia, às vezes iuru e pari e às mesmas vozes em Batista Caetano. 
12 (Stradelli, “Legenda Dell’Jurupary,” Bolletino della Societá Geografica Italiana, terc. série, III, Luglio e segs., Roma, 1890, Em Memória de Stradelli, Manaus, 1936; Geografia dos Mitos Brasileiros, longo estudo sobre Jurupari; Renato Almeida, “Trombeta de Jurupari”, opus cit., 44-48). Stradelli estudou o mito, ouvindo indígenas e assistindo à cena do culto nos afluentes do rio Negro. 

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

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