Poesias

terça-feira, 26 de maio de 2020

COISAS DO BRASIL - PARTE 1 – A REGIÃO NORDESTE CAPÍTULO 38

CAPÍTULO 38

Depois de passearem pelos lugares turísticos, os cinco rapazes, sentaram-se em confortáveis poltronas, e ouvindo os relatos dos moradores da cidade, passaram a conhecer suas lendas.
Foi assim, que em suas viagens pelo Nordeste, Felipe e seus amigos conheceram a história do Vaqueiro Voador.
Nesta região, havia uma cidade pequena, porém muito bonita.
Era um lugar próspero, de fazendeiros, de vida feliz e sossegada.
Certa manhã, um bando de cangaceiros chegou de repente ao lugar.
Foi um alvoroço.
Num instante, a população desapareceu das ruas.
As janelas se fecharam, e as portas se trancaram.
O chefe dos cangaceiros bateu na porta da casa mais rica da cidade.
Como não tinha outro jeito, o dono da casa veio saber o que ele desejava.
-- Nós não queremos fazer mal a ninguém. (disse o chefe dos cangaceiros) Estamos precisando de mantimentos, e sabemos que aqui há bastante. Ainda sobrará muito para vocês.
O fazendeiro prometeu então, que conversaria com outros homens ricos do lugar, a fim de conseguir a quantidade que o cangaceiro desejava.
Assim, o cangaceiro concordou em esperar até o dia seguinte.
Nisso, os mantimentos foram entregues, e o bando tratou de partir.
Mas o que os cangaceiros não sabiam, era que o fazendeiro aproveitara para lhes preparar uma cilada.
O mesmo combinara com seus amigos para atirarem neles pelas costas, quando estivessem de partida.
E assim foi feito.
Mal os cangaceiros deram as costas, várias janelas se abriram, surgindo uma porção de espingardas.
No tiroteio, muitos cangaceiros caíram mortos e o resto fugiu em disparada.
O chefe deles ficou louco da vida.
Enquanto ele cumpria sua palavra de não fazer nenhum mal aos habitantes, porque o fazendeiro lhe fizera tamanha traição?
Mas não ia ficar assim.
O traidor e seus amigos que esperassem.
A vingança não tardaria.
Com isso, os meses foram passando, e o fazendeiro não perdia oportunidade de se vangloriar de sua esperteza.
Um dia, enquanto ele estava almoçando sossegadamente, ouviu um tiroteio e uma gritaria tremenda.
Correu para a rua.
Eram os cangaceiros.
Tinham se organizado de novo e estavam de volta para a vingança.
Por isso, o fazendeiro procurou trancar a porta da casa o melhor possível, e transmitiu as novidades à sua família, que estava apavorada.
Mas para seu desespero, a porta da casa foi violentamente sacudida e logo veio abaixo.
Os cangaceiros entraram de espingarda na mão e o fazendeiro caiu de joelhos:
-- Por favor, não me matem! Fiz aquilo sem pensar!
O chefe dos cangaceiros olhou-o, com desprezo:
-- A morte é pouca vingança para o que você fez. Você tem de sofrer mais, muito mais!
O fazendeiro tinha dois filhos gêmeos, de três anos, e vendo-os, o cangaceiro teve uma idéia:
-- Vamos ver se você é homem! Escolha! Ou você vai com a gente para a caatinga, onde receberá o que merece, ou entrega um de seus filhos para que ele se torne um cangaceiro.
Pela cabeça do fazendeiro passaram as terríveis torturas que o aguardavam.
Assim, olhou para os gêmeos, Lucídio e Deodato, suou, pensou e resolveu:
-- Leve um dos meus filhos.
A mãe dos meninos agarrou-se às crianças, mas de nada adiantou.
Os cangaceiros pegaram uma das crianças e saíram.
Mas antes de sair, o chefe deles gritou da porta:
-- Você vai sofrer a vida inteira, sabendo que seu filho está sendo transformado num homem igual àqueles que foram traídos por você. Um homem tão importante, com um cangaceiro na família! Já pensou?
E foram embora levando o Lucídio.
Nisso, a profecia do cangaceiro realizou-se rapidamente.
O caso correu de boca em boca, e ninguém queria saber mais do fazendeiro.
Que homem era aquele?
Entregar um filho para salvar a própria pele!
Mesmo sua mulher não tinha mais coragem de olhá-lo no rosto.
E ele sofria.
Seu filho que ficara, o Deodato, também já não era o mesmo.
Escapava dos braços do pai, vivia agarrado à saia da mãe.
De vez em quando, não agüentando mais aquela tortura, o fazendeiro explodia:
-- Que culpa tive eu? Havia outra solução? Sei que o menino está vivo! E eu? O que teriam feito comigo?
A mulher nada respondia.
Baixava a cabeça e chorava.
E o tempo foi passando.
Para a população, o caso já era fato esquecido, mas nunca haveria de o ser para o fazendeiro e sua mulher.
Deodato, agora com quatorze anos, não mais se lembrava.
Sabia do caso por ouvir contar.
Muito embora o fazendeiro, muito envelhecido pelo sofrimento, quisesse fazer do filho o seu sucessor, o mocinho não concordava.
Desejava ser vaqueiro, atravessar aquelas caatingas, correndo atrás do gado, conhecer novos lugares, dormir à luz das estrelas.
E, realmente, tornou-se um vaqueiro, aumentando ainda mais, sem querer, o desgosto do velho.
Tornou-se tão bom vaqueiro, que sua fama correu por toda a região.
Não havia cavaleiro igual.
Uma noite, quando ele dormia na caatinga, teve um sonho esquisito que o deixou preocupado.
Sonhou com um velho vaqueiro, de pele curtida pelo sol e vestido com a indispensável roupa de couro, envolto por uma luz azul muito suave, que lhe disse:
-- Sou o rei de todos os vaqueiros. Sempre desejei confiar meu cavalo mágico a um bom cavaleiro, mas nunca achei um que merecesse. Você, porém, é digno do meu desejo. Siga em frente. Ao anoitecer, encontrará um cavalo avermelhado, que dará três relinchos quando você se aproximar. Pode montar nele, que será seu. Mas tome cuidado: ele não corre, voa. E não aceitará outro cavaleiro, nunca. Só você.
Tão logo amanheceu, ele contou o sonho aos companheiros.
Todos riram e um lhe disse:
-- Isso é que é ser vaqueiro. Até dormindo ele pensa em cavalo!
E seguiram levando a boiada.
O dia transcorreu como os outros.
Quando começou a anoitecer, um dos vaqueiros comentou:
-- Olhem que engraçado, aquele cavalo pastando sozinho. Deve ter fugido.
Deodato viu então,um belo cavalo avermelhado, destacando-se contra a luz do poente.
Lembrou-se do sonho.
Qual!
Era apenas um sonho!
Propôs aos amigos:
-- Vamos ver se a gente pega aquele bicho?
Os amigos não concordaram e foram apeando para passar a noite.
Estavam cansadíssimos.
Deodato não conseguindo livrar-se da idéia, foi a pé na direção do belo animal, que relinchou três vezes.
Queria vê-lo mais de perto, apenas.
Não levou o laço.
Foi-se aproximando, até pôr a mão no cavalo.
Este nem mesmo se mexeu.
Aí, Deodato teve novamente a mesma visão.
Apareceu-lhe o velho vaqueiro, envolto por uma suave luz azul, que lhe disse, apontando o cavalo:
-- É esse, ele é seu.
O então, cavalo acompanhou o moço docilmente.
E juntos, chegaram onde estavam os outros.
Deodato colocou os arreios no animal e montou nele.
Os companheiros olhavam, espantados.
O cavalo partiu, mas sabem como?
Voando!
Ele andava no ar!
Os vaqueiros pensaram que fosse um sonho!
Não podia ser verdade!
Daquele dia em diante, Deodato ficou conhecido como o Vaqueiro Voador.
Alguns de seus companheiros haviam tentado montar no cavalo mágico, porém ele não saía do lugar.
Somente voava, se fosse montado por Deodato.
Enquanto isto acontecia, a cidade era atacada por um bando de cangaceiros, chefiados por um moço destemido, conhecido por Ventania.
E era mesmo um pé de vento, fazia a cidade tremer.
Passaram a saqueá-la, no mínimo uma vez por semana.
Os homens tinham medo de reagir e provocar um tiroteio, que pudesse causar a morte de muitos moradores.
Mas tentaram várias vezes atacar o bando em seu próprio esconderijo, na caatinga.
Contudo as sentinelas não deixavam ninguém se aproximar.
Ouviam o tropel dos cavalos e as espingardas falavam.
A cidade estava em desespero.
O que fazer?
Todos estavam preocupados.
É verdade que aqueles cangaceiros não disparavam um tiro quando estavam na cidade, mas do jeito que estavam fazendo, logo as lojas e os armazéns estariam vazios!
O homem era mesmo uma ventania!
Levava tudo!
Muito longe dali, o Vaqueiro Voador tocava a boiada pelas caatingas, assombrando os que viam galopar seu cavalo mágico.
Seus companheiros não precisavam mais ter preocupação: num instante, ele cercava um boi fugitivo lá longe, noutro instante estava de volta...
Assim, quando Deodato voltou à cidade, causou o maior espanto com o seu cavalo.
Ao vê-lo, uns riam, outros choravam, uns corriam, outros não conseguiam correr.
Também ali, ele ficou conhecido por Vaqueiro Voador.
E não tinha mais sossego.
Em toda emergência, ele era chamado.
Enquanto ele permanecia na cidade, deu-se novo ataque do bando de Ventania.
Deodato perguntou ao seu pai:
-- De onde é que vem esse barulho?
-- Deve ser um novo ataque do bando de Ventania. Estão sempre vindo à cidade. Levam roupas, alimentos e não se pode fazer nada.
-- E por que os homens não organizam a defesa? Não têm mais armas?
-- Têm, meu filho, não é isso. É que não querem provocar um tiroteio aqui na cidade e pôr em risco a vida de inocentes. Os cangaceiros precisariam ser atacados em seu próprio esconderijo, que não deve ser longe.
-- Pois, então...?
-- Acontece que eles deixam várias sentinelas escondidas atrás de mandacarus e não há quem descubra onde se escondem.
-- É mesmo um problema. Que se há de fazer?
De repente, o velho deu um salto tão violento, que deixou o filho assustado:
-- O que foi, pai? Que aconteceu?
-- Tive uma idéia! Uma grande idéia! Você será a nossa salvação, meu filho!
O moço espantou-se:
-- Eu? Como? Por que? Não entendo.
-- Você e seu cavalo mágico! Não entendeu? Você passará voando por cima das sentinelas! Nem perceberão!
-- E que posso eu fazer sozinho contra os outros cangaceiros?
O velho pôs-se a pensar.
Depois, disse:
-- Se você descobrir onde estão escondidos, nossos homens poderão ir mais tarde por outro caminho.
A mãe de Deodato ouviu a conversa e dirigiu-se ao marido:
-- Por favor, não peça para ele ir! Nosso outro filho foi entregue aos cangaceiros. Agora quer que este seja morto por eles?
-- Mas o que hei de fazer? Estou muito velho, e só Deodato pode montar o cavalo mágico.
-- Você iria, eu sei... Como foi da outra vez. - respondeu ela, irônica.
O Vaqueiro Voador resolveu aceitar a idéia do pai.
Então combinou-se que o moço partiria naquela noite.
Mas os outros homens deveriam aprontar-se, para depois serem guiados ao esconderijo.
No mesmo dia, houve outro assalto do bando.
Mas, pela cabeça de todos os habitantes, passava idêntico pensamento:
“Aproveitem, que é a última vez!”
Depois do assalto, o Vaqueiro Voador preparou-se para ir atrás dos cangaceiros.
Calçou as perneiras, vestiu o parapeito, o gibão, pôs o chapéu, tudo de couro por causa dos espinhos, e seguiu na direção que os cangaceiros costumavam tomar.
Passou por cima das sentinelas sem ser visto, e chegou ao esconderijo.
Desceu cuidadosamente, um pouco longe do acampamento dos cangaceiros, saltou do cavalo e foi-se aproximando, devagar.
De repente, sentiu um cutucão nas costas.
Virou-se e deu com um cangaceiro que lhe perguntou:
-- O que você quer aqui? Espionando, hein?
Pois vamos falar com o chefe.
Deodato pensou em correr até o cavalo, mas desistiu ao ver a espingarda pronta para atirar.
Logo apareceram outros cangaceiros, que o conduziram à presença do chefe.
Entraram na cabana, e o cangaceiro que o havia aprisionado falou ao chefe:
-- Pegamos esse homem espionando. Não sei de que modo ele conseguiu chegar até aqui.
O chefe, o famoso Ventania, olhou o prisioneiro com cuidado e pensou:
“Já vi esse homem em algum lugar”.
Deodato também teve a impressão de já conhecer o outro, embora nunca o tivesse visto de perto.
Mas nada disseram.
-- Por que você veio aqui? O que pretende? – quis saber Ventania.
O moço podia ter inventado alguma desculpa, mas preferiu falar a verdade.
Contou porque estava ali, e o cangaceiro admirou-se de sua coragem.
Os outros queriam a todo o custo enforcar o espião, porém Ventania se opôs.
Jamais havia permitido que matassem alguém.
-- E o que vamos fazer com ele? – quis saber um cangaceiro.
Ventania pôs-se a pensar e viu que o problema era mesmo difícil de ser resolvido.
Mantê-lo prisioneiro, onde?
Deixa-lo ir?
Ele contaria aos outros a posição do esconderijo.
Que fazer?
-- É, temos de encontrar uma solução, disse Ventania. Preciso pensar com mais calma.
Os outros cangaceiros insistiram em enforcá-lo, mas o chefe continuou a discordar.
Enquanto esperava a solução, Ventania olhou outra vez, com cuidado, o prisioneiro e lhe disse:
-- Tenho a impressão de que já vi você em algum lugar, mas não sei onde.
-- O mesmo acontece comigo – respondeu o Vaqueiro Voador.
Os cangaceiros que ali estavam começaram a murmurar:
-- Como eles são parecidos!
Realmente, eles eram bem parecidos; se não foi notado logo à primeira vista, era porque Deodato, além de ser mais gordo, usava bigode e o cabelo mais comprido.
Assim, conversa vem, conversa vai, Deodato perguntou ao chefe dos cangaceiros qual era a injustiça que lhe haviam feito, já que eles geralmente se dedicavam ao crime por vingança.
Para surpresa do moço, Ventania disse que não queria vingar-se de ninguém, que nascera praticamente naquela vida, e não conhecia outra.
Conforme os mais velhos lhe haviam contado, seu pai o entregara ainda bem pequeno ao então chefe do bando.
Ali ele crescera.
Deodato achou a história muito parecida com a de seu irmão, Lucídio.
Por isso, fez-lhe mais perguntas, inclusive se sabia qual era o seu nome.
Não sabia.
Depois contou a história de seu irmão.
-- Então é por isso que pensei que já havia visto você! – exclamou o cangaceiro.
-- É isso mesmo! – confirmou Deodato. Agora já sei! É porque somos irmãos! -- Seu nome é Lucídio!
Deodato convidou-o a deixar aquela vida e a voltar com ele para casa.
Mas o outro não queria, alegando que nada mais sabia fazer.
O irmão então, disse-lhe que podia ser vaqueiro.
Aprenderia com ele.
A promessa de uma vida familiar, foi mais forte e o cangaceiro resolveu acompanhar o irmão.
Nomeou novo chefe para o bando, e deu ordens para que não atacassem mais aquela cidade.
Como Lucídio jamais tinha assassinado alguém, e também não era culpado por ser cangaceiro, foi perdoado pelos assaltos cometidos.
Seu pai percebendo-lhe uma forte vocação para comandar e administrar, e lhe entregou os destinos da fazenda.
Administrada por ele e com um vaqueiro como Deodato, a fazenda tornou-se ainda mais importante. E, a cidade nunca mais foi atacada.40

40 Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). São Paulo: APEL Editora sem/data.

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil. 

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte. 

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