Poesias

domingo, 19 de abril de 2020

.....E A CHUVA QUE CAÍ - CAPÍTULO 7 - VERSÃO OFICIAL

Mas voltemos ao que interessa.
Durante algum tempo, depois de partirem, saindo do interior, moraram em diversas cidades da região metropolitana de São Paulo.
E nessas andanças o tempo foi passando, as crianças foram crescendo, e a vida de todos foi mudando.
Nessa época Luzia já trabalhava em uma confecção e com parte do dinheiro, ajudava a mãe a realizar as despesas da casa.
Ademais, os outros filhos, também ajudavam em casa.
Como todos trabalhavam, parte do dinheiro era justamente para manter a casa.
Assim, todos tinham que colaborar, e assim faziam.
Mas antes disso, Luzia trabalhou em uma fábrica.
Nesse trabalho, Luzia tinha que ajudar a carregar algumas caixas para dentro do prédio.
Contudo seu chefe, ao olhar para o diminuto tamanho de Luzia, bem como seu corpo franzino, o mesmo achou que ela era frágil demais para aquele trabalho.
Em razão disso, algum tempo depois, acabou a demitindo.
Luzia ficou muito desapontada.
Por ser seu primeiro emprego, esperava ficar bastante tempo nele.
Mas não foi o que aconteceu.
Contudo, após um certo lapso de tempo, acabou por encontrar um novo trabalho.
Foi aí então que passou a trabalhar em uma confecção.
E nesse emprego já estava há algum tempo.
Certa vez, seu ex-patrão ao vê-la se aproximar, ficou impressionado.
De tão impressionado, chegou até a comentar:
-- Menina, como você cresceu!
Realmente, não parecia nem de longe aquela meninota de antes.
Porém, nem mesmo ela tinha se dado conta de que havia mudado tanto.
Como precisava de um documento referente ao período em que trabalhou por lá, precisou visitar a fábrica.
Por esta razão, acabou reencontrando seu antigo patrão.
Nesse tempo, Luzia e alguns irmãos, também estudavam.
Aliás, a vida de Luzia era  bem complicada na época.
Isso por que, trabalhando e estudando, sua vida era bastante corrida.
Sem tempo para quase nada, tinha que aproveitar os poucos momentos de folga que tinha, para estudar.
Isso por que, fazendo o supletivo de primeiro grau, dentro em breve começariam as provas e ela precisava estar bem preparada.
Por conta disso, muitas vezes, passava horas sem comer.
Durante o trabalho, no horário de almoço, a jovem esquentava a marmita e comia um pouco de arroz e um ovo frito.
Porém, depois desta refeição, a moça só iria comer novamente, quando chegasse em casa, tarde da noite.
Algumas vezes porém, uma de suas irmãs, aproveitando que a empresa onde
trabalhava era quem fornecia o almoço, pegava parte da mistura e colocando-a num pão, e durante o horário da aula, levava para ela comer.
Luzia aceitava a gentileza sempre que a irmã lhe trazia o que comer.
Porém, sempre dividia o lanche com alguma amiga.
Sim, por que não só ela, mas todos os que ali estudavam, levavam uma vida difícil.
Assim, sempre que podia, procurava de alguma forma, ajudar os demais.
Mas antes disso, sua mãe chegou a durante as compras, a comprar algumas bolachas de leite para que ela pudesse comer durante o trabalho, e assim enganar a fome.
No entanto, depois de passar alguns meses comendo a famigerada bolacha, acabou enjoando dela.
Como era sempre o mesmo gosto, depois de um certo tempo passou a pedir a mãe, para que não comprasse mais bolachas, visto que ela não estava conseguindo comer.
Nisso a vida prosseguia.
Um dia contudo... Malfadado dia.
Ao voltar da escola, depois de um longo dia, passando no terminal de ônibus, teve a infelicidade de topar com algumas prostitutas, que não gostaram nem um pouco da presença de Luzia e da amiga.
As prostitutas, que acreditavam que Luzia e sua amiga estavam ali para roubar sua clientela, passaram a encará-las.
Em seguida, saíram correndo na direção das duas, ameaçando agredi-las.
E foi por pouco que as duas não apanharam.
Isso por que, assim que perceberam que as prostitutas corriam em sua direção, as moças, aproveitando que um ônibus passava no lugar, logo que o viram se aproximar, correndo em sua direção, e sem nem mesmo saber para onde ia, subiram nele.
Tudo para fugir das prostitutas.
Depois, mais calmas, perguntaram ao cobrador, qual era o itinerário do ônibus. Por sorte, as duas pegaram exatamente o ônibus que as levava para casa.
Após o incidente, precavidas, as moças nunca mais passaram nem perto do terminal.
Temendo encontrar com as ditas moças, não queriam nem saber de confusão.
Não bastassem uma dura jornada de trabalho, e depois, passar horas a fio num banco de escola ouvindo explanações da professora, que apesar de deveras interessantes, exigiam atenção e esforço para serem assimiladas, bem como força de vontade delas para não dormirem, ainda tinham que correr de prostitutas.
Que injustiça!
No entanto, como já foi dito, a despeito do desagradável incidente, a vida continua.

As aulas de história também.
Nessas aulas, a professora, empolgada, analisava cada detalhe da história. Meticulosa, fazia questão de contar os detalhes que não estavam presentes nos livros de história.
Os relatos eram impressionantes.
De tão vívidos, parecia que os alunos estavam presentes em todos aqueles momentos narrados pela professora.
A história estava diante de seus olhos.
Todavia, como toda escolha tem um preço, fatalmente a professora não conseguiu passar toda a matéria constante do programa.
Porém, o que a mestra conseguiu ensinar, ficou guardado.
Eram realmente, aulas excepcionais.
Contudo, ao término das aulas, como sempre, Luzia pegava o ônibus e ao descer, em meio a breu e mato, prosseguia em sua caminhada.
Nas ruas de barro, tinha que caminhar cuidadosamente.
Isso por que, como não possuía lanterna, e não se via um palmo diante do nariz, e assim, todo cuidado era pouco.
Ademais, voltava para casa sempre sozinha.
Suas irmãs, Adalgisa e Célia, sempre saíam na frente, deixando-a de lado.
E assim, sempre fazia o percurso de volta para casa, sozinha.
Com isso, mesmo quando o barro estava seco, os sapatos ficavam sempre sujos.
Porém, quando chovia, a situação era ainda pior.
Molhado, o barro se tornava tremendamente escorregadio, e o perigo de levar um tombo era grande.
Em virtude disso, Luzia tinha que andar cuidadosamente até chegar em casa.
Quando chegava em casa, por mais cuidado que tivesse no caminho, tinha sempre que passar um pano umedecido no sapato, para retirar a terra que ficava grudada.
Além disso, faminta, sempre aproveitava para jantar antes de dormir.
De tanta fome, nem esquentava a comida.
Comia tudo frio mesmo.
E mesmo frio, achava tudo uma delícia.
Depois, ia se deitar.
No dia seguinte, tomava um café da manhã composto de leite e pão, e depois,
acompanhada pela mãe, seguia a pé até o ponto de ônibus.
Enquanto não chegava no ponto, usava um sapato mais simples, que poderia se sujar de barro sem problema.
Assim, quando finalmente chegava no ponto, trocava o sapato, e sua mãe levava o sapato sujo para casa.
Levava o sapato dos filhos para casa.
E assim, os filhos de Dona Rute chegavam impecáveis ao trabalho.
Luzia, ao chegar na fábrica, ia logo trabalhar.
Confeccionando peças, foi nesta fábrica que aprendeu a costurar.
E assim passava as oito horas de seu trabalho.
Na confecção, na hora de encerramento do expediente, algumas funcionárias
aproveitavam para usar o banheiro da empresa para tomar banho, e depois voltar para casa.
Em seguida, quando era chegada a hora de sair da confecção, as funcionárias eram sempre revistadas.
Isso por que, antes da revista, muitas peças da confecção sumiam.
Desta forma, a revista era uma maneira de coibir qualquer prática de furto.
E assim, depois de sair da fábrica, Luzia corria para o ponto de ônibus.
Isso por que, como tinha aula, não podia perder tempo.
Além do mais, não queria chegar atrasada.
Assim, eram os dias de Luzia.
Sempre cuidadosa, acabava chegando de dez a quinze minutos antes das aulas. De formas que, aproveitava os minutos que antecediam a aula para conversar.
Enquanto isso, Adalgisa, que também fazia o supletivo, ficava na cantina paquerando os homens que por lá passavam.
Contam que certa vez, ao mexer com um homem casado, sua esposa, ao descobrir o assédio, fez questão de aparecer na escola e arrumou uma grande confusão.
Querendo tomar satisfações com Adalgisa, por um triz não se engalfinharam.
Não fosse a turma do deixa-disso, e a encrenca poderia ter tomado grandes dimensões.
Porém, acabou ficando por isso mesmo.
No entanto, mesmo diante dessa confusão, Adalgisa não tomou jeito. Continuando a aprontar das suas.
Durante um certo tempo, um colega de escola, gentil com ela e suas irmãs, sempre que podia, oferecia uma carona.
Educado, sempre que podia as levava para casa.
Mas não foi que Adalgisa cismou com o rapaz?
Adalgisa inconveniente, tanto fez que acabou afugentando o rapaz.
Este, sem ter como escapar, acabou saindo da escola.
Mas, antes, sem saber o que fazer, acabou pedindo para Luzia ajudá-lo.
Todavia, não havia nada que ela pudesse fazer.
Quando Adalgisa cismava com alguém, não havia nada que a segurasse.
Com isso, novamente, Luzia teve que se utilizar de ônibus para voltar para casa.
E assim o fez.
Porém, desta vez, ao voltar para casa, um homem começou a ir atrás dela.
Luzia ao perceber isso, tratou de apertar o passo.
Com isso, o homem também passou a andar mais depressa.
Quando a moça percebeu que não seria fácil se livrar dele, tratou logo de correr, e só parou assim que encontrou um lugar para se esconder.
Nisso, o homem continuou a procurando.
Porém, depois de algum tempo, acabou desistindo e indo embora.
Sua mãe, preocupada com a demora, pediu para que Lélio fosse atrás da irmã. Isso por que, assustada, Luzia não tinha coragem de sair de onde estava.
Temia que o homem voltasse.
Assim, Lélio teve que procurar muito para achá-la.
Como Luzia estava escondida, não foi fácil encontrá-la.
Mas persistente, o moço acabou encontrando-a.
Dessa maneira, sempre que voltava para casa, tomava cuidado para ver se ninguém a estava seguindo.
Contudo, apesar da dureza em que viviam, de vez em quando Luzia e suas irmãs, compravam algumas roupas para usar.
Como o dinheiro era escasso, as peças tinham que ser pagas em prestações. Mas as prestações eram tão longas que as vezes as roupas se acabavam, e ainda havia conta para pagar.
Nessa época, tanto Luzia, quanto Célia e Adalgisa, usavam mini-saia.
Mesmo nos dias mais frios, eram as roupas que tinham para usar.
Maquiagem, só Célia e Adalgisa que usavam.
Mas, pobres que eram, a maquiagem consistia em se passar um pó branco no rosto, e quanto muito, um batom nos lábios.
Célia, nessa época, trabalhava em casa de família.
Como doméstica, passava toda a semana na casa dos patrões.
O que para Juvenal era um alívio.
Em suas palavras, a ausência de Célia era algo bom por que assim, tinha uma boca a menos em casa.
Com uma pessoa a menos em casa, gastava-se menos com comida.
Célia, revoltada com isso, passou a não mais ajudar em casa.
Porém ela também não era fácil.
Ao saber que a louça que iria utilizar para suas refeições, não era a mesma que os seus patrões usavam, passou a lamber toda a louça da família.
Sentindo-se vitoriosa, inúmeras vezes, contou isso as irmãs.
Luzia, ao ouvir os comentários de Célia, tratou logo de adverti-la.
-- Se a sua patroa descobrir que você lambe os pratos dela antes de servir as refeições, ela vai te colocar no olho da rua.
Mas Célia nem ligava.
Além do mais, acredita que nunca descobriram.
Por isso mesmo, Célia trabalhou por muitos anos na casa desta família.
Porém, como nem tudo é só trabalho, as irmãs, bem como suas amigas, sempre que podiam, aproveitavam para passear e ir ao cinema.
Afinal de contas, ninguém é de ferro.
Assim, muito de vez em quando as moças saíam para passear.
Sim, por que era raro sobrar dinheiro para tal.
Além disso, com a proximidade dos exames do supletivo, precisavam aproveitar e estudar.
Afinal se queriam passar, precisavam se dedicar.
Foi o que todas fizeram, inclusive Luzia.
Aplicada, passava dias a fio estudando.
Por fim, foi fazer as provas.
Para sua alegria passou em boa parte das matérias, porém, algumas disciplinas ficaram pendentes.
Com isso precisou estudar mais um pouco, e depois fez novamente as provas.
Nessa segunda tentativa, conseguiu ser aprovada em todas as matérias pendentes.
Dessa maneira, encerrou-se o período de estudos.
E assim, só precisava ir ao trabalho.

Um dia, ao voltar para casa, percebeu dentro do ônibus, que havia esquecido sua carteira, dentro do armário da empresa em que trabalhava.
Ao constatar que estava longe demais para buscar a aludida carteira, conversou com o cobrador, na tentativa de explicar sua situação.
Dizendo que havia perdido a carteira, pediu ao cobrador, para deixá-la passar, pois no dia seguinte, quando encontrasse a carteira, prontamente o pagaria.
O cobrador concordou, e assim, deixou-a passar sem pagar.
Com isso, assim que Luzia encontrou novamente o cobrador, pagou a passagem de dias atrás.
Dessa forma, como não tinha mais que se preocupar com escola, a moça passou a ajudar a mãe na limpeza da casa.
E assim, a vida prosseguia.
Uma vez, quando Luzia e os demais saíram para trabalhar, um estranho adentrou a casa.
Isso por que, sempre que saía, Rute deixava a porta da casa aberta.
Como naqueles tempos, a violência não campeava solta, não havia problema nenhum em se deixar portas e janelas abertas.
Contudo, nesse dia, uma pessoa suspeita entrou em casa.
Quando Rute voltou da rua, depois de acompanhar os filhos até o ponto de ônibus, cansava que estava, resolveu se deitar e dormiu.
Quando acordou, percebeu que algumas coisas na casa, estavam fora do lugar.
Estranhando isso, passou a não mais deixar a porta aberta.
Depois do incidente, sempre que precisava sair, trancava a porta.
Nisso, conforme o tempo passou, Luzia arrumou um novo emprego.
Agora trabalhando em uma fábrica, a moça pôde conhecer pessoas novas, bem como um novo trabalho.
Foi nesse novo trabalho que ela ouviu de uma colega, uma história escabrosa.
A moça, contou para Luzia uma história muito triste que havia acontecido com um conhecido dela.
Esse conhecido, vítima da violência, acabou sendo mutilado.
Como essas, Luzia ouviu muitas outras histórias.
Algumas tristes, outras engraçadas.
Dessarte, agora que Luzia não estudava mais, freqüentemente passava os fins-de-semana ajudando a mãe em casa.
Ultimamente, sempre que saía do trabalho, ia direto para casa.
Utilizando-se dos trens para voltar para casa, certa vez, ao passar na estação, ficou sabendo de um acidente que ocorrera momentos antes, quando uma mulher, ao atravessar os trilhos, levantou a cancela que ficava ao lado e atravessou.
Porém, para sua infelicidade, vinha um trem do outro lado, em sentido contrário, que a pegou em cheio.
Nisso pedaços de roupa, sapato, pé, e de outras partes do corpo da mulher, voaram para todo o lado.
Quando Luzia passou, jazia um corpo estendido no chão.
Como os pedaços do corpo da mulher que haviam se espalhado, já haviam sido recolhidos e colocados ao lado do corpo – agora coberto de jornal, para que ninguém ficasse olhando –, Luzia não chegou a ver o estado em que a infeliz mulher ficou.
Luzia a partir de então, passou a ter mais cuidado quando passava nos trilhos. Isso por que, a cancela só funcionava se o transeunte tivesse paciência para esperar.
Sem isso facilmente, ocorreriam acidentes horríveis como aquele.
Vai ver que foi justamente por isso que cercaram os trilhos do trem.
Talvez tenham feito isso para evitar mais acidentes.

É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

Luciana Celestino dos Santos

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