Poesias

domingo, 19 de abril de 2020

Duelo do Sorriso Amarelo



I

E assim, de mudança em mudança
As crianças foram crescendo
Amadurecendo, e novas paragens conhecendo

Pois da longínqua São Paulo
Dos tempos do matrimônio dos pais
As crianças rumaram para as cálidas terras agrestes

Terra de lindos mares, lindas praias
Mar, sol, céu
De muitas histórias de um Brasil antigo

E Carlos adorava ouvir as histórias da mãe
Histórias sobre o cangaço
Heróis ou vilões?

Lampião e Maria Bonita andando pelos sertões
Andanças pelo inóspito Raso da Catarina
Em uma vida dura e áspera de trajes de couro, e chapéus e lenços
Luta pela vida, sobrevivência

Sempre que ouvia histórias do cangaço
Carlos imaginava um cangaceiro destemido
A defender os pobres e desvalidos
A enfrentar autoridades e a mostrar-lhes a injustiças do mundo

E não bandoleiros, como história indica terem sido

Sim, por que Vilma contava sobre a violência a civis
Mas também, sobre a perseguição que sofreram
A vida ao ar livre, sempre a se esconder
A prepararem sua comida em latas,
A dormirem em barracas improvisadas,
Ou ao relento mesmo
Banhando-se em rios
Sempre alertas, ao menor sinal de perigo

Vilma, contava sobre as as volantes enfurecidas
Implacáveis na busca e perseguição aos cangaceiros temidos
Bem como das recompensas por suas cabeças

Em diversos lugares, inúmeros cartazes
Ofereciam dinheiro em troca da localização do paradeiro dos malfeitores
Mas diante do terror que infligiam,
Que se atreveria a tal façanha?  

Vilma, como boa professora de história que era
Contava que depois de mortos, alguns cangaceiros
Decapitados foram, e cabeças exibidas tiveram
E depois de mortos,
Tiravam fotos com policiais exibindo as cabeças
E o material era amplamente divulgado em jornais

Ao ouvirem o relato, as crianças ficaram chocadas
Carolina ficava a pensar no horror da cena
Considerava os policiais violentos

E Vilma a explicar que era o modo de agir dos homens daquele tempo
Salientava que os cangaceiros também eram violentos
Pois matavam, roubavam, incendiavam propriedades, espancavam pessoas, entre outras coisas nefandas

Carolina ficava a se perguntar por que todos eram tão maus
E Vilma explicava que a vida dura de ambos os lados não lhes havia mostrado, que as coisas diferentes podem ser
Mudanças de comportamento levam gerações para se fazer sentir
E o que inaceitável o é em um tempo, passa no momento posterior, a aceito ser,
E que o contrário também acontece

II

Sendo assim...

Mas ao contrário do que pode parecer,
A idéia da mudança não fora repentina
Isto por que Vilma recebeu uma proposta de trabalho
Há vários meses, e prometeu que iria pensar no assunto     

Seu casamento já não andava bem
Com Antônio sempre nervoso e preocupado
A brigar com a esposa e os filhos
Sem ter tempo para conviver com a família
Antônio, cada vez mais distante

Assim, quando percebera que o casamento chegara ao fim
Pacificamente conversou com o marido
E comunicou-lhe o interesse em terminar o matrimônio

Tal notícia deixou Antônio surpreso,
Em que pese saber que a comunicação, seria apenas questão de tempo

E assim, Vilma encheu-se de coragem e falou...

Separaram-se
Dividiram os bens
Venderam o apartamento,
E Vilma vendeu eletrodomésticos, móveis e utensílios da casa
E o que não conseguiu vender, doou  

Desta forma, nada escondeu dos filhos e nem dos amigos
Nem ao término do casamento
Bem como do informativo da mudança para outro estado
Pois Vilma aceitara o convite

Para as crianças, narrou os fatos, dizendo que a decisão era irrevogável
Mencionou ainda, que recebera convite para lecionar história
Em uma universidade no Nordeste

Inicialmente as crianças informaram que não queriam ir
Que não queriam que eles se separassem
Choraram

Vilma e Antônio então, conversaram com as crianças e explicaram
Que o melhor seria se separarem
Melhor separados, do que juntos e infelizes

Antônio, recomendou aos filhos, que não ficassem com raiva de Vilma
Posto que a vida é deveras inconstante
E o que era certo em um momento,
Deixa de ser no momento seguinte

As crianças ouviam mas não entendiam
O que se podia fazer?
Vida que segue 

E assim, o homem disse-lhes ainda, que seriam felizes em um outro estado
O Nordeste é lindo
Que a Bahia é a terra da alegria
Comentou que já vivera por lá
E disse que eles sempre que pudessem, poderiam visitá-lo em São Paulo
Ou então ele iria vê-los no Nordeste       

E assim, aos poucos,
As crianças preparadas foram

Para um recomeço
Novo trabalho, projetos alvissareiros
Escola nova
Nova vida, ou vida nova, novos amigos
E a mãe em um novo trabalho

Todos estavam todos ansiosos e apreensivos com a mudança
Carlos imaginava-se banhando em lindas praias
Carolina perguntava a mãe se a água era tão quentinha quanto falavam
E Vilma respondia a todas as curiosidades
Pacientemente explicava como era o lugar, a cidade, as praias...

E os meses que antecederam a viagem
Muita organização envolveram
Roupas e mais roupas, além de alguns objetos e utensílios encaixotados
E muitos brinquedos...

E assim, viajaram de avião para o Nordeste
Antônio levou-os de carro até o aeroporto
Deixou-os na entrada do local, e despediu-se de todos 

Carlos e Carolina, ficaram a contemplar as aeronaves,
Comeram, e depois se dirigiram ao portão de embarque
Durante o voo, as crianças avistaram a cidade de São Paulo do alto, as nuvens
Imagens que as deixaram deslumbradas
Tiveram até, tempo de ficar impacientes... 
Até chegarem em seu destino

Desembarcaram, pegaram suas malas, pegaram um táxi
Dirigindo-se ao apartamento onde passariam a viver por algum tempo
Habitação alugada pela universidade, onde iriam morar

Não sem antes contemplar um pouco da beleza da cidade, da orla da praia
Dos prédios, das construções, da natureza
As crianças olhavam a paisagem da janela e ficaram encantadas

Nos dias que se seguiram, a mulher começou a lecionar na universidade
E as crianças passaram a frequentar a escola
No começo ressabiados, mas ao término de um mês, totalmente enturmados
Brincavam com os colegas
Assistiam aulas, participavam das atividades
As mestras eram só elogios as crianças,
Muito cordatas e educadas

Carlos e Carolina, ao término da aula, seguiam com a mãe para casa
Não sem antes passear um pouco pela cidade e até pela orla da praia,
Já que a morada em que habitavam distava cerca de 500 metros da praia

E as crianças adoravam andar
E andavam muito pelas ruas da cidade
Em tudo sendo novidade

De vez em quando a mãe lhes pagava um sorvete
E nos fins-de-semana aproveitavam o mar para brincar,
Andavam de bicicleta,
Brincavam em um parque perto de casa

E a mãe aproveitava para se exercitar em uma academia ao ar livre
Como as existentes em São Paulo
Usando até roupas de ginástica para isto

III

E a vida seguia leve para as crianças
E Omar, o cangaceiro de bom coração
A permear a imaginação do garoto,
Sempre a boas ações praticar

Carolina o contestava dizendo que os cangaceiros eram maus
Mas Carlos retrucava que na sua imaginação,
Os cangaceiros poderiam ser como bem entendesse

Vilma achava graça
E para estimular a imaginação das crianças,
Ficava a criar fabulosas histórias para Omar
Que por viver perto do mar, assim o fora destinado
A ser livre como o mar, rápido e bruto como o vento
E intrépido como a natureza da região

Era homem bom, que fora levado ao cangaço por circunstâncias da vida
Da qual não pudera se furtar
Pois matara um homem para defender uma mulher de uma injusta agressão
E para sempre, se encontrava a fugir da polícia

E assim, de fuga em fuga, chegou ao bando de Lampião
Sim, para Carlos, outro não poderia ser
E o afamado cangaceiro acolheu-o ao perceber que se tratava de homem muito habilidoso
Pois sabia trabalhar na forja, moldando objetos de metal
Transformava couro em peças requintadas, bem como entendia um pouco de cutelaria
E que para quem interessar possa, trata-se da arte de fazer belas facas

Carlos, ficava maravilhado com as aventuras criadas pela mãe
Para seu herói favorito,
Mais do que mocinhos de filmes de cowboy, Carlos se impressionava com os feitos heróicos de Omar
O cangaceiro de bom coração

Não demorou muito, para conflitar com Lampião
Mas a amizade seguiu
E Omar durante longo tempo, permaneceu no bando

Jamais delatou os companheiros,
Embora não concordasse com sua conduta, e jamais tenha participado de uma ação do bando
Mas era hábil para despistar as volantes
E por isto, ganhou o respeito de todos

E assim, a vida seguia leve
Escola, trabalho, passeios, praia, casa
Sonhos, imaginação

Pois Carlos gostava de fabular 

IV

Mas de repente, não mais que de repente
As coisas demudaram           
   
Foi mais ou menos assim:
Parecia que estava em um breu profundo
Uma escuridão que não tinha mais fim
E a cada passo, a escuridão aumentava mais e mais
O medo se avizinhava

A cada passo, mais a mais a incerteza chegava
A sensação da escuridão a envolver, mais parecia penetrar em seu ser
O terror a invadir suas faces, seu ser

Ruas escuras, casas escuras
Quase ninguém nas ruas
Quase ninguém

Às vezes, figuras estranhas passavam por eles
Brigas, vozes alteradas
Algumas vezes tiveram que correr
Quase morreram de susto

A vida não era mais a mesma, mas precisava prosseguir
Há tempos, sua mãe não ia ao Mercado
Precisavam fazer compras
E a mãe enfrentou o medo, o terror e o pavor, daquelas noites intérminas

Aquelas noite que se chegaram de mansinho, como quem nada quer e se instalaram no caos
A cada dia, ou melhor a cada noite, o cenário não mudava
A noite chegou escurecendo tudo

Tirando até as luzes de dentro das casas
A noite viera para tirar a luz de tudo
Até dos equipamentos elétricos
Há dias não viam a luz do sol, não assistiam televisão, e nem o computador usavam
Nada, nadica de energia elétrica

Situação que os angustiava deveras
Mas o que fazer?
Precisavam enfrentar a situação

E lá se foi a mãe fazer compras
E como se pode perceber, a ida ao Mercado foi uma verdadeira aventura

Ao lá chegar, em alguns locais do comércio, havia lâmpadas acesas
A mãe fez poucas compras
Apenas do necessário
E nesse clima de aventura, voltaram para casa

A irmã, entre curiosa e aflita, perguntou sobre tinha sido a ida ao Mercado
E a mãe, tentando confortá-la, disse que tudo estava tranquilo
Acariciou o rosto da filha, e disse que tudo ia ficar bem
A menina sorriu

Nos dias que se seguiram, mais do mesmo
Ou melhor, das noites que se seguiram...

Tudo começou em um dia que sua mãe saiu para trabalhar como sempre fazia
Acordou, tomou banho, se arrumou, preparou o café da manhã, acordou os filhos
As crianças se prepararam para ir a escola

Vestiram o uniforme sozinhos, tomaram o café da manhã preparado pela mãe
Café composto de leite, queijo branco, mamão e pão com manteiga
Depois escovaram os dentes, pegaram a mochila com o material escolar e juntamente à mãe, saíram de casa
Enquanto caminhavam, conversavam

Por fim, a mãe deixou os pequenos na escola

A seguir, se dirigiu ao trabalho
Ficou um longo período no ponto de ônibus esperando a condução
Esperava, esperava, e a condução não passava
Estranhou,
Começou a ficar preocupada

Aos poucos, pessoas se aproximaram
Também iam trabalhar
E também estranharam a demora

Começaram a reclamar entre si
Questionaram a demora
Horas se passaram
Por fim, desistiram

Curiosamente, caminhando, Vilma verificou muita gente voltando para casa

E antes de voltar para casa, foi atalhada por uma pessoa apavorada, que dizia que o mundo iria se acabar
Dizia palavras desconexas
Como que a noite iria tomar conta de toda a cidade, de todo o mundo
Dizia que seria uma noite sem fim
Alguns ao redor, chamaram-lhe de louca

Aflita, voltou a escola
Percebeu que uma fila havia de pais
E todos levavam seus filhos de volta para casa

Vilma, ao chegar na escola, foi repreendida pela professora.
Disse-lhe que estava a horas ligando para sua casa, para que viesse buscar as crianças
Vilma pediu-lhe  então desculpas
Disse que não estava entendendo nada, e indagou o motivo de tanta agitação

Impaciente, a mulher falou que a televisão estava noticiando a cerca de meia-hora acerca de um misterioso evento astrológico
Cidades inteiras e até países estavam mergulhados na escuridão
Lugares próximos do Brasil totalmente tomados pela noite
A professora disse que seria questão de horas para o negrume chegar ao Brasil

A ao ouvir isto, Vilma ficou pasma
Pegou as crianças e atônita, voltou para casa
Aflita pensou no que estava acontecendo...

  • Continua.  

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

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