Poesias

domingo, 5 de abril de 2020

Alegoria do Caos


Trinta anos depois, "Terra em Transe" mantém todo o impacto da obra de arte
poderosa.
A avaliação feita a seco não tem o menor propósito de fugir à discussão sobre as fragilidades do filme.
Continua lá, a colcha de retalhos que se estende de Resnais a
Antonioni, passando pelo primeiro Godard e outros mais: o trêmulo existêncialista ainda mela a angústia do personagem Paulo Martins, cuja versalhada vai a reboque de rompantes líricos de qualidade do poeta Mário Faustino: a temática agrária via CPC (Centros Populares de Cultura), historicamente inovadora, soa desenxabida diante da atualidade
muito mais consistente do Movimento dos Sem Terra.
A questão, porém é que em Glauber Rocha as coisas dão a impressão de andar a contrapelo, e o resultado as vezes, costuma ser – e neste caso é mesmo – um encontro estonteante de paroxismo e senso da verdade.
Paulo Emilio, que cortava no lugar certo, afirmou que em Glauber “as evidências de insensatez acabavam testemunhando um ‘cintilante equilíbrio’”. É claro que ele se referia ao cineasta, e não ao teórico e estrategista político que acabou dizendo "bom-dia" a cavalo.
Seja como for, vale lembrar o que Gilda de Mello e Souza explicou num ensaio breve e exemplar dedicado a "Terra em Transe": "A força de Glauber não consiste em exprimir um pensamento discursivo, e sim na maestria com que usa imagens para criar um universo plástico de equivalências, um sistema de metáforas e alegorias".

Os anos sessentas foram ricos em manifestações artísticas, um exemplo disso foi: "Deus e o Diabo na Terra do Sol", em que se é retratado o sertão nordestino, a seca, a miséria, a fome, os pagadores de promessa, como no caso de um homem que caminha vários quilômetros com uma pedra na cabeça.
Esta é a simbologia do auto flagelamento.
A exploração da fé, do desespero, o pagamento das promessas.
O filme retrata essa realidade, a seca que castiga o sertão.
Segundo o beato do filme: "O sertão vai virar mar e o mar vai
virar sertão".
As personagens do filme são induzidas a carregarem a pedra na cabeça para
pagarem uma promessa, o beato lhes estimula a fazerem isso.
Este filme retrata essa realidade.
É um painel da dura realidade do Nordeste.
Muitas peças foram realizadas nesse período.
Chico Buarque compôs uma música que deu origem a uma delas, sendo esta extremamente combatida.
Muitas peças realizadas pelo país, foram rotuladas como de esquerda e os artistas que participaram destas peças, foram perseguidos pelos policiais que representavam o governo de direita.
Políticos, jornalistas, estudantes, artistas entre outros, foram presos, torturados e até mortos.
Além de filmes e peças de teatro, surgiram nessa época muitos cantores, através dos festivais.
Um desses exemplos são: "Os Mutantes" – conjunto de rock dos loucos anos 60, fazia um rock mais pesado à lá Rolling Stones, além de ser muito mais questionador do que a Jovem Guarda.
Junto com Caetano Veloso e Gilberto Gil, "Os Mutantes" criaram um movimento
musical conhecido como "Tropicália".
Além deles, outros cantores participaram deste movimento como Tom Zé por exemplo.
Esse movimento homenageou a Jovem Guarda, que nesse período já começava a perder prestígio, e a Bossa Nova.
Começando pelas guitarras, algumas colagens de músicas de Roberto Carlos e
algumas citações sociais, transformaram a "Tropicália" num movimento musical
contundente.
Na época foram rotulados de alienados, e muitas vezes foram vaiados em
público.
Na década seguinte Rita Lee, formou outro grupo de rock intitulado "Tuti-fruti". Cumpre salientar que foi, e é uma das grandes figuras do nosso rock, questionou de certa forma os padrões da sociedade vigente, sempre fez o gênero rebelde, e foi presa nos anos 70 por porte de maconha.
Nessa época, fez algumas canções que são conhecidas até hoje, como por exemplo: "Ovelha Negra", "Mamãe Natureza", "Menino bonito" entre outras.
Agora, temos que falar do "cinema novo", uma câmera na mão e uma idéia na
cabeça.
Com essa temática realizou-se o filme "Os Cafajestes", de Ruy Guerra e "Terra em Transe", de Glaúber Rocha.
Nesta época foi montada a peça "O rei da vela" que contava a história de um
industrial que fabricava velas, baseada em escritos de Oswald de Andrade. Nessa época surgiu o ‘cinema novo’, movimento que revolucionou o cinema nacional.
Rogério Sganzerla realizou vários filmes, cuja temática era a pobreza, a miséria, e a escória da sociedade.
Um exemplo disso foi o filme "O bandido da Luz Vermelha", que conta a vida do bandido João Acácio, que estuprava, matava e roubava suas vítimas.
Foi também diretor de outros filmes, mas seu estilo era mesmo underground ou udigrudi, cineasta da realidade, falava da pobreza, da chamada boca do lixo.
"Os pequenos burgueses", peça que foi montada durante o regime militar, também era politizada.
Nesse período conturbado da história política do país, os jovens liam autores
russos, sobre as teorias socialistas, sendo que o período mais intenso dessa vontade de igualdade social se deu na década de setenta com as guerrilhas urbanas.
Nesse momento, a Tropicália surgiu para revolucionar a nossa música resgatando outros estilos.
Caetano dizia:
"Só a retomada da linha evolutiva pode nos dar uma organicidade para selecionar e ter um julgamento de criação. Dizer que samba só se faz com frigideira, tamborim e um violão, sem sétimas e nonas não resolve o problema."
Alegria, Alegria com seus fragmentos da realidade, bombas, Brigitte Bardot. Um mundo de espaçonaves e guerrilhas, Coca-cola, o mundo das bancas de revista, da informação rápida, do mosaico informativo de que fala Marshall McLuhan.
Com seu inicio tocado com uma guitarra, nos remete aos primeiros acordes do rock and roll, mais precisamente a Jovem Guarda, além de algumas citações jovem-guardistas, Brigitte Bardot, e:

"O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia..."

Outro trecho da música:

"Eu vou,
Sem lenço sem documento.
Nada no bolso ou nas mãos.
Eu quero seguir vivendo..."

Esse trecho da música se refere a uma viagem de ácido mais conhecido como LSD ou ácido lisérgico.
Essa música também mostra um lado hippie quando fala nessa despreocupação em viver, que assim como os garotos da Jovem Guarda eles também tinham
essa tranquilidade.
Uma poética simples sem grandes preocupações com grandes idéias filosóficas. Caetano era adepto da cultura de massa.
Numa cerimônia flower power casou-se Dedé Gadelha.
Adotou na Tropicália uma mistura de estilos, Jovem Guarda com Bossa-Nova, com Beatles, com a filosofia dos hippies, transformando tudo numa geléia geral.
Criticado na época por ser alienado, recebeu os mais sinceros agradecimentos de alguns cantores da Jovem Guarda que diziam:
"A Tropicália foi uma Jovem Guarda com consistência política."

Nara Leão nessa época começara a fazer samba social, no qual falava das vantagens de se viver no morro, apesar de fazer parte da elite carioca.
Período em que abandonou a
Bossa-Nova onde era musa, para investir em outras vertentes.
Foi criticada por seus amigos bossa-novistas, de estar abandonando o movimento que lhe deu fama.
Durante a Tropicália fez parte do movimento.
Nessa época tinha também rivalidade com Elis Regina.
Mas o que interessa aqui é o seu lado musical.
Outra figura de destaque nesse panorama é Leila Diniz, atriz de novelas e filmes, além de peças de teatro.
Considerada pela esquerda de alienada, e pela direita como sendo de esquerda, não tinha posição política estabelecida, lutava por seus direitos, foi feminista
antes da palavra virar moda.
Como se pode observar, ela estava a frente do seu tempo.
Tanto é assim que a lei do divórcio levou o seu nome.
Acreditava no amor livre sem compromisso.
Foi perseguida pela censura, pelos militares.
Teve sua prisão decretada, por causa de uma entrevista na qual dizia uma série de palavrões, que foram trocados por asteriscos, e fugiu, tendo que se esconder na casa de amigos.
O filme que realmente retratou sua personalidade contundente e marcante foi: "Todas as mulheres do mundo", no qual um homem acreditava que ela era a representação de todas as mulheres do mundo.
Para ela nada era pecado, nem mesmo amar dois homens ao mesmo tempo. Assim como Nara Leão foi musa, sendo que Nara era musa da Bossa-Nova.
Rita Lee compôs uma música falando de Leila Diniz, eis aqui um trecho:

"Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher é meio Leila Diniz..."

"Domingo no Parque" de Gilberto Gil teve a base musical tocada por guitarra. Quem fez a parte tocada na canção, foi o conjunto "Os Mutantes". A música fala de um crime que ocorre num parque de diversões:

"O rei da brincadeira-é José.
O rei da confusão-é João.
Um trabalhava na feira-é José.
Outro na construção-é João.

Na semana passada, no fim da semana,
João resolveu não brigar.
No domingo de tarde saiu apressado.
E não foi pra ribeira jogar.

Capoeira.
Não foi pra lá, pra ribeira,
Foi namorar.

O José como sempre, no fim da semana.
Guardou a barraca e sumiu.
Foi fazer, no domingo, um passeio no parque,
Lá perto da boca do rio.

Foi no parque que ele avistou.
Juliana,
Foi que ele viu.

Juliana na roda com João.
Uma rosa e um sorvete na mão.
Juliana seu sonho, uma ilusão.
Juliana e o amigo João.

O espinho da rosa feriu Zé.
E o sorvete gelou seu coração.
O sorvete e a rosa-é José.
A rosa e o sorvete-é José.

Oi dançando no peito-é José.
Do José brincalhão-é José.
O sorvete e a rosa-é José.
A rosa e o sorvete-é José.

Oi girando na mente-é José.
Do José brincalhão-é José.
Juliana girando-oi girando.

Oi na roda-gigante-oi girando.}2vezes
O amigo João-oi João.

O sorvete é morango-é vermelho.
Oi girando e a rosa-é vermelha.
Oi girando, girando-é vermelha.
Oi girando, girando-olha a faca.

Olha o sangue na mão-é José.
Juliana no chão-é José.
Outro corpo caído-é José.
Seu amigo João -é José.

Amanhã não tem feira-é José.
Não tem mais construção-é João.
Não tem mais brincadeira-é José.
Não tem mais confusão-é João.”
(Gilberto Gil)

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Informações extraídas do livro: A Revolução Impossível, de Luis Mir, o livro Anos Rebeldes, baseado na minissérie exibida na rede Globo, e matérias publicadas no Jornal O Estado de São Paulo, ano de 1997. 

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