Poesias

domingo, 19 de abril de 2020

.....E A CHUVA QUE CAÍ - CAPÍTULO 6 - VERSÃO OFICIAL

Ainda cabe a nós contarmos a histórias do passado.
Como aquele episódio em que ... Como é que era mesmo?
Juvenal, em conversas com a esposa, sempre lhe contava assuntos pitorescos de sua vida.
Uma vez contou que seu pai, Juvêncio, ao perceber a aproximação dos soldados
paulistas, por medida de segurança, pediu a sua mulher que escondesse todas as filhas moças no porão.
Isso por que temia que os soldados estivessem mal intencionados, e prevenir era melhor do que remediar.
Assim foi feito.
Como não sabiam por quanto tempo os soldados iriam permanecer na casa, a mãe resolveu deixar com as filhas, um fardo com comida, para que pudessem se alimentar, quando tivessem fome.
Além disso, roupas também foram providenciadas para elas.
Com isso, os soldados então finalmente chegaram ao sítio.
Pareciam não querer confusão.
No entanto, naqueles tempos de Revolução, todo cuidado era pouco.
Por isso mesmo Juvêncio fez questão de recebê-los bem.
Como os soldados pareciam estarem famintos, Juvêncio, percebendo que já era hora do almoço, convidou-os para almoçarem em sua casa.
Lá, os soldados se serviram de uma boa comida, e depois de pernoitarem na pequena propriedade, partiram.
Assim, enquanto os soldados permaneceram na casa, somente a mulher, Dona Aurora, os filhos, e duas meninas, é que ficaram na casa.
As moças estavam reclusas no porão.
Porém, foi só os soldados se distarem na estrada, que Juvêncio mandou imediatamente, liberar as moças do claustro.
Essas, ao saírem do porão, comentaram:
-- Ainda bem que a senhora nos deixou sair de lá. Nós não estavamos mais agüentando ficar tanto tempo trancadas.
Realmente, o porão era um lugar frio, escuro e úmido.
Se ficassem por mais algum tempo lá, facilmente adoeceriam.
Contudo, não havia escolha, ou eles escondiam as filhas, ou sabe-se lá o que poderia ter acontecido.
E Juvêncio não poderia admitir que nada de mal lhes acontecesse.
Afinal, gostava muito das moças.
Juvenal sabia de toda essa história, por que ele era um dos meninos que, em companhia de seu pai, havia presenciado tudo.
E para ele, tudo estava tão vívido em sua memória, que sempre que podia, fazia questão de comentar sobre seu passado.
Adorava as histórias de seu pai.
Mas adorava sobremaneira, contar as suas.
Como as histórias de velório.
Juvenal adorava essas histórias, por que estas demonstravam o quanto ele era galhofeiro.
Debochava de tudo.
Isso mesmo.
Para Juvenal era extremamente divertido o ritual de levar o defunto em uma rede – já que naquelas paragens, não havia funerárias, nem mesmo quem tivesse dinheiro para comprar caixões.
Mas era mais divertido ainda, passarem antes em um bar e beberem tudo o que tivessem direito.
Muitas vezes, por conta disso, quando se prontificavam em levar o corpo até o
cemitério, já estavam tão bêbados que perdiam a conta das vezes que derrubavam o defunto no chão, por perderem o equilíbrio.
E assim, era a procissão até o cemitério, um grupo de trôpegos e bêbados que se encarregavam de levar o defunto até sua morada final.
Por conta disso, as crianças, quando ouviam suas histórias, morriam de rir.
Sim, era extremamente divertido ouvirem o pai contar suas peripécias.
Mas melhor ainda, era quando o podiam acompanhar em suas idas até a cidade.
Luzia, adorava parar em uma padaria, e ver o pai pedir um lanche de metro, enorme, composto de pão e mortadela.
Para ela, que não tinha por hábito comer essas coisas, era uma verdadeira alegria passear na cidade.
Além de mudar de ares, era uma das raras oportunidades comer o afamado lanche.
Mas também, algumas vezes, apesar de seu pão-durismo, Juvenal era até capaz de levar um lanche assim para casa.
Quando isso acontecia, era uma festa.
O sanduíche não durava nem cinco minutos.
Mas ainda assim era bom.

Só não era bom quando Juvenal recebia visita e fazia os filhos esperarem para comer.
Era assim.
Enquanto Rute preparava o almoço, Juvenal conversava com as visitas.
Nisso as crianças permaneciam trancadas no quarto.
Quando a refeição estava pronta, o marido e as visitas eram servidas, e todos os
adultos almoçavam, inclusive Rute.
Depois do almoço, conforme as visitas iam ficando, Juvenal continuava conversando, e a comida esfriando.
E assim, as horas passavam.
E as crianças trancadas no quarto, sem terem almoçado.
A regra era essa: quando Juvenal recebia visitas, ele e seus convidados eram os
primeiros a comer.
Com isso, pode se perceber, que as crianças só comeriam depois, e se sobrasse alguma coisa.
Porém, não era só isso.
Não bastasse o atraso no almoço, as crianças tinham que esperar a visita ir embora para que então, pudessem aparecer e finalmente almoçar.
Criança sofria nessa casa.
Por isso, quatro horas depois, quando finalmente as visitas foram embora, é que as crianças puderam então, finalmente almoçar.
Nisso a comida já estava gelada, e não bastasse isso, boa parte da mistura já havia acabado.
Mas mesmo as crianças famintas, almoçaram.
Outra péssima mania não de só de Juvenal, mas de boa parte dos rurícolas, era guardar dinheiro debaixo do colchão.
E Juvenal não era exceção.
De tão pão-duro, chegava a reclamar quando tinha que
comprar material escolar e sapato para os filhos.
Sovina, sempre dizia que eles os estava fazendo gastar muito.
Mas alguns gastos eram necessários.
E assim ia ele comprar caderno e lápis para a garotada.
A faca, era um ótimo apontador para ele, então, não havia necessidade disso.
E assim era.
Se por algum motivo a ponta do lápis quebrasse, estavam perdidos.
Isso por que, não teriam outro para usar no lugar.
Sapato, Juvenal se recusava a comprar.
Dizendo que os filhos iam crescer logo e com isso, perder o calçado, considerava tais compras, um desperdício de dinheiro.
E assim, ia guardando mais e mais dinheiro debaixo do colchão.
Mas isso era uma tolice.
Afinal, com as constantes mudanças de moeda que país viveu por longos anos era até insensato guardar dinheiro, num lugar tão esdrúxulo.
O certo, era, conforme o dinheiro fosse aparecendo, depositá-lo em uma conta num banco.
Contudo, Juvenal, assim como todos os trabalhadores rurais da época, não tinham esclarecimento.
Além disso, eram muito teimosos.
Para muito deles, banco não era uma instituição confiável.
E assim, ao longo dos anos, quando finalmente pensavam em fazer uso
do dinheiro, percebiam ou que este estava desvalorizando, ou então, que já não valia mais nada.
E nisso os filhos de Juvenal iam vivendo com o mínimo necessário para a vida.
E nesse ponto, até que as coisas iam indo muito bem.

Não fossem as confusões armadas por ele, poderiam ter vivido durante toda a vida em uma mesma cidade.
Mas não foi isso que aconteceu.
Por conta de alguns envolvimentos extra-conjugais, Juvenal e sua família, eram
compelidos a sempre mudarem de cidade.
Isso por que, Juvenal quando se envolvia com outras mulheres, sempre arrumava confusão.
Uma vez, ao tentar impressionar uma delas, acabou se dando mal.
Isso por que, tentando ganhar sua confiança, resolveu visitá-la levando um pacote de farinha.
Mas a dama não gostou do gesto de Juvenal e lhe atirou o pacote nas fuças. Não bastasse isso, disse-lhe para nunca mais procurá-la.
Nisso o sitiante saiu correndo e nunca mais voltou.
Mas isso até que foi pouco.
Algumas vezes, envolvido com amantes, acabou arrumando confusão até para a
esposa, que tinha que enfrentar mulheres que a ameaçavam, dizendo-lhe para sair da cidade.
Por essas e por outras, o sitiante tinha que freqüentemente arrumar seus poucos pertences, e se mudar com a família para outro lugar.
E assim, tinha que trabalhar nas fazendas vizinhas ao lugar em que estava vivendo.
Com isso muitas vezes, trabalhava pesado para levar dinheiro para casa.
Em um desses trabalhos, ao cortar cana em um canavial, teve a perna cortada pela foice, que por um triz não o aleijou.
Assim com a perna ensangüentada, percorreu toda a plantação de cana, até encontrar alguém que o pudesse socorrer.
Por conta disso, andou quilômetros.
Forte que era, agüentou firme a caminhada, mesmo com a perna cortada.
Devidamente socorrido, Juvenal levou meses para se recuperar.
Com a perna costurada, teve ficar de molho por um bom tempo.
Porém, depois que se recuperou, mais do que depressa, voltou para o trabalho, e novamente, voltou a arrumar confusões.
Em uma dessas mudanças, o seu motivo principal não foi mulher e sim uma bebedeira que tivera, o que o fez destratar seu patrão – o dono das terras em que estava trabalhando –, e por conta disso, foi demitido.
Sem moral para continuar vivendo na cidade, só restou a ele, reunir sua família, e novamente se mudar para outra localidade.
E foi assim a vida da família.
De cidade em cidade, tiveram que abrir mão de muitas coisas.
Aliás, foi por conta de uma dessas mudanças que a família perdeu a pequena
propriedade que tinha, e nunca mais conseguiu reunir dinheiro para adquirir um novo sítio.
Por conta dessas andanças chegaram até a região metropolitana de São Paulo, que nesta época, era somente mato.
A noite as ruas barrentas, eram assustadoras.
Não havia luz.
Foi numa dessas cidades que certa vez a família, já cansada de tanto se mudar,
adoeceu seriamente.
Quase todos ficaram acamados.
Foi uma moléstia grave.
Contudo, por sorte todos acabaram se recuperando e retomando suas vidas.
Foi aí então Rute que, já acostumada com as grosserias de Juvenal, voltou a ouvir as reclamações e imprecações do marido.
Sim por que este sabia ser extremamente rude com a mulher.
Xingava-a sem cerimônia.
Mas isso ele fazia com os filhos também.
Juvenal era extremamente mal-criado com todos da família.
Mas não era um tipo prepotente.
Muito pelo contrário, estava mais para um matuto típico, do que para um déspota.
Seu jeito de andar e de falar, eram muito engraçados.
Sua figura era bastante divertida.
E seus filhos, entre eles Luzia, souberam, mesmo depois de crescidos, o quão
importante eram essas lembranças.
Tão importantes que tempos depois, mesmo depois de casada e com filhos, Luzia fazia questão de lembrar com carinho, de seu pai, apesar de todos os defeitos que este possuía.
Isso por que, a despeito de seu jeito rude, Juvenal era capaz de atitudes extremamente generosas com pessoas que mal conhecia.
Quantas e quantas vezes ele não levou pessoas estranhas para casa, e até as ajudou arrumando comida e trabalho?
Muitas vezes.
Era tão generoso que muitas vezes, essas pessoas ficavam por meses vivendo em sua casa juntamente com seus filhos.
Eram mendigos, andarilhos, passantes.
Juvenal não tinha nenhum preconceito com relação a essas pessoas.
Mas esses eram outros tempos.
Hoje, vai tentar fazer isso para ver o que acontece ...

É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Luciana Celestino dos Santos

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