Porém convém ainda, relatar alguns acontecimentos da infância dos meninos e
meninas de Juvenal e Dona Rute.
Sim, os meninos do casal, apesar de levarem uma vida de dificuldades, sabiam
perfeitamente aproveitar a vida.
Alegres, sempre que podiam, aproveitavam para brincar.
Em criança, realizavam as rodas de ciranda cantando:
“Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar
Vamos dar a meia-volta
Volta e meia vamos dar
O anel que tu me deste
Era de vidro e se quebrou
O amor que tu me tinhas
Era pouco e se acabou.”
Assim, de mãos dadas, as crianças organizavam uma roda, e todas juntas brincavam.
Brincavam, brincavam até se cansarem.
Na brincadeira do passa-anel, a meninada estendia os braços e com as mãos fechadas, se ofereciam para serem gentis guardiões do famigerado anel.
Aliás, só vencia a brincadeira, quem descobrisse na mão de quem estava o anel.
Portanto, um terceiro participante, só ficava a olhar a brincadeira.
No esconde-esconde, um dos meninos ficava de costas para o grupo, contando
números e esperando a hora certa para ir atrás dos irmãos que haviam se escondido.
Com isso, o mesmo só seria proclamado vencedor se conseguisse descobrir onde todos estavam escondidos.
Se um dos escondidos conseguisse passar sem ser descoberto, este ganhava a brincadeira.
Na brincadeira da cabra-cega, um dos participantes tinha os olhos vendados e tentava descobrir onde estavam as pessoas.
Como não tinha a visão a seu favor, tinha que se guiar pelos sons emitidos pelas pessoas.
Essas brincadeiras eram a diversão da garotada.
Algumas vezes, de tão animados, aproveitavam para cantar:
“Pirulito que bate-bate
Pirulito que já bateu
Quem gosta de mim é ela
Quem gosta dela sou eu.”
Nas brincadeiras de peão, um dos meninos, depois de muito trabalhar,
confeccionando peças de madeira, aproveitando alguns cordões que encontravam pela casa, amarravam-no no brinquedo e o soltavam no quintal da casa, só para testá-lo.
Isso por que, se o brinquedo funcionasse, poderiam passar tardes inteiras brincando com ele.
E assim, constatada a eficiência do brinquedo, os meninos passavam tardes inteiras a brincar com o peão.
A brincadeira era assim: primeiramente, levavam o peão para quintal, lá, jogavam-no chão, segurando a corda.
Enquanto isso, o peão rodava, rodava, rodava.
Era divertido observar a trajetória do peão.
Nessas tardes ou mesmo manhãs fagueiras, aproveitavam também para cantar:
“Atirei o pau no gato tô tô
Mas o gato tô tô
Não morreu reu reu
Dona Chica ca ca
Admirou-se cê cê
Do berro, do berro
Que o gato deu
Miau.“
Quanto ao pega-pega, era uma correria.
Isso por que, quem fosse pego, perdia a brincadeira.
De formas que, as crianças faziam de tudo para não serem pegas.
Era muito divertido.
Além disso, aproveitavam também para pularem corda.
Quando brincavam de corda, tinham que pular a corda no momento certo.
Se se atrapalhassem com a corda, ou se enroscassem nela, estavam fora da brincadeira.
As crianças, depois de brincar de pular corda, adoravam brincar de amarelinha.
Com relação a esta última, antes de começarem a pular as casas, tinham que marcar, com uma pedrinha, o lugar que deveriam evitar pular.
Isso por que, se pulassem nesse lugar, estavam fora da brincadeira.
Muitas vezes, sem recursos para comprar bonecas, algumas meninas montavam suas próprias bonecas com sabugo de milho, fazendo cabelos para elas, além de algumas roupas, que costuravam com linha e agulha, aproveitando sobras de sacos e panos velhos.
E muito embora parecesse e fosse difícil a vida dessa meninada, eles eram felizes.
Tão felizes que nos folguedos juninos, sempre cantavam a famosa ‘Capelinha de
Melão’:
“Capelinha de Melão
É de São João
È de cravo é de rosa
É de manjericão
São João está dormindo
Não acorda não
Acordai e acordai,
João.”
Ou então animados, cantavam a música do ‘Cai cai balão’:
“Cai cai, balão
Cai cai balão
Não cai não
Não cai não ...”
Todas essas, lindas canções populares, bastante conhecidas pelo povo da região, e certamente ainda são lembradas por muitos.
Contudo, além dessas canções, existem outras com as seguintes:
“O cravo brigou com a rosa
Debaixo de uma sacada
O cravo saiu ferido
E a rosa despedaçada
O cravo ficou doente
A rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio
E a rosa pôs-se a chorar.”
Agora passemos a falar da música que era bastante cantada pelos alunos do grupo escolar.
Por ser a música favorita de Juscelino Kubtscheck, a professora fez questão de ensinar todos a cantar a música, que era assim:
“Como pode o peixe vivo
Viver fora d’água fria
Como pode o peixe vivo
Viver fora d’água fria
Como poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia
Os pastores desta aldeia
Já me fazem zombaria
Por me ver assim chorando
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia.”
Porém, nem só de cantigas singelas era a vida das crianças.
Certa vez, Luzia, ao ouvir uma música que os adultos cantavam, fazendo as devidas adaptações, passou a cantá-la também, mesmo sem saber o que a letra dizia.
Porém, mesmo sem intenção de chocar, Dona Rute, ao ouvir a música, ficou furiosa com a filha.
Afinal de contas, como Luzia podia cantar uma barbaridade daquelas?
Por muito pouco a menina não acabou apanhando.
Não apanhou por que uma das visitas, não deixou que Rute batesse na filha.
A mulher dizia, que a menina não tinha tido a intenção de ofendê-la ao cantar a
música.
Apenas estava contente e não sabia o que estava cantando.
Ao ouvir as explicações da amiga, Rute acabou deixando de lado a bronca, e Luzia, mais do que depressa, procurou sair da sala.
Ademais, ressabiada, Luzia nunca mais voltou a cantar a música.
Com isso os dias foram se passando e a vida transcorreu normalmente.
Não fosse por um pequeno incidente, não haveria nenhuma novidade a ser contada.
Certa vez, a avó das crianças, tentando flexionar a perna e passá-la em volta dos ombros, acabou se embananando toda.
Resultado, ao invés de conseguir realizar a tal proeza, acabou se enrolando toda.
Se enrolou de tal maneira, que não conseguia nem se mexer.
Em razão disso, teve que esperar os filhos voltarem do trabalho para que estes, com todo o cuidado e paciência, a desenrolassem.
Com isso, ao término da brincadeira, a velha senhora estava toda descomposta.
Também, pudera.
Luzia ao ouvir a história da avó, achou graça, mas para não aborrecer a mãe, procurou disfarçar o riso.
Realmente, seria cômico se não fosse trágico.
Um dia professora do grupo escolar, aproveitando o ensejo, dado que a aula havia se encerrado, resolveu ensinar outra canção aos alunos.
Animada a mestra lhes ensinou esta música, a qual, algumas vezes, os alunos
aproveitavam para cantar.
A letra é a que se segue:
“ A estrela D’Alva
No céu desponta
E a lua anda tonta
Com tamanho esplendor
E as pastorinhas
Pra consolo da lua
Vão cantando na rua
A lindos versos de amor
Linda pastora
Morena da cor de Madalena
Tu não tens pena de mim
Que vivo tonto com o teu olhar
Linda criança
Tu não me sais da lembrança
Meu coração não se cansa
De tanto, tanto te amar.”
Belíssima canção eternizada pelas cantoras do rádio.
Estas eram as melodias que as crianças estavam mais acostumadas a ouvir e cantar.
Contudo, além de brincarem de vez em quando, as crianças, durante as visitas que a avó fazia a eles, ou mesmo quando eles visitavam a velha senhora, aproveitavam para ouvirem e se arrepiarem com as histórias que ela contava.
Para eles, crianças que eram, as histórias eram arrepiantes.
Como boa contadora de causos, a gentil senhora, adorava contar sobre a lenda do lobisomem.
Monstro pavoroso, que nas noites de lua cheia, abandonando sua condição humana, se transformava em lobo.
Sanguinário, passava madrugadas inteiras procuram algo para caçar.
Numa dessas buscas, o lobo acabou por encontrar uma criança, que carregada por sua mãe, conseguiu escapar de sua sanha devoradora.
Porém, na fuga, o lobisomem, agarrando a manta da criança, ficou com fiapos de tecido presos no dente.
Não logrou êxito em seu intento.
Mas o lobisomem conseguiu pregar um belo susto na mulher e na criança.
Luzia e seus irmãos, ao ouvirem a história contada pela avó, ficaram deveras
assustados.
Tanto que para dormir, tiveram que se abraçar.
Isso por que, as histórias da velhinha, eram apavorantes.
Contudo, nem tudo na vida deles era brincadeira e histórias.
Acostumados com a dura vida no campo, nunca souberam o que era ganhar um
presente de Natal.
Por isso, quando viam as crianças na cidade cantando músicas de Natal, não conseguiam entender por que a vida delas era tão diferente.
Contudo, não eram infelizes por isso.
Ao contrário, eram bastante determinados.
Clementino por exemplo, tinha uma grande facilidade em aprender coisas novas, por isso, muitas vezes, sem precisar de muito esforço, conseguia se sair bem nas provas.
Luzia também, embora precisasse se dedicar um pouco, era extremamente inteligente.
Tão inteligente e habilidosa, que foi chamada pela própria professora do grupo escolar, para dar aulas para uma coleguinha que estava tendo dificuldade com os estudos.
Prestativa, Luzia atendeu prontamente o pedido da professora, oferecendo-se para ajudar a garota a estudar.
Porém, por mais que se esforçasse para se fazer entender, a garota não conseguia aprender nada do que era explicado.
A uma certa altura, cansada de explicar sempre a mesma coisa, Luzia acabou fazendo os exercícios para a garota.
Depois disso, ela comentou com seus irmãos:
-- Nunca mais. É muito complicado explicar algo para alguém assim. Não dá.
E nunca mais voltou.
Muito embora a casa da garota fosse luxuosa e o lanche da tarde saboroso, Luzia não tinha interesse nenhum em voltar a ensinar as lições da escola para a garota.
Isso por que, além da garota não conseguir aprender nada do que era ensinado, a mãe da mesma era muito pão dura e mesquinha.
Não gostava quando sua filha se misturasse com as crianças mais pobres que estudavam no Grupo Escolar.
Dessa forma, não era nem um pouco confortável para Luzia, freqüentar a casa da família.
Por isso mesmo, nunca mais a garota, voltou a casa da menina.
Essa era a vida da família.
Os filhos viviam em meio a natureza.
Tomavam banho de vez em quando, andavam descalços e nem escova de dentes tinham.
Para cuidar dos dentes, somente os dedos.
Roupas era somente o indispensável.
Porém, frutas, podiam comer regaladamente.
Embora não tivessem muita opção, as frutas que tinham, tinham em profusão.
Sim, apesar de terem uma alimentação simples, não se alimentavam mal. Passavam dificuldades, mas nunca necessidade.
Com isso, as crianças, muitas vezes preguiçosas, não ajudavam muito em casa.
Mas adoravam nadar no ribeirão.
Muitas vezes enquanto Dona Rute lavava roupas, seus filhos brincavam nas águas calmas do ribeirão.
Também adoravam brigar entre si.
Além disso, sentiam também, um pouco de ciúme das atenções dadas a um estranho.
Certa vez, uma vizinha que estava de visita, resolvendo ser prestativa, ofereceu-se para buscar água para Rute.
Cuidadosa, foi e voltou diversas vezes do ribeirão, trazendo algumas latas com água.
Luzia, que era quem sempre fazia este trabalho, sentiu-se preterida e aborrecida, contou a mãe que a vizinha havia bebido água na própria lata.
Dona Rute ao ouvir isso, jogou toda a água fora e disse:
-- Que porquice! Se era para fazer isso, era melhor não ter feito nada.
Ao ouvir isso, Luzia ficou extremamente satisfeita.
Isso por que ela agora poderia trazer a água para a mãe.
E ela assim fez.
Dessa forma, percebe-se que Luzia também aprontava de quando em vez. Apesar de esforçada e responsável, como toda criança, gostava de brincar, e de vez quando, acabava aprontando alguma reinação.
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Luciana Celestino dos Santos
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