Poesias

sábado, 7 de março de 2020

... E A CHUVA QUE CAI - CAPÍTULO 1 - VERSÃO OFICIAL

"Nesse mundo cheio de dinheiro e de ambição
Tenho andado procurando uma ilusão
Muita gente esquece a vida
Faz morrer a esperança
Sem querer acreditar que existe amor

O mundo está mudando
Sem querer se perdendo
E no céu milhões de nuvens
Já começam a chorar

E a chuva cairá neste mundo pequeno... ”
(Os Caçulas)

A chuva na janela prenuncia que o mal tempo vai continuar, deixando todos presos em casa olhando o mundo pela janela.
O mundo que parecia cada vez maior, visto pela vidraça da janela.
Pelos olhos das crianças corriam as paisagens verdejantes do lugar.
Vista tão longínqua e ampla.
Também havia o céu azul, que escurecido pela chuva, não se podia ver claro.
Nos campos, plantações verdejantes.
A colheita ao fundo da paisagem, agradecia ao suave presente do céu.
As gotas caíam suaves, molhando os grotões, encharcando a terra, gotejando sobre as folhas, e os pássaros procuravam se abrigar nos ninhos no alto das árvores.
O céu.
Ah! O céu, ... que permanecia escuro e sombrio, entristecia a tarde.
A tarde caía lá fora e o tempo ficava cada vez mais triste, enquanto a temperatura baixava e a chuva se transformava em pesadas pedras de gelo.
E o tempo.
O tempo transcorria cada vez mais lento, com as crianças a olharem para a janela.
Pela janela, se admiravam com o que viam.
Nunca viram chover pedra antes.
Tudo neste mundo infantil quando visto pela primeira vez, é lindo e mágico.
As pedras caíam pesadamente sobre o chão de terra, já molhado.
Machucavam as plantas que, passivas, nada mais podiam esperar.
E a chuva que caí ... A chuva que continua caindo ... e o tempo que passa, cada vez mais lento.
Nada para se fazer, talvez toda a esperança de trabalho perdida.
Talvez toda a plantação se perdesse em meio a fome arrasadora da chuva de pedras.
-- “Chuva de granizo” – corrigiu Augusto, o filho mais velho e mais sabido, de uma grande família. – É a chuva em seu estado natural, condensada. – continuou.
Quando Augusto falava, ninguém se atrevia a questioná-lo, pois todos o consideravam a pessoa mais inteligente da casa.
Muitas das dúvidas que seus outros irmãos tinham, eram logo resolvidas por ele.
Poucos questionamentos escapavam de seu crivo meticuloso.
-- Pudera, ele é também o filho mais velho. Não poderia ser diferente – comentou Otávio, o filho do meio desta família
-- Mas ele teve as mesmas chances que nós. – disse Carlota, a filha mais velha.
E o tempo passa.
Em meio a conversação dos irmãos, a chuva continuava cada vez mais forte.
A tempestade avançava, o tempo escurecia.
Nuvens riscavam os céus, brumas, neblinas.
Parecia que a chuva não ía parar tão cedo, e nesse período, nada se podia ver, além da imensidão do campo verde que se tinha em vista.
Além do verde, talvez se pudesse ver macieiras ao redor do alpendre.
A casa protegida do mal tempo.
Pequenina, vista ao longe na colina.
Parecia tranqüila, mas o vento lhe murmurava sons nítidos e assustadores.
As figueiras ao longe, balançavam ao sabor dos ventos.
As folhagens das árvores dançavam ao léu.
E a chuva ... a chuva cairá ... sobre este mundo que parecia tão pequeno, e que de perto, parecia estar tão longe, de tão extenso que era.
Templo perdido na distância do tempo, que passa e devora tudo, consome a vida e os sonhos.
A desilusão de quem vive, somente se lembrando do que passou, não se podendo reter o tempo. Entretanto, para alguns nostálgicos:
-- “Ah ..., que bom se eu pudesse.”

Portanto, assim começa esta história.
História de um passado nem tão recente, nem tão distante.
De uma família que vendeu tudo o que tinha em um rincão brasileiro, para se aventurar em uma nova terra.
Muito longe do seu lugar de origem.
Propriedades de médio porte foram vendidas, e esta família tratou de juntar o que ganhara com esta feita.
Juntaram o dinheiro, pegaram suas malas e partiram.
Isso por que, dado o ímpeto aventureiro Orlando, decidiu mudar-se para outro lugar.
Cansado de viver de uma terra tão árida, e de uma gente tão sofrida, achou por bem, mudar-se para outra localidade.
Por isso mesmo venderam tudo o que tinham.
E olha que a família tinha uma razoável porção de propriedades no local.
Vieram no primeiro trem que apareceu na estação.
Uma linda estação recém construída na segunda metade do século XX, época em que começa nossa história.
História essa, que retrata a vida de um homem, que veio com sua família, nesta época, apenas sua mulher Marisa, para o interior do Estado de São Paulo, no Vale do Paraíba.
Muito embora a família deste homem estivesse totalmente estabelecida no sertão, Orlando resolveu rumar para outras paragens.
E assim, despediu-se de seus parentes e da lembrança de seu pai, Theodósio, que a esta altura já habitava a mansão do altíssimo em companhia de incontáveis seres celestiais.

Seu pai, era um homem branco, alto, forte, mas que já havia passado por muitos dissabores na vida antes de morrer.
Casado com uma escrava alforriada, teve com ela muitos filhos.
Porém, por conta de tal gesto, teve que pagar um alto preço.
Isso por que, fruto da elite da região, era contado decerto que seria o herdeiro absoluto de seu pai, Ambrósio.
Porém, ao se enamorar de uma ex-escrava, optou por abrir mão de uma vida cheia de privilégios e de conforto.
Por amor, abriu mão de tudo.
Mas seu pai Ambrósio, aborrecido com a atitude intempestiva do filho, tentou de todas as formas prejudicá-lo.
Por isso quando uma feiticeira apareceu em sua fazenda, encontrou um campo fértil para suas maldades.
Isso por que, com a ajuda desta assistente, passou a utilizar-se da magia negra para prejudicar Theodósio.
Assim, com o passar dos anos acabou por adoecer seriamente, e desse mal, nunca mais se recuperou.
Não bastasse toda a cobrança da sociedade moralista da época, teve ainda que suportar intrigas e humilhações.
Sofria, mas seus problemas não eram somente de natureza física.
Theodósio também sofria com os males da alma.
Isso por que, meses antes de morrer, descobriu por meio de terceiro, que haviam lhe feito um mal tão grande, que o atingiu imediatamente.
Quando então perguntou quem era o autor da obra, o sujeito lhe respondeu que era seu pai, Ambrósio.
Ao ouvir isso, Theodósio, já abalado com a doença, ficou ainda mais amuado.
E pior que isso, passou a ficar cada vez mais triste.
Tão triste que dia-após-dia definhava mais e mais.
Tanto que à certa altura, depois de muito penar, acabou falecendo, triste por saber que seu próprio pai tentara lhe prejudicar.
Com isso, Coralina – a escrava –, viu-se pela primeira vez, totalmente só.
Desesperada, ela e seus filhos não sabiam o que fazer, nem para onde ir.
Isso por que sabiam que Ambrósio de alguma forma, os tentaria expulsar da cidade.
Não queria que os frutos de sua vergonha, caminhassem pela cidade o expondo assim de modo tão aviltante.
E assim o fez.
E da forma mais cruel que se pode imaginar.
Com a ajuda de seus empregados, colocou fogo na casa, durante a madrugada, julgando que assim, a mataria a todos.
Mas com o que ele não poderia contar, é que Coralina, imaginando que o fazendeiro faria alguma coisa contra sua família, tratasse logo de sair dali.
Foi o que ela fez.
Procurando abrigo em casa de amigos, tratou logo de reunir alguns objetos e se escondeu com sua família.
Todavia, Coralina sabia que precisava sair dali.
Para que ela e seus filhos não fossem mais perseguidos por Ambrósio.
Assim, antes mesmo que o dia amanhecesse, trataram logo de fugir da cidade, na vã tentativa de não encontrarem com o cruel fazendeiro.
Debalde.
Isso por que, logo que chegaram a praça principal da cidade, perceberam que o fazendeiro passara a noite inteira, esperando que eles aparecessem.
Dessa maneira, qual não foi a alegria de Ambrósio ao perceber que seu plano havia dado certo? Coralina e seus filhos, estavam bem diante dele, como que prontos para serem imolados como cordeiros em holocausto a uma nobre causa.
Ambrósio porém, pensando um pouco, decidiu apenas lhes pregar um susto.
Com isso, inicialmente furioso ao descobrir que fora enganado por aquela que ele mesmo denominara de ‘diabólica mulher’, agora, parecia até se divertir com o medo que via nos olhos daquela família.
Por esta razão, ordenou aos empregos que jogassem os cavalos em cima de todos os que ali estavam e que os fizessem correr o bastante para sumirem para sempre daquela cidade.
E os empregados fizeram o que o fazendeiro pedira.
Acossando-os sem dó, nem mesmo com um lampejo de piedade, fizeram com que os mesmos desaparecessem da cidade.
Entrementes, não há mal que sempre dure.
Quando Ambrósio faleceu, Orlando – um dos filhos de Coralina –, retornou a cidade.

Foi lá que conheceu Marisa e que se casaram.
Ao conhecer Marisa, Orlando então, deu-se conta de quanto suas histórias eram parecidas.
Vítimas de reveses na vida, sabiam desde ainda muito cedo, o que era sofrer.
Marisa, órfã desde os cincos anos, passou a vida inteira vivendo de cidade em cidade, na casa de parentes, que nem sempre estavam dispostos a lhe ajudar.
Por conta disso, passou por muitas humilhações.
Freqüentemente era destratada por seus parentes, e muitas vezes tinha que suportar, com lágrimas nos olhos as humilhações, para que simplesmente, não a pusessem para fora.
Fora isso, tinha que pagar, com o suor de seu trabalho, por tudo que consumia.
Assim, quando viu aquele jovem negro, simpático, divertido e folgazão se oferecendo para ajudá-la, logo passou a se interessar por ele.
Afinal, diferente de seus parentes, Orlando era gentil com ela.
Por isso mesmo, quando Orlando lhe propôs casamento, Marisa aceitou no mesmo instante.
Cansada de ser maltratada por seus parentes desde que ficara órfã, acreditava que viver ao lado de quem a respeitasse, faria toda a diferença.
Nessa época, Orlando já reunia um razoável patrimônio e não seria nem um pouco ruim, se unir a alguém estabelecido.
E assim Marisa o fez.
Casaram-se e durante algum tempo, permaneceram na região.
Depois, Orlando, sentindo-se entediado com a vida que levava, resolveu se desfazer de tudo e partir.
Mas não era só isso.
A seca voraz, também castigava a plantação e maltratava os animais.
Com isso, temeroso de perder o que tinha, Orlando resolveu vender todas as propriedades que possuía e partir.
Todavia, ao realizar as tratativas e negociar, perdeu boas oportunidades de fazer bom negócio.
Isso por que ingênuo, acabou vendendo boa parte do que tinha por um valor muito baixo.
Por isso, quando chegaram no interior do Estado de São Paulo, tiveram que durante algum tempo, trabalhar em terras alheias.
Precisavam reunir dinheiro para comprar sua própria propriedade.
Porém, estou me estendendo.
Continuemos de onde paramos.

Com isso, inicialmente, o casal se fixou numa pequena e próspera cidade do lugar, para, logo em seguida, comprarem uma pequena propriedade no local.
Porém, para que este passo fosse dado, tiveram que pelo menos no começo, trabalharem como empregados.
Com isso, durante alguns anos trabalharam em terras de outras famílias.
Com isso, com o dinheiro guardado, fruto de seu trabalho, este homem, ao final de algum tempo, finalmente conseguiu comprar uma pequena propriedade e se estabeleceu como sitiante.
Para ele, foi seu sonho mais caro, e mais doce.
Doce enquanto durou.
E por incrível que pareça, durou por anos.
Nessa propriedade, Orlando viveu alguns dos melhores momentos de sua vida.
Foi nessa localidade que conheceu o valor da amizade e do companheirismo.
Nessa localidade aprendeu a lutar por seus sonhos, muito embora, muito antes disso, já fosse teimoso o suficiente para realizá-los.
Nesse lugar, viu seus filhos crescerem e partirem em busca de seus sonhos.
Mas ainda é muito cedo para falar em partida.
Por isso nos concentremos, no primeiros anos da vida desta família na região do Vale do Paraíba.
Com isso, como era de se esperar, a família de Orlando ao adquirir um sítio, passou a plantar café, além de outros produtos para garantir a sua subsistência, agora já constituída do casal e seus oito filhos, que também ajudavam no trabalho, na lavoura.
Assim, além de ganhar dinheiro com o café, precisavam de alguma forma, garantir sua subsistência, enquanto trabalhavam na plantação do produto que o Brasil mais produzia na época.
E para isso, trabalhavam pesado, duro.
Levantavam ainda quando o sol estava por nascer e preparavam a comida que era feita pela mãe, que também ajudava no trabalho da roça.
E todos, sem exceção, ficavam na roça o dia inteiro até o sol estar por se pôr.
Desta forma, ficavam expostos a inclemência do astro-rei.
Porém, dada a brancura de sua pele, Marisa, preocupada com o mal que o sol podia fazer, precavida que era, resolveu adotar a seguinte estratégia: procurava sempre se cobrir com panos, para que o sol não castigasse sua alva pele.
Porém, como era difícil trabalhar naquele calor, com uma montanha de panos sobre o corpo!
Todavia, era necessário, e assim, não só ela, como inúmeras outras trabalhadoras, faziam uso do mesmo expediente.
E assim, passavam horas a fio, trabalhando na roça.
Ficavam até o momento em que sol começava a se despedir no horizonte.
E que lindo momento que era o cair da tarde.
O crepúsculo, num tempo em que ainda se dava para ver os raios dourados do astro-rei.
As cores do sol, que faziam uma bela composição com o céu azulado, e que se mostrava cada vez mais insinuante.
Esta era a hora de voltar para casa.
Tomar um banho de bacia, jantar, e em seguida dormir.
Dormir cedo, porque no mais, nada se tinha para fazer.
No entanto, de vez em quando, o pai cantava-lhes algumas músicas que ouvia no rádio, para que estes dormissem sonhando com cada letra de música que haviam ouvido.
Luz elétrica, não havia.
Somente um lampião, que mal iluminava a casa.
A luz clara que cintilava do lampião a gás, era somente para que todos pudessem encontrar suas camas e se recolherem.
Para poderem se recostarem nas mesmas e finalmente dormir.
Logo o sol estaria novamente, a raiar.

No dia seguinte, mais um longo dia de trabalho onde tudo se repetiria.
Novamente o céu estrelado por companhia, durante a caminhada até a plantação.
Nesse tempo, algumas crianças iam para a escola.
Oh! Infeliz força do dinheiro, que faz com que poucos tenham chances na vida.
Onde as coisas só valem para quem nasceu bem!
Na escola, as crianças aprendiam as primeiras letras, as primeiras contas e depois passavam a ter algumas noções de civismo e de como era o mundo que não conheciam.
E o tempo foi passando, passando, até chegar um dia ... Em que, crescidas, estas, que agora, não são mais crianças, tiveram filhos e esses filhos estudaram até onde foi possível.
-- “Estudem, se querem virar alguma coisa na vida.” – foi o que sempre ouviram.
Mas, mais uma vez estou me adiantando.
O que interessa aqui, ainda é a vida dessas crianças.
Crianças que tinham alguns sonhos para serem realizados.
Assim, voltemos a infância de todas essas crianças.
Essas crianças, que são os filhos do homem que se estabeleceu no interior do estado de São Paulo, passaram a ir para a escola e lá aprenderam um pouco sobre a ciência da vida.
Para não se tornarem tão ignorantes quanto seus pais, em suas próprias palavras, caminhavam longas léguas até chegar ao grupo escolar.
Onde todas estudavam juntas, crianças de várias séries.
Ao voltarem para casa, tinham por companhia as molecagens da infância e mais tarde, o sonho dos livros, com histórias de piratas, vilões e mocinhos.
Grandes textos literários e outros contos infantis de autores contemporâneos.
Neste mundo de fantasia, tudo era lindo e fantástico.
Afinal, tem que haver tempo para sonhar, e mais do que isso, alguém com quem se possa dividir os sonhos.
Isso por que, algumas vezes, em razão de datas comemorativas, a professora do grupo escolar decidia presentear seus melhores alunos com um livro.
E assim, as crianças, passavam a ter contato com este mundo fascinante, que é o mundo da literatura.
Essa professora tão generosa, de seu próprio bolso, retirava o dinheiro necessário para a aquisição de alguns livros.
Livros esses muito bons, e também, relativamente caros, mas livros que iriam enriquecer a vida de seus alunos.
Livros que fizeram Augusto e sua família, literalmente viajarem por suas páginas.
Livros que os fizeram sonhar e conhecer um mundo além dos horizontes da cidadezinha onde moravam.
Livros que os levaram a ambientes luxuosos e fantásticos.
Livros, fruto de uma lição de generosidade, que jamais seria esquecida.
Afinal, numa época tão difícil quanto aquela, uma professorinha ter a generosidade, e até mesmo a grandeza de presentear um aluno com um livro, era realmente algo muito bom.
E algo igualmente raro, principalmente em nossos dias tão cínicos.
E Augusto, em sua vida simples, jamais se esqueceria de tão nobre gesto.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução desde que citada a fonte. 




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