E assim, apesar do pouco tempo que tiveram para estudar, puderam se aprimorar um
pouco, como pessoas.
Durante o tempo do ensino primário, caminharam por longas horas por um caminho
de terra, até chegarem a escola.
Lá aprenderam os princípios básicos de muitos ramos do
saber.
Augusto era o mais aplicado dos filhos de Orlando.
Disciplinado e estudioso, era o
orgulho da professora, que sempre elogiava seu desempenho em classe, e suas boas notas.
E,
apesar de dedicado, possuía a mania de decorar os textos da aula.
Por isso, sempre que a
mestra lhe tomava a lição, Augusto sempre a conhecia nos mínimos detalhes.
Mas isso não era bom.
Não o era por que, embora soubesse os textos de cor e salteado,
passados alguns dias, nem se lembrava mais do que aprendera.
E era aí que residia sua falha.
No mais, era muito inteligente e disciplinado.
Quando um assunto o interessava, era
capaz de ficar horas a fio lendo sobre o mesmo.
Só não pesquisava mais, por que não tinha
livros suficientes para tanto.
Mas o seu companheiro de horas livres, o Almanaque, estava sempre por perto.
Por essas e por outras que Augusto era considerado o mais inteligente da família.
No entanto, dadas as parcas condições financeiras da família, o garoto não pôde ir
mais longe com os estudos.
Mas não foi somente ele, todos os seus irmãos, pararam de estudar na quarta série do
primário.
Muito embora pudessem aprender muito mais, foi o que seus pais puderam lhes
oferecer.
O que com toda certeza, mudou ao menos um pouco, a vida de cada um deles.
Isso por que, se quisessem prosseguir com os estudos, deveriam fazer como os filhos
dos fazendeiros da região.
Deveriam estudar em um colégio interno.
Mas Orlando não tinha dinheiro para mandar os filhos estudarem na Capital.
Assim, só restou a eles, completarem os estudos primários e ajudarem o pai, no
trabalho na lavoura.
Naquela época em que estudar era privilégio de poucos, e até que Augusto, Otávio,
Carlota e seus irmãos conseguiram ir bastante longe.
Ao menos sabiam ler, escrever e fazer
algumas contas.
Estavam muito melhores que seus pais, que mal sabiam assinar o próprio nome.
E Orlando ficava feliz por isso, pois ao menos seus filhos poderiam se virar.
Pelo menos, serviu como incentivo, para que pudessem avançar nos estudos
futuramente.
Isso sem nem ao menos fazerem idéia, de que suas vidas mudariam tanto, em
tão pouco tempo.
Porém, não é isso que realmente interessa no momento.
O que interessa é que depois
de terminarem o primário, os meninos passaram a trabalhar o dia inteiro na lavoura.
Nisso Orlando que era um pouco folgazão, aproveitava para descansar um pouco.
Sob a desculpa de que estava supervisionando o trabalho dos filhos, freqüentemente
aproveitava para cochilar e descansar um pouco.
Trabalhar que era bom, só trabalhava o
necessário.
O serviço mais pesado, eram seus filhos que faziam.
Certa vez, tentando criar uma nova forma de plantar café, Augusto sugeriu que cada
um fizesse uma parte do trabalho.
Orlando no entanto, achava que era muito melhor todo mundo fazer tudo.
Isso por
que, assim agindo, todos conheceriam por completo, o processo de cultivo das mudas de café.
Augusto no entanto, argumentava que se alguém cavasse a terra, o outro plantasse as
mudas, em seguida um outro viesse e fechasse o local onde a muda foi plantada, e outro
viesse regá-las, o processo seria mais rápido.
Mas Orlando insistia em dizer que não.
Nada seria separado.
E assim, dada a última
palavra, só restava aos filhos seguirem suas recomendações.
Mesmo aborrecido, Augusto fez exatamente o que Orlando mandou fazer.
E assim, ao final de alguns dias, finalmente estava encerrado o trabalho.
Foi nesta época que começaram os festejos em homenagem a São Pedro, Santo
Antônio e São João – as festas juninas.
Nestas festas, as bandeirolas enfeitavam os campos, e mastros eram erguidos com
bandeiras e imagens dos santos.
Além disso, uma profusão de fogos e de comida, coroavam a noite.
Nessa época, algumas famílias, aproveitando-se de suas criações de aves,
aproveitavam para abater algumas e vender nas feiras da festa.
Marisa, aproveitando que havia algumas galinhas bem gordas no galinheiro, decidiu
abater algumas e prepará-las para a festa.
Assim o fez.
Depois que ficaram prontas, pareciam muito apetitosas.
Tanto que seus
filhos pediram insistentes vezes para que ela deixasse uma para que eles comessem.
Mas Marisa respondeu que aquelas aves eram para festa.
Ao ouvirem isso, todos ficaram desapontados.
Enfim, teriam que esperar pela festa.
Se alguma das aves não fosse vendida, aí sim,
poderiam saborear a deliciosa iguaria preparada por sua mãe.
Dito e feito.
Durante a festa, apesar do sucesso das aves de Dona Marisa, a mesma fez questão de
guardar uma das galinhas para os filhos.
Mas estes, não satisfeitos, depois que cearam junto com os demais convidados da
festa e apreciaram uma belíssima queima de fogos, resolveram limpar as mesas, recolhendo
as sobras de comida. Queriam levar tudo para casa e comer mais tarde.
Ao ver isso, Marisa ficou enfurecida.
Iria lhes dar uma surra.
Mas os garotos foram mais espertos e se esconderam.
Apesar de saberem que por isso mesmo, apanhariam muito mais, decidiram aproveitar
melhor os comes e bebes.
Depois apareceriam, e até apanhariam com gosto, dado o tanto que
já haviam se divertido.
E assim foi.
Os garotos levaram uma tremenda surra pelo mal feito.
Não bastasse isso,
a bronca foi ainda pior.
Marisa chegou a falar:
-- Onde já se viu? Isso são modos? Nem parecem meus filhos. Parecem mais um
bando de selvagens. Nunca passei tanta vergonha na vida.
Ao ouvirem os lamentos da mãe, os garotos se desculparam, mas mesmo assim, por
um longo tempo, Marisa ficou brava com eles.
Mesmo assim, não se arrependeram nem um pouco do que fizeram.
E apesar da
galinha que Marisa serviu estar ótima, os mesmos não se cansavam de se lembrar do
porquinho assado de Adélia, e dos sucos de laranja de Seu Osíres.
A festa estava realmente muito boa.
Tão boa que sempre que vizinhança se encontrava, os mesmos não se cansavam de
comentar sobre a comemoração.
E assim, a festa foi assunto por semanas na cidade.
Isso por que, os vizinhos, sempre que se encontravam, de alguma forma acabavam
comentando sobre a festa, que realmente, fora magnífica.
Um verdadeiro espetáculo para os
olhos.
Contudo, nem só de festas viviam os moradores da cidade.
Haviam também as estranhas figuras que de vez em quando apareciam no lugar, como
o homem que dizia que palmilhava todos os recantos de nosso portentoso país.
A fala do homem impressionava.
Dizendo ter conhecido terras mágicas, por mais que
lhe oferecessem emprego, nada o demovia da idéia de continuar peregrinando pelas terras do
Brasil.
E assim como apareceu, o homem sumiu.
Sumiu, mas depois de alguns anos, voltou a
aparecer.
E novamente sumiu.
Certa vez, Marisa, distraidamente, observando um copo com água, previu a morte de
um menino.
Espantosamente, o menino morreu, dias depois.
O mesmo aconteceu com uma gestante, que chorando, dias antes do parto, disse que
não queria morrer.
Contudo, infelizmente, foi o que acabou acontecendo.
Realmente, o local era cenário de acontecimentos impressionantes.
Todavia, tirando os estranhos acontecimentos do lugar, os sitiantes da região
trabalhavam duro para manterem suas pequenas propriedades rurais.
Com isso se nota, que quase tudo o que precisavam, já cultivavam em suas lavouras.
A maioria dos sitiantes da região tinha de um tudo, em suas pequenas glebas.
Alguns plantavam uma variedade enorme de frutas, boa parte deles cultivavam
verduras, além do café, tradicional no Brasil da época.
No entanto como se pode perceber,
apesar do alvo principal dos fazendeiros e sitiantes ser a cultura do café, os mesmos
procuravam não depender só disso.
Todavia, mesmo em plantando quase tudo que precisavam em matéria de
alimentação, algumas vezes, precisavam ir até a cidade para comprar em seus armazéns e
lojas de tecidos, alguns víveres necessários para suas vidas.
Nos armazéns, sempre que precisavam compravam sacas de farinha, de arroz e de
feijão.
Nas lojas de tecidos, os que podiam, compravam tecidos ordinários para confeccionar
algumas roupas.
Já os bem nascidos, compravam do bom e do melhor nas melhores vitrines
da Capital, e algumas vezes, também da região.
Porém, as personagens desta história nem com isso podiam contar.
De tão pobres, o
saco que protegia as compras da família, é que fatalmente viraria pano para que fizessem as
roupas, as quais iriam usar durante todo o ano.
É minha gente.
Vida dura como se pode perceber.
Sem recursos para comprarem nem o mais ordinário dos tecidos, tinham menos
condições ainda, de calçar as crianças, que descalças, mal sabiam o que era o conforto de um
sapato.
Por isso, para eles, visitar a cidade de vez em quando, e apreciar as lojas e lanchonetes
que haviam no lugar, já era uma visão do paraíso.
Isso por que, boa parte do tempo, só
permaneciam adstritos ali ao sítio.
Quando saíam ou era para o grupo escolar, ou então para
a igreja que existia no bairro.
Assim, mudar de ares era sempre bom.
Tão bom que visitar a cidade, mais parecia, conhecer o mundo.
O mundo que para
eles, não fossem os livros de história, lhes seria tão pequeno.
Com isso, assim que chegaram em casa, Marisa com a ajuda de Orlando, organizou
todas as compras que foram realizadas pela família, e depois tratou de pegar os sacos de
estopa que já estavam guardados e começou a costurar.
Primeiro cortou as peças e depois, utilizando de uma pequena máquina de costura,
passou a unir as peças e a confeccionar as roupas.
Nesse trabalho ficava por dias a fio debruçada sobre a máquina.
Além disso,
preocupada com a possibilidade de seus filhos crescerem e a roupa não caber, tinha o cuidado
de fazer roupas grandes, que pudessem ser usadas por muito tempo.
Além disso, como única distração, ouvia um rádio de pilha, que sintonizado na rádio
da cidade, lhe possibilitava ouvir lindas canções sertanejas.
O rádio aliás, não era distração somente dela.
Todos não só da família como todos ali
da região e também de outros lugares, costumavam ouvir rádio.
E assim de ouvido colado, descobriam o que havia de novo no mundo, na música e
sonhavam com histórias lindamente contadas pelos rádio-atores e pelos sonoplastas.
Para quem não tinha acesso aos livros, poder conhecer a história da ‘Dama das
Camélias’, ‘O Morro dos Ventos Uivantes’, bem como adaptações de rádio-novelas
estrangeiras, era um sonho, além de um riquíssimo exercício de imaginação.
Apesar da existência da famigerada televisão, poucos eram os privilegiados que
tinham acesso a ela.
Televisão nesta época, ‘era coisa de gente rica’.
Mas não era só a televisão, não.
Com relação a equipamentos eletrônicos como geladeira, enceradeira, nem mesmo a esses, a população tinha acesso.
Tudo era para a elite.
Assim, além das festas, das danças e dos folguedos, o rádio eram um verdadeiro
companheiro dos sitiantes e de suas famílias.
Além disso, naquele tempo, as pessoas
procurando se encontrar mais e se falar mais, eram muito amigas.
Dessa forma, sempre que alguém precisava de algo, um dos vizinhos sempre acorria
em seu encontro para ajudar.
Com isso, sempre que Orlando tinha um excedente em sua cultura de frutas, tratava
logo de dividir com os amigos, para que as frutas não se estragassem, perecendo.
Desperdício, naqueles tempos de dureza e dificuldade, era algo inaceitável.
Por isso,
todos procuravam dividir o que tinham, quando o tinham em abundância.
Essa foi uma das lições que Augusto, Otávio e Carlota, guardaram no lugar mais
profundo de seus corações.
Que a generosidade não precisa de riqueza para que se mostre
aos necessitados.
Como na Bíblia, aprenderam que sempre se pode partilhar o pouco que tem,
desde que de coração, e desde que também, não faça falta.
Mas deixemos um pouco de lado a aspereza da vida no campo, para mostrarmos um
pouco dos sonhos dessas que um dia foram crianças.
Augusto, apesar de muito afeito aos livros e estudos, sempre se interessou, como aliás
todos os garotos de sua idade, pelo futebol.
Nessa época o Brasil, que tinha Pelé entre seus jogadores, fez um bonito trabalho e
ganhou a Copa do Mundo.
Isso lavou de verde-amarelo a alma dos brasileiros, que ainda se
ressentiam da derrota de oito anos antes, em 1950.
Augusto, apesar de perna de pau, sonhava em um dia, integrar a seleção brasileira e
defender a camisa da seleção em um jogo de futebol.
Coisa aliás, muito normal naquele
tempo em que todos queriam comemorar a vitória do futebol brasileiro.
E assim, Augusto, Otávio e mais alguns vizinhos, aproveitavam para ficar tardes
inteiras brincando em um campinho que havia na vila onde moravam.
Seus pais, sempre que podiam, também aproveitavam para apreciar as partidas.
Algumas vezes, ficavam reunidos por horas.
Nessas reuniões aproveitavam para também, almoçarem juntos e trocarem idéias.
A
certa altura, um deles aproveitando-se de um violão, distraidamente levado por um dos
sitiantes ou chacareiros do lugar, começavam a tocar e a cantar algumas modas de viola.
Um deles cantava lindamente.
Tanto que boa parte do tempo, era ele mesmo que
cantava.
Carlota, de tão empolgada com a música, aproveitava sempre para dançar.
E dançava
muito bem.
Parecia uma pluma deslizando na paisagem.
Dançava tanto que acabou por
chamar a atenção de todos os presentes.
Tanto que um deles chegou até, a elogiar a beleza da
moça.
Ao ouvir isso, Orlando ficou furioso.
Afinal de contas, não havia criado nenhuma de
suas filhas, para envolver-se com vagabundos.
Mas Carlota não estava nem um pouco preocupada com isso, e assim, continuou
dançando.
Nesse ínterim, todos os que estavam apenas a observar, passaram a igualmente
dançar, e assim, quando menos se percebeu, o campo parecia ser somente música.
Foi nesse momento que um dos rapazes se aproximou e se apresentou a ela, que
gentilmente, agradeceu o oferecimento para a dança e começou a dançar com ele.
Orlando então ficou mais furioso.
Marisa então, tentando acalmá-lo de alguma forma, conseguiu desviar, ao menos por
alguns instantes, sua atenção.
No entanto, ainda assim, Orlando estava furioso com o comportamento da filha.
Tanto
que, ao chegar em casa, repreendeu-a seriamente.
Contudo, Carlota, ao invés de ouvir e ficar calada como sempre fazia, dessa vez,
resolveu retrucar.
Entrementes, ao contrário do que esperava, Orlando ficou ainda mais furioso.
Tão
furioso que acabou lhe dando uma surra pelo episódio, mas não sem antes levá-la até o quarto.
Ali deu-lhe bateu-lhe como nunca havia feito antes.
Seus irmãos, do lado de fora, só ouviam os gritos, e o pedido insistente para que este
parasse de lhe bater.
Orlando no entanto, não se comoveu nem um pouco com os pedidos da filha.
Continuou a bater, até que se cansou.
Carlota então, ficou profundamente irritada com o pai.
Magoada, só pensava em fugir.
E foi assim, que numa tarde qualquer, arrumou seus pertences e saiu sorrateiramente
de casa, sem que ninguém percebesse.
E sem que dessem por sua falta, caminhou por léguas
e léguas, na tentativa de chegar na cidade.
Em vão.
Quando finalmente se aproximava do município, alguns conhecidos de seu pai, a
viram no caminho e a intimaram a subir na caminhonete deles.
Carlota, sem alternativa,
acabou subindo.
Com isso, os mesmos trataram logo de voltar para a vila e levar a moça para
casa.
Quando se aproximaram do sítio da família dela, Carlota pediu aos vizinhos, que não
contassem ao seu pai, que havia tentado fugir de casa.
Os vizinhos, porém, estavam receosos.
Como não iriam contar que algo tão grave
tinha acontecido?
Afinal, se Carlota havia tentado fugir de casa, é por que lá, as coisas não
andavam muito bem.
Mas a moça insistiu.
Sabia que se eles contassem o acontecido, fatalmente, ela iria
apanhar de novo.
E foi assim, ao verem o desespero no rosto de Carlota, que acabaram se convencendo.
Mas disseram que mesmo que eles não contassem, Seu Orlando acabaria descobrindo.
E nisso
se despediram, deixando Carlota na entrada do sítio.
Depois, seguiram viagem em direção a cidade.
Carlota então, caminhou calmamente.
Não queria levantar suspeitas.
E assim o fez.
Caminhando pé ante pé, a moça conseguiu chegar em casa sem que ninguém a visse
carregando uma trouxa de roupa.
Com isso, aproveitou que a janela do quarto estava aberta
e jogou suas coisas por ela.
Depois então, saltou, entrando novamente no quarto.
Mais do que
depressa, arrumou seus pertences no baú que havia no quarto, e depois, pulando novamente
a janela do cômodo, caminhou sorrateiramente pelos arredores da casa.
Caminhando, finalmente deu de encontro com um de seus irmãos que então lhe
perguntou onde ela havia estado, já que procurou ela por toda a parte e nada de encontrá-la.
Como desculpa, ela disse que resolveu dar uma volta pelos arredores do sítio.
Orlando ao saber disso, ficou aborrecido com a filha, mas desta vez, resolveu deixar
para lá.
Afinal, Carlota já havia sido castigada recentemente.
Então não havia razões para
outro castigo.
E nisso, o assunto se encerrou por aí.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
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