Poesias

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

OS SONS QUE A GENTE OUVE – A CANÇÃO NO TEMPO ANOS QUARENTAS – NAS ONDAS DO RÁDIO

Capítulo 4

Enquanto o marido se aventurava pelos mares brasileiros, Natália prosseguia com sua rotina de
dona de casa.
Ouvia canções no rádio.
Em plena época de carnaval, com pessoas saindo fantasiadas pelas ruas em blocos carnavalescos,
para frequentarem clubes, Natália, ouviu no rádio:
“Allah-lá-ô, ô ô ô ô ô ô
Mas que calor, ô ô ô ô ô ô

Atravessamos o deserto do Saara
O sol estava quente
Queimou a nossa cara

Viemos do Egito
E muitas vezes
Nós tivemos que rezar

Allah! Allah! Allah, meu bom Allah!
Mande água pra ioiô
Mande água pra iaiá
Allah! meu bom Allah
Allah-la Ô - (Haroldo Lobo E Nássara)”

Em seguida, o locutor anunciou a novela “A Flor do Deserto”.
Ali começou a empreender uma busca desesperada por Yasmin.
Por todas as casas o homem
perguntou pela moça.
Pessoas contratadas procuraram a moça no comércio, pelas ruas do local.
Como não encontraram sinal de Yasmin, o homem empreendeu uma busca pelo deserto.
Chegou até a procurar a moça em outras localidades.
Em vão.
Em nenhum lugar por onde passou, avistou o menor sinal da moça.
Desalentado, Ali começava a perder a esperança de novamente encontrar Yasmim.
Em nova visita, o Grão Vizir disse ao sheik que o que ele procurava estava mais próximo dele do
que pensava.
Ali não entendeu as palavras do sábio conselheiro do rei.
O Grão Vizir respondeu que onde, e quando menos esperasse, acabaria por encontrar a moça por
que tanto procurava.
O sheik surpreendeu-se.
Então ele sabia de sua procura pela moça?
O Grão Vizir relatou que não se falava em outra coisa no lugar.
A história havia se espalhado inclusive, por outros reinos no Oriente.
Sábio, o homem disse que nada neste mundo era eterno, nem mesmo as suas dúvidas ou
incertezas.
Afirmou que Ali iria encontrar o que procurava.
Mais tarde, despediu-se do moço.
Nisto Ali, entretido em seus pensamentos, caminhava distraidamente.
Não muito longe dali, Mustafá fustigava um servo com um chicote.
Sacudia o servo e gritava com ele.
Distraído que estava, Ali foi abruptamente despertado de seus devaneios.
Ao se deparar com a cena, ficou escandalizado.
Tanto que partiu logo em defesa do escravo.
Tomando o chicote das mãos do verdugo, Ali exigiu que o homem explicasse por que estava
agredindo o servo.
Mustafá, argumentou que se tratava de uma criatura relapsa, que não executava suas tarefas.
Dizia que era uma criatura preguiçosa.
O sheik respondeu que nada justificava aquela conduta.
Nisto Mustafá, sem o chicote, investiu novamente contra o escravo.
Ali o repeliu com um empurrão.
Mustafá foi de encontro ao chão.
O sheik aproximou-se então do escravo.
Ao retirar o véu que cobria seu rosto, percebeu surpreso, que se tratava de Yasmin.
A bela moça que a meses, em vão, procurava.
Ali ficou surpreso com a descoberta.
Perplexo, aproximou-se de Mustafá, que se levantava do tombo.
O homem disse então, que ela era escrava de sua família, depois de ter sido vendida por seus pais.
Ali segurou Mustafá pelas roupas.
Dizendo que a partir dali a moça não seria mais sua escrava, perguntou o por quê daquela venda.
Mustafá, exigindo que ele o soltasse, contou que a moça advinha de uma família muito pobre.
Passava fome.
Por esta razão, fora vendida.
Revoltado o sheik argumentou:
- Vendida para trabalhar como escrava, e ainda mais ser maltratada?
Nisto, Ali exigiu que Mustafá libertasse a moça.
O homem argumentou que aquilo teria um preço.
O sheik respondeu que pagaria o preço.
Nisto, levou Yasmin consigo, em que pesem os protestos de Mustafá.
Mais tarde, um mensageiro levou uma pequena fortuna em ouro para o homem.
Para tanto, foi imposta uma condição.
Mustafá deveria emitir um documento confirmando o fim do jugo de Yasmin, bem como deveria atravessar do outro lado da rua, quando visse a moça.
O homem, ávido por dinheiro, concordou com os termos propostos.
Nisto o sheik começou os preparativos para seu enlace.
Iria se casar com Yasmin.
Sua doce flor de jasmim.
Nisto terminou mais uma transmissão da rádio novela, “A Flor do Deserto”.

Natália mal via a hora de acompanhar o casamento das personagens da história.
Francisco, ao ver a pequena criança nos braços de Natália, ficou deveras feliz com a novidade.
Dizendo-se o homem mais sortudo do mundo, apresentou a criança aos seus amigos.
Convidou Glauco e Clarisse para serem os padrinhos da criança.
Numa visita ao amigo, Francisco e Natália convidaram o casal.
Clarisse ficou felicíssima.
Nisto, Celina preparou um belo almoço em sua casa.
Antes a criança foi batizada na igreja. O padre colocou um pouco de água benta na fronte da
criança, que chorou.
Durante a cerimônia, Natália segurou a menina no colo.
Mais tarde foi Celina quem se ocupou da criança.
A avó de Lorena estava muito feliz com o nascimento da primeira neta.
Durante o almoço organizado por ela, Celina, Francisco, Natália, Glauco, Clarisse, Cassiano,
André e Severo, conversaram sobre amenidades.
Severo e André comentaram o quanto Francisco estava transformado.
De fato, o homem parecia mais sereno.
Com efeito, o homem passava o dia inteiro ao lado de Natália lendo seu jornal, ajudando a cuidar
de Lorena, brincando com a criança.
Celina comentava com Natália, que Francisco estava realmente mudado.
Certo dia, depois de uma tarde, o homem voltou com um arranjo de flores para a esposa.
Lorena a esta altura, já dormia.
Francisco então, aproximou-se do berço onde a criança dormia, e ficou a contemplá-la.
Com o tempo, a criança começou a engatinhar.
Foi nessa época que o homem retornou ao seu trabalho como guarda-marinha.
Feliz, levou consigo, duas fotografias da filha, tiradas quando passeavam pelo Jardim da Luz.
Natália segurava a criança no colo.
E assim, durante algum tempo, o homem apresentou uma conduta irrepreensível.
Cassiano, Glauco, Severo e André, chegaram a estranhar o comportamento exemplar do amigo.
Diziam brincando:
- Quem diria! O homem que possuía um amor em cada porto, agora é homem de uma mulher só.
Francisco porém, ignorava as brincadeiras.
O tempo porém, mostrou que a mudança não era definitiva.
A certa altura, o homem voltou a se envolver com outras mulheres, quando não estava
trabalhando.
Freqüentava cabarés, cassinos.
Jogava um pouco, bebia, flertava com as mulheres.
Como era um homem atraente, envolveu-se com algumas das mulheres que freqüentavam estes
ambientes.
Ao tomar conhecimento disto, Glauco ficou desapontado com o amigo.
Tanto que sempre que podia, chamava sua atenção, dizendo que ele era casado, pai de família, e
que deveria dar-se ao respeito.
Aborrecido, Francisco pedia a ele para não se intrometer em sua vida.

Nisto, ao voltar para casa, inicialmente Francisco parecia devotado a esposa.
Atencioso, a levava para sair, freqüentavam boates.
Para tanto, Celina cuidava da neta.
O que ela dizia, não era nenhum sacrifício.
Muito bem arrumados, o casal seguiu de carro, até o lugar.
Sentaram-se, beberam, conversaram.
Nesta época a criança já balbuciava algumas palavras.
Francisco comentou então desolado, que não estava por perto para acompanhar estas coisas.
As pequenas evoluções da filha.
Natália respondeu que não era por sua culpa, e sim por decorrência de seu trabalho.
Nisto, o crooner da boate, começou a cantar:
“Não sei
Que intensa magia
Teu corpo irradia
Que me deixa louco assim
Mulher

Não sei
Teus olhos castanhos
Profundos, estranhos
Que mistério ocultarão
Mulher
Não sei dizer

Mulher
Só sei que sem alma
Roubaste-me a calma
E a teus pés eu fico a implorar

O teu amor tem um gosto amargo
E eu fico sempre a chorar nesta dor
Por teu amor
Por teu amor
Mulher

Mulher
Só sei que sem alma
Roubaste-me a calma
E a teus pés eu fico a implorar

O teu amor tem um gosto amargo
E eu fico sempre a chorar nesta dor
Por teu amor
Por teu amor

Mulher
O teu amor tem um gosto amargo
E eu fico sempre a chorar nesta dor
Por teu amor
Por teu amor
Mulher
Mulher - Autoria: Custódio Mesquita e Sadi Cabral”

Francisco levantou-se então da cadeira, estendeu a mão a Natália, e a convidou para dançar.
E assim, o casal dançou de rosto colado.
Enquanto Natália era conduzida pelo marido, o homem dizia que sentira muita falta dela.
Ao término da canção, aplaudiram a apresentação, juntamente com os demais freqüentadores do
local, e voltaram para a mesa.
De madrugada, voltaram para casa.
Já meio alcoolizado, ao chegar em frente a sua casa, começou a cantar:
“É madrugada
De longe eu vim
Deixa a lua sossegada
E olhe pra mim
(Bis)

A lua malcriada quando passa
Espia na vidraça
Dos quartos de dormir

Zombando dos casais enamorados
Quase sempre descuidados
Ela fica sempre a rir

É madrugada
De longe eu vim
Deixa a lua sossegada
E olhe pra mim
(Bis)

Não quero mais saber de ver a lua
Que passa pela rua
Roubando a escuridão
Prefiro ver você sem ver a lua
Contemplando a imagem sua
Bem juntinho ao seu portão

É madrugada
De longe eu vim
Deixa a lua sossegada
E olhe pra mim
(Bis)

Se não houvesse lua eu asseguro
O mundo no escuro
Seria muito bom
Um beijo começava em Realengo
Esquentava no Flamengo
E acabava no Leblon

É madrugada
De longe eu vim
Deixa a lua sossegada
E olhe pra mim
(Bis)
Deixa Lua Sossegada - Composição: Alberto Ribeiro e Braguinha (João de Barro)”

Natália, percebendo que aquela cantoria poderia acordar os vizinhos, pediu ao marido para se
conter.
Francisco porém, não parecia disposto a calar-se.
A mulher beijou então, o homem.
Francisco parou a cantoria.
Natália por sua vez, procurando se desvencilhar do homem, abriu a porta da casa, e segurando-o
pelo braço, trouxe-o até a sala.
Depois fechou a porta.
Francisco neste momento, começou a dizer-lhe que ela era a mulher de sua vida, e que todas as
outras mulheres não eram nada.
Ao ouvir isto, Natália ficou intrigada.
- Que mulheres? – perguntou.
Francisco desconversou.
Percebendo que Natália ficara cismada com a frase, começou a dizer que nenhuma mulher se
comparava a ela.
Beijou a mulher.
Segurando-a nos braços, começou a cantar:
“Eu sonhei que tu estavas tão linda
Numa festa de raro esplendor
Teu vestido de baile, lembro ainda
Era branco, todo branco meu amor

A orquestra tocava umas valsas dolentes
Tomei-te aos braços, fomos dançando, ambos silentes
E os pares que rodeavam entre nós
Diziam coisas, trocavam juras a meia voz

Violinos enchiam o ar de emoções
E de desejos, uma centena de corações
Pra despertar teu ciúme, tentei flertar alguém
Mas tu não flertastes ninguém

Olhavas só para mim
Vitórias de amor cantei
Mas foi tudo um sonho acordei
Eu Sonhei Que Estavas Tão Linda - Composição: Lamartine Babo e Francisco Matoso“

Natália beijou então o marido.
Mais tarde, o homem se despediu da mulher.
Fora designado para atuar em batalhas no Atlântico.
Natália ficou desconsolada com a convocação.
Aflita, dizia que iria perder Francisco na guerra.
Nesta época eram transmitidas notícias pelo rádio, informando que navios brasileiros haviam sido
bombardeados por submarino alemães.
Nos cinemas também.
Antes de exibirem as películas, traziam notícias da guerra, das decisões de
Getúlo Dorneles Vargas, sua propaganda, a política do Estado Novo.
Era o que noticiavam.
Pracinhas brasileiros estavam partindo empreender combates em solo europeu.
Os víveres eram vendidos de forma racionada, faltava combustível, sobravam filas nas mercearias
e mercadinhos.
Tudo era muito contado.
Para comprar compra víveres, Natália enfrentava filas imensas.
Francisco por sua vez, não podia fugir a luta.
E assim, a mulher teve que aceitar a partida do marido.
Em que pese sua preocupação, Francisco disse-lhe que aquela era sua obrigação como militar.
Fardado, o homem se despediu da esposa, que trazia Lorena no colo, e de Celina.
Francisco acenou para elas. Depois partiu.
Natália acompanhou os passos do marido, até o mesmo sumir de seu campo de visão.
Ao vê-lo partindo, começou a chorar.
Celina respondeu a ela, que não era hora de chorar.
Disse que Francisco era um bravo, e que um militar não foge a luta.
Afirmou que ela deveria se orgulhar do marido, e comentou que ela estava desonrando-o lamentando sua sorte.
Ademais, um guerreiro não se deixa abater com facilidade.
Natália argumentou que Francisco poderia não voltar, que estava colocando sua vida em risco.
Celina retrucou dizendo que Francisco voltaria são e salvo para os braços de sua família.
A moça porém, continuava a chorar.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

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