Poesias

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

OS SONS QUE A GENTE OUVE – A CANÇÃO NO TEMPO CONTEMPORANEIDADE

Capítulo 5

Ao melhorar um pouco, a moça aproveitou a ausência de Amilton e Rodrigo e se encaminhou
para o centro da cidade.
Dirigiu-se a prefeitura.
Exigiu falar com o prefeito.
Paciente, esperou por duas.
Ao ser chamada para entrar, foi elogiada por Agenor.
O homem comentou que havia visto sua foto nos jornais.
Disse que ela havia se tornado uma espécie de heroína para a cidade.
Sônia parecia não prestar atenção nas palavras do prefeito.
A certa altura, depois de fazer vários elogios, de fazer menção a seu ato de coragem, o homem
finalmente perguntou se ela queria dizer alguma coisa.
Sônia respondeu que a cidade precisava de mais investimentos, que as pessoas precisavam ter
moradias de qualidade, e que aquele estado de coisas não poderia permanecer.
Agenor não gostou do que ouviu.
Nisto a moça segurou uma bandeira. Começou a cantar:
“Quero a utopia, quero tudo e mais
Quero a felicidade nos olhos de um pai
Quero a alegria muita gente feliz
Quero que a justiça reine em meu país

Quero a liberdade, quero o vinho e o pão
Quero ser amizade, quero amor, prazer
Quero nossa cidade sempre ensolarada
Os meninos e o povo no poder, eu quero ver

São José da Costa Rica, coração civil
Me inspire no meu sonho de amor Brasil
Se o poeta é o que sonha o que vai ser real
Bom sonhar coisas boas que o homem faz
E esperar pelos frutos no quintal

Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço, cadê poder?
Viva a preguiça viva a malícia que só a gente é que sabe ter
Assim dizendo a minha utopia eu vou levando a vida
Eu viver bem melhor
Doido pra ver o meu sonho teimoso, um dia se realizar
Coração Civil - Composição: Milton Nascimento e Fernando Brant”

Enquanto cantava, balançava a bandeira.
Agenor, ao vê-la descontrolada, exigiu que ela parasse.
Sônia não se intimidou.
Continuou cantando.
Nisto, Agenor chamou dois seguranças, que constrangidos, conduziram a moça para fora do
gabinete.
Preocupados, os homens perguntaram se ela estava precisando de alguma coisa.
Sônia respondeu que não.
Levantou-se e saiu da prefeitura.
No caminho, foi até o lugar onde a família que morrera no morro, fora enterrada.
Caminhando pela cidade, era apontada pelos moradores que a consideravam uma heroína.
Uma criança correndo, aproximou-se.
Ofereceu um flor.
Depois saiu correndo.
Seguindo seu curso, a moça foi abordada por um mendigo que dizia tê-la conhecido em suas
andanças por São Paulo.
Sônia aturdida respondeu que não se lembrava dele.
O homem porém, insistia em dizer que se lembrava dela.
Comentou que a moça gostava muito de estudar, estava sempre com um livro debaixo do braço.
Nisto, afastou-se, deixando a moça mergulhada em seus pensamentos.
Ao vê-la passando pela delegacia, Jandir chamou-a.
Sônia contudo, não o ouviu.
Mais tarde, Amilton surgiu na cidade. Aflito, procurou a moça no morro.
Ao lá chegar, percebeu que não havia mas nenhum morador no local. O local estava interditado.
Policiais proibiam as pessoas de subirem.
Ao voltar ao centro da cidade, o homem foi informado que a moça havia passado pela prefeitura,
sendo convidada a se retirar por Agenor, o prefeito.
Furioso, o homem falou ao prefeito que ela não oferecia nenhuma ameaça.
Estava apenas desnorteada.
Nisto, Amilton passou a perguntar sobre o paradeiro de Sônia aos trauseuntes.
Todos os que se dispunham a passar informações, diziam que ela era uma garota muito corajosa.
Caminhou pelo local onde foram enterrados os mortos no deslizamento.
Soube que a criança que Sônia ajudara a resgatar estava bem, e que a moça fora abordada por um mendigo.
Amilton contudo, só foi encontrá-la, tempo depois, a beira do rio.
Sônia havia seguido até a cidade a cavalo.
Amilton encontrou a moça e o cavalo, ao voltar para casa.
Sônia havia ido a cidade por um caminho alternativo.
Não queria ser encontrada.
Ao vê-la abaixada, contemplando o rio, Amilton parou a charrete.
O homem desceu.
Foi ao encontro de Sônia.
Ao vê-la mergulhada em pensamentos, disse que ela precisava voltar para casa.
Sônia assentiu com a cabeça.
Amilton amarrou o cavalo na charrete, e seguiu para casa.
Ao adentrar a casa, Rodrigo aflito, disse que a cama estava arrumada.
Nisto, os dois conduziram a moça, insistiram que ela dormisse mais um pouco.
Adormeceu.
Sonhou novamente com pessoas sofrendo, pedindo ajuda.
Viu fome, miséria, desespero.
Compungida, agaixou-se. Encolheu-se.
Chorando, cantava:
“Vai, abandona a morte em vida em que hoje estás
Há um lugar onde essa angústia se desfaz
E o veneno e a solidão mudam de cor
Há ainda o amor

Vai, recupera a paz perdida e as ilusões,
Não espera vir a vida às tuas mãos
Faz em fera a flor ferida e vai lutar
Pro amor voltar

Vai, faz de um corpo de mulher estrada e sol
Te faz amante, vai
Teu peito errante
Acreditar que amanheceu

Vai, corpo inteiro mergulhar no teu amor
E este momento
Vai ser teu momento
O mundo inteiro vai ser teu, teu

Vai, abandona a morte em vida em que hoje estás
Há um lugar onde essa angústia se desfaz
E o veneno e a solidão mudam de cor
Há ainda o amor

Vai, há ainda o amor
Vai, há ainda o amor
Vai, há ainda o amor ...
Viagem – Compositor: Taiguara”

Outro dia, Rodrigo contou que uma senhora estava caminhando pela outra margem do rio.
Comentou que era uma senhora elegante, distinta.
Disse que achava seu semblante triste.
Ao se aproximar para conversar com a mulher, percebeu que ela se afastava.
Nunca soube seu nome.
Rodrigo respondeu que a vira algumas vezes por ali, mas que depois da tentativa de aproximação,
a mulher desapareceu.
Sônia ouvia as palavras do rapaz.
Perguntou ao rapaz como era a fisionomia da mulher.
Rodrigo ficou feliz ao perceber que a moça se interessara pela conversa.
Comentou que era uma mulher alta, morena de tez clara.

Aparentava uns cinquenta anos.
Nisto Sônia ficou a pensar.
Amilton comentou certa vez com Rodrigo, que precisavam encaminhar a moça para um psicólogo.
O moço respondeu que iria buscar auxilio com alguns amigos que moravam no centro da cidade.
Contudo, não houve tempo de auxiliar a moça.
Sônia certo dia, enquanto todos dormiam, pegou algumas roupas, arrmou uma trouxa.
Vestiu o casaco que trazia no corpo quando foi encontrada por Rodrigo e Amilton, e partiu.
Não levou nada além do que recebera de presente dos moradores do lugar.
Quando o dia amanheceu, Rodrigo e Amilton, ao perceberem que a moça não se encontrava em
nenhum lugar da casa, procuraram ela nos campos, na margem do rio.
Percorreram o rio de um lado a outro.
Nada de encontrarem-na.
Jandir, ao tomar conhecimento deste fato, comunicou a Amilton que havia descoberto que uma
mulher chamada Lara, estava procurando sua filha, uma moça chamada Sônia, e que em tudo
correspondia a descrição daquela Sônia que ficara em sua casa.
Dias depois a mulher chegou ao lugar.
Amilton conversou com a mulher.
Descreveu Sônia para a mulher.
Nisto, o homem lembrou-se que durante a quermesse foram tiradas algumas fotos dos moradores
da cidade.
Mostrou uma foto em que a moça aparecia ao lado de alguns moradores.
Ao ver a fotografia Lara ficou a dizer que aquela moça era sua filha.
Mais tarde foi celebrada uma missa em homenagem aos mortos pelos deslizamentos dos morros
da região.
Todos os políticos da região compareceram em peso.
A imprensa também.
Os moradores criticaram a exploração pela mídia, de toda aquela tragédia.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário