ANOS QUARENTAS – NAS ONDAS DO RÁDIO
Capítulo 8
Natália chorou.
Mais uma vez, Celina consolou a filha.
Francisco mais uma vez, lutou em batalhas no Atlântico Sul.
Em uma cerimônia de hasteamento da bandeira, a tripulação começou a cantar o Hino da Marinha.
Francisco, era um dos militares que cantava o hino com mais empolgação:
“Qual cisne branco que em noite de lua
Vai deslizando num lago azul.
O meu navio também flutua
Nos verdes mares de Norte a Sul.
Linda galera que em noite apagada
Vai navegando num mar imenso
Nos traz saudades da terra amada
Da Pátria minha em que tanto penso.
Qual linda garça que aí vai cortando os ares
Vai navegando
Sob um belo céu de anil
Minha galera
Também vai cortando os mares
Os verdes mares,
Os mares verdes do Brasil.
Quanta alegria nos traz a volta
À nossa Pátria do coração
Dada por finda a nossa derrota
Temos cumprido nossa missão.
Hino Oficial Da Marinha Brasileira (Cisne Branco)
Composição: Letra: 1º-Ten. Marinha do Brasil Francisco Dias Ribeiro e música: 1º-Sgt.
Exército Brasileiro Antonio Manoel do Espírito Santo"
Ao término da solenidade, os homens ocuparam seus postos.
Francisco então, encaminhando-se para sua posição, começou a sentir uma forte dor na cabeça.
Atoardo, o homem foi ao chão.
Perdera os sentidos.
Os marinheiros, percebendo o ocorrido, ficaram em volta de Francisco.
Cassiano foi chamar o Capitão de Fragata.
Francisco foi levado ao alojamento.
Lá foi examinado pelo doutor Adão.
O médico ao ouvir as queixas do militar, mostrou-lhe algumas letras.
Francisco se esforçava, mas não conseguia enxergar as letras com nitidez.
Cauteloso, o médico sugeriu retormar o exame mais tarde.
O Capitão Clodoaldo, sugeriu que o homem descansasse.
Ao sair do alojamento, percebeu que Cassiano, Glauco, André e Severo estavam a espera de
novidades.
Aflitos, queriam saber se o amigo havia melhorado.
Clodoaldo respondeu que o médico havia examinado o rapaz, mas que ainda era muito cedo para
se fazer um prognóstico.
Com efeito, no dia seguinte, Francisco foi novamente examinado.
Mais uma vez, o rapaz respondeu que não conseguia enxergar as letras com nítidez.
Doutor Adão, pediu então, para que ele identificasse alguns objetos, sem sucesso.
Ao perceber isto, Francisco ficou tomado de desespero.
- Meu Deus! O que está acontecendo?
Nisto, o médico pediu para ele caminhar pelo alojamento.
Francisco trombou nos pés da cama, tropeçou em outras camas e em alguns móveis.
Perplexo, o médico comentou com o Capitão:
- Assim vamos mal!
Clodoaldo percebeu que precisaria transferir o militar para um hospital em terra firme.
Com isto, após alguns dias, Francisco foi transferido.
Doutor Adão recomendou repouso absoluto. Disse-lhe que não devia forçar os olhos.
Ao perceber o desespero do moço, aconselhou-o a não entrar em pânico, e que tudo acabaria bem.
Em resposta as recomendações do médico, Francisco dizia que a cada dia, enxergava menos.
Comentou aflito, que tinha medo que a luz se apagasse definitivamente de seus olhos.
Em dado momento, chegou até a chorar.
Clodoaldo tentava consolá-lo. Em vão.
Mais tarde, o moço tornou a submeter-se aos cuidados de doutor Epitácio, no Uruguai.
Quando finalmente Natália foi informada do ocorrido, tratou logo de arrumar as malas e se dirigir
ao Uruguai.
Ao encontrar o esposo prostrado em uma cama, ficou espantada.
Tanto que chegou a comentar que nem quando estivera ferido, parecia tão abandonado de si. Tão
sofredor.
O médico disse que o homem estava perdendo a visão e que este processo era irrerversível.
Ao ouvir a palavra irreversível, Natália desafiou o doutor. Dizendo que nada era irreversível nesta
vida, informou que iria procurar outros médicos.
Epitácio concordou. Afirmou até, que ela não deveria se ater a uma só opinião médica. Ressaltou
porém, que dificilmente encontraria alguém que poderia dizer-lhe algo diferente.
Ainda assim, a mulher buscou outros médicos.
Auxiliada pelos amigos de Francisco e pelo Capitão de Fragata, senhor Clodoaldo, a moça levou
Francisco de volta para São Paulo.
O moço estava desolado.
Nem a companhia dos amigos, as conversas, a presença da esposa, ou mesmo da filha, o
consolavam.
Ao receber a confirmação de que a perda da visão era progressiva e irreversível, o homem ficou
tomado de desespero.
Nervoso, chegou a gritar com Natália. Exigia que ela o deixasse sozinho.
Por conta disto, a moça saia do quarto, chorando.
Celina, percebendo a frequência destes incidentes, resolveu certa vez, aproximar-se do quarto
onde o moço estava.
Encostada a porta, e sem que Francisco percebesse, a mulher ouviu soluços e suspiros.
Constatou que o homem chorava.
Diante disto, foi conversar com filha.
Tentando de alguma forma, defender o genro, disse que ele estava sofrendo muito mais do que
qualquer uma delas.
Natália por sua vez, continuava a criticar a agressividade do marido.
Celina então, disse:
- Minha filha? Como você gostaria que ele reagisse? Um homem que perdeu todo o referencial
de uma vida. Tudo o que alicerçava sua vida ruiu. Ele vai ter praticamente criar uma vida nova a
partir de agora. Como se fosse outra pessoa. Você acha que isto é pouco? Você acha que está
sendo fácil para ele? Um homem livre, que corria o mundo. Agora preso em um mundo
inesperado, aprisionado em uma realidade totalmente nova, e a qual não gostaria de
experimentar... Minha filha, tenha um pouco de paciência. Esta agressividade vai passar. Ajude o
seu marido.
Natália calou-se.
Celina então retrucou:
- Você não fez um curso de enfermagem para trabalhar no hospital? Pois então volte a trabalhar,
consulte seus amigos médicos, peça uma sugestão de tratamento. Se isto não lhe devolver a visão,
ao menos lhe devolverá a dignidade. Quem sabe não é possível uma vida até determinado ponto,
independente.
O semblante de Natália iluminou-se.
- Será? – indagou.
- Claro! E pode contar comigo no que for necessário. Eu ajudo a cuidar de Lorena e até de
Francisco. Posso preparar uma comida para os dois.
Natália agradeceu o gesto de desprendimento de sua mãe.
Nisto, retomou seu trabalho como enfermeira.
Auxiliada pelos colegas do hospital, começou a ensiná-lo a se orientar, caminhando pela casa.
Separou suas roupas por cor, e explicou a posição em que elas estavam dentro do armário.
Com o tempo, o casal começou a caminhar junto pelas ruas da cidade.
Francisco a esta altura, já utilizava-se de uma bengala.
Muitos, ao perceberem que ele era cego, ficavam com pena.
Natália ficava revoltada.
Certo dia, ao ouvir os comentários, disse:
- A boca fala, do que o coração está cheio. Meu marido não é um coitado para que todos tenham
dó. Mais digno de pena, é quem não cuida da própria vida.
Quem ouviu as palavras de Natália, acabou se desculpando e se afastando.
Na rua em que moravam, nunca mais se ouviu um comentário de pena, sobre a sorte de Francisco.
O homem aprendeu a ser independente.
Passou a cuidar da casa, cuidava de Lorena.
Tornou-se como dissera Celina, uma pessoa independente.
O sorriso voltou ao seus lábios.
Atento, guiava-se pelos sons para saber onde a filha estava.
Nisto, Natália conseguiu uma promoção no hospital.
Francisco por sua vez, ao entrar para a reserva, foi alçado ao posto de Capitão de Corveta.
O casal teve outros filhos: Francisco, Nara, Laura e Andréa.
Natália e Francisco foram muito felizes, em que pesem as dificuldades.
Quando o homem faleceu, Natália foi tomada de profunda tristeza.
Viveram juntos por mais de vinte anos.
Luciana Celestino dos Santos
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