E no princípio, nada havia
Surgindo aos poucos as primeiras criações disformes
E o mundo foi surgindo
Amorfo, gasoso
Numa explosão, dizem
Mas ninguém sabe ao certo,
Pois ninguém estava lá para ver,
Creio eu
Mas dizem que assim, o mundo fora criado
E até que se prove em contrário
Tudo fica assim mesmo
A atmosfera de gases
O mundo surgindo como uma bola de fogo
A Terra a passar por um processo de esfriamento
E a surgir as primeiras formas de vida
Seres unicelulares
A água a surgir
E a vida a surgir das águas
Águas que regem o mundo de todos nós
Antes mesmo de nascermos
Seres que o tempo, e as melhores condições da atmosfera
Tornaram-se mais complexos,
Subdividindo-se em pequenas células
E de pequenos, passaram a grandiosos ser
E a Terra a se formar,
E Deus a ver que tudo era muito bom
Alegoria de milhões de anos,
Que na Bíblia correspondem a dias
Meteoros a cair na Terra
Dizimando numerosos e grandiosos seres
Com isto, resultado da criação
Surgiram, os primeiros hominídeos
Em terra tão longínqua, e tão esquecida por todos
África
Terra mãe de todos os povos, de todas as nações
Não sou que estou a afirmar
É a ciência que não pode a verdade calar
E que tudo isto comprovou
A confirmar a inexistência das raças
Proclamando fazermos todos parte de uma família
De humanos seres
Ó divina Raça Humana
Nenhuma outra, nem melhor nem pior existindo
Civilizações a surgirem em tão nobre lugar
A se dispersar pelo mundo
Formando tribos, cidades, impérios
Senhores da guerra e das desigualdades
Quanto vitupério
Os homens são capazes de propagar
E o tempo passa,
As injustiças proliferam
A vida segue ...
História de muitos tempos passados
Escravos tão tristes, coitados
A lembrarem de passos mal dados
Numa terra de muitos sertões
Senhores cruéis a impor
Castigo, senzala e chibata
Para os negros vindos de outras Áfricas
Plagas distantes
Em terras de esquecidas pirâmides
Ou de muitas florestas
Guerras tribais
Onde seres desiguais
Em desigualdade lutavam
Escravizados foram
Por brancos escravistas
Autoritários, egoístas
Que faziam humanos, de suas peças
Afastados de sua terra, de seus parentes
A viverem como serventes
Na lida das lavouras
Afazeres domésticos
A cuidar de senhores e sinhás
Seus filhos, sua prole
Desdouro de uma nação
A contemplar na inércia e na indiferença,
Maus tratos,
Castigos corporais
Atados a pelourinhos, sendo açoitados
Presos aos troncos, peças de madeira
De pés e mãos atados
Em tão lúgubre cenário
Alguns negros se insurgiram
A enfrentar arrogantes aturdidos,
Gigantes senhores de seus destinos
Depois de tantas lutas, tantos apoios, tanto empenho
Chegou o dia da esperança
Com liberdade para todos
Leis criadas para inibir o tráfico negreiro
Tráficos vários
Ainda a perecerem nossos dias, nossas vidas
A destruírem almas, futuros
A dissolver vidas
Será que algum dia
Vergonha teremos
Do que feito fora contra irmãos?
Será que algum dia
A luz do sol resplenderá
Aclarando o entendimento de todos,
E nos libertando da prisão?
Enfim chegará a compreensão
Do que é feito contra um,
Atinge todos os demais?
Já não sei mais
Navios negreiros
Gentes de outras terras, outras tribos
A lavrarem, plantarem, semearem
Engenhos de cana, plantações de café
Nas minas gerais, a extraírem ouro e diamantes
Meninos, jovens, homens
Grandes e pequenos
Franzinos ou não, corpulentos
Alguns ilustrados nas letras
Muitos e muitas não,
Nas senzalas úmidas
A comerem os rejeitos dos brancos
A cantarem as cantigas de sua terra,
Logo proibidas
E desta prática escondida
A disfarçarem suas crenças
Sob o disfarce,
A face oculta dos santos católicos
Assim obscuros,
Prosseguiam com seus cultos
E seu amor pela África
Nas procissões de reis, nas Congadas
Com suas vestes de gala, trajes finos, delicados
Reis do Congo
Com suas danças, seus esplendores
A prosseguirem pelas ruas calçadas de pedras,
Das cidades antigas
Sincretismo religioso
Trabalho, trabalho, trabalho
Dura vida
Sofrendo mandos e desmandos de seus senhores
Quantas agruras, dissabores
Pancadas
Alguns a cuidarem da casa de seus senhores
Outros a lidarem na roça, nos trabalhos braçais
A calçarem as ruas e logradouros
Negras a esculpirem telhas de barros nas coxas
Negros a trabalharem nos moinhos de engenhos
Primeiros tempos da colonização
A produzirem açúcar em fôrmas especiais
A produzirem pães de açúcar
As casas dos ricos com seus beirais
E os pobrezinhos sem eira nem beira
Descalços, em suas roupas de algodão
As quais eram trocadas após um ano
Pano, pão e pau
Seus únicos pertences
Pois não eram donos de si
Sua família dispersa pelo mundo
E eles, sozinhos sofridos
Unidos na dor
Curioso como as gentes se unem nos momentos difíceis
E nos alegres dispersos
Muitos decepcionados com a ventura alheia
Tristeza sádica,
Que une nos tristes momentos,
E na alegria separa
A dor e a luta a facearem as faces
E o tempo a passar...
E uma Áurea Lei, a hipocritamente libertar
Escravos a pegarem seus poucos pertences
E rumarem sem destino
Pobres peregrinos
Lua riscando os céus
De poucas estrelas brilhantes
Cintilam fagueiras
Lindas, altaneiras
E os negros a dormirem em chão de estrelas
Pobres, a improvisarem moradas
Cortiços, e após, favelas
Em improvisadas moradas, a contemplar o abismo
Expulsos do Rio de Pereira Passos
Libertos aprisionados,
Sem terem para onde ir,
À margem de um mundo
Construído com a força de seu trabalho
Sem mais valia,
Sem mais recursos, a não ser
Sobreviver
A criarem o samba,
Serem marginalizados
Geografia injusta que deu origem a marginais
Até se chegar aos tempos atuais
DICIONÁRIO:
vitupério substantivo masculino 1. ato ou efeito de vituperar, vituperação.
2. palavra, atitude ou gesto que tem o poder de ofender a dignidade ou a honra de alguém; afronta, insulto.
Segundo alguns historiadores, a história das telhas feitas nas coxas dos negros, não passa de lenda. Pois seria humanamente impossível escalar uma multidão de negros, por que seria esta a quantidade de pessoas necessárias para confeccionarem as telhas, e permanecerem com as mesmas em suas coxas secando, talvez por horas.
E assim, muito provavelmente, tratavam-se de formas rudimentares em que as telhas eram feitas, para que a confecção das mesmas não fosse algo tão demorado.
Luciana Celestino dos Santos
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