Poesias

sexta-feira, 24 de julho de 2020

COISAS DO BRASIL PARTE 2 – REGIÕES NORTE E CENTRO OESTE - CAPÍTULO 94

CAPÍTULO 94

Durante o passeio pela região, ouviram a seguinte história: Kananxuiuva é o deus Carajá.
Kananxuiuva criou o mundo.
Criou o céu, o sol, a lua, as estrelas, as florestas, os rios, as tempestades.
Criou os frágeis e os fortes.
Deu asas aos pássaros cantores e veneno às cobras silenciosas.
Dotou os rios de botos e piranhas.
Criou Kbói, o índiopeixe, gigante e barrigudo, que trouxe no ventre os primeiros carajás, cujo berço esplêndido foi o leito do Rio Araguaia.
O mundo de Kananxuiuva existe, resiste e é uma ilha.
A Ilha de Camonaré, a Bananal, a maior ilha fluvial do mundo.
Uma ilha que nenhum sonho é capaz de imaginar, na vastidão de sua grandeza, na miudeza de seus detalhes.
O universo dela é uma paisagem plana, definida e variada.
A essência são as areias amareladas e acastanhadas, como se lhe tivesse acrescentado ferrugem.
A vegetação vai do rasteiro cerrado às matas tipicamente amazônicas.
Orquídeas, samambaias, ipês, cedros, palmeiras perfumam, enfeitam e colorem este gigantesco vaso.
O terço de cima da ilha é protegido pelo Parque Nacional do Araguaia.
O restante é reserva indígena administrada pela Funai.
O amanhecer é extraordinário.
A vida se alvoroça nos gorjeios de bem-te-vis, uirapurus, sabiás, azulões, coleirinhas.
Bandos de garças sobrevoam os campos encharcados, com o pescoço curvado e as pernas fininhas estendidas para trás.
Pelas lagoas deslizam bandos de jaburus solidários que acabaram de deixar seus ninhos coletivos.
Exibem imponentes seus bicos negros levemente curvados para cima, como se estivessem permanentemente erguendo um valioso troféu.
Nos galhos dos arbustos, os biguás parecem vestidos de luto na sua plumagem negra.
Estes, espreitam sua vítima, que será abatida num certeiro mergulho na lagoa.
Até gaivotas existem aqui, desfazendo o mito de que só vivem no mar.
A ilha possuí seiscentas e sessenta espécies de aves.
Cada qual de um jeito.
Cada qual com seu espetáculo.
É ainda aurora quando os filhos de Kananxuiuva rompem velozes pelo Araguaia.
São exímios canoeiros.
Eles vão a pesca, deixando na aldeia a mulheres e os afazeres domésticos.
Nas malocas, elas conversam num dialeto carajá desconhecido dos homens.
Elas, e apenas elas, sabem falar esta língua passada de mãe para filha desde que a primeira mulher surgiu da barriga de Kbói.
Jamais um homem, por respeito ou ética, ousou decifrar este segredo.
A brasa acesa que arde no centro da aldeia espera os aruanãs, pirarucus, piraíbas, tucunarés, pintados, piaus, matrinxões que serão trazidos do rio – apenas na quantidade suficiente para a fome.
Há muito tempo os carajás assimilaram os calções e muitos o dinheiro e a cachaça.
Mas nem por isso largaram mão de seus colares, cocares e brincos – todos penachos coloridos de aves.
As maçãs do rosto são gravadas com dois círculos, feitos com os dentes agudos do peixe cachorra – sobre a ferida é aplicada tinta de jenipapo.
Os simétricos desenhos pelo corpo são produzidos com o óleo do fruto do urucum.
Filhos do Rio Araguaia, respeitam o pai, e o protegem.
Antigamente por exemplo, não se molestavam as centenárias tartarugas gigantes, que aqui, pesam mais de cem quilos e têm mais de um metro de comprimento.
Mas os tori – os brancos – apreciam a carne de tartaruga, e pagam por isso.
Por isso, é célebre a história de um turista europeu que, compadecido com o triste fim dos répteis em vias de extinção, decidiu comprá-los e devolvê-los ao Rio Araguaia.
Todavia, o dinheiro e o esforço foram insuficientes: enquanto ele soltava as tartarugas no rio, os índios voltavam a capturá-las alguns metros adiante.
Com isso, muito antes de o governo proibir formalmente a utilização da área como pasto para gado, Kananxuiuva armou uma cilada para preservar suas espécies.
De olho na criação, o senhor dos trovões fazia – e, ressabiado, continua fazendo – o mundo desabar entre novembro e abril.
E assim, ao transformar a ilha em arquipélago, as cheias mandavam para longe os vaqueiros e os rebanhos, sufocando a depredação.
Até raposas, cachorros-do-mato, guarás, guaxinins, jaguatiricas, pacas e capivaras fugiam da fúria do poderoso, para se refugiarem nas entranhas do trecho da floresta amazônica, ao norte do Bananal. Agora Kananxuiuva teme a maldição de Kbói, que não queria os carajás aqui.
Kbói considerava a área maldita e o rio de morte, sendo desaconselhável para a nobre missão de dar vida a um povo.
Com relação à nação, já se contaram quarenta e cinco mil pessoas.
Hoje, no Bananal, não passam de mil.
Ao término da narrativa, os turistas ficaram espantados com a situação dos índios.

O jaburu (Jabiru mycteria), também conhecido como tuiuiú, tuiuguaçu, tuiú-quarteleiro, tuiupara, rei-dos-tuinins, tuim-de-papo-vermelho (no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), cauauá (no Amazonas), jabiru (na região Sul do Brasil) e jabiru-americano. Informação extraída da wikipedia https://pt.wikipedia.org/wiki/Jaburu

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

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