A história começa assim:
Os índios que habitavam a região sul, conheciam, não se sabe desde quando, o uso das
boleadeiras.
Simplesmente, usavam-nas juntamente com as flechas e lanças, contra os inimigos e
também para caçar.
Dizem que, uma vez, no século XVIII, os índios estavam realizando uma grande
festividade.
Diversas fogueiras foram acessas para assar as caças.
Além disso, dançavam e
cantavam alegremente.
Com isso, alguns bandeirantes passando por perto viram a fumaça.
Como eles andavam
atrás de ouro e algumas pedras preciosas, necessitavam de escravos para ajudá-los no trabalho.
Um deles chegou até a dizer:
-- Vejam! Fumaça! Devem ser os índios!
-- Com certeza! – respondeu outro.
– Vamos aprisioná-los!
Dessa forma, apontaram as cordas, verificaram as armas e seguiram em direção à fumaça.
Os índios, que não eram bobos, mantinham sentinelas por todos aqueles lugares.
Informado da presença dos bandeirantes, o cacique da tribo ficou furioso:
-- São os brancos que querem escravizar-nos! – gritou ele.
– Que venham! Que venham!
O chefe, então, arquitetou um plano: mandou que vários guerreiros montassem em seus
cavalos e seguissem para a campina.
Os índios cavaleiros deveriam ficar deitados e escondidos
num dos lados do cavalo, deixando o outro lado voltado para os brancos.
Com isso, eles pensariam
tratar-se de cavalos selvagens e se aproximariam, tornando-se presas fáceis.
Dito e feito.
Quando os bandeirantes viram os cavalos, ficaram contentíssimos:
-- Que belos cavalos! – exclamou o chefe.
– Vamos cercá-los e laçá-los.
Assim, foram se aproximando, sem perceberem que se tratava de uma armadilha.
Quando então, os índios acharam que os brancos estavam suficientemente perto,
endireitaram-se nos cavalos e partiram, rápidos como um tiro, contra eles, uns atirando boleadeiras
ou flechas, outros com as terríveis lanças apontadas.
Os bandeirantes ficaram boquiabertos.
Até chegaram a dar alguns tiros, mas como o ataque havia sido inesperado, não tiveram
tempo de reagir.
Muitos foram mortos e, quem pôde, tratou logo de fugir dali.
Vitoriosos, os índios examinaram o lugar onde se travara o combate, quando ouviram um
gemido.
Havia alguém vivo.
O ferido era o mais moço do grupo de bandeirantes e chamava-se Rodrigo.
Fizeram-no
prisioneiro e o levaram para a aldeia.
Em razão da vitória, foi realizada uma grande festa, na qual o Conselho da Tribo condenou
Rodrigo à morte.
Contudo, como os índios não matavam pessoas doentes ou feridas, decidiram esperar até
que o rapaz ficasse completamente curado, para então, sacrificá-lo.
Enquanto isso, o rapaz podia andar livremente pela aldeia.
Foi então que a filha do chefe, uma linda mocinha chamada Imembuí, ficou com muita
pena do prisioneiro, e passou a lhe dar as melhores comidas e bebidas.
Com isso, os dias foram se passando.
Rodrigo então, com o ferimento cicatrizado, percebeu que já estava próxima a hora de sua
morte.
Por isso, perguntou a Imembuí, se ela sabia a data da cerimônia.
A índia olhou-o então, com os olhos cheios de lágrimas:
-- Não tenha receio. – respondeu. – Estou do seu lado e nada te acontecerá.
Ao ouvir isso Rodrigo ficou muito contente e até se animou.
Como é bom ter esperança!
Ficou tão alegre que sentiu vontade de cantar, de tocar.
Resolveu então, fazer um
instrumento, uma viola.
Com sua faca, cortou um pedaço de madeira e pouco a pouco,
penosamente, conseguiu dar-lhe a forma desejada.
Depois arranjou fibras de uma trepadeira,
transformando-a em cordas.
Estava pronta a viola, e Rodrigo começou a tocar e a cantar belas
canções, tristes e suaves, que agradaram imensamente a Imembuí.
Dias depois, um índio trouxe a mensagem do cacique: estava próxima a hora do sacrifício!
Ele precisava pagar por todos os brancos que pensaram em escravizar os índios.
Era só aguardar
mais um pouco.
Ao ouvir a notícia, a esperança de Rodrigo ficou abalada, e embora a moça tivesse
prometido que conseguiria salvá-lo, ele tinha suas dúvidas.
De qualquer modo, continuou a tocar e a cantar para a mocinha índia, que não se cansava
de ouvi-lo.
E, pouco a pouco, apaixonaram-se um pelo outro, e começaram a namorar.
Mas a dúvida permanecia.
Mesmo com a moça lhe prometendo:
-- Conseguirei salvá-lo. Pedirei perdão ao chefe. Ele é meu pai e não deixará de me atender.
Mesmo assim, Rodrigo temia por sua vida.
E assim, mais alguns dias correram.
Certa manhã, alguns índios levaram o prisioneiro e amarraram-no fortemente a um tronco.
O dia do sacrifício chegara.
Imembuí não conseguira salvá-lo, embora tivesse pedido diversas vezes ao pai, e ele se
sentisse inclinado a concordar.
Assim, quando a moça foi avisada, atirou-se aos pés do pai e lhe implorou que conservasse
a vida de seu namorado.
O chefe então, respondeu:
-- Por mim, ele seria poupado, mas há outros chefes e não quero desgostá-los. Fazem
questão de sacrificar o branco conquistador.
Ela então, saiu dali e foi conversar com os outros chefes.
Implorou a todos, um por um.
Disse-lhes que o moço era dotado de bom coração e que fizera aquilo por influência dos
companheiros.
Mas os chefes não estavam dispostos a ceder.
Como, porém, gostavam muito da indiazinha,
resolveram formar um Conselho para decidir, de uma vez, a sorte de Rodrigo.
Por isso, mandaram soltá-lo, até a solução final, e sua namorada correu para ele, a fim de
lhe contar o que sucedera.
Rodrigo ouviu tudo, preocupado.
Não se sentiu muito esperançoso não.
No Conselho, os chefes discutiam.
Não viam motivo para poupá-lo, mas também não
queriam desgostar a jovem índia, nem a seu pai, que era o chefe de todos.
Foi então que Rodrigo teve uma idéia.
Ele era muito esperto e se lembrou que os índios são muito sensíveis à música.
Talvez
conseguisse seduzi-los com suas canções.
Foi então, buscar a viola, e sentou-se o mais perto
possível do lugar do Conselho, e começou a tocar e a cantar as mais belas canções que conhecia.
Dentro da cabana, os chefes ficaram maravilhados.
Um a um, foram saindo para ver quem
tocava e cantava tão docemente.
Quando viram era o prisioneiro, ficaram surpresos.
Ele não era
um homem!
Era um deus!
E aquele que havia sido motivo de ódio, passou a ser agora, motivo de admiração por todos.
Diz a lenda que, enquanto ouviam as tristes e belas canções, exclamavam:
-- “Gaú-che! Gaú-che”. – que significava “gente que canta triste”.
Desta expressão indígena, teria vindo a palavra gaúcho.
Diante disso, os índios não tinham mais motivos para sacrificá-lo.
Rodrigo e Imembuí, ficaram noivos e, pouco tempo depois, realizou-se o casamento.
E que casamento!
Jamais aqueles índios tinham visto uma festa igual.
Depois do banquete,
todos dançaram à luz das fogueiras.
Foi com estes índios que Rodrigo aprendeu a usar as boleadeiras.
Com o tempo, os chefes índios começaram a notar que Rodrigo, além de excelente músico,
possuía outras qualidades.
Era calmo, inteligente e equilibrado.
Por esta razão, resolveram elegê-lo conselheiro da tribo.
E ele agiu com tanta sabedoria e competência, que logo se tornou um dos chefes.
Com seu
modo de pensar de homem civilizado, influiu nos hábitos daquela gente.
-- Temos necessidade de formar lavouras e melhorar nosso meio de vida. – disse ele, um
dia. – Vamos às missões dos jesuítas e lá conseguiremos ferramentas e sementes. Em troca,
daremos aos padres, erva-mate, cavalos, peles e o que mais pudermos conseguir. Desta maneira,
também obteremos tecidos para vestir melhor a nossa gente.
Dito e feito.
Junto aos jesuítas, Rodrigo foi bem sucedido e conseguiu o que desejava.
Com isso, logo a terra dos índios passou por uma grande transformação.
Verdes lavouras,
gordos animais, índios alegres.
Rodrigo foi portanto, o primeiro gaúcho, e seus descendentes herdaram o amor à música,
à terra e ao progresso.
2 Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). São Paulo: APEL Editora,
sem/data.
Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário