Poesias

sexta-feira, 31 de julho de 2020

COISAS DO BRASIL PARTE 3 – REGIÃO SUL CAPÍTULO 6

Com isso, ao encerrar a narrativa, sobre a origem do povo gaúcho, o narrador comentou então, sobre a origem da A Erva-Mate. 
Esta lenda conta que, há muitos e muitos anos, uma grande tribo estava de partida. 
O lugar onde moravam não servia mais, pois a caça estava difícil e a terra já não produzia como antes. 
Todos estavam muito tristes, apesar das palavras animadoras do cacique e das previsões do pajé. Lentamente, em procissão, os índios foram deixando a antiga aldeia onde tinham vivido tantos anos. 
As ocas abandonadas e alguns pássaros que, percebendo o abandono, vieram pousar no terreiro, à procura de alguma sobra de comida, compunham a desolação do ambiente. 
Não havia mais ninguém. 
De repente, o couro que fechava a entrada de uma oca foi afastado. 
Os pássaros, assustados, voaram para longe, e um velho índio apareceu. 
Tinha os cabelos completamente brancos, e apoiava-se a um bordão. 
Atrás dele surgiu uma mocinha índia. 
O velho guerreiro não tivera forças para acompanhar a tribo em sua marcha. 
Sua filha mais nova, sem coragem de abandoná-lo, preferira renunciar à segurança da tribo. 
Para não assistir à partida de sua gente, haviam permanecido dentro da oca. 
O velho insistira com a filha para que fosse com os outros: 
-- Vá, enquanto é tempo, Iari. Pouco me resta de vida e depois, o que será de você? O que fará neste lugar abandonado? Antes ficar sozinho do que angustiar-me com seu destino. 
-- Não fale assim, pai. Sabe que eu não teria coragem de abandonar-lhe. O que faria o senhor sozinho? Morreria de fome! 
Os dois continuaram a viver na aldeia e dava pena ver o esforço do índio para ser útil à filha. Lentamente, com o maior sacrifício, reunia um pouco de lenha, e apanhava alguma fruta. 
Ela, então, não parava: plantava, colhia, cozinhava, procurava manter em ordem a oca e o terreiro, onde o mato, adivinhando a fraqueza da moça, parecia resolvido a retomar o que fora seu. 
Até as onças, que antes não se aproximavam, temendo a flecha dos guerreiros, andavam urrando cada vez mais perto.
A noite era cheia de sobressaltos e o dia, vazio de esperanças. 
Os meses foram passando. 
Numa triste tarde de inverno, o velho estava um tanto afastado da aldeia, colhendo algumas frutas, quando viu mexer-se uma folhagem próxima. 
Pensando que fosse uma onça, ficou gelado. 
Para defender-se, não tinha mais forças. 
Para fugir, não podia contar com as pernas. 
Completamente paralisado, esperou o pior. 
Em vez da onça, porém, viu surgir um homem branco muito forte, de olhos da cor do céu, vestindo roupas coloridas, que aproximou-se do velho guerreiro e pediu: 
-- Venho de longe e há dias que ando sem parar. Estou cansado e queria repousar um pouco. Poderia arranjar-me uma rede e algo para comer? 
O velho lembrou-se que a comida era escassa, mas não pode recusar. 
-- Sim, respondeu. Venha comigo. 
E tomaram o caminho da aldeia. 
Ao chegar, ele chamou Iari e apresentou-lhe o viajante: 
-- Este homem, minha filha, está mais cansando do que nós, e também sente fome. Cuide para que nada lhe falte. 
Iari acendeu o fogo e preparou tudo o que havia de comer, embora soubesse que não seria fácil conseguir mais. 
O estranho comeu com apetite. 
O velho e sua filha cederam-lhe sua oca, e foram dormir numa das outras, abandonadas. 
Iari levou sua rede, nela acomodou o pai e dormiu no chão, porque não havia outra rede e a de seu pai ficara com o viajante. 
Logo cedo, o velho índio encontrou o homem branco cortando lenha. 
Pediu-lhe que parasse, pois era um hóspede, mas o homem respondeu que já estava bem descansado e gostaria de ajudar, também. 
Terminou de cortar a lenha e seguiu em direção à floresta. 
Horas depois, retornou com várias caças. 
O velho não sabia o que dizer. 
-- Vocês merecem muito mais! - exclamou o homem.
 –Trataram-me com toda a hospitalidade, dando-me tudo o que possuíam! 
Depois ele confessou que era um enviado de Tupã. 
O deus dos índios estava preocupado com a sorte dos dois. 
-- Pela bondade de vocês – disse ele. – Merecem receber tudo o que desejarem. 
O velho animou-se: 
-- Posso pedir mesmo? 
-- Claro! Diga o que deseja! 
-- Queria ter um amigo que me fizesse companhia até que meus dias acabassem. 
-- Assim, Iari poderia alcançar nossa tribo e ser feliz. Fico triste em vê-la aqui sozinha, sem amigas, sem uma festa, só trabalhando. Se ao menos eu tivesse mais forças! Poderia ficar sozinho. Ela não quer deixar-me, porque sabe que eu não sobreviveria. 
-- Vou arranjar-lhe um amigo, prometeu o mensageiro. Um amigo que lhe dará alegria e forças para o resto de seus dias. 
Mostrou-lhe, então, uma erva estranha: esta é a erva-mate. Plantea, deixe que ela cresça e faça-a multiplicar-se. 
Depois ferva suas folhas e beba o chá. 
Novamente as forças lhe voltarão, e poderá trabalhar e caçar o quanto quiser. 
Sua filha, se desejar, poderá ir ao encontro da tribo. 
Iari foi chamada e disse que não, preferia ficar na companhia do pai. 
Não poderia ser feliz em sua tribo, se o deixasse só. 
O enviado de Tupã sorriu, emocionado: 
-- Por ser tão boa filha, você merece uma recompensa. A partir de agora, você é Caá-Iari, a deusa protetora dos ervais. Cuidará para que o mate jamais deixe de existir, e fará com que os outros o conheçam e bebam, para ficarem fortes e felizes. 
Em seguida, o homem partiu. 
Tinha dito a verdade: o velho guerreiro recuperou as forças perdidas e nunca mais passaram necessidade. 
Entretanto, Iari vivia preocupada com o pedido do estranho. 
Ele queria que ela tornasse o mate conhecido. 
Mas como? 
Estavam tão longe que ali não aparecia ninguém! 
Ela não sabia o que fazer... 
Numa distante aldeia de índios, realizava-se uma grande festa. 
Todos estavam contentes porque tinham feito uma boa caçada, e tão cedo não precisariam preocupar-se com alimento. 
Enquanto uns dançavam e cantavam, outros comiam e bebiam. 
Depois de algumas horas de alegria, dois jovens índios, que tinham bebido mais do que deviam, começaram a discutir. 
Eram Piraúna e Jaguaretê. 
O primeiro usava um colar feito com dentes de cem inimigos que abatera nas guerras; o segundo era famoso por sua força e coragem. 
Eram os guerreiros mais fortes da tribo. 
Quando alguns índios viram o que estava acontecendo, procuraram acalmar os dois jovens, pois sabiam que uma briga entre eles teria resultado funesto. 
Depois de muito esforço, levaram cada um para um lado, e a festa continuou. 
Mas os dois estavam mesmo decididos a terminar a discussão que haviam iniciado. 
Pouco a pouco, um foi chegando perto do outro, e a briga recomeçou. 
Desta vez, apelaram para a força. 
Os índios mais corajosos fizeram de tudo para separá-los. 
Porém, quem podia com eles? 
Fortes como eram, cheios de ódio e com cauim a embotar-lhes o raciocínio, pareciam duas feras, e não dois homens. 
De repente, Jaguaretê empunhou um tacape e deu um violento golpe na cabeça de Piraúna, matando-o.
Interrompendo-se a festa, Jaguaretê foi amarrado ao poste das torturas. 
Pelas leis daquela tribo, os parentes do morto podiam executar o assassino. 
Trouxeram o pai de Piraúna, para que ordenasse a execução de Jaguaretê, mas ele não quis fazê-lo. 
Disse que Jaguaretê só era culpado de haver bebido demais, tendo dado, assim, oportunidade a Anhangá, o espírito mau, de dominá-lo, levando-o a matar o amigo. 
Ele não deveria ser morto, portanto. 
Apenas expulso da tribo. 
Teria de viver sozinho nas matas desconhecidas, onde poderia refletir com calma sobre o que fizera. 
A decisão do velho foi obedecida. 
Depois de desamarrarem o jovem guerreiro, deram-lhe permissão para que pegasse suas armas, e ordenaram que partisse imediatamente. 
Jaguaretê obedeceu e seguiu para o exílio. 
Ia triste, cabisbaixo, pois o efeito da bebida estava passando e podia ver agora o mal que fizera. 
Seguiu seu caminho e embrenhou-se na mata. 
Depois que Jaguaretê sumiu na floresta, ninguém ouviu falar mais nele. 
Com o tempo, foi completamente esquecido. 
Muitos anos depois, alguns índios daquela tribo, que nem tinham ouvido falar em Jaguaretê, saíram para caçar. 
Entraram pelo sertão, onde era fácil encontrar uma onça, aprofundando-se cada vez mais. 
No meio da floresta, encontraram uma cabana. 
Surpresos, aproximaram-se com cuidado. 
Nisto, um homem forte e sorridente apareceu. 
Embora tivesse os cabelos brancos, o corpo e o rosto eram os de um jovem. 
Ele acolheu os índios com cordialidade, e ofereceu-lhes uma bebida desconhecida. 
Era Jaguaretê, o índio expulso de sua tribo, e a bebida desconhecida era o mate. 
Os índios quiseram saber por que ele vivia sozinho naquela cabana, e que bebida era aquela. 
Jaguaretê contou-lhes a sua história: 
-- Assim que me vi sozinho na floresta, não agüentava mais o cansaço e o remorso, joguei-me no chão e ali fiquei, pedindo a morte. O arrependimento e a saudade de minha gente me torturavam. Fiquei muito tempo caído no mesmo lugar. Pressenti, então, que alguém estava perto de mim. Levantei a cabeça e vi uma jovem de olhar bondoso. 
Ela fitou-me com compaixão e disse: 
-- Tenho pena de você, porque não matou por querer e agora está arrependido do que fez. Para que possa suportar seu exílio, vou ensinar-lhe uma bebida que não enfraquece nem tira a razão, como o álcool, mas fortalece o corpo e clareia a mente. Meu nome é Caá-Iari, a deusa protetora dos ervais. Mostrou-me uma estranha planta e esclareceu: 
-- Esta é a erva-mate. Plante-a, deixe-a crescer e faça-a multiplicar-se. Depois, prepare uma infusão com suas folhas e beba o chá. Seu corpo será forte e sua mente será clara por muitos e muitos anos. Segurei, emocionado, a planta que a deusa me entregara. Ela me olhou, em silêncio. Depois, desaparecendo pouco a pouco, como se fosse fumaça, ordenou: 
-- Não deixe de transmitir a quem encontrar, o que aprendeu sobre o mate! 
-- Portanto, meus amigos, finalizou Jaguaretê, quero que levem alguns pés de erva-mate para sua tribo e nunca deixem de transmitir aos outros o que aprenderam. 
-- Não vem conosco? - perguntou um índio. 
-- Não, não vou. – respondeu Jaguaretê, pensativamente. – Agora é tarde. Todos os que eu conhecia na tribo já devem estar mortos, e eu seria um estranho. É preciso que eu cumpra meu exílio. Além disso, estou tão habituado com este lugar, que me sinto parte dele. E não estou sozinho, tenho o mate para alegrar minhas horas de solidão. 
Os índios voltaram e contaram aos outros o tinham ouvido. 
O mate foi plantado e multiplicou-se. 
Outras tribos aprenderam o seu uso e ele é, até hoje, muito difundido no Sul...

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

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