“ As velas do Mucuripe
Vão sair para pescar
Vou levar as minhas mágoas
Pras águas fundas do mar
Hoje à noite namorar
Sem ter medo da saudade
E sem vontade de casar
Calça nova de riscado
Paletó de linho branco
Que até o mês passado
Lá no campo ‘inda era flor
Sob meu chapéu quebrado
O sorriso ingênuo e franco
De um rapaz novo, encantado
Com vinte anos de amor
Aquela estrela é dela
Vida, vento, vela, leva-me daqui ”
(Mucuripe – Raimundo Fagner/Belchior)
1940. As velas dos barcos, e o deslizar das jangadas, convidam a uma longa jornada mar adentro.
É desse mar que os pescadores e os jangadeiros retiram o sustento de suas famílias.
E é desse mar que se despedem no lusco-fusco vespertino, quando o sol se retira da praia, beijando a superfície das águas e manchando-as de dourado.
A seguir, surgem as horas vazias, a agonia das mulheres que perderam seus maridos em tempestades, esperando pelo retorno de quem nunca virá.
É nesse cenário que vive um jovem pescador chamado Lourival.
Moreno, por volta de seus vinte anos, é objeto de cobiça de muitas das mulheres que por ali vivem.
Vivem, pobres como ele, em um bairro paupérrimo, longe do centro e do glamour de tão antiga cidade. Vivem, a sonhar com o dia em que ele, irá se dignar a olhar para elas, quando passar.
Quem não gostava nada desse frisson eram os rapazes, que sentiam-se preteridos pelas moças, as quais, com raras exceções só tinham olhos para Lourival.
Lourival, por sua vez, não estava nem um pouco interessado em causar confusão. Aliás, distraído, muitas vezes nem sequer, percebia os olhares.
Ambicioso, o rapaz só queria saber de se livrar daquela vida miserável. Aborrecido, já estava cansado de se sacrificar no mar, e só ser explorado. Lourival, encantado com o estilo de vida do centro, agora só queria saber de conforto e de luxo.
Certa vez, para passear pela cidade e conhecer seu esplendor, Lourival colocou sua melhor roupa. Um terno que fora de seu pai, que o usara quando se casou.
Fascinado com a beleza da cidade, Lourival se encantou com as belas construções, seus teatros, suas igrejas. Esse passeio se deu durante o Natal. Foi lá que ele se encantou com a encenação do Bumba-Meu-Boi.
E agora, perdido em pensamentos, Lourival só fazia se lembrar deste passeio. Animado sempre que podia comentava com os amigos, que um dia ainda teria muito dinheiro e moraria no centro da cidade.
Seus amigos, também pescadores, sempre que ouviam esta conversa, caíam na risada. Descrentes de que Lourival conseguiria alcançar êxito em seu intento, eles sempre faziam troça com ele.
Lourival, então, ao se ver sendo alvo de piadas, ficava furioso, e aborrecido, deixava os amigos de lado.
Ele por sua vez, sozinho, ficava a sonhar com o dia em que teria muito dinheiro, e que todos aqueles que até então não davam crédito às suas palavras, ainda iriam procurá-lo em troca de favores. Pensando nesta possibilidade, Lourival ficava a sorrir. Lhe era extremamente agradável pensar nisso.
Porém, quando retornava a realidade e se percebia praticamente sozinho no mundo, Lourival não se sentia nem um pouco feliz.
Contudo, precisava se recolher e dormir, pois no dia seguinte, precisaria enfrentar novamente o mar para obter seu sustento, e auxiliar o casal de tios que o criou, depois que seus pais faleceram.
E assim, lá se foi ele novamente, durante a madrugada enfrentar o mar.
Trabalhando no barco, os pescadores só tinham tempo para observar o mar e pescar. Para isso lançavam mão de redes e de muita paciência. No final da tarde, voltavam com o barco abarrotado de peixes.
E mais uma vez a vida se repetia.
Para Lourival, essa repetição sem fim, era extremamente monótona.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Poesias
quinta-feira, 20 de maio de 2021
OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO - CAPÍTULO 1
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário