Eunice percebendo a desconfiança da mãe, passou a disfarçar seu interesse na vida de peão.
Preocupada com o conformismo de Eunice, Carmela não se cansava de dizer a Felício que permanecesse atento a moça, pois a mesma estava muito estranha.
O estancieiro porém, não dava crédito as palavras da esposa.
Desta forma, foi apenas questão de tempo, para que Eunice se despedisse daquela vida, de sinhazinha, para se tornar uma grande tropeira.
Interessada nesta vida, Eunice sempre que podia perguntava a Queirós como era o dia-a-dia de um tropeiro. Dizendo-se saudosa de Tomé, comentava que gostava de ouvir as histórias dos peões.
Queirós, preocupado com o interesse da sinhazinha, comentava que se Felício os pegasse conversando, ainda mais sobre a vida de tropeiro, ambos estariam seriamente encrencados.
Eunice então, procurando disfarçar, comentava que estava apenas interessada em histórias.
O homem começou então a contar as histórias.
Com isto foi apenas questão de tempo para Eunice colocar seu plano em prática.
Fugir de casa para vivenciar uma nova vida, cheia de aventuras e desafios.
Aproveitando um momento de distração de Felício, Eunice que já havia conseguido algumas roupas de peão, tratou de vestir-se, e aproveitando a escuridão da noite, ganhou o mundo.
Quando Felício deu por falta da filha, Eunice já estava muito distante da fazenda.
O estancieiro porém, não se deu por vencido. Dizendo que traria a filha de volta, nem que fosse arrastada pelos cabelos, prometeu que desta vez Eunice seria severamente castigada.
Carmela ao perceber a gravidade do tom de voz de Felício, tentou mais uma vez interceder pela filha. Em vão.
Felício estava firme e resoluto.
Eunice pagaria caro por aquela ousadia.
A moça, porém, ciente de que seria procurada, procurou evitar os arredores da fazenda do pai. Procurando ganhar tempo, cavalgou a noite inteira até se distanciar da fazenda.
A certa altura, exausta, procurou pouso em uma fazenda para descansar um pouco e arrumar um pouco de comida.
Não ficou no lugar mais do que algumas horas.
Precisando ficar cada vez mais longe da fazenda de Felício, Eunice, agora travestida de Enrique, procurou se afastar o mais que pôde da vida de sinhá.
Felício por sua vez, não conseguiu pôr as mãos em Eunice.
A certa altura, percebendo que Felício não mais procurava por ela, empregou-se na fazenda de Cornélio – estancieiro amigo de Tomé.
Lá se tornou amiga de Porfírio, com quem participou de grandes viagens. Tropeiros e amigos, negociavam animais da fazenda do estancieiro em São Paulo.
Para tanto, atravessavam grandes distâncias, enfrentavam frio, chuva, dormiam ao relento, em celeiros, apeavam de seus cavalos e conseguiam algumas vezes, pouso em fazendas.
Ousados e valorosos, enfrentaram ataques de índios, rios bravios e até tentativas de assalto nas estradas.
Era uma vida de aventuras.
Com o tempo, Enrique se tornou um grande tropeiro.
Corajoso, chegou a enfrentar bandidos armados, sozinho.
Em dado momento porém, cansada de esconder sua identidade, Eunice revelou ao fazendeiro que Enrique era apenas um disfarce.
Quando a identidade de Eunice foi revelada, Cornélio por um momento, pensou em despedir a moça.
Ressentido com a morte de Tomé, custava a crer que ela poderia estar querendo vingar a morte do tropeiro.
Porfírio porém, conhecendo um pouco Eunice, comentou que acreditava na sinceridade dela. Surpreso com a revelação, comentou que nunca desconfiou de nada, mas que sabia sentir quando uma pessoa estava tentando enganá-lo.
Ao ouvir tais palavras, Cornélio riu:
-- Realmente ninguém consegue enganá-lo!
Nervoso, o peão respondeu que o engano não fora pelo fato da moça ter lhe escondido a identidade. Percebendo que a moça sempre demonstrara carregar consigo um segredo, relatou que mesmo percebendo isto, notava que a intenção dela era boa.
-- Não me pergunte como sabia disto, mas sabia. – respondeu.
Cornélio, recordou-se que Porfírio lhe recomendara a contratação de Enrique.
Em dado momento relatou ao patrão que o moço carregava consigo um segredo, mas que era uma pessoa de confiança.
Acreditando no juízo de valor do peão, o fazendeiro decidiu contratar o misterioso rapaz.
Nisto, em questão de tempo, Felício descobriu que o valoroso tropeiro era uma mulher.
Raivoso, comentou que aquilo era o fim do mundo. Dizendo que não poderia aceitar tal despautério, chegou a dirigir-se a propriedade de Cornélio, onde exigiu que o fazendeiro despedisse o peão.
Cornélio porém, revoltado com a arrogância do fazendeiro, comentou que não só manteria a tropeira trabalhando para ele, como também a ajudaria a comprar uma propriedade nos arredores.
Foi o suficiente para deixar Felício furioso.
O arrogante fazendeiro não podia crer na ousadia de Cornélio.
Mas não podia fazer nada contra Eunice.
Furioso, ao chegar em sua propriedade, Felício bradou aos quatro ventos que jamais aceitaria tamanho absurdo.
Carmela mais uma vez, tentou em vão acalmar o marido. Em vão.
Quando o homem rude descobriu que a mulher tropeira era Eunice, sua filha, ficou ainda mais furioso.
Desta forma, foi questão de tempo para que todos tomassem conhecimento de que a tropeira era Eunice, a qual estava de volta.
Enriqueceu, adquiriu propriedades.
Certa vez, enquanto preparava-se para banhar-se nas águas de um rio, foi abordada por dois estranhos, que sabedores da história, tentaram se aproveitar da situação.
Eunice porém, percebendo a aproximação dos estranhos, apontou sua arma na direção da pedra em que ambos estavam escondidos, colocando-os para correr.
Esta história correu toda a região.
Cabe mencionar que mesmo após se tornar proprietária de terras na região, Eunice continuou a exercitar suas atividades de tropeira.
Desta forma, angariou a admiração de todos na região.
Nesta época Queirós, Porfírio e um peão chamado Dionísio, se tornaram suas auxiliares na tarefa de administrar sua fazenda.
Neste mesmo período, chamou a região um policial, chamado Pedro, que investigou a morte de Tomé.
Felício, ao tomar conhecimento de que haviam retomado as investigações sobre a morte de Tomé, ameaçou o delegado.
Mas Pedro não se deixava intimidar. Disposto a levar o caso até as últimas conseqüências, despertou a admiração de Eunice.
A moça prometeu então, auxiliá-lo nas investigações.
Ao ouvi isto, Pedro indagou-lhe como poderia fazê-lo.
Eunice respondeu que tinha sérias desconfianças de quem teria sido o mandante do assassinato.
Assim, foi apenas questão de tempo, para que se descobrisse que Felício fora o mandante do assassinato de Tomé.
Eunice, ao tomar conhecimento de que o estancieiro tencionava fugir da região para não ser condenado, atirou em sua direção, ferindo o cavalo que o transportava.
Ferido, o animal caiu, derrubando o fazendeiro.
Auxiliada por Dionísio e Porfírio, levou o homem até a delegacia, onde o mesmo foi preso, e posteriormente, condenado a forca.
Eunice, como parte de sua vingança, presenciou a morte de pai.
Enfim, o perverso homem estava pagando por suas maldades.
Mas a moça não estava feliz.
O enforcamento de Felício não traria de volta Tomé.
Com o passar do tempo, passou a se perguntar se havia agido certo ao denunciar o estancieiro, e se empenhar tanto em condená-lo.
Isto por que, ao ver o desespero de sua mãe Carmela, Eunice sentiu-se de certa forma, responsável por seu sofrimento.
Visando ampará-la, ao receber a recusa da mãe em morar com ela, prometeu que ela ficaria com a fazenda onde ela vivera ao lado do marido, já que seu desejo era continuar na propriedade.
Com isto, Eunice conseguiu diminuir um pouco o sofrimento da mãe.
Anos depois, Eunice casou-se com Pedro, e sua história serviu de estímulo para que Catarina, viúva e com três filhos pequenos para criar, decidisse se aventurar e tornar-se tropeira.
Admirada com a força de Eunice, a jovem mulher bateu a porta de Eunice para se oferecer para trabalhar com ela.
Eunice aceitou a oferta e em questão de tempo, Catarina se tornou uma grande tropeira.
Conseguindo desta forma, manter sua fazenda e criar seus filhos.
Eunice também teve seus filhos, mas nunca abandonou seu trabalho como tropeira.
Morreu velhinha, velhinha.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
quinta-feira, 6 de maio de 2021
AMARGAS LEMBRANÇAS - CAPÍTULO 5
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