Em remotas plagas
Esquecido continente
Origem de tão bela criação
Berço civilizatório
Há milhares, talvez milhões de anos
Eis que surgem
As primeiras humanas criações
Adequadas as condições ambientais
Da inóspita paragem
Seres robustos
Tez dourada
Nutrida com os mil sóis do lugar
Fortaleza imensurada
Corpos preparados
Adaptados a aridez local
A dureza da vida cotidiana
Origem das primeiras civilizações
Guerreiros de tão inóspito lugar
A lutar com instrumentos rudimentares
Artefatos de pedra
Lascados de início, e após,
Burilados, polidos
A insculpirem em paredes de pedra
Cavernas escuras
Mal iluminadas
Rudimentares desenhos
Retratos da vida cotidiana
Da faina diária
Isolados de início,
A formarem comunidades
As sociedades primeiras
Soberana raça
A se espalhar pelo mundo
Heróico povo sofrido
A escrever as páginas primeiras de nossa história,
Neste planeta
A formarem bravos povos
Egípcios, árabes, persas, entre outros tantos
Roma a se expandir
Nobres negros a serem escravizados
Mais tarde, nova invasão as terras
Reis sendo destronados e apartados de seus pares
Levados para tão distantes plagas
Tão longínquos continentes
A enfrentarem tão longos reveses
Humilhados, aviltados, vilipendiados
Diminuídos, de todas as inumanas formas
Coisificados
Ó dura história!
Quanta tristeza trazes, acorrentadas ao peito
Um passado imenso de dores
De luta!
Acorrentados em navios
Amontoados em seus porões
Vendidos como animais
Expostos aos olhares curiosos e impiedosos
Até que aos poucos, foram sendo libertados
Os grilhões se rompendo
E os homens, abandonados a sua própria sorte
Novamente necessitados de construírem uma nova história
Muitos a se estabelecerem em morros
Distantes de seus labores
Marginalizados
A construírem grandezas
A sofrerem com guerras internas em seus países
A terem suas terras invadidas,
Por brancos
África do Sul separada,
Apartheid,
Ku Klux Klan,
Poder Negro,
Sambistas menosprezados
Esta é minha origem
Um de meus berços
Negras raízes
Escravos,
Diante da impossibilidade
De fazê-lo, com os nativos do lugar
Índios adaptados ao ambiente
Indóceis aos desmandos do homem branco
Eis que surge negra força
A atender o desidério de homens inescrupulosos
Opróbrio
Vilipendiados seres
Agora por igualdade lutam
Em tão longínqua terra
Inóspita paragem
Inferno verde
Ao viver no Brasil
Bela jovem, negra audaz
Altiva e severa
A conhecer louro português
De quem se enamorou
E a quem veio a desposar
O jovem, tão jovem
A enfrentar autoritário pai
Que maltratava os negros libertos
Juntos viveram
Casal desventurado
Filhos tiveram
Português sofrido
Aos poucos, debilitado, cego
A perder a luz da alma
Cego de um dos olhos
Luzeiro sem luz
Perda de uma das pernas
Ao morrer deixaste,
Numerosa prole
Sob o jugo do impiedoso avô
A expulsar a mulher e os filhinhos
Homiziados, fugidos correram
Com as roupas do corpo se despediram,
Abruptamente do lugar
Mulher de dura têmpera
A bordar lindas e delicadas rendas
Em seu bilro,
A tramar as rendas belas
Teceu a família e tramou a vida dos filhos
Criou os filhos
Entre eles, brancos filhos,
Mulatos, mestiços
E um mulato sertanejo
Homem que conheceu
Branca e pequena jovem
Triste e sozinha
A malhar na dura lida diária
A carregar fardos, pesos
Realizando pesados misteres
Ainda criança, tornou-se órfã
A mãe, a casar-se novamente
Sendo tão pequena criança
Submetida ao jugo do padrasto
Branca jovem, filha de índia
Mais tarde, a perder o contato com a mãe
Mulher que aventurou-se no mundo
Sem deixar rumo
Onde terá ido?
Flor branca, delicada
Franzina
Em contraponto a aparente fragilidade
Muita força no trabalho, na lida diária
A casar-se com o valoroso sertanejo
Dono de terras em território baiano
Tiveram numerosa prole
Mas antes de tudo isto
Tudo fora vendido
Nas nordestinas plagas
Vindo o casal rumar para São Paulo,
Viveram em um sítio
Interior do estado
Amendoim plantavam
Em uma casinha viviam
Vidinha dura levavam
Na morada ladeada por um pomar
Árvores frutíferas a enfeitar
O singelo ambiente
Em Eneida, heróica vila
Criaram os filhos
A cursarem o primário
Iniciados nas letras primeiras
Do mundo das palavras
Uma das crianças, imaginativa
A conhecer o mundo dos livros
Maravilhosas histórias de espadachins,
Guerreiros orientais,
Déspotas, verdugos, tiranos
Lindas princesas, heróis valorosos
Mundo de delicadezas
Em contraste a dura lida na roça
A plantarem, abrindo buracos no solo
Depositando sementes
Preparando a terra
Arar, semear, colher
Sol escaldante, marmita
Crescido, o menino rumou para a cidade
A dividir morada com um irmão
Nova vida a enfrentar
Vivida de forma independente
Trabalhos diversos
Estudos, supletivo, provas, faculdade
Uma vida inteira de sonhos pela frente
Namoros, encontros, relacionamentos
Em dado momento a encontrar,
Bela moça,
Filha de humilde e simplório ser
A lembrar mítico caipira
A dormir com sua melhor roupa
Tudo para economizar tempo para se arrumar para sair
Alegre e contraditório ser
A ajudar estranhos
E a negar ajuda a família
A esconder dinheiro em um colchão
Carinhoso e futuro, avô caipira
Vida em fazenda
Mãe a trabalhar em criações
A cuidar de frangos
A fazer farinha
Imagens e sensações de coisas passadas
A noite, homens a arrastarem tristes correntes
Chinelos a arrastar
Criança a se assustar
Histórias, muitas histórias a serem contadas
Com simpática idosa, a contar histórias de fantasmas
Crianças a brincar de mil formas diferentes
A escorregarem ladeiras
Lindos rostos de caras sujas
Banhos semanais
Pescarias, brincadeiras no riacho
Estando a mãe a lavar roupas
Grupo escolar
Crianças de diferentes idades
A juntas estudarem
Nômade família
A viverem de cidade em cidade
Uma das crianças a conhecer
Professora de modos delicados,
Perfumadas mãos
Lembrança etérea
Miúda e franzina criatura, a criança
A se encontrar, passado e presente no mesmo enredo
Voltando ao passado
Os meninos a brincarem com os moleques do lugar
A jogar bola
Roupas domingueiras para a esporádica missa
Doces na cidade, em suas raras idas ao lugar
Trabalhar em alheias propriedades para guardar dinheiro
A pescar, às vezes apenas tendo as mãos como instrumento
Faculdade a cursar
Não podendo completar o curso
A vida a enfrentar
Ao se casar com bela morena de branca pele,
Verdes olhos
A vida se transformou
Em um almoço de comemoração
Simples refeição
Macarronada e frango
Vaporoso vestido azul
Fotos no jardim em frente a igreja
Trajando tão elegante vestido azul
Casamento
Linda cerimônia celebrada
Branco vestido, buquê
Na saída da igreja
Partida em um fusca
Casal feliz a acenar da janela do carro
Ambos olhando para trás
Para trás deixavam um modo de vida
Na casa, muitos presentes
Objetos até hoje conservados
Com o tempo, os filhos a nascer
Brincadeiras, travessuras
Choros e castigos
Festinhas, aniversários, presentes
Inesquecíveis lembranças
Amigos secretos
Trocas de presentes
Coleguinhas
De coelhinho a se fantasiar
Brincadeiras em amplo quintal
Igual a ele, não há
Piscina de plástico
Pinheirinho, Dama da Noite, rosas
Profusão de rosas
Delicioso aroma das flores da noite
A Dama da Noite
Cheiro de infância
Pipas, brincadeiras em balanço montado na garagem
Estrutura de concreto
Inacabada, a servir de cenário
As maiores fantasias
De uma criança sonhadora
Sonhar de fazer sucesso
De se realizar
Fantasia de tule e folhinhas vermelhas
Confetes para jogar
No carnaval de minhas lembranças ditosas
Brincar no quintal ainda não concretado
Azulejos no barro
A criar mil mundos na imaginação
Muita coisa para se aprender
Faculdade, estudos
Um mundo novo a se descortinar
Tardiamente aprendendo a pedalar
Passeios na praia
A relaxar na rede
Adulta, a me enamorar de um mundo repleto de desafios,
Alegrias e dissabores
No mundo onde até o céu deixou de ser o limite
Filmes, músicas, histórias antigas
Lindas narrativas a contemplar
Outras para criar
Livros para ler
Poesias a se elaborarem
Ante meus olhos maravilhados
Quantas maravilhas, a serem criadas
Outras tantas a serem descobertas
Negros e afro descendentes,
A buscarem
A se colocarem no mundo
Elidem as desigualdades
Em que pese o mundo
Ser ainda tão injusto, desigual
Óh, nobre raça!
Guerreiros outrora, hoje e sempre
A humana raça!
A cor é apenas um processo de adaptação,
As locais condições
Um brinde a todos os povos!
Que se faça a igualdade
Como se fizera a luz!
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Poesias
sexta-feira, 29 de janeiro de 2021
Odisséia Africana
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