Quantas belezas em meio a tanta loucura
Raul Seixa zum zum zunzubizando
Maluco Beleza zanzando
A cantar sua filosofia de mundo
Críticas e verdades cruas
Canto Para a Morte
E suas conjecturas aparentemente absurdas
Sem o saber decerto como seria
Elis a cantar as belezas
E agruras da vida
As belezas de um mundo ideal
Por que tiveram que partir
Deixando ausentes, tantas lindas criações?
Ideias órfãs de campos profícuos
Mas restam-nos outros e bons criadores
Oriundos de uma terra de sonhos, poesia e beleza
Novos ou eternos, longevos
Seixas, criador dos mais interessantes temas musicais
Rock brasuca, serestas irreverentes,
Melodiosas canções, dramáticos e inusitados tangos
Tudo a ilustrar seu rico repertório
Elis Regina,
A grande dama da música popular brasileira
Partiu num rabo de cometa
Nos deixando o travo triste da saudade
Pouco a conheci em vida,
Descobrindo seu legado
Após sua despedida deste mundo
Tão cedo partiste desta vida
Grande interprete
E da terra encantada
Nos restam grandes artistas
Uma maravilhosa banda
A lembrar o mais famoso invento de um grande aviador
Com lindas canções
Como Uma Velha Canção Rock and Roll
A lembrar as canções que cantávamos
As quais quase não nos recordamos mais
Inesquecível 14 BIS
Legendária banda,
Assim como seus integrantes,
Entre eles Flávio Venturini,
Hoje em voo solo
Minas,
Terra de grandes cantores
E do igualmente mítico Beto Guedes
E seu eterno Amor de Índio
A espalhar Luz e Mistério
A nos encorajar a enfrentar a estrada
E seus descaminhos
A paz na terra,
Simbolizado no sal a nutrir o solo
Sal da Terra,
O chão que pisamos nossos passos lentos, apressados
E a cada audição das discografias,
Novas descobertas
Sons a ecoarem pelos fones de ouvido
As leituras poéticas
Paz na terra aos homens apressados, precipitados
Pessoas que não sabem,
De onde vem e tampouco, para onde vão
Seres que nem sempre,
Sabem existir ou viver
Perdidos em meio a tantas escolhas do viver ...
Pois viver é difícil,
Inexorável, insondável
E divino!
Muitas vezes,
Não sabemos o mistério da vida
Não sabendo viver
E assim, fica-se tentando se descobrir o segredo do bem viver
E melhor se adaptando, as condições da vida
Sua inevitabilidade, e suas veleidades
Pois se no inferno está
Melhor é cumprimentar o habitante da morada
E se possível, até abraçá-lo
Pois como diria o poeta original
Faz o que tu queres, que há de ser tudo da lei!
Raulzito Elis, a flor de Elis
Flor de Porto Alegre
A germinar pelo Brasil
E esses mineiros incríveis
Tão destacados em suas poesias
Pena não ser possível citá-los todos
Pois a vida é longa e o poema curto
Assim termino, estas mal traçadas linhas
E que se tenha piedade,
De uns pobres diabos,
Que não sabem o que dizem
E tampouco apreciam,
O bom gosto musical
Sinto pesar pelos gênios incompreendidos!
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Luciana Celestino dos Santos
Poesias
terça-feira, 21 de abril de 2020
domingo, 19 de abril de 2020
Duelo do Sorriso Amarelo
I
E assim, de mudança em mudança
As crianças foram crescendo
Amadurecendo, e novas paragens conhecendo
Pois da longínqua São Paulo
Dos tempos do matrimônio dos pais
As crianças rumaram para as cálidas terras agrestes
Terra de lindos mares, lindas praias
Mar, sol, céu
De muitas histórias de um Brasil antigo
E Carlos adorava ouvir as histórias da mãe
Histórias sobre o cangaço
Heróis ou vilões?
Lampião e Maria Bonita andando pelos sertões
Andanças pelo inóspito Raso da Catarina
Em uma vida dura e áspera de trajes de couro, e chapéus e lenços
Luta pela vida, sobrevivência
Sempre que ouvia histórias do cangaço
Carlos imaginava um cangaceiro destemido
A defender os pobres e desvalidos
A enfrentar autoridades e a mostrar-lhes a injustiças do mundo
E não bandoleiros, como história indica terem sido
Sim, por que Vilma contava sobre a violência a civis
Mas também, sobre a perseguição que sofreram
A vida ao ar livre, sempre a se esconder
A prepararem sua comida em latas,
A dormirem em barracas improvisadas,
Ou ao relento mesmo
Banhando-se em rios
Sempre alertas, ao menor sinal de perigo
Vilma, contava sobre as as volantes enfurecidas
Implacáveis na busca e perseguição aos cangaceiros temidos
Bem como das recompensas por suas cabeças
Em diversos lugares, inúmeros cartazes
Ofereciam dinheiro em troca da localização do paradeiro dos malfeitores
Mas diante do terror que infligiam,
Que se atreveria a tal façanha?
Vilma, como boa professora de história que era
Contava que depois de mortos, alguns cangaceiros
Decapitados foram, e cabeças exibidas tiveram
E depois de mortos,
Tiravam fotos com policiais exibindo as cabeças
E o material era amplamente divulgado em jornais
Ao ouvirem o relato, as crianças ficaram chocadas
Carolina ficava a pensar no horror da cena
Considerava os policiais violentos
E Vilma a explicar que era o modo de agir dos homens daquele tempo
Salientava que os cangaceiros também eram violentos
Pois matavam, roubavam, incendiavam propriedades, espancavam pessoas, entre outras coisas nefandas
Carolina ficava a se perguntar por que todos eram tão maus
E Vilma explicava que a vida dura de ambos os lados não lhes havia mostrado, que as coisas diferentes podem ser
Mudanças de comportamento levam gerações para se fazer sentir
E o que inaceitável o é em um tempo, passa no momento posterior, a aceito ser,
E que o contrário também acontece
II
Sendo assim...
Mas ao contrário do que pode parecer,
A idéia da mudança não fora repentina
Isto por que Vilma recebeu uma proposta de trabalho
Há vários meses, e prometeu que iria pensar no assunto
Seu casamento já não andava bem
Com Antônio sempre nervoso e preocupado
A brigar com a esposa e os filhos
Sem ter tempo para conviver com a família
Antônio, cada vez mais distante
Assim, quando percebera que o casamento chegara ao fim
Pacificamente conversou com o marido
E comunicou-lhe o interesse em terminar o matrimônio
Tal notícia deixou Antônio surpreso,
Em que pese saber que a comunicação, seria apenas questão de tempo
E assim, Vilma encheu-se de coragem e falou...
Separaram-se
Dividiram os bens
Venderam o apartamento,
E Vilma vendeu eletrodomésticos, móveis e utensílios da casa
E o que não conseguiu vender, doou
Desta forma, nada escondeu dos filhos e nem dos amigos
Nem ao término do casamento
Bem como do informativo da mudança para outro estado
Pois Vilma aceitara o convite
Para as crianças, narrou os fatos, dizendo que a decisão era irrevogável
Mencionou ainda, que recebera convite para lecionar história
Em uma universidade no Nordeste
Inicialmente as crianças informaram que não queriam ir
Que não queriam que eles se separassem
Choraram
Vilma e Antônio então, conversaram com as crianças e explicaram
Que o melhor seria se separarem
Melhor separados, do que juntos e infelizes
Antônio, recomendou aos filhos, que não ficassem com raiva de Vilma
Posto que a vida é deveras inconstante
E o que era certo em um momento,
Deixa de ser no momento seguinte
As crianças ouviam mas não entendiam
O que se podia fazer?
Vida que segue
E assim, o homem disse-lhes ainda, que seriam felizes em um outro estado
O Nordeste é lindo
Que a Bahia é a terra da alegria
Comentou que já vivera por lá
E disse que eles sempre que pudessem, poderiam visitá-lo em São Paulo
Ou então ele iria vê-los no Nordeste
E assim, aos poucos,
As crianças preparadas foram
Para um recomeço
Novo trabalho, projetos alvissareiros
Escola nova
Nova vida, ou vida nova, novos amigos
E a mãe em um novo trabalho
Todos estavam todos ansiosos e apreensivos com a mudança
Carlos imaginava-se banhando em lindas praias
Carolina perguntava a mãe se a água era tão quentinha quanto falavam
E Vilma respondia a todas as curiosidades
Pacientemente explicava como era o lugar, a cidade, as praias...
E os meses que antecederam a viagem
Muita organização envolveram
Roupas e mais roupas, além de alguns objetos e utensílios encaixotados
E muitos brinquedos...
E assim, viajaram de avião para o Nordeste
Antônio levou-os de carro até o aeroporto
Deixou-os na entrada do local, e despediu-se de todos
Carlos e Carolina, ficaram a contemplar as aeronaves,
Comeram, e depois se dirigiram ao portão de embarque
Durante o voo, as crianças avistaram a cidade de São Paulo do alto, as nuvens
Imagens que as deixaram deslumbradas
Tiveram até, tempo de ficar impacientes...
Até chegarem em seu destino
Desembarcaram, pegaram suas malas, pegaram um táxi
Dirigindo-se ao apartamento onde passariam a viver por algum tempo
Habitação alugada pela universidade, onde iriam morar
Não sem antes contemplar um pouco da beleza da cidade, da orla da praia
Dos prédios, das construções, da natureza
As crianças olhavam a paisagem da janela e ficaram encantadas
Nos dias que se seguiram, a mulher começou a lecionar na universidade
E as crianças passaram a frequentar a escola
No começo ressabiados, mas ao término de um mês, totalmente enturmados
Brincavam com os colegas
Assistiam aulas, participavam das atividades
As mestras eram só elogios as crianças,
Muito cordatas e educadas
Carlos e Carolina, ao término da aula, seguiam com a mãe para casa
Não sem antes passear um pouco pela cidade e até pela orla da praia,
Já que a morada em que habitavam distava cerca de 500 metros da praia
E as crianças adoravam andar
E andavam muito pelas ruas da cidade
Em tudo sendo novidade
De vez em quando a mãe lhes pagava um sorvete
E nos fins-de-semana aproveitavam o mar para brincar,
Andavam de bicicleta,
Brincavam em um parque perto de casa
E a mãe aproveitava para se exercitar em uma academia ao ar livre
Como as existentes em São Paulo
Usando até roupas de ginástica para isto
III
E a vida seguia leve para as crianças
E Omar, o cangaceiro de bom coração
A permear a imaginação do garoto,
Sempre a boas ações praticar
Carolina o contestava dizendo que os cangaceiros eram maus
Mas Carlos retrucava que na sua imaginação,
Os cangaceiros poderiam ser como bem entendesse
Vilma achava graça
E para estimular a imaginação das crianças,
Ficava a criar fabulosas histórias para Omar
Que por viver perto do mar, assim o fora destinado
A ser livre como o mar, rápido e bruto como o vento
E intrépido como a natureza da região
Era homem bom, que fora levado ao cangaço por circunstâncias da vida
Da qual não pudera se furtar
Pois matara um homem para defender uma mulher de uma injusta agressão
E para sempre, se encontrava a fugir da polícia
E assim, de fuga em fuga, chegou ao bando de Lampião
Sim, para Carlos, outro não poderia ser
E o afamado cangaceiro acolheu-o ao perceber que se tratava de homem muito habilidoso
Pois sabia trabalhar na forja, moldando objetos de metal
Transformava couro em peças requintadas, bem como entendia um pouco de cutelaria
E que para quem interessar possa, trata-se da arte de fazer belas facas
Carlos, ficava maravilhado com as aventuras criadas pela mãe
Para seu herói favorito,
Mais do que mocinhos de filmes de cowboy, Carlos se impressionava com os feitos heróicos de Omar
O cangaceiro de bom coração
Não demorou muito, para conflitar com Lampião
Mas a amizade seguiu
E Omar durante longo tempo, permaneceu no bando
Jamais delatou os companheiros,
Embora não concordasse com sua conduta, e jamais tenha participado de uma ação do bando
Mas era hábil para despistar as volantes
E por isto, ganhou o respeito de todos
E assim, a vida seguia leve
Escola, trabalho, passeios, praia, casa
Sonhos, imaginação
Pois Carlos gostava de fabular
IV
Mas de repente, não mais que de repente
As coisas demudaram
Foi mais ou menos assim:
Parecia que estava em um breu profundo
Uma escuridão que não tinha mais fim
E a cada passo, a escuridão aumentava mais e mais
O medo se avizinhava
A cada passo, mais a mais a incerteza chegava
A sensação da escuridão a envolver, mais parecia penetrar em seu ser
O terror a invadir suas faces, seu ser
Ruas escuras, casas escuras
Quase ninguém nas ruas
Quase ninguém
Às vezes, figuras estranhas passavam por eles
Brigas, vozes alteradas
Algumas vezes tiveram que correr
Quase morreram de susto
A vida não era mais a mesma, mas precisava prosseguir
Há tempos, sua mãe não ia ao Mercado
Precisavam fazer compras
E a mãe enfrentou o medo, o terror e o pavor, daquelas noites intérminas
Aquelas noite que se chegaram de mansinho, como quem nada quer e se instalaram no caos
A cada dia, ou melhor a cada noite, o cenário não mudava
A noite chegou escurecendo tudo
Tirando até as luzes de dentro das casas
A noite viera para tirar a luz de tudo
Até dos equipamentos elétricos
Há dias não viam a luz do sol, não assistiam televisão, e nem o computador usavam
Nada, nadica de energia elétrica
Situação que os angustiava deveras
Mas o que fazer?
Precisavam enfrentar a situação
E lá se foi a mãe fazer compras
E como se pode perceber, a ida ao Mercado foi uma verdadeira aventura
Ao lá chegar, em alguns locais do comércio, havia lâmpadas acesas
A mãe fez poucas compras
Apenas do necessário
E nesse clima de aventura, voltaram para casa
A irmã, entre curiosa e aflita, perguntou sobre tinha sido a ida ao Mercado
E a mãe, tentando confortá-la, disse que tudo estava tranquilo
Acariciou o rosto da filha, e disse que tudo ia ficar bem
A menina sorriu
Nos dias que se seguiram, mais do mesmo
Ou melhor, das noites que se seguiram...
Tudo começou em um dia que sua mãe saiu para trabalhar como sempre fazia
Acordou, tomou banho, se arrumou, preparou o café da manhã, acordou os filhos
As crianças se prepararam para ir a escola
Vestiram o uniforme sozinhos, tomaram o café da manhã preparado pela mãe
Café composto de leite, queijo branco, mamão e pão com manteiga
Depois escovaram os dentes, pegaram a mochila com o material escolar e juntamente à mãe, saíram de casa
Enquanto caminhavam, conversavam
Por fim, a mãe deixou os pequenos na escola
A seguir, se dirigiu ao trabalho
Ficou um longo período no ponto de ônibus esperando a condução
Esperava, esperava, e a condução não passava
Estranhou,
Começou a ficar preocupada
Aos poucos, pessoas se aproximaram
Também iam trabalhar
E também estranharam a demora
Começaram a reclamar entre si
Questionaram a demora
Horas se passaram
Por fim, desistiram
Curiosamente, caminhando, Vilma verificou muita gente voltando para casa
E antes de voltar para casa, foi atalhada por uma pessoa apavorada, que dizia que o mundo iria se acabar
Dizia palavras desconexas
Como que a noite iria tomar conta de toda a cidade, de todo o mundo
Dizia que seria uma noite sem fim
Alguns ao redor, chamaram-lhe de louca
Aflita, voltou a escola
Percebeu que uma fila havia de pais
E todos levavam seus filhos de volta para casa
Vilma, ao chegar na escola, foi repreendida pela professora.
Disse-lhe que estava a horas ligando para sua casa, para que viesse buscar as crianças
Vilma pediu-lhe então desculpas
Disse que não estava entendendo nada, e indagou o motivo de tanta agitação
Impaciente, a mulher falou que a televisão estava noticiando a cerca de meia-hora acerca de um misterioso evento astrológico
Cidades inteiras e até países estavam mergulhados na escuridão
Lugares próximos do Brasil totalmente tomados pela noite
A professora disse que seria questão de horas para o negrume chegar ao Brasil
A ao ouvir isto, Vilma ficou pasma
Pegou as crianças e atônita, voltou para casa
Aflita pensou no que estava acontecendo...
- Continua.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
.....E A CHUVA QUE CAÍ - CAPÍTULO 7 - VERSÃO OFICIAL
Mas voltemos ao que interessa.
Durante algum tempo, depois de partirem, saindo do interior, moraram em diversas cidades da região metropolitana de São Paulo.
E nessas andanças o tempo foi passando, as crianças foram crescendo, e a vida de todos foi mudando.
Nessa época Luzia já trabalhava em uma confecção e com parte do dinheiro, ajudava a mãe a realizar as despesas da casa.
Ademais, os outros filhos, também ajudavam em casa.
Como todos trabalhavam, parte do dinheiro era justamente para manter a casa.
Assim, todos tinham que colaborar, e assim faziam.
Mas antes disso, Luzia trabalhou em uma fábrica.
Nesse trabalho, Luzia tinha que ajudar a carregar algumas caixas para dentro do prédio.
Contudo seu chefe, ao olhar para o diminuto tamanho de Luzia, bem como seu corpo franzino, o mesmo achou que ela era frágil demais para aquele trabalho.
Em razão disso, algum tempo depois, acabou a demitindo.
Luzia ficou muito desapontada.
Por ser seu primeiro emprego, esperava ficar bastante tempo nele.
Mas não foi o que aconteceu.
Contudo, após um certo lapso de tempo, acabou por encontrar um novo trabalho.
Foi aí então que passou a trabalhar em uma confecção.
E nesse emprego já estava há algum tempo.
Certa vez, seu ex-patrão ao vê-la se aproximar, ficou impressionado.
De tão impressionado, chegou até a comentar:
-- Menina, como você cresceu!
Realmente, não parecia nem de longe aquela meninota de antes.
Porém, nem mesmo ela tinha se dado conta de que havia mudado tanto.
Como precisava de um documento referente ao período em que trabalhou por lá, precisou visitar a fábrica.
Por esta razão, acabou reencontrando seu antigo patrão.
Nesse tempo, Luzia e alguns irmãos, também estudavam.
Aliás, a vida de Luzia era bem complicada na época.
Isso por que, trabalhando e estudando, sua vida era bastante corrida.
Sem tempo para quase nada, tinha que aproveitar os poucos momentos de folga que tinha, para estudar.
Isso por que, fazendo o supletivo de primeiro grau, dentro em breve começariam as provas e ela precisava estar bem preparada.
Por conta disso, muitas vezes, passava horas sem comer.
Durante o trabalho, no horário de almoço, a jovem esquentava a marmita e comia um pouco de arroz e um ovo frito.
Porém, depois desta refeição, a moça só iria comer novamente, quando chegasse em casa, tarde da noite.
Algumas vezes porém, uma de suas irmãs, aproveitando que a empresa onde
trabalhava era quem fornecia o almoço, pegava parte da mistura e colocando-a num pão, e durante o horário da aula, levava para ela comer.
Luzia aceitava a gentileza sempre que a irmã lhe trazia o que comer.
Porém, sempre dividia o lanche com alguma amiga.
Sim, por que não só ela, mas todos os que ali estudavam, levavam uma vida difícil.
Assim, sempre que podia, procurava de alguma forma, ajudar os demais.
Mas antes disso, sua mãe chegou a durante as compras, a comprar algumas bolachas de leite para que ela pudesse comer durante o trabalho, e assim enganar a fome.
No entanto, depois de passar alguns meses comendo a famigerada bolacha, acabou enjoando dela.
Como era sempre o mesmo gosto, depois de um certo tempo passou a pedir a mãe, para que não comprasse mais bolachas, visto que ela não estava conseguindo comer.
Nisso a vida prosseguia.
Um dia contudo... Malfadado dia.
Ao voltar da escola, depois de um longo dia, passando no terminal de ônibus, teve a infelicidade de topar com algumas prostitutas, que não gostaram nem um pouco da presença de Luzia e da amiga.
As prostitutas, que acreditavam que Luzia e sua amiga estavam ali para roubar sua clientela, passaram a encará-las.
Em seguida, saíram correndo na direção das duas, ameaçando agredi-las.
E foi por pouco que as duas não apanharam.
Isso por que, assim que perceberam que as prostitutas corriam em sua direção, as moças, aproveitando que um ônibus passava no lugar, logo que o viram se aproximar, correndo em sua direção, e sem nem mesmo saber para onde ia, subiram nele.
Tudo para fugir das prostitutas.
Depois, mais calmas, perguntaram ao cobrador, qual era o itinerário do ônibus. Por sorte, as duas pegaram exatamente o ônibus que as levava para casa.
Após o incidente, precavidas, as moças nunca mais passaram nem perto do terminal.
Temendo encontrar com as ditas moças, não queriam nem saber de confusão.
Não bastassem uma dura jornada de trabalho, e depois, passar horas a fio num banco de escola ouvindo explanações da professora, que apesar de deveras interessantes, exigiam atenção e esforço para serem assimiladas, bem como força de vontade delas para não dormirem, ainda tinham que correr de prostitutas.
Que injustiça!
No entanto, como já foi dito, a despeito do desagradável incidente, a vida continua.
As aulas de história também.
Nessas aulas, a professora, empolgada, analisava cada detalhe da história. Meticulosa, fazia questão de contar os detalhes que não estavam presentes nos livros de história.
Os relatos eram impressionantes.
De tão vívidos, parecia que os alunos estavam presentes em todos aqueles momentos narrados pela professora.
A história estava diante de seus olhos.
Todavia, como toda escolha tem um preço, fatalmente a professora não conseguiu passar toda a matéria constante do programa.
Porém, o que a mestra conseguiu ensinar, ficou guardado.
Eram realmente, aulas excepcionais.
Contudo, ao término das aulas, como sempre, Luzia pegava o ônibus e ao descer, em meio a breu e mato, prosseguia em sua caminhada.
Nas ruas de barro, tinha que caminhar cuidadosamente.
Isso por que, como não possuía lanterna, e não se via um palmo diante do nariz, e assim, todo cuidado era pouco.
Ademais, voltava para casa sempre sozinha.
Suas irmãs, Adalgisa e Célia, sempre saíam na frente, deixando-a de lado.
E assim, sempre fazia o percurso de volta para casa, sozinha.
Com isso, mesmo quando o barro estava seco, os sapatos ficavam sempre sujos.
Porém, quando chovia, a situação era ainda pior.
Molhado, o barro se tornava tremendamente escorregadio, e o perigo de levar um tombo era grande.
Em virtude disso, Luzia tinha que andar cuidadosamente até chegar em casa.
Quando chegava em casa, por mais cuidado que tivesse no caminho, tinha sempre que passar um pano umedecido no sapato, para retirar a terra que ficava grudada.
Além disso, faminta, sempre aproveitava para jantar antes de dormir.
De tanta fome, nem esquentava a comida.
Comia tudo frio mesmo.
E mesmo frio, achava tudo uma delícia.
Depois, ia se deitar.
No dia seguinte, tomava um café da manhã composto de leite e pão, e depois,
acompanhada pela mãe, seguia a pé até o ponto de ônibus.
Enquanto não chegava no ponto, usava um sapato mais simples, que poderia se sujar de barro sem problema.
Assim, quando finalmente chegava no ponto, trocava o sapato, e sua mãe levava o sapato sujo para casa.
Levava o sapato dos filhos para casa.
E assim, os filhos de Dona Rute chegavam impecáveis ao trabalho.
Luzia, ao chegar na fábrica, ia logo trabalhar.
Confeccionando peças, foi nesta fábrica que aprendeu a costurar.
E assim passava as oito horas de seu trabalho.
Na confecção, na hora de encerramento do expediente, algumas funcionárias
aproveitavam para usar o banheiro da empresa para tomar banho, e depois voltar para casa.
Em seguida, quando era chegada a hora de sair da confecção, as funcionárias eram sempre revistadas.
Isso por que, antes da revista, muitas peças da confecção sumiam.
Desta forma, a revista era uma maneira de coibir qualquer prática de furto.
E assim, depois de sair da fábrica, Luzia corria para o ponto de ônibus.
Isso por que, como tinha aula, não podia perder tempo.
Além do mais, não queria chegar atrasada.
Assim, eram os dias de Luzia.
Sempre cuidadosa, acabava chegando de dez a quinze minutos antes das aulas. De formas que, aproveitava os minutos que antecediam a aula para conversar.
Enquanto isso, Adalgisa, que também fazia o supletivo, ficava na cantina paquerando os homens que por lá passavam.
Contam que certa vez, ao mexer com um homem casado, sua esposa, ao descobrir o assédio, fez questão de aparecer na escola e arrumou uma grande confusão.
Querendo tomar satisfações com Adalgisa, por um triz não se engalfinharam.
Não fosse a turma do deixa-disso, e a encrenca poderia ter tomado grandes dimensões.
Porém, acabou ficando por isso mesmo.
No entanto, mesmo diante dessa confusão, Adalgisa não tomou jeito. Continuando a aprontar das suas.
Durante um certo tempo, um colega de escola, gentil com ela e suas irmãs, sempre que podia, oferecia uma carona.
Educado, sempre que podia as levava para casa.
Mas não foi que Adalgisa cismou com o rapaz?
Adalgisa inconveniente, tanto fez que acabou afugentando o rapaz.
Este, sem ter como escapar, acabou saindo da escola.
Mas, antes, sem saber o que fazer, acabou pedindo para Luzia ajudá-lo.
Todavia, não havia nada que ela pudesse fazer.
Quando Adalgisa cismava com alguém, não havia nada que a segurasse.
Com isso, novamente, Luzia teve que se utilizar de ônibus para voltar para casa.
E assim o fez.
Porém, desta vez, ao voltar para casa, um homem começou a ir atrás dela.
Luzia ao perceber isso, tratou de apertar o passo.
Com isso, o homem também passou a andar mais depressa.
Quando a moça percebeu que não seria fácil se livrar dele, tratou logo de correr, e só parou assim que encontrou um lugar para se esconder.
Nisso, o homem continuou a procurando.
Porém, depois de algum tempo, acabou desistindo e indo embora.
Sua mãe, preocupada com a demora, pediu para que Lélio fosse atrás da irmã. Isso por que, assustada, Luzia não tinha coragem de sair de onde estava.
Temia que o homem voltasse.
Assim, Lélio teve que procurar muito para achá-la.
Como Luzia estava escondida, não foi fácil encontrá-la.
Mas persistente, o moço acabou encontrando-a.
Dessa maneira, sempre que voltava para casa, tomava cuidado para ver se ninguém a estava seguindo.
Contudo, apesar da dureza em que viviam, de vez em quando Luzia e suas irmãs, compravam algumas roupas para usar.
Como o dinheiro era escasso, as peças tinham que ser pagas em prestações. Mas as prestações eram tão longas que as vezes as roupas se acabavam, e ainda havia conta para pagar.
Nessa época, tanto Luzia, quanto Célia e Adalgisa, usavam mini-saia.
Mesmo nos dias mais frios, eram as roupas que tinham para usar.
Maquiagem, só Célia e Adalgisa que usavam.
Mas, pobres que eram, a maquiagem consistia em se passar um pó branco no rosto, e quanto muito, um batom nos lábios.
Célia, nessa época, trabalhava em casa de família.
Como doméstica, passava toda a semana na casa dos patrões.
O que para Juvenal era um alívio.
Em suas palavras, a ausência de Célia era algo bom por que assim, tinha uma boca a menos em casa.
Com uma pessoa a menos em casa, gastava-se menos com comida.
Célia, revoltada com isso, passou a não mais ajudar em casa.
Porém ela também não era fácil.
Ao saber que a louça que iria utilizar para suas refeições, não era a mesma que os seus patrões usavam, passou a lamber toda a louça da família.
Sentindo-se vitoriosa, inúmeras vezes, contou isso as irmãs.
Luzia, ao ouvir os comentários de Célia, tratou logo de adverti-la.
-- Se a sua patroa descobrir que você lambe os pratos dela antes de servir as refeições, ela vai te colocar no olho da rua.
Mas Célia nem ligava.
Além do mais, acredita que nunca descobriram.
Por isso mesmo, Célia trabalhou por muitos anos na casa desta família.
Porém, como nem tudo é só trabalho, as irmãs, bem como suas amigas, sempre que podiam, aproveitavam para passear e ir ao cinema.
Afinal de contas, ninguém é de ferro.
Assim, muito de vez em quando as moças saíam para passear.
Sim, por que era raro sobrar dinheiro para tal.
Além disso, com a proximidade dos exames do supletivo, precisavam aproveitar e estudar.
Afinal se queriam passar, precisavam se dedicar.
Foi o que todas fizeram, inclusive Luzia.
Aplicada, passava dias a fio estudando.
Por fim, foi fazer as provas.
Para sua alegria passou em boa parte das matérias, porém, algumas disciplinas ficaram pendentes.
Com isso precisou estudar mais um pouco, e depois fez novamente as provas.
Nessa segunda tentativa, conseguiu ser aprovada em todas as matérias pendentes.
Dessa maneira, encerrou-se o período de estudos.
E assim, só precisava ir ao trabalho.
Um dia, ao voltar para casa, percebeu dentro do ônibus, que havia esquecido sua carteira, dentro do armário da empresa em que trabalhava.
Ao constatar que estava longe demais para buscar a aludida carteira, conversou com o cobrador, na tentativa de explicar sua situação.
Dizendo que havia perdido a carteira, pediu ao cobrador, para deixá-la passar, pois no dia seguinte, quando encontrasse a carteira, prontamente o pagaria.
O cobrador concordou, e assim, deixou-a passar sem pagar.
Com isso, assim que Luzia encontrou novamente o cobrador, pagou a passagem de dias atrás.
Dessa forma, como não tinha mais que se preocupar com escola, a moça passou a ajudar a mãe na limpeza da casa.
E assim, a vida prosseguia.
Uma vez, quando Luzia e os demais saíram para trabalhar, um estranho adentrou a casa.
Isso por que, sempre que saía, Rute deixava a porta da casa aberta.
Como naqueles tempos, a violência não campeava solta, não havia problema nenhum em se deixar portas e janelas abertas.
Contudo, nesse dia, uma pessoa suspeita entrou em casa.
Quando Rute voltou da rua, depois de acompanhar os filhos até o ponto de ônibus, cansava que estava, resolveu se deitar e dormiu.
Quando acordou, percebeu que algumas coisas na casa, estavam fora do lugar.
Estranhando isso, passou a não mais deixar a porta aberta.
Depois do incidente, sempre que precisava sair, trancava a porta.
Nisso, conforme o tempo passou, Luzia arrumou um novo emprego.
Agora trabalhando em uma fábrica, a moça pôde conhecer pessoas novas, bem como um novo trabalho.
Foi nesse novo trabalho que ela ouviu de uma colega, uma história escabrosa.
A moça, contou para Luzia uma história muito triste que havia acontecido com um conhecido dela.
Esse conhecido, vítima da violência, acabou sendo mutilado.
Como essas, Luzia ouviu muitas outras histórias.
Algumas tristes, outras engraçadas.
Dessarte, agora que Luzia não estudava mais, freqüentemente passava os fins-de-semana ajudando a mãe em casa.
Ultimamente, sempre que saía do trabalho, ia direto para casa.
Utilizando-se dos trens para voltar para casa, certa vez, ao passar na estação, ficou sabendo de um acidente que ocorrera momentos antes, quando uma mulher, ao atravessar os trilhos, levantou a cancela que ficava ao lado e atravessou.
Porém, para sua infelicidade, vinha um trem do outro lado, em sentido contrário, que a pegou em cheio.
Nisso pedaços de roupa, sapato, pé, e de outras partes do corpo da mulher, voaram para todo o lado.
Quando Luzia passou, jazia um corpo estendido no chão.
Como os pedaços do corpo da mulher que haviam se espalhado, já haviam sido recolhidos e colocados ao lado do corpo – agora coberto de jornal, para que ninguém ficasse olhando –, Luzia não chegou a ver o estado em que a infeliz mulher ficou.
Luzia a partir de então, passou a ter mais cuidado quando passava nos trilhos. Isso por que, a cancela só funcionava se o transeunte tivesse paciência para esperar.
Sem isso facilmente, ocorreriam acidentes horríveis como aquele.
Vai ver que foi justamente por isso que cercaram os trilhos do trem.
Talvez tenham feito isso para evitar mais acidentes.
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Luciana Celestino dos Santos
Durante algum tempo, depois de partirem, saindo do interior, moraram em diversas cidades da região metropolitana de São Paulo.
E nessas andanças o tempo foi passando, as crianças foram crescendo, e a vida de todos foi mudando.
Nessa época Luzia já trabalhava em uma confecção e com parte do dinheiro, ajudava a mãe a realizar as despesas da casa.
Ademais, os outros filhos, também ajudavam em casa.
Como todos trabalhavam, parte do dinheiro era justamente para manter a casa.
Assim, todos tinham que colaborar, e assim faziam.
Mas antes disso, Luzia trabalhou em uma fábrica.
Nesse trabalho, Luzia tinha que ajudar a carregar algumas caixas para dentro do prédio.
Contudo seu chefe, ao olhar para o diminuto tamanho de Luzia, bem como seu corpo franzino, o mesmo achou que ela era frágil demais para aquele trabalho.
Em razão disso, algum tempo depois, acabou a demitindo.
Luzia ficou muito desapontada.
Por ser seu primeiro emprego, esperava ficar bastante tempo nele.
Mas não foi o que aconteceu.
Contudo, após um certo lapso de tempo, acabou por encontrar um novo trabalho.
Foi aí então que passou a trabalhar em uma confecção.
E nesse emprego já estava há algum tempo.
Certa vez, seu ex-patrão ao vê-la se aproximar, ficou impressionado.
De tão impressionado, chegou até a comentar:
-- Menina, como você cresceu!
Realmente, não parecia nem de longe aquela meninota de antes.
Porém, nem mesmo ela tinha se dado conta de que havia mudado tanto.
Como precisava de um documento referente ao período em que trabalhou por lá, precisou visitar a fábrica.
Por esta razão, acabou reencontrando seu antigo patrão.
Nesse tempo, Luzia e alguns irmãos, também estudavam.
Aliás, a vida de Luzia era bem complicada na época.
Isso por que, trabalhando e estudando, sua vida era bastante corrida.
Sem tempo para quase nada, tinha que aproveitar os poucos momentos de folga que tinha, para estudar.
Isso por que, fazendo o supletivo de primeiro grau, dentro em breve começariam as provas e ela precisava estar bem preparada.
Por conta disso, muitas vezes, passava horas sem comer.
Durante o trabalho, no horário de almoço, a jovem esquentava a marmita e comia um pouco de arroz e um ovo frito.
Porém, depois desta refeição, a moça só iria comer novamente, quando chegasse em casa, tarde da noite.
Algumas vezes porém, uma de suas irmãs, aproveitando que a empresa onde
trabalhava era quem fornecia o almoço, pegava parte da mistura e colocando-a num pão, e durante o horário da aula, levava para ela comer.
Luzia aceitava a gentileza sempre que a irmã lhe trazia o que comer.
Porém, sempre dividia o lanche com alguma amiga.
Sim, por que não só ela, mas todos os que ali estudavam, levavam uma vida difícil.
Assim, sempre que podia, procurava de alguma forma, ajudar os demais.
Mas antes disso, sua mãe chegou a durante as compras, a comprar algumas bolachas de leite para que ela pudesse comer durante o trabalho, e assim enganar a fome.
No entanto, depois de passar alguns meses comendo a famigerada bolacha, acabou enjoando dela.
Como era sempre o mesmo gosto, depois de um certo tempo passou a pedir a mãe, para que não comprasse mais bolachas, visto que ela não estava conseguindo comer.
Nisso a vida prosseguia.
Um dia contudo... Malfadado dia.
Ao voltar da escola, depois de um longo dia, passando no terminal de ônibus, teve a infelicidade de topar com algumas prostitutas, que não gostaram nem um pouco da presença de Luzia e da amiga.
As prostitutas, que acreditavam que Luzia e sua amiga estavam ali para roubar sua clientela, passaram a encará-las.
Em seguida, saíram correndo na direção das duas, ameaçando agredi-las.
E foi por pouco que as duas não apanharam.
Isso por que, assim que perceberam que as prostitutas corriam em sua direção, as moças, aproveitando que um ônibus passava no lugar, logo que o viram se aproximar, correndo em sua direção, e sem nem mesmo saber para onde ia, subiram nele.
Tudo para fugir das prostitutas.
Depois, mais calmas, perguntaram ao cobrador, qual era o itinerário do ônibus. Por sorte, as duas pegaram exatamente o ônibus que as levava para casa.
Após o incidente, precavidas, as moças nunca mais passaram nem perto do terminal.
Temendo encontrar com as ditas moças, não queriam nem saber de confusão.
Não bastassem uma dura jornada de trabalho, e depois, passar horas a fio num banco de escola ouvindo explanações da professora, que apesar de deveras interessantes, exigiam atenção e esforço para serem assimiladas, bem como força de vontade delas para não dormirem, ainda tinham que correr de prostitutas.
Que injustiça!
No entanto, como já foi dito, a despeito do desagradável incidente, a vida continua.
As aulas de história também.
Nessas aulas, a professora, empolgada, analisava cada detalhe da história. Meticulosa, fazia questão de contar os detalhes que não estavam presentes nos livros de história.
Os relatos eram impressionantes.
De tão vívidos, parecia que os alunos estavam presentes em todos aqueles momentos narrados pela professora.
A história estava diante de seus olhos.
Todavia, como toda escolha tem um preço, fatalmente a professora não conseguiu passar toda a matéria constante do programa.
Porém, o que a mestra conseguiu ensinar, ficou guardado.
Eram realmente, aulas excepcionais.
Contudo, ao término das aulas, como sempre, Luzia pegava o ônibus e ao descer, em meio a breu e mato, prosseguia em sua caminhada.
Nas ruas de barro, tinha que caminhar cuidadosamente.
Isso por que, como não possuía lanterna, e não se via um palmo diante do nariz, e assim, todo cuidado era pouco.
Ademais, voltava para casa sempre sozinha.
Suas irmãs, Adalgisa e Célia, sempre saíam na frente, deixando-a de lado.
E assim, sempre fazia o percurso de volta para casa, sozinha.
Com isso, mesmo quando o barro estava seco, os sapatos ficavam sempre sujos.
Porém, quando chovia, a situação era ainda pior.
Molhado, o barro se tornava tremendamente escorregadio, e o perigo de levar um tombo era grande.
Em virtude disso, Luzia tinha que andar cuidadosamente até chegar em casa.
Quando chegava em casa, por mais cuidado que tivesse no caminho, tinha sempre que passar um pano umedecido no sapato, para retirar a terra que ficava grudada.
Além disso, faminta, sempre aproveitava para jantar antes de dormir.
De tanta fome, nem esquentava a comida.
Comia tudo frio mesmo.
E mesmo frio, achava tudo uma delícia.
Depois, ia se deitar.
No dia seguinte, tomava um café da manhã composto de leite e pão, e depois,
acompanhada pela mãe, seguia a pé até o ponto de ônibus.
Enquanto não chegava no ponto, usava um sapato mais simples, que poderia se sujar de barro sem problema.
Assim, quando finalmente chegava no ponto, trocava o sapato, e sua mãe levava o sapato sujo para casa.
Levava o sapato dos filhos para casa.
E assim, os filhos de Dona Rute chegavam impecáveis ao trabalho.
Luzia, ao chegar na fábrica, ia logo trabalhar.
Confeccionando peças, foi nesta fábrica que aprendeu a costurar.
E assim passava as oito horas de seu trabalho.
Na confecção, na hora de encerramento do expediente, algumas funcionárias
aproveitavam para usar o banheiro da empresa para tomar banho, e depois voltar para casa.
Em seguida, quando era chegada a hora de sair da confecção, as funcionárias eram sempre revistadas.
Isso por que, antes da revista, muitas peças da confecção sumiam.
Desta forma, a revista era uma maneira de coibir qualquer prática de furto.
E assim, depois de sair da fábrica, Luzia corria para o ponto de ônibus.
Isso por que, como tinha aula, não podia perder tempo.
Além do mais, não queria chegar atrasada.
Assim, eram os dias de Luzia.
Sempre cuidadosa, acabava chegando de dez a quinze minutos antes das aulas. De formas que, aproveitava os minutos que antecediam a aula para conversar.
Enquanto isso, Adalgisa, que também fazia o supletivo, ficava na cantina paquerando os homens que por lá passavam.
Contam que certa vez, ao mexer com um homem casado, sua esposa, ao descobrir o assédio, fez questão de aparecer na escola e arrumou uma grande confusão.
Querendo tomar satisfações com Adalgisa, por um triz não se engalfinharam.
Não fosse a turma do deixa-disso, e a encrenca poderia ter tomado grandes dimensões.
Porém, acabou ficando por isso mesmo.
No entanto, mesmo diante dessa confusão, Adalgisa não tomou jeito. Continuando a aprontar das suas.
Durante um certo tempo, um colega de escola, gentil com ela e suas irmãs, sempre que podia, oferecia uma carona.
Educado, sempre que podia as levava para casa.
Mas não foi que Adalgisa cismou com o rapaz?
Adalgisa inconveniente, tanto fez que acabou afugentando o rapaz.
Este, sem ter como escapar, acabou saindo da escola.
Mas, antes, sem saber o que fazer, acabou pedindo para Luzia ajudá-lo.
Todavia, não havia nada que ela pudesse fazer.
Quando Adalgisa cismava com alguém, não havia nada que a segurasse.
Com isso, novamente, Luzia teve que se utilizar de ônibus para voltar para casa.
E assim o fez.
Porém, desta vez, ao voltar para casa, um homem começou a ir atrás dela.
Luzia ao perceber isso, tratou de apertar o passo.
Com isso, o homem também passou a andar mais depressa.
Quando a moça percebeu que não seria fácil se livrar dele, tratou logo de correr, e só parou assim que encontrou um lugar para se esconder.
Nisso, o homem continuou a procurando.
Porém, depois de algum tempo, acabou desistindo e indo embora.
Sua mãe, preocupada com a demora, pediu para que Lélio fosse atrás da irmã. Isso por que, assustada, Luzia não tinha coragem de sair de onde estava.
Temia que o homem voltasse.
Assim, Lélio teve que procurar muito para achá-la.
Como Luzia estava escondida, não foi fácil encontrá-la.
Mas persistente, o moço acabou encontrando-a.
Dessa maneira, sempre que voltava para casa, tomava cuidado para ver se ninguém a estava seguindo.
Contudo, apesar da dureza em que viviam, de vez em quando Luzia e suas irmãs, compravam algumas roupas para usar.
Como o dinheiro era escasso, as peças tinham que ser pagas em prestações. Mas as prestações eram tão longas que as vezes as roupas se acabavam, e ainda havia conta para pagar.
Nessa época, tanto Luzia, quanto Célia e Adalgisa, usavam mini-saia.
Mesmo nos dias mais frios, eram as roupas que tinham para usar.
Maquiagem, só Célia e Adalgisa que usavam.
Mas, pobres que eram, a maquiagem consistia em se passar um pó branco no rosto, e quanto muito, um batom nos lábios.
Célia, nessa época, trabalhava em casa de família.
Como doméstica, passava toda a semana na casa dos patrões.
O que para Juvenal era um alívio.
Em suas palavras, a ausência de Célia era algo bom por que assim, tinha uma boca a menos em casa.
Com uma pessoa a menos em casa, gastava-se menos com comida.
Célia, revoltada com isso, passou a não mais ajudar em casa.
Porém ela também não era fácil.
Ao saber que a louça que iria utilizar para suas refeições, não era a mesma que os seus patrões usavam, passou a lamber toda a louça da família.
Sentindo-se vitoriosa, inúmeras vezes, contou isso as irmãs.
Luzia, ao ouvir os comentários de Célia, tratou logo de adverti-la.
-- Se a sua patroa descobrir que você lambe os pratos dela antes de servir as refeições, ela vai te colocar no olho da rua.
Mas Célia nem ligava.
Além do mais, acredita que nunca descobriram.
Por isso mesmo, Célia trabalhou por muitos anos na casa desta família.
Porém, como nem tudo é só trabalho, as irmãs, bem como suas amigas, sempre que podiam, aproveitavam para passear e ir ao cinema.
Afinal de contas, ninguém é de ferro.
Assim, muito de vez em quando as moças saíam para passear.
Sim, por que era raro sobrar dinheiro para tal.
Além disso, com a proximidade dos exames do supletivo, precisavam aproveitar e estudar.
Afinal se queriam passar, precisavam se dedicar.
Foi o que todas fizeram, inclusive Luzia.
Aplicada, passava dias a fio estudando.
Por fim, foi fazer as provas.
Para sua alegria passou em boa parte das matérias, porém, algumas disciplinas ficaram pendentes.
Com isso precisou estudar mais um pouco, e depois fez novamente as provas.
Nessa segunda tentativa, conseguiu ser aprovada em todas as matérias pendentes.
Dessa maneira, encerrou-se o período de estudos.
E assim, só precisava ir ao trabalho.
Um dia, ao voltar para casa, percebeu dentro do ônibus, que havia esquecido sua carteira, dentro do armário da empresa em que trabalhava.
Ao constatar que estava longe demais para buscar a aludida carteira, conversou com o cobrador, na tentativa de explicar sua situação.
Dizendo que havia perdido a carteira, pediu ao cobrador, para deixá-la passar, pois no dia seguinte, quando encontrasse a carteira, prontamente o pagaria.
O cobrador concordou, e assim, deixou-a passar sem pagar.
Com isso, assim que Luzia encontrou novamente o cobrador, pagou a passagem de dias atrás.
Dessa forma, como não tinha mais que se preocupar com escola, a moça passou a ajudar a mãe na limpeza da casa.
E assim, a vida prosseguia.
Uma vez, quando Luzia e os demais saíram para trabalhar, um estranho adentrou a casa.
Isso por que, sempre que saía, Rute deixava a porta da casa aberta.
Como naqueles tempos, a violência não campeava solta, não havia problema nenhum em se deixar portas e janelas abertas.
Contudo, nesse dia, uma pessoa suspeita entrou em casa.
Quando Rute voltou da rua, depois de acompanhar os filhos até o ponto de ônibus, cansava que estava, resolveu se deitar e dormiu.
Quando acordou, percebeu que algumas coisas na casa, estavam fora do lugar.
Estranhando isso, passou a não mais deixar a porta aberta.
Depois do incidente, sempre que precisava sair, trancava a porta.
Nisso, conforme o tempo passou, Luzia arrumou um novo emprego.
Agora trabalhando em uma fábrica, a moça pôde conhecer pessoas novas, bem como um novo trabalho.
Foi nesse novo trabalho que ela ouviu de uma colega, uma história escabrosa.
A moça, contou para Luzia uma história muito triste que havia acontecido com um conhecido dela.
Esse conhecido, vítima da violência, acabou sendo mutilado.
Como essas, Luzia ouviu muitas outras histórias.
Algumas tristes, outras engraçadas.
Dessarte, agora que Luzia não estudava mais, freqüentemente passava os fins-de-semana ajudando a mãe em casa.
Ultimamente, sempre que saía do trabalho, ia direto para casa.
Utilizando-se dos trens para voltar para casa, certa vez, ao passar na estação, ficou sabendo de um acidente que ocorrera momentos antes, quando uma mulher, ao atravessar os trilhos, levantou a cancela que ficava ao lado e atravessou.
Porém, para sua infelicidade, vinha um trem do outro lado, em sentido contrário, que a pegou em cheio.
Nisso pedaços de roupa, sapato, pé, e de outras partes do corpo da mulher, voaram para todo o lado.
Quando Luzia passou, jazia um corpo estendido no chão.
Como os pedaços do corpo da mulher que haviam se espalhado, já haviam sido recolhidos e colocados ao lado do corpo – agora coberto de jornal, para que ninguém ficasse olhando –, Luzia não chegou a ver o estado em que a infeliz mulher ficou.
Luzia a partir de então, passou a ter mais cuidado quando passava nos trilhos. Isso por que, a cancela só funcionava se o transeunte tivesse paciência para esperar.
Sem isso facilmente, ocorreriam acidentes horríveis como aquele.
Vai ver que foi justamente por isso que cercaram os trilhos do trem.
Talvez tenham feito isso para evitar mais acidentes.
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Luciana Celestino dos Santos
.....E A CHUVA QUE CAÍ - CAPÍTULO 6 - VERSÃO OFICIAL
Ainda cabe a nós contarmos a histórias do passado.
Como aquele episódio em que ... Como é que era mesmo?
Juvenal, em conversas com a esposa, sempre lhe contava assuntos pitorescos de sua vida.
Uma vez contou que seu pai, Juvêncio, ao perceber a aproximação dos soldados
paulistas, por medida de segurança, pediu a sua mulher que escondesse todas as filhas moças no porão.
Isso por que temia que os soldados estivessem mal intencionados, e prevenir era melhor do que remediar.
Assim foi feito.
Como não sabiam por quanto tempo os soldados iriam permanecer na casa, a mãe resolveu deixar com as filhas, um fardo com comida, para que pudessem se alimentar, quando tivessem fome.
Além disso, roupas também foram providenciadas para elas.
Com isso, os soldados então finalmente chegaram ao sítio.
Pareciam não querer confusão.
No entanto, naqueles tempos de Revolução, todo cuidado era pouco.
Por isso mesmo Juvêncio fez questão de recebê-los bem.
Como os soldados pareciam estarem famintos, Juvêncio, percebendo que já era hora do almoço, convidou-os para almoçarem em sua casa.
Lá, os soldados se serviram de uma boa comida, e depois de pernoitarem na pequena propriedade, partiram.
Assim, enquanto os soldados permaneceram na casa, somente a mulher, Dona Aurora, os filhos, e duas meninas, é que ficaram na casa.
As moças estavam reclusas no porão.
Porém, foi só os soldados se distarem na estrada, que Juvêncio mandou imediatamente, liberar as moças do claustro.
Essas, ao saírem do porão, comentaram:
-- Ainda bem que a senhora nos deixou sair de lá. Nós não estavamos mais agüentando ficar tanto tempo trancadas.
Realmente, o porão era um lugar frio, escuro e úmido.
Se ficassem por mais algum tempo lá, facilmente adoeceriam.
Contudo, não havia escolha, ou eles escondiam as filhas, ou sabe-se lá o que poderia ter acontecido.
E Juvêncio não poderia admitir que nada de mal lhes acontecesse.
Afinal, gostava muito das moças.
Juvenal sabia de toda essa história, por que ele era um dos meninos que, em companhia de seu pai, havia presenciado tudo.
E para ele, tudo estava tão vívido em sua memória, que sempre que podia, fazia questão de comentar sobre seu passado.
Adorava as histórias de seu pai.
Mas adorava sobremaneira, contar as suas.
Como as histórias de velório.
Juvenal adorava essas histórias, por que estas demonstravam o quanto ele era galhofeiro.
Debochava de tudo.
Isso mesmo.
Para Juvenal era extremamente divertido o ritual de levar o defunto em uma rede – já que naquelas paragens, não havia funerárias, nem mesmo quem tivesse dinheiro para comprar caixões.
Mas era mais divertido ainda, passarem antes em um bar e beberem tudo o que tivessem direito.
Muitas vezes, por conta disso, quando se prontificavam em levar o corpo até o
cemitério, já estavam tão bêbados que perdiam a conta das vezes que derrubavam o defunto no chão, por perderem o equilíbrio.
E assim, era a procissão até o cemitério, um grupo de trôpegos e bêbados que se encarregavam de levar o defunto até sua morada final.
Por conta disso, as crianças, quando ouviam suas histórias, morriam de rir.
Sim, era extremamente divertido ouvirem o pai contar suas peripécias.
Mas melhor ainda, era quando o podiam acompanhar em suas idas até a cidade.
Luzia, adorava parar em uma padaria, e ver o pai pedir um lanche de metro, enorme, composto de pão e mortadela.
Para ela, que não tinha por hábito comer essas coisas, era uma verdadeira alegria passear na cidade.
Além de mudar de ares, era uma das raras oportunidades comer o afamado lanche.
Mas também, algumas vezes, apesar de seu pão-durismo, Juvenal era até capaz de levar um lanche assim para casa.
Quando isso acontecia, era uma festa.
O sanduíche não durava nem cinco minutos.
Mas ainda assim era bom.
Só não era bom quando Juvenal recebia visita e fazia os filhos esperarem para comer.
Era assim.
Enquanto Rute preparava o almoço, Juvenal conversava com as visitas.
Nisso as crianças permaneciam trancadas no quarto.
Quando a refeição estava pronta, o marido e as visitas eram servidas, e todos os
adultos almoçavam, inclusive Rute.
Depois do almoço, conforme as visitas iam ficando, Juvenal continuava conversando, e a comida esfriando.
E assim, as horas passavam.
E as crianças trancadas no quarto, sem terem almoçado.
A regra era essa: quando Juvenal recebia visitas, ele e seus convidados eram os
primeiros a comer.
Com isso, pode se perceber, que as crianças só comeriam depois, e se sobrasse alguma coisa.
Porém, não era só isso.
Não bastasse o atraso no almoço, as crianças tinham que esperar a visita ir embora para que então, pudessem aparecer e finalmente almoçar.
Criança sofria nessa casa.
Por isso, quatro horas depois, quando finalmente as visitas foram embora, é que as crianças puderam então, finalmente almoçar.
Nisso a comida já estava gelada, e não bastasse isso, boa parte da mistura já havia acabado.
Mas mesmo as crianças famintas, almoçaram.
Outra péssima mania não de só de Juvenal, mas de boa parte dos rurícolas, era guardar dinheiro debaixo do colchão.
E Juvenal não era exceção.
De tão pão-duro, chegava a reclamar quando tinha que
comprar material escolar e sapato para os filhos.
Sovina, sempre dizia que eles os estava fazendo gastar muito.
Mas alguns gastos eram necessários.
E assim ia ele comprar caderno e lápis para a garotada.
A faca, era um ótimo apontador para ele, então, não havia necessidade disso.
E assim era.
Se por algum motivo a ponta do lápis quebrasse, estavam perdidos.
Isso por que, não teriam outro para usar no lugar.
Sapato, Juvenal se recusava a comprar.
Dizendo que os filhos iam crescer logo e com isso, perder o calçado, considerava tais compras, um desperdício de dinheiro.
E assim, ia guardando mais e mais dinheiro debaixo do colchão.
Mas isso era uma tolice.
Afinal, com as constantes mudanças de moeda que país viveu por longos anos era até insensato guardar dinheiro, num lugar tão esdrúxulo.
O certo, era, conforme o dinheiro fosse aparecendo, depositá-lo em uma conta num banco.
Contudo, Juvenal, assim como todos os trabalhadores rurais da época, não tinham esclarecimento.
Além disso, eram muito teimosos.
Para muito deles, banco não era uma instituição confiável.
E assim, ao longo dos anos, quando finalmente pensavam em fazer uso
do dinheiro, percebiam ou que este estava desvalorizando, ou então, que já não valia mais nada.
E nisso os filhos de Juvenal iam vivendo com o mínimo necessário para a vida.
E nesse ponto, até que as coisas iam indo muito bem.
Não fossem as confusões armadas por ele, poderiam ter vivido durante toda a vida em uma mesma cidade.
Mas não foi isso que aconteceu.
Por conta de alguns envolvimentos extra-conjugais, Juvenal e sua família, eram
compelidos a sempre mudarem de cidade.
Isso por que, Juvenal quando se envolvia com outras mulheres, sempre arrumava confusão.
Uma vez, ao tentar impressionar uma delas, acabou se dando mal.
Isso por que, tentando ganhar sua confiança, resolveu visitá-la levando um pacote de farinha.
Mas a dama não gostou do gesto de Juvenal e lhe atirou o pacote nas fuças. Não bastasse isso, disse-lhe para nunca mais procurá-la.
Nisso o sitiante saiu correndo e nunca mais voltou.
Mas isso até que foi pouco.
Algumas vezes, envolvido com amantes, acabou arrumando confusão até para a
esposa, que tinha que enfrentar mulheres que a ameaçavam, dizendo-lhe para sair da cidade.
Por essas e por outras, o sitiante tinha que freqüentemente arrumar seus poucos pertences, e se mudar com a família para outro lugar.
E assim, tinha que trabalhar nas fazendas vizinhas ao lugar em que estava vivendo.
Com isso muitas vezes, trabalhava pesado para levar dinheiro para casa.
Em um desses trabalhos, ao cortar cana em um canavial, teve a perna cortada pela foice, que por um triz não o aleijou.
Assim com a perna ensangüentada, percorreu toda a plantação de cana, até encontrar alguém que o pudesse socorrer.
Por conta disso, andou quilômetros.
Forte que era, agüentou firme a caminhada, mesmo com a perna cortada.
Devidamente socorrido, Juvenal levou meses para se recuperar.
Com a perna costurada, teve ficar de molho por um bom tempo.
Porém, depois que se recuperou, mais do que depressa, voltou para o trabalho, e novamente, voltou a arrumar confusões.
Em uma dessas mudanças, o seu motivo principal não foi mulher e sim uma bebedeira que tivera, o que o fez destratar seu patrão – o dono das terras em que estava trabalhando –, e por conta disso, foi demitido.
Sem moral para continuar vivendo na cidade, só restou a ele, reunir sua família, e novamente se mudar para outra localidade.
E foi assim a vida da família.
De cidade em cidade, tiveram que abrir mão de muitas coisas.
Aliás, foi por conta de uma dessas mudanças que a família perdeu a pequena
propriedade que tinha, e nunca mais conseguiu reunir dinheiro para adquirir um novo sítio.
Por conta dessas andanças chegaram até a região metropolitana de São Paulo, que nesta época, era somente mato.
A noite as ruas barrentas, eram assustadoras.
Não havia luz.
Foi numa dessas cidades que certa vez a família, já cansada de tanto se mudar,
adoeceu seriamente.
Quase todos ficaram acamados.
Foi uma moléstia grave.
Contudo, por sorte todos acabaram se recuperando e retomando suas vidas.
Foi aí então Rute que, já acostumada com as grosserias de Juvenal, voltou a ouvir as reclamações e imprecações do marido.
Sim por que este sabia ser extremamente rude com a mulher.
Xingava-a sem cerimônia.
Mas isso ele fazia com os filhos também.
Juvenal era extremamente mal-criado com todos da família.
Mas não era um tipo prepotente.
Muito pelo contrário, estava mais para um matuto típico, do que para um déspota.
Seu jeito de andar e de falar, eram muito engraçados.
Sua figura era bastante divertida.
E seus filhos, entre eles Luzia, souberam, mesmo depois de crescidos, o quão
importante eram essas lembranças.
Tão importantes que tempos depois, mesmo depois de casada e com filhos, Luzia fazia questão de lembrar com carinho, de seu pai, apesar de todos os defeitos que este possuía.
Isso por que, a despeito de seu jeito rude, Juvenal era capaz de atitudes extremamente generosas com pessoas que mal conhecia.
Quantas e quantas vezes ele não levou pessoas estranhas para casa, e até as ajudou arrumando comida e trabalho?
Muitas vezes.
Era tão generoso que muitas vezes, essas pessoas ficavam por meses vivendo em sua casa juntamente com seus filhos.
Eram mendigos, andarilhos, passantes.
Juvenal não tinha nenhum preconceito com relação a essas pessoas.
Mas esses eram outros tempos.
Hoje, vai tentar fazer isso para ver o que acontece ...
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Luciana Celestino dos Santos
Como aquele episódio em que ... Como é que era mesmo?
Juvenal, em conversas com a esposa, sempre lhe contava assuntos pitorescos de sua vida.
Uma vez contou que seu pai, Juvêncio, ao perceber a aproximação dos soldados
paulistas, por medida de segurança, pediu a sua mulher que escondesse todas as filhas moças no porão.
Isso por que temia que os soldados estivessem mal intencionados, e prevenir era melhor do que remediar.
Assim foi feito.
Como não sabiam por quanto tempo os soldados iriam permanecer na casa, a mãe resolveu deixar com as filhas, um fardo com comida, para que pudessem se alimentar, quando tivessem fome.
Além disso, roupas também foram providenciadas para elas.
Com isso, os soldados então finalmente chegaram ao sítio.
Pareciam não querer confusão.
No entanto, naqueles tempos de Revolução, todo cuidado era pouco.
Por isso mesmo Juvêncio fez questão de recebê-los bem.
Como os soldados pareciam estarem famintos, Juvêncio, percebendo que já era hora do almoço, convidou-os para almoçarem em sua casa.
Lá, os soldados se serviram de uma boa comida, e depois de pernoitarem na pequena propriedade, partiram.
Assim, enquanto os soldados permaneceram na casa, somente a mulher, Dona Aurora, os filhos, e duas meninas, é que ficaram na casa.
As moças estavam reclusas no porão.
Porém, foi só os soldados se distarem na estrada, que Juvêncio mandou imediatamente, liberar as moças do claustro.
Essas, ao saírem do porão, comentaram:
-- Ainda bem que a senhora nos deixou sair de lá. Nós não estavamos mais agüentando ficar tanto tempo trancadas.
Realmente, o porão era um lugar frio, escuro e úmido.
Se ficassem por mais algum tempo lá, facilmente adoeceriam.
Contudo, não havia escolha, ou eles escondiam as filhas, ou sabe-se lá o que poderia ter acontecido.
E Juvêncio não poderia admitir que nada de mal lhes acontecesse.
Afinal, gostava muito das moças.
Juvenal sabia de toda essa história, por que ele era um dos meninos que, em companhia de seu pai, havia presenciado tudo.
E para ele, tudo estava tão vívido em sua memória, que sempre que podia, fazia questão de comentar sobre seu passado.
Adorava as histórias de seu pai.
Mas adorava sobremaneira, contar as suas.
Como as histórias de velório.
Juvenal adorava essas histórias, por que estas demonstravam o quanto ele era galhofeiro.
Debochava de tudo.
Isso mesmo.
Para Juvenal era extremamente divertido o ritual de levar o defunto em uma rede – já que naquelas paragens, não havia funerárias, nem mesmo quem tivesse dinheiro para comprar caixões.
Mas era mais divertido ainda, passarem antes em um bar e beberem tudo o que tivessem direito.
Muitas vezes, por conta disso, quando se prontificavam em levar o corpo até o
cemitério, já estavam tão bêbados que perdiam a conta das vezes que derrubavam o defunto no chão, por perderem o equilíbrio.
E assim, era a procissão até o cemitério, um grupo de trôpegos e bêbados que se encarregavam de levar o defunto até sua morada final.
Por conta disso, as crianças, quando ouviam suas histórias, morriam de rir.
Sim, era extremamente divertido ouvirem o pai contar suas peripécias.
Mas melhor ainda, era quando o podiam acompanhar em suas idas até a cidade.
Luzia, adorava parar em uma padaria, e ver o pai pedir um lanche de metro, enorme, composto de pão e mortadela.
Para ela, que não tinha por hábito comer essas coisas, era uma verdadeira alegria passear na cidade.
Além de mudar de ares, era uma das raras oportunidades comer o afamado lanche.
Mas também, algumas vezes, apesar de seu pão-durismo, Juvenal era até capaz de levar um lanche assim para casa.
Quando isso acontecia, era uma festa.
O sanduíche não durava nem cinco minutos.
Mas ainda assim era bom.
Só não era bom quando Juvenal recebia visita e fazia os filhos esperarem para comer.
Era assim.
Enquanto Rute preparava o almoço, Juvenal conversava com as visitas.
Nisso as crianças permaneciam trancadas no quarto.
Quando a refeição estava pronta, o marido e as visitas eram servidas, e todos os
adultos almoçavam, inclusive Rute.
Depois do almoço, conforme as visitas iam ficando, Juvenal continuava conversando, e a comida esfriando.
E assim, as horas passavam.
E as crianças trancadas no quarto, sem terem almoçado.
A regra era essa: quando Juvenal recebia visitas, ele e seus convidados eram os
primeiros a comer.
Com isso, pode se perceber, que as crianças só comeriam depois, e se sobrasse alguma coisa.
Porém, não era só isso.
Não bastasse o atraso no almoço, as crianças tinham que esperar a visita ir embora para que então, pudessem aparecer e finalmente almoçar.
Criança sofria nessa casa.
Por isso, quatro horas depois, quando finalmente as visitas foram embora, é que as crianças puderam então, finalmente almoçar.
Nisso a comida já estava gelada, e não bastasse isso, boa parte da mistura já havia acabado.
Mas mesmo as crianças famintas, almoçaram.
Outra péssima mania não de só de Juvenal, mas de boa parte dos rurícolas, era guardar dinheiro debaixo do colchão.
E Juvenal não era exceção.
De tão pão-duro, chegava a reclamar quando tinha que
comprar material escolar e sapato para os filhos.
Sovina, sempre dizia que eles os estava fazendo gastar muito.
Mas alguns gastos eram necessários.
E assim ia ele comprar caderno e lápis para a garotada.
A faca, era um ótimo apontador para ele, então, não havia necessidade disso.
E assim era.
Se por algum motivo a ponta do lápis quebrasse, estavam perdidos.
Isso por que, não teriam outro para usar no lugar.
Sapato, Juvenal se recusava a comprar.
Dizendo que os filhos iam crescer logo e com isso, perder o calçado, considerava tais compras, um desperdício de dinheiro.
E assim, ia guardando mais e mais dinheiro debaixo do colchão.
Mas isso era uma tolice.
Afinal, com as constantes mudanças de moeda que país viveu por longos anos era até insensato guardar dinheiro, num lugar tão esdrúxulo.
O certo, era, conforme o dinheiro fosse aparecendo, depositá-lo em uma conta num banco.
Contudo, Juvenal, assim como todos os trabalhadores rurais da época, não tinham esclarecimento.
Além disso, eram muito teimosos.
Para muito deles, banco não era uma instituição confiável.
E assim, ao longo dos anos, quando finalmente pensavam em fazer uso
do dinheiro, percebiam ou que este estava desvalorizando, ou então, que já não valia mais nada.
E nisso os filhos de Juvenal iam vivendo com o mínimo necessário para a vida.
E nesse ponto, até que as coisas iam indo muito bem.
Não fossem as confusões armadas por ele, poderiam ter vivido durante toda a vida em uma mesma cidade.
Mas não foi isso que aconteceu.
Por conta de alguns envolvimentos extra-conjugais, Juvenal e sua família, eram
compelidos a sempre mudarem de cidade.
Isso por que, Juvenal quando se envolvia com outras mulheres, sempre arrumava confusão.
Uma vez, ao tentar impressionar uma delas, acabou se dando mal.
Isso por que, tentando ganhar sua confiança, resolveu visitá-la levando um pacote de farinha.
Mas a dama não gostou do gesto de Juvenal e lhe atirou o pacote nas fuças. Não bastasse isso, disse-lhe para nunca mais procurá-la.
Nisso o sitiante saiu correndo e nunca mais voltou.
Mas isso até que foi pouco.
Algumas vezes, envolvido com amantes, acabou arrumando confusão até para a
esposa, que tinha que enfrentar mulheres que a ameaçavam, dizendo-lhe para sair da cidade.
Por essas e por outras, o sitiante tinha que freqüentemente arrumar seus poucos pertences, e se mudar com a família para outro lugar.
E assim, tinha que trabalhar nas fazendas vizinhas ao lugar em que estava vivendo.
Com isso muitas vezes, trabalhava pesado para levar dinheiro para casa.
Em um desses trabalhos, ao cortar cana em um canavial, teve a perna cortada pela foice, que por um triz não o aleijou.
Assim com a perna ensangüentada, percorreu toda a plantação de cana, até encontrar alguém que o pudesse socorrer.
Por conta disso, andou quilômetros.
Forte que era, agüentou firme a caminhada, mesmo com a perna cortada.
Devidamente socorrido, Juvenal levou meses para se recuperar.
Com a perna costurada, teve ficar de molho por um bom tempo.
Porém, depois que se recuperou, mais do que depressa, voltou para o trabalho, e novamente, voltou a arrumar confusões.
Em uma dessas mudanças, o seu motivo principal não foi mulher e sim uma bebedeira que tivera, o que o fez destratar seu patrão – o dono das terras em que estava trabalhando –, e por conta disso, foi demitido.
Sem moral para continuar vivendo na cidade, só restou a ele, reunir sua família, e novamente se mudar para outra localidade.
E foi assim a vida da família.
De cidade em cidade, tiveram que abrir mão de muitas coisas.
Aliás, foi por conta de uma dessas mudanças que a família perdeu a pequena
propriedade que tinha, e nunca mais conseguiu reunir dinheiro para adquirir um novo sítio.
Por conta dessas andanças chegaram até a região metropolitana de São Paulo, que nesta época, era somente mato.
A noite as ruas barrentas, eram assustadoras.
Não havia luz.
Foi numa dessas cidades que certa vez a família, já cansada de tanto se mudar,
adoeceu seriamente.
Quase todos ficaram acamados.
Foi uma moléstia grave.
Contudo, por sorte todos acabaram se recuperando e retomando suas vidas.
Foi aí então Rute que, já acostumada com as grosserias de Juvenal, voltou a ouvir as reclamações e imprecações do marido.
Sim por que este sabia ser extremamente rude com a mulher.
Xingava-a sem cerimônia.
Mas isso ele fazia com os filhos também.
Juvenal era extremamente mal-criado com todos da família.
Mas não era um tipo prepotente.
Muito pelo contrário, estava mais para um matuto típico, do que para um déspota.
Seu jeito de andar e de falar, eram muito engraçados.
Sua figura era bastante divertida.
E seus filhos, entre eles Luzia, souberam, mesmo depois de crescidos, o quão
importante eram essas lembranças.
Tão importantes que tempos depois, mesmo depois de casada e com filhos, Luzia fazia questão de lembrar com carinho, de seu pai, apesar de todos os defeitos que este possuía.
Isso por que, a despeito de seu jeito rude, Juvenal era capaz de atitudes extremamente generosas com pessoas que mal conhecia.
Quantas e quantas vezes ele não levou pessoas estranhas para casa, e até as ajudou arrumando comida e trabalho?
Muitas vezes.
Era tão generoso que muitas vezes, essas pessoas ficavam por meses vivendo em sua casa juntamente com seus filhos.
Eram mendigos, andarilhos, passantes.
Juvenal não tinha nenhum preconceito com relação a essas pessoas.
Mas esses eram outros tempos.
Hoje, vai tentar fazer isso para ver o que acontece ...
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Luciana Celestino dos Santos
.....E A CHUVA QUE CAÍ - CAPÍTULO 5- VERSÃO OFICIAL
Porém convém ainda, relatar alguns acontecimentos da infância dos meninos e
meninas de Juvenal e Dona Rute.
Sim, os meninos do casal, apesar de levarem uma vida de dificuldades, sabiam
perfeitamente aproveitar a vida.
Alegres, sempre que podiam, aproveitavam para brincar.
Em criança, realizavam as rodas de ciranda cantando:
“Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar
Vamos dar a meia-volta
Volta e meia vamos dar
O anel que tu me deste
Era de vidro e se quebrou
O amor que tu me tinhas
Era pouco e se acabou.”
Assim, de mãos dadas, as crianças organizavam uma roda, e todas juntas brincavam.
Brincavam, brincavam até se cansarem.
Na brincadeira do passa-anel, a meninada estendia os braços e com as mãos fechadas, se ofereciam para serem gentis guardiões do famigerado anel.
Aliás, só vencia a brincadeira, quem descobrisse na mão de quem estava o anel.
Portanto, um terceiro participante, só ficava a olhar a brincadeira.
No esconde-esconde, um dos meninos ficava de costas para o grupo, contando
números e esperando a hora certa para ir atrás dos irmãos que haviam se escondido.
Com isso, o mesmo só seria proclamado vencedor se conseguisse descobrir onde todos estavam escondidos.
Se um dos escondidos conseguisse passar sem ser descoberto, este ganhava a brincadeira.
Na brincadeira da cabra-cega, um dos participantes tinha os olhos vendados e tentava descobrir onde estavam as pessoas.
Como não tinha a visão a seu favor, tinha que se guiar pelos sons emitidos pelas pessoas.
Essas brincadeiras eram a diversão da garotada.
Algumas vezes, de tão animados, aproveitavam para cantar:
“Pirulito que bate-bate
Pirulito que já bateu
Quem gosta de mim é ela
Quem gosta dela sou eu.”
Nas brincadeiras de peão, um dos meninos, depois de muito trabalhar,
confeccionando peças de madeira, aproveitando alguns cordões que encontravam pela casa, amarravam-no no brinquedo e o soltavam no quintal da casa, só para testá-lo.
Isso por que, se o brinquedo funcionasse, poderiam passar tardes inteiras brincando com ele.
E assim, constatada a eficiência do brinquedo, os meninos passavam tardes inteiras a brincar com o peão.
A brincadeira era assim: primeiramente, levavam o peão para quintal, lá, jogavam-no chão, segurando a corda.
Enquanto isso, o peão rodava, rodava, rodava.
Era divertido observar a trajetória do peão.
Nessas tardes ou mesmo manhãs fagueiras, aproveitavam também para cantar:
“Atirei o pau no gato tô tô
Mas o gato tô tô
Não morreu reu reu
Dona Chica ca ca
Admirou-se cê cê
Do berro, do berro
Que o gato deu
Miau.“
Quanto ao pega-pega, era uma correria.
Isso por que, quem fosse pego, perdia a brincadeira.
De formas que, as crianças faziam de tudo para não serem pegas.
Era muito divertido.
Além disso, aproveitavam também para pularem corda.
Quando brincavam de corda, tinham que pular a corda no momento certo.
Se se atrapalhassem com a corda, ou se enroscassem nela, estavam fora da brincadeira.
As crianças, depois de brincar de pular corda, adoravam brincar de amarelinha.
Com relação a esta última, antes de começarem a pular as casas, tinham que marcar, com uma pedrinha, o lugar que deveriam evitar pular.
Isso por que, se pulassem nesse lugar, estavam fora da brincadeira.
Muitas vezes, sem recursos para comprar bonecas, algumas meninas montavam suas próprias bonecas com sabugo de milho, fazendo cabelos para elas, além de algumas roupas, que costuravam com linha e agulha, aproveitando sobras de sacos e panos velhos.
E muito embora parecesse e fosse difícil a vida dessa meninada, eles eram felizes.
Tão felizes que nos folguedos juninos, sempre cantavam a famosa ‘Capelinha de
Melão’:
“Capelinha de Melão
É de São João
È de cravo é de rosa
É de manjericão
São João está dormindo
Não acorda não
Acordai e acordai,
João.”
Ou então animados, cantavam a música do ‘Cai cai balão’:
“Cai cai, balão
Cai cai balão
Não cai não
Não cai não ...”
Todas essas, lindas canções populares, bastante conhecidas pelo povo da região, e certamente ainda são lembradas por muitos.
Contudo, além dessas canções, existem outras com as seguintes:
“O cravo brigou com a rosa
Debaixo de uma sacada
O cravo saiu ferido
E a rosa despedaçada
O cravo ficou doente
A rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio
E a rosa pôs-se a chorar.”
Agora passemos a falar da música que era bastante cantada pelos alunos do grupo escolar.
Por ser a música favorita de Juscelino Kubtscheck, a professora fez questão de ensinar todos a cantar a música, que era assim:
“Como pode o peixe vivo
Viver fora d’água fria
Como pode o peixe vivo
Viver fora d’água fria
Como poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia
Os pastores desta aldeia
Já me fazem zombaria
Por me ver assim chorando
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia.”
Porém, nem só de cantigas singelas era a vida das crianças.
Certa vez, Luzia, ao ouvir uma música que os adultos cantavam, fazendo as devidas adaptações, passou a cantá-la também, mesmo sem saber o que a letra dizia.
Porém, mesmo sem intenção de chocar, Dona Rute, ao ouvir a música, ficou furiosa com a filha.
Afinal de contas, como Luzia podia cantar uma barbaridade daquelas?
Por muito pouco a menina não acabou apanhando.
Não apanhou por que uma das visitas, não deixou que Rute batesse na filha.
A mulher dizia, que a menina não tinha tido a intenção de ofendê-la ao cantar a
música.
Apenas estava contente e não sabia o que estava cantando.
Ao ouvir as explicações da amiga, Rute acabou deixando de lado a bronca, e Luzia, mais do que depressa, procurou sair da sala.
Ademais, ressabiada, Luzia nunca mais voltou a cantar a música.
Com isso os dias foram se passando e a vida transcorreu normalmente.
Não fosse por um pequeno incidente, não haveria nenhuma novidade a ser contada.
Certa vez, a avó das crianças, tentando flexionar a perna e passá-la em volta dos ombros, acabou se embananando toda.
Resultado, ao invés de conseguir realizar a tal proeza, acabou se enrolando toda.
Se enrolou de tal maneira, que não conseguia nem se mexer.
Em razão disso, teve que esperar os filhos voltarem do trabalho para que estes, com todo o cuidado e paciência, a desenrolassem.
Com isso, ao término da brincadeira, a velha senhora estava toda descomposta.
Também, pudera.
Luzia ao ouvir a história da avó, achou graça, mas para não aborrecer a mãe, procurou disfarçar o riso.
Realmente, seria cômico se não fosse trágico.
Um dia professora do grupo escolar, aproveitando o ensejo, dado que a aula havia se encerrado, resolveu ensinar outra canção aos alunos.
Animada a mestra lhes ensinou esta música, a qual, algumas vezes, os alunos
aproveitavam para cantar.
A letra é a que se segue:
“ A estrela D’Alva
No céu desponta
E a lua anda tonta
Com tamanho esplendor
E as pastorinhas
Pra consolo da lua
Vão cantando na rua
A lindos versos de amor
Linda pastora
Morena da cor de Madalena
Tu não tens pena de mim
Que vivo tonto com o teu olhar
Linda criança
Tu não me sais da lembrança
Meu coração não se cansa
De tanto, tanto te amar.”
Belíssima canção eternizada pelas cantoras do rádio.
Estas eram as melodias que as crianças estavam mais acostumadas a ouvir e cantar.
Contudo, além de brincarem de vez em quando, as crianças, durante as visitas que a avó fazia a eles, ou mesmo quando eles visitavam a velha senhora, aproveitavam para ouvirem e se arrepiarem com as histórias que ela contava.
Para eles, crianças que eram, as histórias eram arrepiantes.
Como boa contadora de causos, a gentil senhora, adorava contar sobre a lenda do lobisomem.
Monstro pavoroso, que nas noites de lua cheia, abandonando sua condição humana, se transformava em lobo.
Sanguinário, passava madrugadas inteiras procuram algo para caçar.
Numa dessas buscas, o lobo acabou por encontrar uma criança, que carregada por sua mãe, conseguiu escapar de sua sanha devoradora.
Porém, na fuga, o lobisomem, agarrando a manta da criança, ficou com fiapos de tecido presos no dente.
Não logrou êxito em seu intento.
Mas o lobisomem conseguiu pregar um belo susto na mulher e na criança.
Luzia e seus irmãos, ao ouvirem a história contada pela avó, ficaram deveras
assustados.
Tanto que para dormir, tiveram que se abraçar.
Isso por que, as histórias da velhinha, eram apavorantes.
Contudo, nem tudo na vida deles era brincadeira e histórias.
Acostumados com a dura vida no campo, nunca souberam o que era ganhar um
presente de Natal.
Por isso, quando viam as crianças na cidade cantando músicas de Natal, não conseguiam entender por que a vida delas era tão diferente.
Contudo, não eram infelizes por isso.
Ao contrário, eram bastante determinados.
Clementino por exemplo, tinha uma grande facilidade em aprender coisas novas, por isso, muitas vezes, sem precisar de muito esforço, conseguia se sair bem nas provas.
Luzia também, embora precisasse se dedicar um pouco, era extremamente inteligente.
Tão inteligente e habilidosa, que foi chamada pela própria professora do grupo escolar, para dar aulas para uma coleguinha que estava tendo dificuldade com os estudos.
Prestativa, Luzia atendeu prontamente o pedido da professora, oferecendo-se para ajudar a garota a estudar.
Porém, por mais que se esforçasse para se fazer entender, a garota não conseguia aprender nada do que era explicado.
A uma certa altura, cansada de explicar sempre a mesma coisa, Luzia acabou fazendo os exercícios para a garota.
Depois disso, ela comentou com seus irmãos:
-- Nunca mais. É muito complicado explicar algo para alguém assim. Não dá.
E nunca mais voltou.
Muito embora a casa da garota fosse luxuosa e o lanche da tarde saboroso, Luzia não tinha interesse nenhum em voltar a ensinar as lições da escola para a garota.
Isso por que, além da garota não conseguir aprender nada do que era ensinado, a mãe da mesma era muito pão dura e mesquinha.
Não gostava quando sua filha se misturasse com as crianças mais pobres que estudavam no Grupo Escolar.
Dessa forma, não era nem um pouco confortável para Luzia, freqüentar a casa da família.
Por isso mesmo, nunca mais a garota, voltou a casa da menina.
Essa era a vida da família.
Os filhos viviam em meio a natureza.
Tomavam banho de vez em quando, andavam descalços e nem escova de dentes tinham.
Para cuidar dos dentes, somente os dedos.
Roupas era somente o indispensável.
Porém, frutas, podiam comer regaladamente.
Embora não tivessem muita opção, as frutas que tinham, tinham em profusão.
Sim, apesar de terem uma alimentação simples, não se alimentavam mal. Passavam dificuldades, mas nunca necessidade.
Com isso, as crianças, muitas vezes preguiçosas, não ajudavam muito em casa.
Mas adoravam nadar no ribeirão.
Muitas vezes enquanto Dona Rute lavava roupas, seus filhos brincavam nas águas calmas do ribeirão.
Também adoravam brigar entre si.
Além disso, sentiam também, um pouco de ciúme das atenções dadas a um estranho.
Certa vez, uma vizinha que estava de visita, resolvendo ser prestativa, ofereceu-se para buscar água para Rute.
Cuidadosa, foi e voltou diversas vezes do ribeirão, trazendo algumas latas com água.
Luzia, que era quem sempre fazia este trabalho, sentiu-se preterida e aborrecida, contou a mãe que a vizinha havia bebido água na própria lata.
Dona Rute ao ouvir isso, jogou toda a água fora e disse:
-- Que porquice! Se era para fazer isso, era melhor não ter feito nada.
Ao ouvir isso, Luzia ficou extremamente satisfeita.
Isso por que ela agora poderia trazer a água para a mãe.
E ela assim fez.
Dessa forma, percebe-se que Luzia também aprontava de quando em vez. Apesar de esforçada e responsável, como toda criança, gostava de brincar, e de vez quando, acabava aprontando alguma reinação.
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Luciana Celestino dos Santos
meninas de Juvenal e Dona Rute.
Sim, os meninos do casal, apesar de levarem uma vida de dificuldades, sabiam
perfeitamente aproveitar a vida.
Alegres, sempre que podiam, aproveitavam para brincar.
Em criança, realizavam as rodas de ciranda cantando:
“Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar
Vamos dar a meia-volta
Volta e meia vamos dar
O anel que tu me deste
Era de vidro e se quebrou
O amor que tu me tinhas
Era pouco e se acabou.”
Assim, de mãos dadas, as crianças organizavam uma roda, e todas juntas brincavam.
Brincavam, brincavam até se cansarem.
Na brincadeira do passa-anel, a meninada estendia os braços e com as mãos fechadas, se ofereciam para serem gentis guardiões do famigerado anel.
Aliás, só vencia a brincadeira, quem descobrisse na mão de quem estava o anel.
Portanto, um terceiro participante, só ficava a olhar a brincadeira.
No esconde-esconde, um dos meninos ficava de costas para o grupo, contando
números e esperando a hora certa para ir atrás dos irmãos que haviam se escondido.
Com isso, o mesmo só seria proclamado vencedor se conseguisse descobrir onde todos estavam escondidos.
Se um dos escondidos conseguisse passar sem ser descoberto, este ganhava a brincadeira.
Na brincadeira da cabra-cega, um dos participantes tinha os olhos vendados e tentava descobrir onde estavam as pessoas.
Como não tinha a visão a seu favor, tinha que se guiar pelos sons emitidos pelas pessoas.
Essas brincadeiras eram a diversão da garotada.
Algumas vezes, de tão animados, aproveitavam para cantar:
“Pirulito que bate-bate
Pirulito que já bateu
Quem gosta de mim é ela
Quem gosta dela sou eu.”
Nas brincadeiras de peão, um dos meninos, depois de muito trabalhar,
confeccionando peças de madeira, aproveitando alguns cordões que encontravam pela casa, amarravam-no no brinquedo e o soltavam no quintal da casa, só para testá-lo.
Isso por que, se o brinquedo funcionasse, poderiam passar tardes inteiras brincando com ele.
E assim, constatada a eficiência do brinquedo, os meninos passavam tardes inteiras a brincar com o peão.
A brincadeira era assim: primeiramente, levavam o peão para quintal, lá, jogavam-no chão, segurando a corda.
Enquanto isso, o peão rodava, rodava, rodava.
Era divertido observar a trajetória do peão.
Nessas tardes ou mesmo manhãs fagueiras, aproveitavam também para cantar:
“Atirei o pau no gato tô tô
Mas o gato tô tô
Não morreu reu reu
Dona Chica ca ca
Admirou-se cê cê
Do berro, do berro
Que o gato deu
Miau.“
Quanto ao pega-pega, era uma correria.
Isso por que, quem fosse pego, perdia a brincadeira.
De formas que, as crianças faziam de tudo para não serem pegas.
Era muito divertido.
Além disso, aproveitavam também para pularem corda.
Quando brincavam de corda, tinham que pular a corda no momento certo.
Se se atrapalhassem com a corda, ou se enroscassem nela, estavam fora da brincadeira.
As crianças, depois de brincar de pular corda, adoravam brincar de amarelinha.
Com relação a esta última, antes de começarem a pular as casas, tinham que marcar, com uma pedrinha, o lugar que deveriam evitar pular.
Isso por que, se pulassem nesse lugar, estavam fora da brincadeira.
Muitas vezes, sem recursos para comprar bonecas, algumas meninas montavam suas próprias bonecas com sabugo de milho, fazendo cabelos para elas, além de algumas roupas, que costuravam com linha e agulha, aproveitando sobras de sacos e panos velhos.
E muito embora parecesse e fosse difícil a vida dessa meninada, eles eram felizes.
Tão felizes que nos folguedos juninos, sempre cantavam a famosa ‘Capelinha de
Melão’:
“Capelinha de Melão
É de São João
È de cravo é de rosa
É de manjericão
São João está dormindo
Não acorda não
Acordai e acordai,
João.”
Ou então animados, cantavam a música do ‘Cai cai balão’:
“Cai cai, balão
Cai cai balão
Não cai não
Não cai não ...”
Todas essas, lindas canções populares, bastante conhecidas pelo povo da região, e certamente ainda são lembradas por muitos.
Contudo, além dessas canções, existem outras com as seguintes:
“O cravo brigou com a rosa
Debaixo de uma sacada
O cravo saiu ferido
E a rosa despedaçada
O cravo ficou doente
A rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio
E a rosa pôs-se a chorar.”
Agora passemos a falar da música que era bastante cantada pelos alunos do grupo escolar.
Por ser a música favorita de Juscelino Kubtscheck, a professora fez questão de ensinar todos a cantar a música, que era assim:
“Como pode o peixe vivo
Viver fora d’água fria
Como pode o peixe vivo
Viver fora d’água fria
Como poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia
Os pastores desta aldeia
Já me fazem zombaria
Por me ver assim chorando
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia.”
Porém, nem só de cantigas singelas era a vida das crianças.
Certa vez, Luzia, ao ouvir uma música que os adultos cantavam, fazendo as devidas adaptações, passou a cantá-la também, mesmo sem saber o que a letra dizia.
Porém, mesmo sem intenção de chocar, Dona Rute, ao ouvir a música, ficou furiosa com a filha.
Afinal de contas, como Luzia podia cantar uma barbaridade daquelas?
Por muito pouco a menina não acabou apanhando.
Não apanhou por que uma das visitas, não deixou que Rute batesse na filha.
A mulher dizia, que a menina não tinha tido a intenção de ofendê-la ao cantar a
música.
Apenas estava contente e não sabia o que estava cantando.
Ao ouvir as explicações da amiga, Rute acabou deixando de lado a bronca, e Luzia, mais do que depressa, procurou sair da sala.
Ademais, ressabiada, Luzia nunca mais voltou a cantar a música.
Com isso os dias foram se passando e a vida transcorreu normalmente.
Não fosse por um pequeno incidente, não haveria nenhuma novidade a ser contada.
Certa vez, a avó das crianças, tentando flexionar a perna e passá-la em volta dos ombros, acabou se embananando toda.
Resultado, ao invés de conseguir realizar a tal proeza, acabou se enrolando toda.
Se enrolou de tal maneira, que não conseguia nem se mexer.
Em razão disso, teve que esperar os filhos voltarem do trabalho para que estes, com todo o cuidado e paciência, a desenrolassem.
Com isso, ao término da brincadeira, a velha senhora estava toda descomposta.
Também, pudera.
Luzia ao ouvir a história da avó, achou graça, mas para não aborrecer a mãe, procurou disfarçar o riso.
Realmente, seria cômico se não fosse trágico.
Um dia professora do grupo escolar, aproveitando o ensejo, dado que a aula havia se encerrado, resolveu ensinar outra canção aos alunos.
Animada a mestra lhes ensinou esta música, a qual, algumas vezes, os alunos
aproveitavam para cantar.
A letra é a que se segue:
“ A estrela D’Alva
No céu desponta
E a lua anda tonta
Com tamanho esplendor
E as pastorinhas
Pra consolo da lua
Vão cantando na rua
A lindos versos de amor
Linda pastora
Morena da cor de Madalena
Tu não tens pena de mim
Que vivo tonto com o teu olhar
Linda criança
Tu não me sais da lembrança
Meu coração não se cansa
De tanto, tanto te amar.”
Belíssima canção eternizada pelas cantoras do rádio.
Estas eram as melodias que as crianças estavam mais acostumadas a ouvir e cantar.
Contudo, além de brincarem de vez em quando, as crianças, durante as visitas que a avó fazia a eles, ou mesmo quando eles visitavam a velha senhora, aproveitavam para ouvirem e se arrepiarem com as histórias que ela contava.
Para eles, crianças que eram, as histórias eram arrepiantes.
Como boa contadora de causos, a gentil senhora, adorava contar sobre a lenda do lobisomem.
Monstro pavoroso, que nas noites de lua cheia, abandonando sua condição humana, se transformava em lobo.
Sanguinário, passava madrugadas inteiras procuram algo para caçar.
Numa dessas buscas, o lobo acabou por encontrar uma criança, que carregada por sua mãe, conseguiu escapar de sua sanha devoradora.
Porém, na fuga, o lobisomem, agarrando a manta da criança, ficou com fiapos de tecido presos no dente.
Não logrou êxito em seu intento.
Mas o lobisomem conseguiu pregar um belo susto na mulher e na criança.
Luzia e seus irmãos, ao ouvirem a história contada pela avó, ficaram deveras
assustados.
Tanto que para dormir, tiveram que se abraçar.
Isso por que, as histórias da velhinha, eram apavorantes.
Contudo, nem tudo na vida deles era brincadeira e histórias.
Acostumados com a dura vida no campo, nunca souberam o que era ganhar um
presente de Natal.
Por isso, quando viam as crianças na cidade cantando músicas de Natal, não conseguiam entender por que a vida delas era tão diferente.
Contudo, não eram infelizes por isso.
Ao contrário, eram bastante determinados.
Clementino por exemplo, tinha uma grande facilidade em aprender coisas novas, por isso, muitas vezes, sem precisar de muito esforço, conseguia se sair bem nas provas.
Luzia também, embora precisasse se dedicar um pouco, era extremamente inteligente.
Tão inteligente e habilidosa, que foi chamada pela própria professora do grupo escolar, para dar aulas para uma coleguinha que estava tendo dificuldade com os estudos.
Prestativa, Luzia atendeu prontamente o pedido da professora, oferecendo-se para ajudar a garota a estudar.
Porém, por mais que se esforçasse para se fazer entender, a garota não conseguia aprender nada do que era explicado.
A uma certa altura, cansada de explicar sempre a mesma coisa, Luzia acabou fazendo os exercícios para a garota.
Depois disso, ela comentou com seus irmãos:
-- Nunca mais. É muito complicado explicar algo para alguém assim. Não dá.
E nunca mais voltou.
Muito embora a casa da garota fosse luxuosa e o lanche da tarde saboroso, Luzia não tinha interesse nenhum em voltar a ensinar as lições da escola para a garota.
Isso por que, além da garota não conseguir aprender nada do que era ensinado, a mãe da mesma era muito pão dura e mesquinha.
Não gostava quando sua filha se misturasse com as crianças mais pobres que estudavam no Grupo Escolar.
Dessa forma, não era nem um pouco confortável para Luzia, freqüentar a casa da família.
Por isso mesmo, nunca mais a garota, voltou a casa da menina.
Essa era a vida da família.
Os filhos viviam em meio a natureza.
Tomavam banho de vez em quando, andavam descalços e nem escova de dentes tinham.
Para cuidar dos dentes, somente os dedos.
Roupas era somente o indispensável.
Porém, frutas, podiam comer regaladamente.
Embora não tivessem muita opção, as frutas que tinham, tinham em profusão.
Sim, apesar de terem uma alimentação simples, não se alimentavam mal. Passavam dificuldades, mas nunca necessidade.
Com isso, as crianças, muitas vezes preguiçosas, não ajudavam muito em casa.
Mas adoravam nadar no ribeirão.
Muitas vezes enquanto Dona Rute lavava roupas, seus filhos brincavam nas águas calmas do ribeirão.
Também adoravam brigar entre si.
Além disso, sentiam também, um pouco de ciúme das atenções dadas a um estranho.
Certa vez, uma vizinha que estava de visita, resolvendo ser prestativa, ofereceu-se para buscar água para Rute.
Cuidadosa, foi e voltou diversas vezes do ribeirão, trazendo algumas latas com água.
Luzia, que era quem sempre fazia este trabalho, sentiu-se preterida e aborrecida, contou a mãe que a vizinha havia bebido água na própria lata.
Dona Rute ao ouvir isso, jogou toda a água fora e disse:
-- Que porquice! Se era para fazer isso, era melhor não ter feito nada.
Ao ouvir isso, Luzia ficou extremamente satisfeita.
Isso por que ela agora poderia trazer a água para a mãe.
E ela assim fez.
Dessa forma, percebe-se que Luzia também aprontava de quando em vez. Apesar de esforçada e responsável, como toda criança, gostava de brincar, e de vez quando, acabava aprontando alguma reinação.
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Luciana Celestino dos Santos
sábado, 18 de abril de 2020
Os Principais Referenciais: Paranapiacaba: a origem do nome
Em 1907: a vila passa a se chamar Paranapiacaba
O termo vem da corruptela de pê-rá-ñái-piâ-quâba, que significa: "passagem do
caminho do porto do mar", de pê (superfície) e rá (encrespada), formando a palavra pê-rá (mar); ñái (porto); piá (caminho); quâb (passar), que com o acréscimo de a (forma no infinitivo a ação do verbo que significa passagem) – segundo o padre Luiz Figueira, em sua Arte de Gramática da Língua Portuguesa: "lugar de onde se vê o mar" ou "miramar", sendo a palavra decomposta nos seguintes vocábulos: parná (mar); apicac (ver); caba (sítio).
Paranapiacaba fica em Santo André – faz divisa com Santos (ao sul), Cubatão (oeste) e Mogi das Cruzes (norte), mas esta pequena vila se parece mesmo com a capital inglesa.
A aparência londrina pode ser percebida pela arquitetura vitoriana das casas, pelo fog (a neblina é constante) e também pela réplica do Big Ben.
Encravada na Mata Atlântica, com cachoeiras e muitas trilhas, a vila é uma boa
opção de passeios cultural e ecológico.
O lugarejo começou a surgir em 15 de maio de 1860, quando iniciou-se a construção da linha que ligaria as principais regiões produtoras de café, no interior do estado, ao seu terminal exportador, o pano de Santos.
Por iniciativa do barão de Mauá, a execução da obra e a concessão da ferrovia pelo prazo de 90 anos ficaram nas mãos dos ingleses, donos da São Paulo Railway Company.
A responsável pela construção da ferrovia, a São Paulo Railway Company, mais do que trilhos, deixou marcas no local: aspectos britânicos, principalmente na arquitetura.
Um exemplo é a velha estação do Alto da Serra, cuja torre lembra o Big Ben de
Londres.
A estação do Alto da Serra, com sua arquitetura de estilo vitoriano, foi desativada em 1977 e já estava em processo de demolição, quando foi parcialmente destruída por um incêndio em janeiro de 1981.
Dela, só restou a torre do relógio que, restaurada, foi integrada à atual estação.
Para quem vai a Paranapiacaba, vale conhecer o Museu Ferroviário, construído nos galpões que abrigaram os dois sistemas funiculares, desativados com a instalação, em 1974, de um sistema de tração mista denominado cremalheira.
O museu abriga o maior sistema funicular do mundo: a roda de inércia, movida a vapor, que puxava o cabo de aço de duas pontas.
Um veículo serra-breque acoplava-se a cada uma das extremidades do cabo e era o responsável por puxar ou frear a composição.
Veja também o Castelinho (1897), antiga residência do engenheiro-chefe da Railway, com estilo vitoriano.
Localizado no alto de uma colina da vila, permitia ao inglês observar os trabalhos no pátio ferroviário.
Atualmente, funciona no local o Centro de Preservação da Memória de Paranapiacaba, que reúne objetos e instrumentos de tralho da época dos ingleses.
Paranapiacaba também é procurada pelos adeptos de atividades ecoturísticas, como caminhadas, rappel, bóia-cross.
Paranapiacaba, em tupi-guarani, quer dizer: " Lugar de onde se vê o mar" era esta a visão que tinham os povos indígenas que passavam pela região rumo ao planalto.
A Vila começou a ganhar importância.
Até meados da década de 40, os moradores viviam como uma grande família.
A Vila era bem cuidada, com ruas arborizadas e casas pintadas.
Em 1946, terminou o período de concessão e todo o seu patrimônio foi incorporado ao Governo Federal.
Esse fato foi apontado pelos antigos moradores como o início de decadência da vila.
Em 1986, a Rede Ferroviária entregou, restaurados, o sistema funicular- máquina fixa a vapor que tracionavam as composições através de cabos de aço – , entre o 4° e o 5° patamar, e o Castelinho.
No ano seguinte, o núcleo urbano, os equipamentos ferroviários e a área natural de Paranapiacaba foram tombados pelo Condephaat - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do estado de São Paulo.
Paranapiacaba, além de ter sido incluída entre os 100 monumentos mais importantes do mundo, pelo Word Monuments Fund – organização não governamental norte – que atua na área de preservação do patrimônio histórico –, é Núcleo da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo e integra a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecida pela UNESCO como de relevante valor para a humanidade.
Calçada do Lorena – Estrada é o maior sítio histórico da região
A coleção de monumentos que existe no local, é o testemunho vivo de épocas e
comportamentos diferentes. A pavimentação, a primeira da América Latina, veio em 1926.
O sítio histórico Caminho do Mar representa a mais importante coleção de
monumentos histórico-culturais do Grande ABC, mesmo que uma considerável parte deste sítio fique em Cubatão.
Claro, a Vila Ferroviária de Paranapiacaba, criada a partir do final do século passado, é única em seu gênero.
A Capela do Pilar Velho, em Ribeirão Pires, erguida no início do século XVIII, é a marca religiosa mais importante e antiga do Grande ABC.
Mas os monumentos ao longo do Caminho do Mar são um testemunho vivo de épocas, estilos e comportamentos diferentes.
É nesse espaço que está a Calçada do Lorena, de 1792.
Dela escreveu ao governador Bernardo José de Lorena, idealizador da obra, a um estudioso da época, Frei Gaspar da Madre de Deus, que residia em Santos quando a estrada foi aberta e que tem o seu nome emprestado a uma das vias centrais de São Bernardo:
“Não havia de esperar o que nunca passou no pensamento de pessoa alguma que eu havia de ver (...) Uma ladeira espaçosa, calçada de pedras, por onde se sobe com pouca fadiga, e se desce com segurança.”
A Calçada do Lorena substituiu o primitivo Caminho do Padre José.
E foi substituída pela Calçada da Maioridade, aberta em 1841 na administração de Rafael Tobias de Aguiar.
Por causa da nova estrada, a Calçada do Lorena caiu no esquecimento.
Foi tomada pela mata.
Ganhou projetos de restauração, como o célebre Projeto Lorena, que São Bernardo apresentou em 1975.
Mas a Calçada só foi recuperada mesmo, num trecho de 1,3 quilômetros, no início dos anos 90, a partir do trabalho desenvolvido pela Eletropaulo.
Já a Estrada da Maioridade sobrevive.
É o Caminho do Mar em si.
Uma obra que foi reformada, reforçada e interditada várias vezes.
No seu início, era o caminho dos carros que transportavam mercadorias e que não podiam seguir pela Calçada do Lorena.
Já no início deste século, a Estrada da Maioridade recebeu os primeiros veículos automotores que trafegaram na interligação Litoral-Planalto.
Nas décadas de 10 e 20 veio a modernização da estrada.
Arthur Rudge Ramos, que deu seu nome ao antigo Bairro dos Meninos, em São Bernardo, foi quem fez a primeira obra de fôlego de recuperação da via – afetada e esquecida por causa da passagem de trens da São Paulo Railway, que venceram outros trechos da serra.
Washington Luiz, presidente de São Paulo e futuro presidente da República,
determinou a construção dos monumentos ao longo da via, inaugurados em 1922, por ocasião das comemorações do Primeiro Centenário da Proclamação da Independência.
A imprensa da época traz farto noticiário a respeito.
O nome Caminho do Mar, em substituição ao de Estrada da Maioridade, surgiu em 1926, quando a via teve o trecho da serra pavimentado em concreto no governo Carlos de Campos, hoje, nome de rua no centro de Santo André.
Há uma placa no local que lembra esse acontecimento.
Tombamento veio em 1972
O conjunto dos monumentos ao longo do Caminho do Mar, foi tombado (preservado oficialmente), em 11 de agosto de 1972, abrangendo-se todo o sítio histórico – de 1 quilômetro ao longo de cada margem do Caminho, o que inclui o próprio Caminho do Mar e a Calçada do Lorena.
Outras datas mais recentes podem ser citadas:
26 de agosto de 1975, a Protur, empresa de economia mista sob a responsabilidade da Prefeitura de São Bernardo, fez a primeira apresentação oficial do Projeto Lorena, baseado em estudo acadêmico do arquiteto Benedito Lima de Toledo.
A obra nunca sairia do papel e a própria Protur foi extinta.
Aos 14 de fevereiro de 1982, foram abertos à visitação pública os monumentos Pouso Paranapiacaba, Padrão de Lorena e Rancho da Maioridade.
O restauro dos três bens havia sido iniciado em julho de 1979.
No 3 de janeiro de 1985, foi reinaugurado o Caminho do Mar.
6 de setembro de 1986, a Eletropaulo anunciou a restauração da Calçada do Lorena.
Em 3 de julho de 1992, foi concluída a restauração da parte serrana da Calçada do Lorena.
Pesquisadores da memória visitaram as obras em agosto daquele ano, quando da realização do II Congresso de História do ABC.
Entre os anos 70 e 90, vários deslizamentos interditaram a passagem de veículos do Caminho do Mar.
Sua restauração anunciada é mais uma tentativa de oferecer aos estudiosos e população em geral a convivência com um espaço histórico dos mais importantes para a própria história paulista e brasileira.
Os monumentos - Constituem-se:
Da Casa das Visitas, junto ao Rio das Pedras, projetada pelo escritório de
engenharia e arquitetura de Ramos de Azevedo, em 1926; Da Calçada do Lorena, com 1,3 quilômetros de restauração, construída em 1792 e substituída pela Estrada da Maioridade, hoje Caminho do Mar; Do Monumento do Pico, no ponto mais alto da Calçada do Lorena, edificado na década de 20 no local onde, anteriormente, existira um outro, construído em 1792 pela Câmara de São Paulo em homenagem ao Governador Lorena; Do Pouso Paranapiacaba, de 1922, também conhecida como Casa de Pedra.
Seu projeto é do arquiteto Victor Dubugras, com azulejaria do artista José Wasth Rodrigues.
Estes azulejos foram restaurados no início dos anos 80 pela família Sarasá, de São Bernardo: O Pouso Paranapiacaba simboliza a era do automóvel e ali modernistas como Mário de Andrade vinham recitar poesias nos anos 20.
Muita gente confunde, erradamente, é claro, o pouso com o local dos encontros amorosos de Dom Pedro I com a Marquesa de Santos; Das Ruínas no Caminho do Mar, logo abaixo do Pouso Paranapiacaba.
Constituem um antigo pouso, contemporâneo aos demais existentes ao longo da estrada; Do Pouso Circular ou Belvedere Circular, no quilômetro 45.
Fica no primeiro ponto onde a Calçada do Lorena cruza com o Caminho do Mar; Do Rancho da Maioridade, de 1922, outro projeto de Victor Dubugras.
Evoca a construção da Estrada da Maioridade e a visita da família real a São Paulo, em 1846; Do Padrão do Lorena.
Fica no segundo cruzamento da Calçada do Lorena com o Caminho do Mar. Igualmente projetada por Dubugras, com azulejos de José Wasth Rodrigues; Do Pontilhão da Raiz da Serra.
Marca a presença do Caminho do Mar nos campos de Cubatão; Do Cruzeiro Quinhentista, de 1922.
Como os demais, também evoca fatos alusivos à história das antigas vias de comunicação entre o litoral e o planalto.
Foi construído no ponto de encontro do Caminho do Mar com o Caminho do Padre José.
Memória na Serra
Do requinte dos azulejos portugueses à vista privilegiada do litoral sul paulista, o visitante do Caminho do Mar, antiga Estrada da Maioridade, irá se deparar com um pouco da história do país a cada quilômetro; a cada curva; a cada pouso.
Caminho do Mar vai virar estrada-parque – Dersa quer apoio da iniciativa privada para reativar a via, projeto prevê a construção de três pontes em trechos críticos Descer a Estrada Velha em um trenzinho, tomar um café ou almoçar em um restaurante construído em plena Serra do Mar e poder observar umas das 19 cachoeiras escondidas no meio da Mata Atlântica, nos 32 quilômetros de extensão e curvas que ligam a região à Baixada Santista.
O roteiro faz parte do projeto da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A) para
transformar a Estrada Caminho do Mar ou SP – 148, fechada desde 1982 para o acesso de veículos, em uma estrada-parque – como a existente no Parque Yellowstone (Estados Unidos), famoso por abrigar na TV a turma do desenho animado do Zé Colméia.
“O primeiro passo para a criação do parque, que será viabilizado com o apoio da iniciativa privada, é a recuperação do trecho mais crítico, localizado na Serra, entre os quilômetros 43 e 49,5”, informa o Diretor de Operações Rodoviárias da Dersa, Mário Fiamenghi.
No projeto de recuperação da Estrada Velha, já em fase de licitação, três viadutos
serão construídos para substituir o traçado original da via, danificado pelas chuvas e pela erosão.
O custo da obra, que inclui drenagem, sinalização, recapeamento e colocação de defensas metálicas (barreiras), além de cinco pontos de contenção de encostas, está orçado em R$ 15 milhões.
A previsão é que comece em 60 dias e deva durar de quatro a seis meses.
Para o motorista que poderá eventualmente subir a Serra pela estrada a 40
quilômetros por hora e sem fazer ultrapassagens, quando a Dersa acionar o esquema 5x2 (descida pela Imigrantes e pista sul da Anchieta e subida pela pista norte da Anchieta), cinco pontos de observação serão construídos próximos aos prédios históricos no Conjunto do Parque Estadual da Serra do Mar.
Eles estarão no Pouso de Paranapiacaba, no quilômetro 43; no Belvedere Circular, no quilômetro 45; no Rancho da Maioridade, no quilômetro 46; na Calçada do Lorena, no quilômetro 49 e no Cruzeiro Quinhentista, no quilômetro 51.
“Com essa etapa encerrada, vamos procurar apoio de entidades como a Fundação Boticário, Fiesp, Varig, para estruturar o parque”, disse o engenheiro da Dersa. “Queremos apoio daqueles que se interessam em desenvolver atividades turísticas e culturais.”
A idéia é criar uma infra-estrutura como sanitários, restaurantes e áreas reservadas à alimentação, segurança, ambulância e um espaço com recursos audiviosuais para que estudantes e visitantes possam ter acesso à história da flora e fauna do local, por meio de vídeos.
“É uma estrada romântica que merece ser reativada e está intimamente ligada a nossa história. Sou totalmente favorável a sua volta”, disse Wlastermiler de Senço, professor de Engenharia de Tráfego da FEI (Faculdade de Engenharia Industrial), de São Bernardo.
Viadutos terão vão livre
Para a recuperação de três pontos críticos da estrada, situados no trecho da Serra, a Dersa optou por instalar três viadutos, desviando o traçado original sem prejudicar o projeto arquitetônico da via nos quilômetros 46,4; 47,8 e 48.
Os viadutos serão construídos sem pilares para permitir que o vão livre deixe escoar as águas do sistema natural de drenagens, sem causar danos à pavimentação da via.
“O processo convencional, que prevê que os aterros sejam feitos, é mais demorado e complicado”, disse o engenheiro da Dersa, Mário Fiamenghi. “Seria preciso ter jazida e movimentação de terra, que não pode ser trazida da área tombada do Parque Estadual da Serra do Mar.”
A Reabertura
A Estrada Velha, será aberta para o turismo.
Possuí 32 quilômetros de extensão, inicia-se no quilômetro 30, no trecho de Riacho Grande – em São Bernardo do Campo – e termina no quilômetro 62, na Baixada Santista.
Este local será aberto para visita monitorada ou para melhorar o trânsito, quando estiver em operação o esquema 5x2.
A velocidade permitida é de 40 quilômetros por hora.
Os viadutos estão nos quilômetros 46,4; 47,8 e 48.
São nove os pontos de contenção entre os quilômetros 45,2 e 48,5.
As áreas para preservação são cinco, próximas aos patrimônios culturais tombados.
Extraído da internet
Fontes: Site da Prefeitura de Santo André, e Jornal Diário do Grande ABC.
Texto de Ademir Medici, é jornalista e colunista do Diário do Grande ABC.
Cláudia Roli. Matéria extraída do Jornal “Diário do Grande ABC”, do dia 06/07/1997, do Caderno “Setecidades”, p. 1 e 8.
O termo vem da corruptela de pê-rá-ñái-piâ-quâba, que significa: "passagem do
caminho do porto do mar", de pê (superfície) e rá (encrespada), formando a palavra pê-rá (mar); ñái (porto); piá (caminho); quâb (passar), que com o acréscimo de a (forma no infinitivo a ação do verbo que significa passagem) – segundo o padre Luiz Figueira, em sua Arte de Gramática da Língua Portuguesa: "lugar de onde se vê o mar" ou "miramar", sendo a palavra decomposta nos seguintes vocábulos: parná (mar); apicac (ver); caba (sítio).
Paranapiacaba fica em Santo André – faz divisa com Santos (ao sul), Cubatão (oeste) e Mogi das Cruzes (norte), mas esta pequena vila se parece mesmo com a capital inglesa.
A aparência londrina pode ser percebida pela arquitetura vitoriana das casas, pelo fog (a neblina é constante) e também pela réplica do Big Ben.
Encravada na Mata Atlântica, com cachoeiras e muitas trilhas, a vila é uma boa
opção de passeios cultural e ecológico.
O lugarejo começou a surgir em 15 de maio de 1860, quando iniciou-se a construção da linha que ligaria as principais regiões produtoras de café, no interior do estado, ao seu terminal exportador, o pano de Santos.
Por iniciativa do barão de Mauá, a execução da obra e a concessão da ferrovia pelo prazo de 90 anos ficaram nas mãos dos ingleses, donos da São Paulo Railway Company.
A responsável pela construção da ferrovia, a São Paulo Railway Company, mais do que trilhos, deixou marcas no local: aspectos britânicos, principalmente na arquitetura.
Um exemplo é a velha estação do Alto da Serra, cuja torre lembra o Big Ben de
Londres.
A estação do Alto da Serra, com sua arquitetura de estilo vitoriano, foi desativada em 1977 e já estava em processo de demolição, quando foi parcialmente destruída por um incêndio em janeiro de 1981.
Dela, só restou a torre do relógio que, restaurada, foi integrada à atual estação.
Para quem vai a Paranapiacaba, vale conhecer o Museu Ferroviário, construído nos galpões que abrigaram os dois sistemas funiculares, desativados com a instalação, em 1974, de um sistema de tração mista denominado cremalheira.
O museu abriga o maior sistema funicular do mundo: a roda de inércia, movida a vapor, que puxava o cabo de aço de duas pontas.
Um veículo serra-breque acoplava-se a cada uma das extremidades do cabo e era o responsável por puxar ou frear a composição.
Veja também o Castelinho (1897), antiga residência do engenheiro-chefe da Railway, com estilo vitoriano.
Localizado no alto de uma colina da vila, permitia ao inglês observar os trabalhos no pátio ferroviário.
Atualmente, funciona no local o Centro de Preservação da Memória de Paranapiacaba, que reúne objetos e instrumentos de tralho da época dos ingleses.
Paranapiacaba também é procurada pelos adeptos de atividades ecoturísticas, como caminhadas, rappel, bóia-cross.
Paranapiacaba, em tupi-guarani, quer dizer: " Lugar de onde se vê o mar" era esta a visão que tinham os povos indígenas que passavam pela região rumo ao planalto.
A Vila começou a ganhar importância.
Até meados da década de 40, os moradores viviam como uma grande família.
A Vila era bem cuidada, com ruas arborizadas e casas pintadas.
Em 1946, terminou o período de concessão e todo o seu patrimônio foi incorporado ao Governo Federal.
Esse fato foi apontado pelos antigos moradores como o início de decadência da vila.
Em 1986, a Rede Ferroviária entregou, restaurados, o sistema funicular- máquina fixa a vapor que tracionavam as composições através de cabos de aço – , entre o 4° e o 5° patamar, e o Castelinho.
No ano seguinte, o núcleo urbano, os equipamentos ferroviários e a área natural de Paranapiacaba foram tombados pelo Condephaat - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico do estado de São Paulo.
Paranapiacaba, além de ter sido incluída entre os 100 monumentos mais importantes do mundo, pelo Word Monuments Fund – organização não governamental norte – que atua na área de preservação do patrimônio histórico –, é Núcleo da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo e integra a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, reconhecida pela UNESCO como de relevante valor para a humanidade.
Calçada do Lorena – Estrada é o maior sítio histórico da região
A coleção de monumentos que existe no local, é o testemunho vivo de épocas e
comportamentos diferentes. A pavimentação, a primeira da América Latina, veio em 1926.
O sítio histórico Caminho do Mar representa a mais importante coleção de
monumentos histórico-culturais do Grande ABC, mesmo que uma considerável parte deste sítio fique em Cubatão.
Claro, a Vila Ferroviária de Paranapiacaba, criada a partir do final do século passado, é única em seu gênero.
A Capela do Pilar Velho, em Ribeirão Pires, erguida no início do século XVIII, é a marca religiosa mais importante e antiga do Grande ABC.
Mas os monumentos ao longo do Caminho do Mar são um testemunho vivo de épocas, estilos e comportamentos diferentes.
É nesse espaço que está a Calçada do Lorena, de 1792.
Dela escreveu ao governador Bernardo José de Lorena, idealizador da obra, a um estudioso da época, Frei Gaspar da Madre de Deus, que residia em Santos quando a estrada foi aberta e que tem o seu nome emprestado a uma das vias centrais de São Bernardo:
“Não havia de esperar o que nunca passou no pensamento de pessoa alguma que eu havia de ver (...) Uma ladeira espaçosa, calçada de pedras, por onde se sobe com pouca fadiga, e se desce com segurança.”
A Calçada do Lorena substituiu o primitivo Caminho do Padre José.
E foi substituída pela Calçada da Maioridade, aberta em 1841 na administração de Rafael Tobias de Aguiar.
Por causa da nova estrada, a Calçada do Lorena caiu no esquecimento.
Foi tomada pela mata.
Ganhou projetos de restauração, como o célebre Projeto Lorena, que São Bernardo apresentou em 1975.
Mas a Calçada só foi recuperada mesmo, num trecho de 1,3 quilômetros, no início dos anos 90, a partir do trabalho desenvolvido pela Eletropaulo.
Já a Estrada da Maioridade sobrevive.
É o Caminho do Mar em si.
Uma obra que foi reformada, reforçada e interditada várias vezes.
No seu início, era o caminho dos carros que transportavam mercadorias e que não podiam seguir pela Calçada do Lorena.
Já no início deste século, a Estrada da Maioridade recebeu os primeiros veículos automotores que trafegaram na interligação Litoral-Planalto.
Nas décadas de 10 e 20 veio a modernização da estrada.
Arthur Rudge Ramos, que deu seu nome ao antigo Bairro dos Meninos, em São Bernardo, foi quem fez a primeira obra de fôlego de recuperação da via – afetada e esquecida por causa da passagem de trens da São Paulo Railway, que venceram outros trechos da serra.
Washington Luiz, presidente de São Paulo e futuro presidente da República,
determinou a construção dos monumentos ao longo da via, inaugurados em 1922, por ocasião das comemorações do Primeiro Centenário da Proclamação da Independência.
A imprensa da época traz farto noticiário a respeito.
O nome Caminho do Mar, em substituição ao de Estrada da Maioridade, surgiu em 1926, quando a via teve o trecho da serra pavimentado em concreto no governo Carlos de Campos, hoje, nome de rua no centro de Santo André.
Há uma placa no local que lembra esse acontecimento.
Tombamento veio em 1972
O conjunto dos monumentos ao longo do Caminho do Mar, foi tombado (preservado oficialmente), em 11 de agosto de 1972, abrangendo-se todo o sítio histórico – de 1 quilômetro ao longo de cada margem do Caminho, o que inclui o próprio Caminho do Mar e a Calçada do Lorena.
Outras datas mais recentes podem ser citadas:
26 de agosto de 1975, a Protur, empresa de economia mista sob a responsabilidade da Prefeitura de São Bernardo, fez a primeira apresentação oficial do Projeto Lorena, baseado em estudo acadêmico do arquiteto Benedito Lima de Toledo.
A obra nunca sairia do papel e a própria Protur foi extinta.
Aos 14 de fevereiro de 1982, foram abertos à visitação pública os monumentos Pouso Paranapiacaba, Padrão de Lorena e Rancho da Maioridade.
O restauro dos três bens havia sido iniciado em julho de 1979.
No 3 de janeiro de 1985, foi reinaugurado o Caminho do Mar.
6 de setembro de 1986, a Eletropaulo anunciou a restauração da Calçada do Lorena.
Em 3 de julho de 1992, foi concluída a restauração da parte serrana da Calçada do Lorena.
Pesquisadores da memória visitaram as obras em agosto daquele ano, quando da realização do II Congresso de História do ABC.
Entre os anos 70 e 90, vários deslizamentos interditaram a passagem de veículos do Caminho do Mar.
Sua restauração anunciada é mais uma tentativa de oferecer aos estudiosos e população em geral a convivência com um espaço histórico dos mais importantes para a própria história paulista e brasileira.
Os monumentos - Constituem-se:
Da Casa das Visitas, junto ao Rio das Pedras, projetada pelo escritório de
engenharia e arquitetura de Ramos de Azevedo, em 1926; Da Calçada do Lorena, com 1,3 quilômetros de restauração, construída em 1792 e substituída pela Estrada da Maioridade, hoje Caminho do Mar; Do Monumento do Pico, no ponto mais alto da Calçada do Lorena, edificado na década de 20 no local onde, anteriormente, existira um outro, construído em 1792 pela Câmara de São Paulo em homenagem ao Governador Lorena; Do Pouso Paranapiacaba, de 1922, também conhecida como Casa de Pedra.
Seu projeto é do arquiteto Victor Dubugras, com azulejaria do artista José Wasth Rodrigues.
Estes azulejos foram restaurados no início dos anos 80 pela família Sarasá, de São Bernardo: O Pouso Paranapiacaba simboliza a era do automóvel e ali modernistas como Mário de Andrade vinham recitar poesias nos anos 20.
Muita gente confunde, erradamente, é claro, o pouso com o local dos encontros amorosos de Dom Pedro I com a Marquesa de Santos; Das Ruínas no Caminho do Mar, logo abaixo do Pouso Paranapiacaba.
Constituem um antigo pouso, contemporâneo aos demais existentes ao longo da estrada; Do Pouso Circular ou Belvedere Circular, no quilômetro 45.
Fica no primeiro ponto onde a Calçada do Lorena cruza com o Caminho do Mar; Do Rancho da Maioridade, de 1922, outro projeto de Victor Dubugras.
Evoca a construção da Estrada da Maioridade e a visita da família real a São Paulo, em 1846; Do Padrão do Lorena.
Fica no segundo cruzamento da Calçada do Lorena com o Caminho do Mar. Igualmente projetada por Dubugras, com azulejos de José Wasth Rodrigues; Do Pontilhão da Raiz da Serra.
Marca a presença do Caminho do Mar nos campos de Cubatão; Do Cruzeiro Quinhentista, de 1922.
Como os demais, também evoca fatos alusivos à história das antigas vias de comunicação entre o litoral e o planalto.
Foi construído no ponto de encontro do Caminho do Mar com o Caminho do Padre José.
Memória na Serra
Do requinte dos azulejos portugueses à vista privilegiada do litoral sul paulista, o visitante do Caminho do Mar, antiga Estrada da Maioridade, irá se deparar com um pouco da história do país a cada quilômetro; a cada curva; a cada pouso.
Caminho do Mar vai virar estrada-parque – Dersa quer apoio da iniciativa privada para reativar a via, projeto prevê a construção de três pontes em trechos críticos Descer a Estrada Velha em um trenzinho, tomar um café ou almoçar em um restaurante construído em plena Serra do Mar e poder observar umas das 19 cachoeiras escondidas no meio da Mata Atlântica, nos 32 quilômetros de extensão e curvas que ligam a região à Baixada Santista.
O roteiro faz parte do projeto da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A) para
transformar a Estrada Caminho do Mar ou SP – 148, fechada desde 1982 para o acesso de veículos, em uma estrada-parque – como a existente no Parque Yellowstone (Estados Unidos), famoso por abrigar na TV a turma do desenho animado do Zé Colméia.
“O primeiro passo para a criação do parque, que será viabilizado com o apoio da iniciativa privada, é a recuperação do trecho mais crítico, localizado na Serra, entre os quilômetros 43 e 49,5”, informa o Diretor de Operações Rodoviárias da Dersa, Mário Fiamenghi.
No projeto de recuperação da Estrada Velha, já em fase de licitação, três viadutos
serão construídos para substituir o traçado original da via, danificado pelas chuvas e pela erosão.
O custo da obra, que inclui drenagem, sinalização, recapeamento e colocação de defensas metálicas (barreiras), além de cinco pontos de contenção de encostas, está orçado em R$ 15 milhões.
A previsão é que comece em 60 dias e deva durar de quatro a seis meses.
Para o motorista que poderá eventualmente subir a Serra pela estrada a 40
quilômetros por hora e sem fazer ultrapassagens, quando a Dersa acionar o esquema 5x2 (descida pela Imigrantes e pista sul da Anchieta e subida pela pista norte da Anchieta), cinco pontos de observação serão construídos próximos aos prédios históricos no Conjunto do Parque Estadual da Serra do Mar.
Eles estarão no Pouso de Paranapiacaba, no quilômetro 43; no Belvedere Circular, no quilômetro 45; no Rancho da Maioridade, no quilômetro 46; na Calçada do Lorena, no quilômetro 49 e no Cruzeiro Quinhentista, no quilômetro 51.
“Com essa etapa encerrada, vamos procurar apoio de entidades como a Fundação Boticário, Fiesp, Varig, para estruturar o parque”, disse o engenheiro da Dersa. “Queremos apoio daqueles que se interessam em desenvolver atividades turísticas e culturais.”
A idéia é criar uma infra-estrutura como sanitários, restaurantes e áreas reservadas à alimentação, segurança, ambulância e um espaço com recursos audiviosuais para que estudantes e visitantes possam ter acesso à história da flora e fauna do local, por meio de vídeos.
“É uma estrada romântica que merece ser reativada e está intimamente ligada a nossa história. Sou totalmente favorável a sua volta”, disse Wlastermiler de Senço, professor de Engenharia de Tráfego da FEI (Faculdade de Engenharia Industrial), de São Bernardo.
Viadutos terão vão livre
Para a recuperação de três pontos críticos da estrada, situados no trecho da Serra, a Dersa optou por instalar três viadutos, desviando o traçado original sem prejudicar o projeto arquitetônico da via nos quilômetros 46,4; 47,8 e 48.
Os viadutos serão construídos sem pilares para permitir que o vão livre deixe escoar as águas do sistema natural de drenagens, sem causar danos à pavimentação da via.
“O processo convencional, que prevê que os aterros sejam feitos, é mais demorado e complicado”, disse o engenheiro da Dersa, Mário Fiamenghi. “Seria preciso ter jazida e movimentação de terra, que não pode ser trazida da área tombada do Parque Estadual da Serra do Mar.”
A Reabertura
A Estrada Velha, será aberta para o turismo.
Possuí 32 quilômetros de extensão, inicia-se no quilômetro 30, no trecho de Riacho Grande – em São Bernardo do Campo – e termina no quilômetro 62, na Baixada Santista.
Este local será aberto para visita monitorada ou para melhorar o trânsito, quando estiver em operação o esquema 5x2.
A velocidade permitida é de 40 quilômetros por hora.
Os viadutos estão nos quilômetros 46,4; 47,8 e 48.
São nove os pontos de contenção entre os quilômetros 45,2 e 48,5.
As áreas para preservação são cinco, próximas aos patrimônios culturais tombados.
Extraído da internet
Fontes: Site da Prefeitura de Santo André, e Jornal Diário do Grande ABC.
Texto de Ademir Medici, é jornalista e colunista do Diário do Grande ABC.
Cláudia Roli. Matéria extraída do Jornal “Diário do Grande ABC”, do dia 06/07/1997, do Caderno “Setecidades”, p. 1 e 8.
Núcleos Urbanos: Vila Nova ou Vila Martin Smith
Com a construção da segunda obra de subida e descida da serra, o núcleo original se estendeu para as áreas vizinhas ao longo do vale.
Essa expansão urbana teve um controle mais rígido e planejado, dando início à implantação de um modelo urbano projetado: a Vila Nova ou Vila Martin Smith.
Esse novo conjunto projetado pela Companhia, formava um sistema disciplinarmente organizado através de uma técnica de aglomeração dispostas hierarquicamente, e conforme um arranjo que definia o desenho das habitações.
Isto vinha reforçar o aspecto britânico das construções já existentes, que eram
arquitetonicamente diferenciadas pela utilização de sistema construtivo em madeira, a maioria em pinho-de-riga, porém trazia novidades quanto ao sistema construtivo, pois as habitações possuíam uma tipologia pré-definida.
O Sistema Funicular: um Patrimônio Tecnológico
Os ingleses, aliados aos mais renomados engenheiros europeus, vieram ao Brasil executar o projeto de ligação da ferrovia entre o planalto paulista e a Baixada Santista na serra do Mar, cuja implantação foi dividida em duas fases distintas:
Primeiro Período: 1860 a 1899;
Segundo Período: 1900 a 1946.
O que aconteceu após 1946...
Instalação do 1o Sistema Funicular (Serra Velha)
Essa primeira fase, correspondeu à instalação da primeira ligação conhecida como Primeiro Sistema Funicular ou Serra Velha.
Este se constituía de quatro planos inclinados interligados por patamares, onde estavam instalados sistemas de máquinas fixas acionando cabos de aço ("tail end") que sustentavam locomotiva e composições na subida e descida da serra, numa extensão total de aproximadamente oito quilômetros.
Em 1864, estava pronto o primeiro trecho.
A 16 de fevereiro de 1867, o sistema foi inaugurado, em caráter provisório, com duas viagens diárias.
No término das obras, a grande maioria dos trabalhadores foi dispensada, ficando apenas aqueles necessários para a manutenção dos serviços de conservação da ferrovia, do maquinário e das operações de tráfego, dando origem ao vilarejo então denominado Alto da Serra, organizado nos limites ferroviários.
Ainda nessa época, o povoado da região não era muito mais que um acampamento e, segundo Celina Kuniyoshi, "esse caráter provisório se justificava na medida em que ficariam morando no Alto da Serra após a inauguração da estrada, apenas um número muito reduzido de empregados, que se encarregariam do tráfego local, dispensado portanto até a construção de uma estação.
Todavia, para a aceitação definitiva da linha por parte do governo, foi exigida a complementação das obras na Serra, demandando a permanência de grande número de operários, e também dos negociantes de víveres que abasteciam esses trabalhadores.
Essa população, por sua vez, constituiu um público para a linha férrea, e a Companhia resolveu então construir uma estação no Alto da Serra.
Como o desenvolvimento da lavoura cafeeira, cresceu o tráfego da estrada de ferro, estimulando a expansão do núcleo urbano de Alto da Serra para atender ao fluxo cada vez maior de passageiros e vagões de carga que aguardavam a descida (3 vagões apenas em cada viagem), ou a formação de um comboio para prosseguir viagem rumo a São Paulo e Jundiaí.
Apesar desse desenvolvimento, o Alto da Serra só deixou de ser um núcleo urbano acanhado, formado com casas de barro e sapé, no final do século XIX, quando a São Paulo Railway construiu o segundo funicular."
Instalação do 2º Sistema Funicular (Serra Nova)
Por causa da rápida expansão econômica da região planaltina, o escoamento da
produção de café foi tornando-se insuficiente, necessitando de novas alternativas, resolvidas a partir da construção do Segundo Sistema Funicular ou Serra Nova.
Este executava suas operações em cinco planos inclinados, por meio de cabos de aço contínuos que tracionavam as composições movidas por cinco máquinas fixas, assentadas nos patamares.
Para a circulação das composições, usava-se uma locomotiva de pequeno porte denominada "locobreque", que era dotada de um mecanismo de sapatas em sua parte de baixo, entre as rodas, que tracionava os cabos de aço.
Em fins de 1899, foram concluídas as obras do segundo plano inclinado, que foram inauguradas no início de 1900.
Em outubro deste ano, o segundo funicular começou a operar, sendo definitivamente entregue ao público, em 28 de dezembro de 1901.
O que aconteceu após 1946...
Em 1946, expirando-se o prazo de concessão de noventa anos, a Estrada de Ferro foi encampada pela União (decreto de 13 de outubro de 1946), passando a se denominar Estrada de Ferro Santos – Jundiaí.
Na década de 1960, começaram os estudos para o aumento da capacidade de trafégo Santos – Jundiaí, o que resultou na implantação do sistema de esteiras dentadas, construído exatamente em cima do traçado da Serra Velha.
Assim, inaugurava-se, em 1974, a chamada cremalheira-aderência, com tecnologia japonesa.
E um sistema de tração, parecido com a operação de escadas rolantes, com engrenagens que se juntam e se ajustam às locomotivas, que, além das rodas convencionais, possuem uma terceira roda dentada, no meio da composição, que se ajusta às cremalheiras.
Com o sistema aderência-cremalheira, desapareceu o primeiro plano inclinado
construído na década de 1860.
O Segundo Plano Inclinado continuou em atividade até 1982, sendo então desativado comercialmente.
O mesmo se deu, de 1896 a 1990, mais ou menos, no trajeto que corresponde à ligação do Quinto Patamar na Vila de Paranapiacaba com o Quarto Patamar, na Grota Funda, foi operado, precariamente, por funcionários de uma entidade civil denominada ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária).
O qual se dava aos fins de semana, apenas para atender fins turísticos.
Paranapiacaba, portanto, pode ser considerado patrimônio de interesse
internacional pelos seus famosos sistemas funiculares de cabos de aço que tracionavam os trens: o primeiro, inaugurado em 16 de fevereiro de 1867, e o segundo, em 28 de dezembro de 1901.
"Julho é um mês terrível".
O ex-maquinista José Arnaldo de Farias, baiano de Senhor do Bonfim, chegou em julho de 1947 a Paranapiacaba, e só foi descobrir que a vila tinha igreja, 29 dias depois.
"A cerração não deixava a gente nem vê a aba do chapéu" recorda ele, servindo mais uma cachaça a quem tem frio nessa manhã de julho de 1982.
Lá se vão, trinta e cinco anos, mas a cerração continua firme.
Às oito da manhã, no alto do morro onde fica o cemitério, a paisagem fica encharcada pela garoa gelada (...).
Embaixo, o barulho dos trens enfrentando a cremalheira, incomoda a parte alta da vial que não acordou ainda.
Paranapiacaba acorda tarde porque não há o que fazer, além do que fazem os
homens da ferrovia.
No bar do velho Manuel Maria Marques, o Maneco, 76 anos, um grupo de adultos assiste aos desenhos animados da tevê; quem passa toma café, conhaque ou fogo paulista, porque o frio zune nos ouvidos.
Português de Coimbra, o seu Maneco, vive aqui desde o dia 3 de setembro de 1930, quando Paranapiacaba chamava-se Alto da Serra e o movimento era grande.
A vila ferroviária que os ingleses haviam batizado de Vila Martin Smith tinha jardins floridos nos jardins dos quintais. Paranapiacaba era uma espécie de cidade – modelo."
Alto da Serra – Os Principais Referenciais: Estação do Alto da Serra
A velha estação do Alto da Serra possuía um aspecto original.
Sua torre que lembra o Big-Ben de Londres, era equipada com um relógio, cujos mostradores em algarismos romanos podiam ser vistos a longa distância.
Além da função visual, o relógio da estação também desempenhava importante papel como referencial "sonoro", pois estava localizado em uma torre elevada.
A estação de trem foi o primeiro referencial da Vila.
Desta forma, o trânsito local era obrigatório.
Assim, pela sua localização central na Vila, possuía características bastante originais, tendo, à princípio, desempenhado as funções de um "ponto de encontro".
Comenta Ferreira que: "o ponto principal de encontros para se tratar de um negócio, para se comentar sobre futebol, política ou outro assunto qualquer.
Era muito comum, quando saíamos de casa, que alguém nos perguntasse aonde iríamos e a resposta era quase sempre: Vou até a Estação.
As noites de sábado e domingo eram os dias de glória da Estação.
Durante o dia, o movimento já aumentava, mas, à noite, era impressionante o movimento em suas dependências; plataformas bastante largas ofereciam espaço para um grande número de pessoas, mas, mesmo assim, em alguns momentos, havia dificuldades em encontrar-se espaços vazios."
Esta estação, que se caracterizava por uma esplêndida arquitetura de estilo
vitoriano, teve projeto datado em fins do século passado e foi desenhada por engenheiros britânicos.
Ela veio desmontada para ser construída aqui.
A estação configurava um novo status para o quase acampamento de obras que constituía o então Alto da Serra.
A estação do Alto da Serra foi desativada em 1977 e já estava em processo de
demolição, quando sobreveio um incêndio em janeiro de 1981 e, dela, só restou a torre do relógio que, restaurada, foi integrada à atual estação.
Os Principais Referenciais: Passarela Metálica
A passarela metálica, construída em 1899 sobre o corredor ferroviário, onde se
localizavam a estação, o pátio e todos os equipamentos, estabeleceu o única ligação existente entre os dois núcleos da cidade.
Os Principais Referenciais: Clube União Lyra Serrano.
O edifício do clube União Lyra Serrano, o "town hall" social do Alto da Serra,
representando um dos mais antigos clubes de "football" do Estado foi fundado em 1903.
Lembra Negrelli que: "havia a Sociedade Recreativa Lyra da Serra, onde aos
domingos à noite havia uma sessão de cinema mudo, geralmente filme em série.
No salão cada grupo de família tinha os seus lugares certos, tudo direitinho, e orquestra composta de músico locais, tocavam belas valsas e até peças clássicas, eram amadores, nada ganhavam, tocavam para agradar a todos, e abriam a sessão com uma marcha, para o filme natural.
Nesta Sociedade também existia um salão para o jogo de bilhar, e nos fundos dois campos para bochas, e entre os habitantes havia verdadeiros craques (...)".
A Sociedade Recreativa Lyra da Serra, hoje, União Lira Serrano, em razão da união feita com o Serrano Football Club, tem sede ampla com salões para cinema e bailes, jogos diversos e biblioteca e um campo de futebol.
O campo de futebol, até hoje, ocupa local de destaque, dentro da Vila.
Em 1907, começaram as construções da sede atual que, em 1938, foi ampliada
adquirindo a feição hoje existente: um grande edifício de dois andares, totalmente construído em madeira de lei, principalmente pinho-de-riga, importada da Inglaterra.
Antigamente, ao final da escada de madeira, na porta de um camarote, poder-se-ia ler: Este reservado é de uso exclusivo dos senhores Mr. Alfred E. Whitton, Dr. Jorde A. Boeri, Arno L. M. da Veiga e respectivas famílias.
Outrora, os degraus de todas as escadas internas recebiam tapetes de veludo.
Os Principais Referenciais: Castelinho
Um dos mais importantes e controvertidos elementos da paisagem local.
Trata-se de uma construção vitoriana, mesclando "Queen Anney style" com "shigle style" e, por essa razão, batizado de "Castelinho".
Ele servia como residência ao superintendente inglês, autoridade máxima da Ferrovia e, portanto, da cidade.
Foi construído em 1897 e seu projeto original foi concebido dentro do conjunto da tipologia das casas da Vila Martin Smith, sendo o único exemplar do "pacote" importado da Inglaterra como sendo do "typo C", conforme atestam as plantas da época.
Situa-se entre a Vila Velha e a Vila Martin Smith, na mais elevada e estratégica
colina local, no "baricentro" visual, de onde se pode avistar toda a movimentação da Vila Ferroviária.
Caracteriza-se pelo aspecto simbólico de liderança, pois é de onde se visualiza todo o núcleo urbano, o pátio de manobras, a estação e as instalações das máquinas fixas do último patamar.
Ele atrai as atenções de qualquer ponto da Vila, por sua situação elevada.
Mas isso aconteceu, também, com os quarteirões de casa que eram organizadas em termos de um claro sistema de aglomeração para facilitar a localização imediata de qualquer funcionário, que deveria estar sempre pronto a atender os superiores hierárquicos.
Observa Marco Santos: "sendo, então uma forma da presença estática e simbólica do poder.
Desta forma, a estrutura social e hierárquica dos trabalhadores da empresa refletem espacialmente na Vila, como sendo uma forma de distribuição e uma afirmação de vigilância e poder."
Durante muitos anos, esta construção funcionou como residência de um bispo de Santo André e, depois, como escritório da Ferrovia, abrigando, atualmente, um Museu.
Os Principais Referenciais: Edifício do Mercado
Essa construção interessante, recebeu uma atenção especial em seu projeto de 1899.
Pela finalidade a que se destinava e por se tratar de um edifício não residencial e de uso comercial, comportava detalhes construtivos ligados a cuidados higiênicos e sanitaristas, tais como um sistema de ventilação cruzada através de óculo na entrada e de venezianas nas laterais.
Nesse mercado, como conta Negrelli: "compartimentos em box onde funcionavam um açougue, um bar, a agência do correio, porém, do lado de for a existia um barracão com divisões, onde aos sábados vinham caipiras, que traziam aves, ovos e frutas.
Era uma espécie de feira-livre em miniatura."
Os Principais Referenciais: Pau-da-Missa
O pau-da-missa constitui-se de um velho pé de cambuci, que possuía forte conotação simbólica, pois, como se tratava de uma árvore que se encontrava em local de passagem obrigatória para quem se dirigia à estação, e tornou-se receptáculo de recados e avios.
Recorda Ferreira que o "pau-da-missa era uma árvore muito importante para os
moradores, pois de tronco grosso servia para a colocação de todos os tipos de avisos para a comunidade, em geral, avisos de funerais, missas, aniversários, casamentos, contra quem ia jogar o time de futebol e outros."
Extraído da internet
Prof. Issao Minami – Departamento de Projeto FAUUSP.
Fontes: Site da Prefeitura de Santo André, e Jornal Diário do Grande ABC.
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Essa expansão urbana teve um controle mais rígido e planejado, dando início à implantação de um modelo urbano projetado: a Vila Nova ou Vila Martin Smith.
Esse novo conjunto projetado pela Companhia, formava um sistema disciplinarmente organizado através de uma técnica de aglomeração dispostas hierarquicamente, e conforme um arranjo que definia o desenho das habitações.
Isto vinha reforçar o aspecto britânico das construções já existentes, que eram
arquitetonicamente diferenciadas pela utilização de sistema construtivo em madeira, a maioria em pinho-de-riga, porém trazia novidades quanto ao sistema construtivo, pois as habitações possuíam uma tipologia pré-definida.
O Sistema Funicular: um Patrimônio Tecnológico
Os ingleses, aliados aos mais renomados engenheiros europeus, vieram ao Brasil executar o projeto de ligação da ferrovia entre o planalto paulista e a Baixada Santista na serra do Mar, cuja implantação foi dividida em duas fases distintas:
Primeiro Período: 1860 a 1899;
Segundo Período: 1900 a 1946.
O que aconteceu após 1946...
Instalação do 1o Sistema Funicular (Serra Velha)
Essa primeira fase, correspondeu à instalação da primeira ligação conhecida como Primeiro Sistema Funicular ou Serra Velha.
Este se constituía de quatro planos inclinados interligados por patamares, onde estavam instalados sistemas de máquinas fixas acionando cabos de aço ("tail end") que sustentavam locomotiva e composições na subida e descida da serra, numa extensão total de aproximadamente oito quilômetros.
Em 1864, estava pronto o primeiro trecho.
A 16 de fevereiro de 1867, o sistema foi inaugurado, em caráter provisório, com duas viagens diárias.
No término das obras, a grande maioria dos trabalhadores foi dispensada, ficando apenas aqueles necessários para a manutenção dos serviços de conservação da ferrovia, do maquinário e das operações de tráfego, dando origem ao vilarejo então denominado Alto da Serra, organizado nos limites ferroviários.
Ainda nessa época, o povoado da região não era muito mais que um acampamento e, segundo Celina Kuniyoshi, "esse caráter provisório se justificava na medida em que ficariam morando no Alto da Serra após a inauguração da estrada, apenas um número muito reduzido de empregados, que se encarregariam do tráfego local, dispensado portanto até a construção de uma estação.
Todavia, para a aceitação definitiva da linha por parte do governo, foi exigida a complementação das obras na Serra, demandando a permanência de grande número de operários, e também dos negociantes de víveres que abasteciam esses trabalhadores.
Essa população, por sua vez, constituiu um público para a linha férrea, e a Companhia resolveu então construir uma estação no Alto da Serra.
Como o desenvolvimento da lavoura cafeeira, cresceu o tráfego da estrada de ferro, estimulando a expansão do núcleo urbano de Alto da Serra para atender ao fluxo cada vez maior de passageiros e vagões de carga que aguardavam a descida (3 vagões apenas em cada viagem), ou a formação de um comboio para prosseguir viagem rumo a São Paulo e Jundiaí.
Apesar desse desenvolvimento, o Alto da Serra só deixou de ser um núcleo urbano acanhado, formado com casas de barro e sapé, no final do século XIX, quando a São Paulo Railway construiu o segundo funicular."
Instalação do 2º Sistema Funicular (Serra Nova)
Por causa da rápida expansão econômica da região planaltina, o escoamento da
produção de café foi tornando-se insuficiente, necessitando de novas alternativas, resolvidas a partir da construção do Segundo Sistema Funicular ou Serra Nova.
Este executava suas operações em cinco planos inclinados, por meio de cabos de aço contínuos que tracionavam as composições movidas por cinco máquinas fixas, assentadas nos patamares.
Para a circulação das composições, usava-se uma locomotiva de pequeno porte denominada "locobreque", que era dotada de um mecanismo de sapatas em sua parte de baixo, entre as rodas, que tracionava os cabos de aço.
Em fins de 1899, foram concluídas as obras do segundo plano inclinado, que foram inauguradas no início de 1900.
Em outubro deste ano, o segundo funicular começou a operar, sendo definitivamente entregue ao público, em 28 de dezembro de 1901.
O que aconteceu após 1946...
Em 1946, expirando-se o prazo de concessão de noventa anos, a Estrada de Ferro foi encampada pela União (decreto de 13 de outubro de 1946), passando a se denominar Estrada de Ferro Santos – Jundiaí.
Na década de 1960, começaram os estudos para o aumento da capacidade de trafégo Santos – Jundiaí, o que resultou na implantação do sistema de esteiras dentadas, construído exatamente em cima do traçado da Serra Velha.
Assim, inaugurava-se, em 1974, a chamada cremalheira-aderência, com tecnologia japonesa.
E um sistema de tração, parecido com a operação de escadas rolantes, com engrenagens que se juntam e se ajustam às locomotivas, que, além das rodas convencionais, possuem uma terceira roda dentada, no meio da composição, que se ajusta às cremalheiras.
Com o sistema aderência-cremalheira, desapareceu o primeiro plano inclinado
construído na década de 1860.
O Segundo Plano Inclinado continuou em atividade até 1982, sendo então desativado comercialmente.
O mesmo se deu, de 1896 a 1990, mais ou menos, no trajeto que corresponde à ligação do Quinto Patamar na Vila de Paranapiacaba com o Quarto Patamar, na Grota Funda, foi operado, precariamente, por funcionários de uma entidade civil denominada ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária).
O qual se dava aos fins de semana, apenas para atender fins turísticos.
Paranapiacaba, portanto, pode ser considerado patrimônio de interesse
internacional pelos seus famosos sistemas funiculares de cabos de aço que tracionavam os trens: o primeiro, inaugurado em 16 de fevereiro de 1867, e o segundo, em 28 de dezembro de 1901.
"Julho é um mês terrível".
O ex-maquinista José Arnaldo de Farias, baiano de Senhor do Bonfim, chegou em julho de 1947 a Paranapiacaba, e só foi descobrir que a vila tinha igreja, 29 dias depois.
"A cerração não deixava a gente nem vê a aba do chapéu" recorda ele, servindo mais uma cachaça a quem tem frio nessa manhã de julho de 1982.
Lá se vão, trinta e cinco anos, mas a cerração continua firme.
Às oito da manhã, no alto do morro onde fica o cemitério, a paisagem fica encharcada pela garoa gelada (...).
Embaixo, o barulho dos trens enfrentando a cremalheira, incomoda a parte alta da vial que não acordou ainda.
Paranapiacaba acorda tarde porque não há o que fazer, além do que fazem os
homens da ferrovia.
No bar do velho Manuel Maria Marques, o Maneco, 76 anos, um grupo de adultos assiste aos desenhos animados da tevê; quem passa toma café, conhaque ou fogo paulista, porque o frio zune nos ouvidos.
Português de Coimbra, o seu Maneco, vive aqui desde o dia 3 de setembro de 1930, quando Paranapiacaba chamava-se Alto da Serra e o movimento era grande.
A vila ferroviária que os ingleses haviam batizado de Vila Martin Smith tinha jardins floridos nos jardins dos quintais. Paranapiacaba era uma espécie de cidade – modelo."
Alto da Serra – Os Principais Referenciais: Estação do Alto da Serra
A velha estação do Alto da Serra possuía um aspecto original.
Sua torre que lembra o Big-Ben de Londres, era equipada com um relógio, cujos mostradores em algarismos romanos podiam ser vistos a longa distância.
Além da função visual, o relógio da estação também desempenhava importante papel como referencial "sonoro", pois estava localizado em uma torre elevada.
A estação de trem foi o primeiro referencial da Vila.
Desta forma, o trânsito local era obrigatório.
Assim, pela sua localização central na Vila, possuía características bastante originais, tendo, à princípio, desempenhado as funções de um "ponto de encontro".
Comenta Ferreira que: "o ponto principal de encontros para se tratar de um negócio, para se comentar sobre futebol, política ou outro assunto qualquer.
Era muito comum, quando saíamos de casa, que alguém nos perguntasse aonde iríamos e a resposta era quase sempre: Vou até a Estação.
As noites de sábado e domingo eram os dias de glória da Estação.
Durante o dia, o movimento já aumentava, mas, à noite, era impressionante o movimento em suas dependências; plataformas bastante largas ofereciam espaço para um grande número de pessoas, mas, mesmo assim, em alguns momentos, havia dificuldades em encontrar-se espaços vazios."
Esta estação, que se caracterizava por uma esplêndida arquitetura de estilo
vitoriano, teve projeto datado em fins do século passado e foi desenhada por engenheiros britânicos.
Ela veio desmontada para ser construída aqui.
A estação configurava um novo status para o quase acampamento de obras que constituía o então Alto da Serra.
A estação do Alto da Serra foi desativada em 1977 e já estava em processo de
demolição, quando sobreveio um incêndio em janeiro de 1981 e, dela, só restou a torre do relógio que, restaurada, foi integrada à atual estação.
Os Principais Referenciais: Passarela Metálica
A passarela metálica, construída em 1899 sobre o corredor ferroviário, onde se
localizavam a estação, o pátio e todos os equipamentos, estabeleceu o única ligação existente entre os dois núcleos da cidade.
Os Principais Referenciais: Clube União Lyra Serrano.
O edifício do clube União Lyra Serrano, o "town hall" social do Alto da Serra,
representando um dos mais antigos clubes de "football" do Estado foi fundado em 1903.
Lembra Negrelli que: "havia a Sociedade Recreativa Lyra da Serra, onde aos
domingos à noite havia uma sessão de cinema mudo, geralmente filme em série.
No salão cada grupo de família tinha os seus lugares certos, tudo direitinho, e orquestra composta de músico locais, tocavam belas valsas e até peças clássicas, eram amadores, nada ganhavam, tocavam para agradar a todos, e abriam a sessão com uma marcha, para o filme natural.
Nesta Sociedade também existia um salão para o jogo de bilhar, e nos fundos dois campos para bochas, e entre os habitantes havia verdadeiros craques (...)".
A Sociedade Recreativa Lyra da Serra, hoje, União Lira Serrano, em razão da união feita com o Serrano Football Club, tem sede ampla com salões para cinema e bailes, jogos diversos e biblioteca e um campo de futebol.
O campo de futebol, até hoje, ocupa local de destaque, dentro da Vila.
Em 1907, começaram as construções da sede atual que, em 1938, foi ampliada
adquirindo a feição hoje existente: um grande edifício de dois andares, totalmente construído em madeira de lei, principalmente pinho-de-riga, importada da Inglaterra.
Antigamente, ao final da escada de madeira, na porta de um camarote, poder-se-ia ler: Este reservado é de uso exclusivo dos senhores Mr. Alfred E. Whitton, Dr. Jorde A. Boeri, Arno L. M. da Veiga e respectivas famílias.
Outrora, os degraus de todas as escadas internas recebiam tapetes de veludo.
Os Principais Referenciais: Castelinho
Um dos mais importantes e controvertidos elementos da paisagem local.
Trata-se de uma construção vitoriana, mesclando "Queen Anney style" com "shigle style" e, por essa razão, batizado de "Castelinho".
Ele servia como residência ao superintendente inglês, autoridade máxima da Ferrovia e, portanto, da cidade.
Foi construído em 1897 e seu projeto original foi concebido dentro do conjunto da tipologia das casas da Vila Martin Smith, sendo o único exemplar do "pacote" importado da Inglaterra como sendo do "typo C", conforme atestam as plantas da época.
Situa-se entre a Vila Velha e a Vila Martin Smith, na mais elevada e estratégica
colina local, no "baricentro" visual, de onde se pode avistar toda a movimentação da Vila Ferroviária.
Caracteriza-se pelo aspecto simbólico de liderança, pois é de onde se visualiza todo o núcleo urbano, o pátio de manobras, a estação e as instalações das máquinas fixas do último patamar.
Ele atrai as atenções de qualquer ponto da Vila, por sua situação elevada.
Mas isso aconteceu, também, com os quarteirões de casa que eram organizadas em termos de um claro sistema de aglomeração para facilitar a localização imediata de qualquer funcionário, que deveria estar sempre pronto a atender os superiores hierárquicos.
Observa Marco Santos: "sendo, então uma forma da presença estática e simbólica do poder.
Desta forma, a estrutura social e hierárquica dos trabalhadores da empresa refletem espacialmente na Vila, como sendo uma forma de distribuição e uma afirmação de vigilância e poder."
Durante muitos anos, esta construção funcionou como residência de um bispo de Santo André e, depois, como escritório da Ferrovia, abrigando, atualmente, um Museu.
Os Principais Referenciais: Edifício do Mercado
Essa construção interessante, recebeu uma atenção especial em seu projeto de 1899.
Pela finalidade a que se destinava e por se tratar de um edifício não residencial e de uso comercial, comportava detalhes construtivos ligados a cuidados higiênicos e sanitaristas, tais como um sistema de ventilação cruzada através de óculo na entrada e de venezianas nas laterais.
Nesse mercado, como conta Negrelli: "compartimentos em box onde funcionavam um açougue, um bar, a agência do correio, porém, do lado de for a existia um barracão com divisões, onde aos sábados vinham caipiras, que traziam aves, ovos e frutas.
Era uma espécie de feira-livre em miniatura."
Os Principais Referenciais: Pau-da-Missa
O pau-da-missa constitui-se de um velho pé de cambuci, que possuía forte conotação simbólica, pois, como se tratava de uma árvore que se encontrava em local de passagem obrigatória para quem se dirigia à estação, e tornou-se receptáculo de recados e avios.
Recorda Ferreira que o "pau-da-missa era uma árvore muito importante para os
moradores, pois de tronco grosso servia para a colocação de todos os tipos de avisos para a comunidade, em geral, avisos de funerais, missas, aniversários, casamentos, contra quem ia jogar o time de futebol e outros."
Extraído da internet
Prof. Issao Minami – Departamento de Projeto FAUUSP.
Fontes: Site da Prefeitura de Santo André, e Jornal Diário do Grande ABC.
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
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