Poesias

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

OS SONS QUE A GENTE OUVE – A CANÇÃO NO TEMPO

ANOS QUARENTAS – NAS ONDAS DO RÁDIO

Capítulo 7

Nisto, enquanto atuava no Atlântico, Francisco foi ferido em uma batalha.
Diante disto, foi transferido para um hospital no Uruguai.
Lá foi cuidado pelo doutor Epitácio e enfermeiras.
Clodoaldo, ao ser informado pelo comandante do exército em São Paulo, que Natália havia se
alistado novamente como enfermeira voluntária, solicitou que ela fosse designada para trabalhar
no Uruguai.
O homem pretendia facilitar a aproximação do casal.
Desta forma, Natália foi designada para servir como enfermeira na marinha.
Ao receber a convocação, a moça ficou desapontada.
Comentou com sua mãe, que preferia voltar para a Itália.
Celina respondeu que ela não poderia recusar a convocação.
Nisto Natália partiu para o Uruguai. Providenciou passaporte, arrumou as malas e partiu.
Ao chegar no país, foi levada até a cidade onde Francisco estava hospitalizado.
Quando adentrou as dependências do hospital, qual não foi sua surpresa ao ver Francisco, deitado
em uma cama, inconsciente.
Revoltada, a moça deu meia volta.
Argumentou que não cuidaria daquele paciente.
Conversando com o doutor Epitácio, Natália pediu outra missão.
O homem respondeu que não poderia ajudá-la.
Aconselhando-a, o médico sugeriu que ela cuidasse do marido.
Surpresa ao ouvir a palavra marido, Natália perguntou como ele sabia que ela era casada com
aquele senhor.
Epitácio, sem alternativas, acabou por revelar que ela estava ali por determinação do Capitão de
Fragata, senhor Clodoaldo.
Natália ficou furiosa.
Nisto, a moça voltou ao quarto onde o moço estava.
Ao notar que o marido estava com febre, Natália ficou preocupada.
Assim que pode, foi conversar com o médico.
Preocupada, perguntou ao médico, se o estado de Francisco era grave.
Epitácio respondeu-lhe, que a situação do militar inspirava cuidados, mas sendo bem cuidado, o
homem se recuperaria com toda a tranqüilidade.
Ao ouvir tais palavras, Natália ficou mais calma.
Com isto, passou a tratar do marido.
Dedicada, chegou a dormir a seu lado.
Durante as febres, Natália colocou panos molhados na fronte do militar. Ministrou-lhe remédios.
Contudo, permanecia indiferente.
Natália ainda estava magoada com Francisco.
Nisto, aos poucos, o homem estava se recuperando.
Ao despertar, ficou feliz ao se deparar com a moça.
Por alguns instantes, chegou a pensar que estava sonhando.
Quando ficou mais lúcido, Francisco constatou que não estava sonhando.
Francisco ficou então, deveras feliz com a novidade.
Consciente, o homem passou a pedir perdão a mulher.
Natália, no entanto, parecia ignorá-lo.
Francisco por sua vez, não parecia disposto a desistir.
Solicitando a ajuda da esposa, pediu para ela ajeitar seu travesseiro.
Natália ajeitou-o.
O militar, percebendo a distração da moça, beijou-a.
A mulher ficou furiosa.
Francisco então, segurando sua mão, pediu, implorou para ela não ir embora. Dizendo que se
sentia muito só quando ela partia, comentou que somente ali, entendera que não poderia ficar sem
ela.
Argumentou que nada mais fazia sentido, que nada tinha graça. Relatou que vinha sentindo-se
muito só.
Revelou que até as coisas que lhe pareciam mais divertidas, perderam o sentido.
Francisco contou que sofreu muito ao ficar tanto tempo longe dela.
Comentou que sentia sua falta, que sentia falta da filha, que sentia ciúmes dela, em meio a tantos
homens fardados. Relatou que Natália era a mulher de sua vida, que ninguém era mais importante
para ele, do que ela. A exceção de Lorena, todo o resto era acessório.
Arrependido, começou a cantar:
“Quem sou eu pra ter direitos exclusivos sobre ela
Se eu não posso sutentar os sonhos dela
Se nada tenho e cada um vale o que tem

Quem sou eu pra sufocar a solidão da sua boca
Que hoje diz que é matriz e quase louca
Quando brigamos diz que é a filial

Afinal se amar demais passou a ser o meu defeito
É bem possível que eu não tenha mais direito
De ser matriz por ter somente amor pra dar

Afinal o que ela pensa em conseguir me desprezando
Se sua sina sempre é voltar chorando,
Arrependida, me pedindo pra ficar
Matriz ou Filial - Composição: Lucio Cardim”

Chorando, Francisco comentou que agora entendia o mal havia causado a ela e que estava
arrependido por todo o sofrimento que lhe havia causado.
Natália observava a tudo como se aquilo se não lhe dissesse respeito.
Francisco insistia em pedir-lhe perdão.
Segurava as mãos da moça. Beijava-as.
Aflito, o homem pediu:
- Diga alguma coisa!
Natália balbuciou alguma palavra impronunciável.
Francisco ameaçou levantar-se. Ao fazê-lo, sentiu tontura.
Natália disse que ele devia ter cuidado. Afinal de contas, ainda não estava totalmente recuperado.
Nisto, a moça continuou a cuidar do marido.
Francisco a todo momento pedia para voltar.
Com o tempo, acabou por vencer a resistência da moça.
Nisto, mesmo sendo cuidado por outras enfermeiras, Francisco não parecia interessado em outras
mulheres.
Natália percebeu isto.
Em outra oportunidade, Francisco tornou a conversar com a moça.
Disse que aquela indiferença o estava matando.
Cantava baixinho para ela:
“Quantas noites não durmo,
A rolar-me na cama
A sentir tantas coisas
Que a gente não pode explicar quando ama

O calor das cobertas
Não me aquece direito
Não há nada no mundo
Que possa afastar esse frio do meu peito

Volta
Vem viver outra vez ao meu lado
Não consigo dormir sem teu braço
Pois meu corpo está acostumado

Volta
Vem viver outra vez ao meu lado
Não consigo dormir sem teu braço
Pois meu corpo está acostumado
Volta - Jamelão"

Francisco, insistiu para eles voltassem a viver juntos.
Francisco respondeu que se ela concordasse, nunca mais se separariam. Disse que ela nunca mais
iria se arrepender de viver ao seu lado. Nunca mais eles iria brigar. Nunca, nunca mais mesmo,
ela iria dizer que se arrependera de casar-se com ele.
Cantou:
“Fica comigo esta noite
E não te arrependerás
Lá fora o frio é um açoite
Calor aqui tu terás
Terás meus beijos de amor
Minhas carícias terás

Fica comigo esta noite
E não te arrependerás
Quero em teus braços, querida
Adormecer e sonhar
Esquecer que nos deixamos
Sem nos querermos deixar

Tu ouvirás o que digo
Eu ouvirei o que dizes
Fica comigo esta noite
Então seremos felizes
Fica Comigo Esta Noite - Composição: Adelino Moreira/Nelson Gonçalves”

Francisco abraçou então a mulher.
O casal beijou-se.
O doutor Epitácio, ao adentrar o quarto, percebendo que o casal estava se entendendo, retirou-se
discretamente do quarto.
Conforme os dias se passaram, Francisco recebeu alta.
Nisto, o casal voltou para São Paulo.
Chegando em casa, Francisco permaneceu alguns dias em repouso.
Sempre que Natália ajeitava o travesseiro do moço, Francisco tentava agarrá-la.
A mulher, dizia então, que ele precisava se recuperar. Argumentava que ele não estava
completamente curado.
Com o tempo, o homem retomou sua rotina, tornou a ler seu jornal.
Ajudava a cuidar da filha. Brincava com Lorena, saía com a moça para passear.
Novamente foi condecorado com uma nova patente. Alçara o posto de Capitão Tenente.
Celina estava orgulhosa do genro.
Certa vez, perguntou:
- Não disse que ele chegaria a Capitão?
O homem recebeu a nova patente numa cerimônia pomposa em Santos.
Orgulhoso, estava acompanhado de sua mulher.
Glauco e Clarisse também fizeram questão de acompanhar o casal.
Nesta época, Lorena já andava pela casa.
Atencioso, Francisco presenteava Natália com flores.
Um dia, ao ver uma boneca de louça exposta na vitrine de uma loja, resolveu comprar.
Levou o mimo para Natália.
A mulher, ao receber o presente, tratou logo de colocá-lo na cristaleira que havia na sala de jantar.
Lorena ficava horas a contemplar a boneca.
Balbuaciava que queria brincar com a boneca.
Natália, dizendo que não iria deixá-la brincar com a boneca, comentou que ela quebraria o objeto
e acabaria se cortando.
Lorena começou a fazer pirraça.
Natália, disse então, que se ela continuasse gritando, não iria mais brincar com suas bonecas.
Aborrecida, Lorena sentou-se no chão da sala.
Natália retomou seus afazeres.
Empenhado em se acertar com a esposa, Francisco levou a esposa para uma boate.
Lá o casal dançou, sorriu, se divertiu.
Em casa, Francisco abraçou a esposa. Levou-a para o quarto.
Empolgado, o homem começou a cantar:
“Lábios que beijei
Mãos que afaguei
Numa noite de luar, assim,
O mar na solidão bramia
E o vento a soluçar, pedia
Que fosses sincera para mim.

Nada tu ouviste
E logo que partiste
Para os braços de outro amor.

Eu fiquei chorando
Minha mágoa cantando
Sou estátua perenal da dor.

Passo os dias soluçando com meu pinho
Carpindo a minha dor, sozinho
Sem esperanças de vê-la jamais
Deus tem compaixão deste infeliz
Porque sofrer assim
Compadei-vos dos meus ais.

Tua imagem permanece imaculada
Em minha retina cansada
De chorar por teu amor.
Lábios que beijei
Mãos que afaguei
Volta, dai lenitivo a minha dor.
Lábios que eu Beijei - Composição: J.Cascata / Leonel Azevedo"

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

OS SONS QUE A GENTE OUVE – A CANÇÃO NO TEMPO

ANOS QUARENTAS – NAS ONDAS DO RÁDIO

Capítulo 6

Certo dia, ao passar em frente a casa onde morou com Natália, sentiu-se angustiado.
Lembrou-se dos momentos felizes ao lado da mulher, da filha.
Pesaroso, lembrou-se de uma música que lhe trazia boas lembranças de sua rotina doméstica.
Começou a cantá-la bem baixinho:
“Olho a rosa na janela
Sonho um sonho pequenino
Se eu pudesse ser menino
Eu roubava essa rosa
E ofertava todo prosa
A primeira namorada
E nesse pouco, quase nada
Eu diria o meu amor...

Olho o sol findando lento
Sonho um sonho de adulto
Minha voz, na voz do vento
Indo em busca, do teu vulto
E o meu verso em pedaços
Só querendo teu perdão

Eu me perco nos teus braços
E me encontro na canção
Ai, amor
Eu vou morrer, buscando
O teu amor!
Modinha - Composição: Sergio Bitencourt”

Tristonho, voltou para a casa dos amigos.
Natália também estava triste.
Presenciar pela segunda vez uma traição, era para ela um tormento.
Raivosa, ficava imaginando todas as vezes que fora traída, das infelidades que desconhecia.
Todas as traições que o marido cometia sem o seu conhecimento, e que provavelmente todos os
amigos dele sabiam.
Ao dizer estas palavras, Natália chorou copiosamente.
Celina, ouvia os lamentos da filha pacientemente.
Percebendo que a filha precisava de ajuda, revelou que Rômulo também não fora fiel, e que nem
por isto, deixou de ser feliz ao seu lado.
Ao ouvir tais palavras, Natália ficou perplexa.
Celina disse que também sofreu com as traições do marido.
Conformada, comentou que era da natureza humana a fraqueza, e que normalmente os homens
são mais frágeis do que pensam.
Dizendo que as mulheres, com toda a sua fraqueza eram o esteio da família, comentou que as
mulheres eram mais fortes do que os homens pensavam.
Celina revelou que depois de alguns anos, o homem acabou sossegando, e que depois de algum
tempo, passou a viver somente para ela.
Natália por sua vez, comentou que não agüentaria mais, passar que já havia passado em duas
ocasiões.
Celina argumentou que toda aquela ira passaria e que eles acabariam voltando as boas.
Revoltada, Natália disse que nunca mais aceitaria Francisco de volta, e que trabalharia para
sustentar a casa e a filha pequena. Humilhada, comentou que não queria nunca mais ver aquele
sujeito em sua frente.
E assim o fez.
Sem que Celina soubesse, Natália arrumou emprego como enfermeira em um hospital.
Com a desculpa de que precisava realizar uns exames, convenceu a mãe a cuidar de Lorena.
Quando porém, a mulher soube que a filha estava trabalhando como enfermeira em um hospital,
ficou furiosa.
Natália porém, argumentando que precisava pagar as contas, disse que Francisco vinha enviando
pouco dinheiro para ela, e que ela assim não fizesse, ela e a filha morreriam de fome.
Celina então, ofereceu dinheiro.
Natália retrucou:
- E a senhora acha que este dinheiro vai durar até quando? Não adianta não. Eu não me importo
em trabalhar.
Celina argumentou que as pessoas ficariam comentando.
Natália respondeu que as pessoas não pagavam suas contas.
Celina teve que concordar.
Nisto, ficou a cuidar da neta.
E assim, Natália continuou seu trabalho como enfermeira.
Em seu trabalho, a moça justificou a ausência do marido, argumentando que ele havia sumido em
uma missão militar, e que dentro em breve tomaria as providências legais cabíveis, para obter a
declaração de ausência.
Ao saber deste fato, o senhor Agemiro se prontificou em auxiliá-la no tocante a tomada destas
providências.
A moça agradeceu a oferta.

A tarde, buscava Lorena, que estava na casa de Celina, a poucas quadras dali.
Cuidava da menina dando-lhe banho, preparando seu jantar, e a colocando para dormir.
Mais tarde, quando permanecia sozinha em seu quarto, ficava a se lembrar dos momentos felizes
ao lado de Francisco.
Nestes instantes, chegava até a sorrir.
Quando porém, lembrava-se das traições, sentia uma profunda amargura.
Magoada, começou a cantar para si mesma:
“Que Será
Da minha vida sem o teu amor
Da minha boca sem os beijos teus
Da minha alma sem o teu calor

Que Será
Da luz difusa do abajour lilás
Se nunca mais vier a iluminar
Outras noites iguais
Procurar
Uma nova ilusão não sei
Outro lar
Não quero ter além daquele que sonhei
Meu amor

Ninguém seria mais feliz que eu
Se tu voltasses a gostar de mim
Se teu carinho se juntasse ao meu
Eu errei
Mas se me ouvires me darás razão
Foi o ciúme que se debruçou
Sobre o meu coração
Que Será – Marino Pinto e Mário Rossi”

No hospital o trabalho de Natália era constantemente elogiado por seus superiores.
Em dado momento, o diretor do hospital, senhor Agemiro, resolveu chamar algumas funcionárias
para uma conversa.
Entre essas funcionárias, estava Natália.
Ao conversar com a moça, o diretor, comentou que estava deveras satisfeito com seus préstimos.
A moça agradeceu a confiança.
Agemiro, dizendo que estavam sendo convocadas voluntárias para trabalharem como enfermeiras
junto as tropas do exército, perguntou se ela não estava interessada em servir como enfermeira
voluntária.
Dizendo que ela era uma ótima funcionária, comentou que poderia passar o que havia
aprendido como enfermeira, para as outras voluntárias.
Surpresa com a proposta, a moça respondeu que precisava pensar.
Dizendo que tinha uma filha pequena para cuidar, comentou que precisava de alguns dias para pensar.
Agemiro dizendo que a moça tinha o tempo que precisasse para pensar, comentou que ela poderia
conversar com toda a família. Assim que tivesse uma resposta, poderia tornar a conversar com
ele.
Natália pediu então licença, e retornou ao trabalho.
Mais tarde, a moça conversou com sua mãe, e também com Clarisse.
Comentou que fora convidada para atuar como enfermeira voluntária junto ao exército brasileiro
na Itália.
Celina, ao ouvir tais palavras, recriminou Natália.
Dizendo que se ela não estivesse trabalhando fora, nada disto estaria acontecendo, comentou que
ela estava proibida de aceitar a proposta.
Natália então, dizendo que esta experiência poderia acrescentar algo em sua carreira, comentou
que estava pensando em aceitar a proposta.
Ao ouvir tais palavras, Celina ficou furiosa.
Natália contudo, dizendo que estava feliz, contou que estava gostando de seu trabalho.
Tentando convencer a mãe perguntou:
- Ora, ora! Não foi a senhora mesma quem disse tempo atrás que um guerreiro não pode fugir a
luta? Então como agora me diz que devo recusar o convite, desistir da batalha? Ora, ora, um
guerreiro nunca foge do combate. Então eu vou aceitar a proposta.
Celina argumentou dizendo que ela não era um soldado, muito menos um homem.
Alegando que a vida em um campo de batalha era muito perigosa, tentou de todas as maneiras possíveis,
demover a filha da idéia.
Natália porém, não estava disposta a desistir de seu intento.
E assim, acabou convencendo Celina a cuidar da filha, durante o tempo em que estivesse ausente.
Mais tarde, a moça conversou com o senhor Agemiro, confirmando a aceitação da proposta.
Iria atuar como enfermeira voluntária junto ao exército na Itália.
Ao saber da aceitação da proposta, por parte de Natália, Celina pôs-se a chorar.
A mulher acreditava que no último momento a moça acabaria desistindo da idéia e que
permaneceria com a família.
Natália porém, estava determinada a seguir viagem rumo a Itália.
E assim o fez.
No momento da despedida, Celina trazia os olhos cheios d’água.
Natália por sua vez, transbordava satisfação.
Usando um uniforme do exército, estava elegante, com sua saia e sua blusa.
Feliz, despediu-se da filha, de sua mãe, e da amiga Clarisse.
Junto com ela, vários homens saíam fardados de suas casas.
Mães desconsoladas, despediam-se de seus filhos, irmãos, maridos.
Na rua muitas, bandeiras do Brasil.
Felizes, os soldados cantavam:
“Você sabe de onde eu venho?
Venho do morro, do Engenho,
Das selvas, dos cafezais,
Da boa terra do coco,
Da choupana onde um é pouco,
Dois é bom, três é demais,

Venho das praias sedosas,
Das montanhas alterosas,
Dos pampas, do seringal,
Das margens crespas dos rios,
Dos verdes mares bravios
Da minha terra natal.

Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil.

Eu venho da minha terra,
Da casa branca da serra
E do luar do meu sertão;
Venho da minha Maria
Cujo nome principia
Na palma da minha mão,
Braços mornos de Moema,
Lábios de mel de Iracema
Estendidos para mim.

Ó minha terra querida
Da Senhora Aparecida
E do Senhor do Bonfim!

Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil.

Você sabe de onde eu venho?
É de uma Pátria que eu tenho
No bojo do meu violão;
Que de viver em meu peito
Foi até tomando jeito
De um enorme coração.

Deixei lá atrás meu terreno,
Meu limão, meu limoeiro,
Meu pé de jacarandá,
Minha casa pequenina
Lá no alto da colina,
Onde canta o sabiá.

Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil.

Venho do além desse monte
Que ainda azula o horizonte,
Onde o nosso amor nasceu;
Do rancho que tinha ao lado
Um coqueiro que, coitado,
De saudade já morreu.

Venho do verde mais belo,
Do mais dourado amarelo,
Do azul mais cheio de luz,
Cheio de estrelas prateadas
Que se ajoelham deslumbradas,
Fazendo o sinal da Cruz!
Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
A vitória que virá:
Nossa vitória final,
Que é a mira do meu fuzil,
A ração do meu bornal,
A água do meu cantil,
As asas do meu ideal,
A glória do meu Brasil.
Canção do Expedicionário – Guilherme de Almeida”

Empolgada Natália, também cantou.
Despediu-se da família acenando.
Celina e Clarisse acompanharam os passos de Natália, até a moça e todos os soldados sumirem
no horizonte.
Cena triste para Celina.
Os voluntários, o soldados, as enfermeiras, todos seguiram para Santos, de lá partiram de navio
para a Itália.
Lá Natália ajudou a treinar as voluntárias para atender aos soldados feridos.
Também realizou atentimentos, fez curativos, ouviu conversas, escreveu cartas.
Conheceu várias cidades na Itália.
Conversando com os soldados nos momentos de folga, ouviu expressões curiosas como “a cobra
vai fumar” e “senta a pua”.
Natália achou graça nas expressões.
Os soldados lhe explicaram que as expressões queriam dizer que o Brasil iria realizar um grande
feito na Europa, que era mesmo para fazer tudo o que fosse necessário para vencer as batalhas.
Natália sentiu um certo orgulho em ser brasileira.
Em fazer parte de uma raça tão aguerrida.
No cuidado com os soldados feridos, Natália era constante alvo de assédio.
Os soldados convalescentes, adoravam lhe fazer elogios, convidavam-na para sair. Pediam sua
mão em casamento.
Natália achava graça em todo este assédio.
Considerava tudo uma brincadeira. Acreditava que os homens se comportavam daquela forma
por carência.
Contudo, não era somente Natália que era alvo de assédio, algumas enfermeiras também ouviam
gracejos dos soldados.
Nisto, Francisco e Cassiano, Glauco, Severo e André, continuaram a atuar em missões no
Atlântico Sul. Todos auxiliavam o Capitão de Fragata, senhor Clodoaldo.
Em dado momento, Francisco socorreu um dos soldados que havia sido atingido por um tiro.
Arriscando-se também a ser ferido, o homem foi socorrer seu colega.
Clodoaldo admirou-se do gesto de bravura.
Com isto, Francisco foi promovido a Primeiro Tenente.
Clodoaldo presidiu a cerimônia em que o militar adquiriu a nova patente.
Desta vez, não houve pompa e circunstância. Houve apenas uma pequena solenidade na marinha.
Em seguida, o homem rumou para São Paulo.
Curioso, foi visitar a casa onde vivera com Natália.
Enchendo-se de coragem, bateu na porta da casa.
Para seu espanto, foi atendido por Celina, que trazia Lorena no colo.
A esta altura, a criança já andava, e falava algumas palavras.
Surpreso, Francisco perguntou onde estava Natália.
Celina pediu para o moço entrar.
A mulher ofereceu um café ao genro.
Ansioso, Francisco perguntou novamente sobre o paradeiro de Natália.
Celina contou então, que a moça vinha trabalhando como enfermeira, já que os recursos vinha
escasseando, e a mulher precisava sobreviver.
Ao ouvir isto, Francisco ficou contrariado.
Respondeu que não vinha enviando a mesma quantidade de dinheiro, por que estava tentando
fazer com a moça deixasse de lado a zanga e voltasse para ele.
Celina retrucou:
- O senhor realmente não conhece minha filha! Natália jamais se reconciliaria convosco sendo
pressionada. Minha filha é muito independente! – respondeu a mulher com orgulho.
Francisco respondeu que as mulheres que trabalhavam fora precisam tomar cuidado com os
comentários maldosos.
Celina ficou irritada com a ironia do genro.
Dizendo que sua filha era muito qualificada, respondeu que Natália fora convidada para atuar
como enfermeira voluntária junto a um batalhão do exército.
Estava auxiliando na Itália, ajudando as tropas, cuidando dos soldados feridos.
Francisco levantou-se sobressaltado.
- Como assim? Natália está na frente de batalha?
Celina riu.
Dizendo que a filha não estava pegando em armas, respondeu que a moça estava apenas
auxiliando os soldados.
Percebendo a preocupação do moço, Celina pediu licença por um instante.
Retornou com uma carta nas mãos.
Francisco leu a carta.
Escrita com letras delicadas, Natália contava sobre seu trabalho, sobre o auxílio aos feridos, de
como treinava as enfermeiras que lá chegavam, do que conversava com os soldados. Relatou até,
que escrevia cartas para a família dos soldados feridos.
Natália dizia que faltava medicamentos, que tinham que improvisar ataduras. Dizia que os
soldados não possuíam armamentos adequados, andavam mal agasalhados, alguns estavam
desnutridos.
A moça comentava, em que pesasse a dificuldade, que os soldados brasileiros eram aguerridos,
lutadores, combativos.
Contou que durante as folgas, visitava a região.
Conversava com os soldados que estavam lutando nos campos de batalha.
Dançava com os soldados nas comemorações.
Natália contou que aquela estava sendo uma das experiências mais impressionantes de sua vida.
Ao terminar a leitura da carta, Francisco ficou perplexo.
Nervoso, perguntou a Celina como ela tinha deixado a filha partir, se arriscar indo atuar como
enfermeira do outro lado do mundo.
A mulher irritou-se.
Dizendo que Natália era uma mulher adulta, comentou que não possuía nenhuma ingerência sobre
a moça. Argumentou que a filha era uma mulher livre já que até o marido havia desistido dela.
Francisco ficou revoltado.
Comentando que não havia abandonado Natália, comentou que estava apenas esperando o
momento certo para se aproximar.
Nisto o homem brincou um pouco com a filha.
Durante o tempo em que permaneceu em São Paulo, ia visitar a filha todos os dias, brincava com
a criança, ajudava a alimentá-la.
Meses depois, o homem partiur novamente em missão na marinha.
Enquanto trabalhava como enfermeira na Itália, Natália recebeu uma correspondência do Brasil,
informando que Lorena estava adoentada, que a criança tinha febre, estava apática.
Celina escrevia aconselhando a filha a voltar ao Brasil.
Aflita, Natália tratou de conversar com o Coronel Gusmão.
Contudo, toda vez que se encaminhava para tentar conversar com o militar, a moça era sempre
advertida de que o homem se encontrava em reunião.
Impaciente, a certa altura, a moça irritou-se.
Dizendo que era a terceira vez que tentava conversar com o militar, comentou que sua situação
era delicada. Argumentou que estava com problemas de doença na família, e que precisava
conversar urgentemente com o Coronel Gusmão.
Percebendo a altercação, o militar saiu da barraca.
Irritado, perguntou o que estava acontecendo.
Natália contou então, que vinha enfrentando um problema de doença na família, e que por esta
razão, precisava voltar para o Brasil.
O homem, percebendo o nervosismo da moça, autorizou a sua volta ao Brasil.
Natália então, desculpou-se com o militar.
Gusmão respondeu que estava tudo bem.
Com isto, nas semanas que se seguiram, a moça retornou ao país.
Ao voltar para o Brasil, notou que Lorena estava bem, saudável, corada.
Celina comentou então, que Lorena teve um princípio de pneunomia.
Como a menina não melhorava, ficou preocupada.
Razão pela qual escreveu uma carta para a filha.
Disse porém, que neste ínterim, a menina aos poucos foi melhorando.
Por conta do problema de saúde da neta, Celina instalou a criança em sua casa.
Com a ajuda de um vizinho, montou o berço que fora de Natália, em dos quartos da casa. Era lá
que a criança dormia.
Como a casa de Natália ficaria fechada por muito tempo, Celina pediu a uma vizinha para abrir o
imóvel todos os dias. Afinal, a casa precisaria ficar arejada.
Cuidadosa, cobriu todos os móveis com lençóis brancos.
Nisto, Natália foi ver a menina, que dormia na casa da mãe.
Ao observar a criança no berço, percebeu que a Lorena dormia o sono dos justos.
Celina contemplou as duas de longe.
Sorriu para elas.
Mais tarde, Celina contou sobre o desvelo de Francisco, que cuidara da filha durante sua ausência.
Comentou que o homem brincava com a criança, caminhava com ela, dava-lhe papinha, banho,
cantava para ela dormir.
Quando precisou partir para uma nova missão no Atlântico Sul, a criança chorava copiosamente.
Carinhoso, o moço acenou para a filha.
Natália parecia entendiada com aquelas palavras.
Nisto Natalia retomou sua rotina de afazeres domésticos.
Cuidava da casa, passava roupa, lavava, cuidava da filha, varria a sala, passava pano nos móveis.
Ouvia o rádio.
Entediada comentou com sua mãe, que estava pensando seriamente em se voluntariar em uma
nova missão.
Celina, percebendo que seria inútil argumentar, aconselhou a filha a buscar aquilo que lhe
trouxesse satisfação.
Natália, então ao retornar ao hospital, comentou com o senhor Agemiro que estava disposta a
continuar servindo o país.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

OS SONS QUE A GENTE OUVE – A CANÇÃO NO TEMPO ANOS QUARENTAS – NAS ONDAS DO RÁDIO

Capítulo 5

Nisto Francisco participou de batalhas no Atlântico Sul.
Nestas missões também havia alguns militares alemães.
Francisco, Cassiano, Glauco, André, Severo, e outros militares, discutiam como o Capitão de
Fragata, senhor Clodoaldo, as estratégias para os combates.
Prestimosos, os rapazes realizaram um importante papel em inúmeros combates.
Por conta disto, o Capitão Clodoaldo, resolveu chamar os principais envolvidos nas missões, para
conversar.
O primeiro a ser chamado foi Francisco.
Elogiando-o, mandou entrar e sentar-se.
Dizendo que sua atuação fora de suma importância para
o sucesso da missão, comentou que alguns militares receberiam novas patentes.
Clodoaldo comentou que toda a tripulação do navio lutava com bravura.
Contente, comentou que jamais em sua vida se deparou com militares tão unidos em torno de uma causa.
Satisfeito relatou que com poucos recursos, estavam conseguindo realizar um ótimo trabalho.
Clodoaldo elogiou especialmente Francisco, Cassiano, Glauco, Severo e André pelo bom trabalho
executado.
A tripulação conseguira afundar alguns navios inimigos que estavam em águas internacionais.
Navios alemães inclusive.
Francisco agradeceu o elogio, e dizendo que não fazia mais do que sua obrigação, comentou que
todos os tripulantes do navio, mereciam receber novas patentes, inclusive, o próprio capitão.
Clodoaldo, sem jeito, comentou:
- Deixemos disso.
- Está bem. – respondeu Francisco.
O Capitão respondeu então, que infelizmente nem todos os que mereciam a honraria, receberiam
novas patentes, mas que os militares que as receberiam, estavam mais do que qualificados para
isto.
Francisco, sem entender claramente o que o militar queria dizer, comentou que acreditava que a
escolha seria justa, em que pesem os poucos escolhidos.
Dizia isto, sem imaginar que ele próprio receberia uma nova patente.
Clodoaldo não deixou isto claro em nenhum momento.
Dizendo apenas que mais tarde se pronunciaria publicamente a respeito dos escolhidos, pediu que
Francisco, chamasse Cassiano, Glauco, André e Severo para uma conversa.
O militar despediu-se do capitão.
Em seguida, os quatro rapazes comparecerma ao gabinete do Capitão de Fragata.
Também tiveram seus desempenhos elogiados.
Os jovens agradeceram o elogio.
Dessarte, foram informados pelo Capitão sobre a cerimônia de recebimento de novas patentes por
alguns militares, na cidade de Santos.
Comunicando que tornaria pública a escolha dos nomes, comentou que dentro de alguns dias, se
pronunciaria a respeito.
Mais tarde, os rapazes se despediram de Clodoaldo.
Curiosos, todos especulhavam quem seriam os escolhidos.
Contudo, só vieram a saber de fato, quando o Capitão finalmente conclamou todos os militares a
aguardarem no convés do navio.
Lá, instalado em uma espécie de palco improvisado, o homem comentou que todos estavam de
parabéns pelo excelente desempenho nos combates travados.
Dizendo que diante dos escassos
recursos, todos os tripulantes estavam fazendo grandes feitos, os quais entrariam para a história
do Brasil.
Comentou que todos faziam parte de uma nobre raça, forte aguerrida, a qual não fugia a luta.
Tanto que escolheram consagrar suas vidas a uma das mais nobres carreiras que um homem
poderia aspirar: a carreira militar.
Disse mais.
Infelizmente, nem todos os que ali estavam, embora merecedores de tal honraria,
poderiam receber novas patentes.
Clodoaldo acrescentou ainda, que os escolhidos para tal mister
foram Severo, Glauco, André, Cassiano, Francisco, e mais outros três militares.
Todos alçariam o posto de Segundo Tenente.
Surpresos, os cinco rapazes foram aplaudidos pela tripulação.
Clodoaldo mais tarde, aproximou-se dos moços, parabenizando-os pelo feito.
Os cinco rapazes agradeceram.
O Capitão de Fragata por sua vez, respondeu que não havia feito nada, e que aquela honraria era
pura e simplesmente, mérito deles.
Nisto, em Santos, acompanhados de suas respectivas famílias, Francisco, Glauco, Severo, André
e Cassiano, receberam as novas divisas, portando suas melhores fardas.
Clarisse e Natália acompanharam seus maridos.
Ao verem seus homens recebendo as divisas, ficaram emocionadas.
Sabiam, que este eram um grande momento para os dois.
Celina por sua vez, cuidava da neta em São Paulo.
As moças dançaram com os novos Segundo Tenente.
Beberam champagne, conversaram.
Quando tocou a canção “Aquarela do Brasil”, Francisco segurou o braço de Natália e chamou-a
para dançar.
Enquanto o crooner da orquestra cantava a canção, Francisco cantava no ouvido de
Natália:
“Brasil
Meu Brasil brasileiro
Meu mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos meus versos

Ô Brasil, samba que dá
Bamboleio, que faz gingá
Ô Brasil do meu amor
Terra de Nosso Senhor

Brasil! Brasil!
Prá mim... prá mim...

Ô, abre a cortina do passado
Tira a Mãe Preta do serrado
Bota o Rei Congo no congado
Brasil! Brasil!

Deixa cantar de novo o trovador
À merencória luz da lua
Toda canção do meu amor
Quero ver a “Sá Dona” caminhando
Pelos salões arrastando
O seu vestido rendado
Brasil! Brasil!
Prá mim... prá mim...
Brasil

Terra boa e gostosa
Da morena sestrosa
De olhar indiscreto
Ô Brasil, verde que dá
Para o mundo se admirá
Ô Brasil do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil! Brasil!
Prá mim... prá mim...

Ô, esse coqueiro que dá côco
Oi, onde amarro a minha rêde
Nas noites claras de luar
Brasil! Brasil!

Ah, ouve essas fontes murmurantes
Aonde eu mato a minha sede
E onde a lua vem brincá
Ah, este Brasil lindo e trigueiro
É o meu Brasil brasileiro
Terra de samba e pandeiro
Brasil! Brasil!
Prá mim... prá mim...
Aquarela Do Brasil - Composição: Ary Barroso”

Exímios dançarinos, acabaram por captalizar as atenções.
Ao término da dança foram aplaudidos.
Francisco agradeceu.
Sem jeito, Natália sugeriu que eles voltassem a mesa.
O homem concordou.
Com isto, Francisco e Natália ficaram conversando com os amigos Glauco e Clarisse.
Mais tarde, os dois casais voltaram para São Paulo.
Fizeram a viagem de trem.
Conversaram e apreciaram a paisagem, as matas.
Animados, comentaram do baile no clube militar.
Estavam felizes com a extravagância, já que nos últimos tempos só se falava em racionamento.
Glauco e Clarisse elogiaram a dança do casal.
Clarisse comentou que eles arrasaram.
Natália riu.
Francisco, todo convencido, respondeu que aquilo não era nada.
Todos riram.
E assim, prosseguiu a viagem.
Ao chegar em casa, Natália quis logo saber onde estava sua filha.
Celina respondeu-lhe que a menina estava dormindo, e que embora ela não tenha perguntado,
estava bem.
Natália então, pediu desculpas pelo mal jeito.
Dizendo que estava preocupada com a filha, não cumprimentara a mãe, ao chegar.
Nisto, abraçou Celina, que logo esqueceu-se do lapso.
Francisco cumprimentou a sogra.
Celina retribuiu o gesto.
Em seguida, o homem perguntou se estava bem, e se tudo havia transcorrido bem.
Celina comentou que sim, estava tudo bem, e que Lorena não havia lhe dado trabalho.
Natália agradeceu os cuidados da mãe.
Celina por sua vez, parabenizou o genro por sua nova patente.
Comentou que logo logo ele chegaria a capitão.
Francisco sorriu.
Nisto, Francisco retomou sua rotina doméstica.
Longe dos mares, estava a salvo.
Natália estava feliz.

Enquanto aguardava a volta do marido, acompanhou o último capítulo da rádio novela, “A Flor
do Deserto”.
O sheik Ali, estava muito feliz por haver reencontrado, ainda que por acaso, sua amada Yasmin.
Conversando com a moça, descobriu detalhes sobre sua origem.
Que seu pai era homem muito pobre, que vivia de pedir esmolas.
Possuía muitos irmãos, e frequentemente passava fome.
Com isto, ao receber a oferta da família de Mustafá de levar a moça para servir como empregada
da casa, seu pai acabou concordando com a oferta.
Como moeda de troca, alguns poucos víveres para se manterem durante alguns meses.
Investigando a história, Ali descobriu que o pai da moça havia sido morto em um briga com
comerciantes, após ser acusado de furtar algumas mercadorias.
A mãe da moça, havia se perdido pelo mundo, assim como seus irmãos.
Alguns morreram de desnutrição, outros se espalharam pelo Oriente.
O sheik não conseguiu descobrir o paradeiro dos mesmos.
Ao saber da morte do pai, Yasmin ficou perplexa.
Contudo, não chorou.
Dizendo que não possuía afeto por aquela família, argumentou que eles a entregaram a um
carrasco pior do que a fome e a miséria.
O homem, ao ouvir tais palavras, pediu para a moça explicar o que estava querendo dizer.
Yasmin então, calou-se.
Estava constrangida.
Ali no entanto, insistiu para que ela continuasse.
A moça disse então, que nunca tivera amor de mãe, ou qualquer noção do que fosse uma família
estruturada.
Vivendo com seus pais, era como se fosse uma estranha.
Vivendo junto a família de Mustafá, comentou que era tratada como escrava, sempre a apanhar
pelo menor deslize.
Trabalhava muito e pouco tinha tempo para se ocupar de si.
Nervosa, Yasmin revelou que costumava fugir do palácio da família, para visitar lugares da
cidade.
Um dia ao perceber que havia uma festa em dos castelos, resolveu ficar observando.
Como os guardas não gostaram de sua presença, Yasmin contou que fingiu ir para o outro lado
da cidade.
Caminhou.
Escondendo-se, adentrou os jardins do palácio, vindo a observar a festa de longe.
Até que fora descoberta por ele.
Ali impressionou-se com a boa educação da moça.
Yasmin contou-lhe que como servia as moças da família – irmãs de Mustafá, fora instruída para
se mostrar educada aos convidados da casa.
A moça contou-lhe que sabia contar histórias, cuidar do serviço doméstico, e que vestia-se
razoavelmente bem, para fazer boa figuras as visitas, e para acompanhar as moças em suas
incursões pela cidade.
Os trajes esfarrapados, serviam apenas para fazê-la passar despercebida pela família de Mustafá,
que vivia procurando-a quando davam conta de sua ausência.
Yasmin revelou que ao ser pega, costumava apanhar.
Condoído com o relato, Ali perguntou-lhe:
- Por que não pediste ajuda?
Yasmin argumentou que não sabia se poderia confiar nele.
Revelou que só sentiu inteira confiança nele, quando o viu enfrentando Mustafá para defendê-la.
Sem nem ao menos saber de quem se tratava, Yasmin deu-se conta que se tratava de um gesto
desinteressado.
Ali comentou então, ao descobrir que a vítima de Mustafá era a moça a quem tanto procurava,
ficou perplexo.
Perplexo e feliz ao constatar que suas buscas haviam cessado.
O sheik abraçou a moça.
Mais tarde, o Grão Vizir visitou-lhe novamente.
Dizendo que sua busca havia cessado, comentou que ele seria muito feliz com sua eleita.
Intrigado, Ali perguntou se ele conhecia Yasmin.
O homem respondeu que conhecera sua história de sofrimentos através de mercadores da cidade,
e da busca que Ali vinha fazendo por todo o Oriente.
Comentando que somente um amor muito grande justificava tanta procura, tanta avidez por um
novo encontro, relatou que eles estavam predestinados.
Ali disse-lhe então:
- Um dia dissestes que o que estava procurando estava muito perto de mim e que eu não
enxergava. Razão pela qual estava distante de mim.
O Grão Vizir sorriu então para ele.
O sheik ficou com um ar meditativo. Em dado momento, exclamou:
- Sim, exatamente! A moça que eu estava procurando vivia nesta região, mas como eu não a havia
encontrado, tinha a impressão de que ela estava muito distante de mim. Ledo engano! Estava bem
debaixo do meu nariz, e eu não enxerguei. Precisei que ela viesse ao meu encontro, para ser
despertado, e finalmente ir em busca de minha felicidade. Que burro fui!
O Grão Vizir respondeu-lhe que não fora um tolo, e sim muito ansioso, e que por sua ansiedade,
acabara criando uma pequena confusão.
Contudo, como a vida se encarrega de encontrar um bom
caminho para tudo, o sheik acabou por encontrar sua Yasmin.
Ali agradeceu as palavras do amigo.
Nisto o Grão Vizir novamente partiu.
Dias depois, o sábio acompanhou a cerimônia de casamento de Ali e Yasmin.
Foi uma das mais belas festas já realizadas na cidade.
Para a celebração, toda a cidade fora convidada.
Yasmin estava impecável.
Ao término da cerimônia o Grão Vizir cumprimentou o casal.
Em seguida, dirigindo-se a Yasmin, disse-lhe que era passado o momento das tristezas.
Ao ouvir tais palavras, a moça chorou.
O Grão Vizir disse então, que ela agora, só teria momentos felizes para se recordar.
Que agora que as coisas se encaminhavam bem, Yasmin iria conhecer um outro lado do ser humano, mais
terno, gentil.
Agora ela iria saber o que era uma família, o que era ser amada.
Mais uma vez, a moça chorou.
O Grão Vizir comentou então:
- Não, não chores mais. Agora é chegada a época das alegrias.
Yasmin então, enxugou as lágrimas e agradeceu as palavras do sábio.
O Grão Vizir disse então, que eles formavam um belo casal, que teriam lindos filhos, e que ela
estava a altura de tão grande desafio.
Segurando a mão da moça, desejou-lhe felicidades.
Mais tarde despediu-se.
Nisto a festa prosseguiu.
Cumprimentos, música, dança, alegria.
Em dado momento, Yasmin afastou-se de tudo.
Foi contemplar o jardim.
Ali, ao notar sua ausência da festa, imaginando que ela estaria no jardim, foi ao seu encontro.
E lá estava ela, linda, debruçada sobre os balaustres, observava o jardim.
Ali perguntou-lhe:
- Estava pensando em como tudo começou?
Surpresa, a moça voltou-se para ele.
Ali fez nova pergunta:
- Feliz?
Yasmin respondeu que sim.
Ali comentou que desde aquele encontro percebeu que sua vida mudaria.
Tanto o foi que ele nunca mais foi feliz.
Até reencontrá-la.
A moça sorriu com estas palavras.
Junto, o casal contemplou o céu estrelado.
Durante alguns minutos, permaneceram em silêncio.
Mais tarde, adentraram o palácio, sendo cumprimentados por todos os convidados.
Nisto, o locutor da rádio comentou que aquela era a última transmissão da rádio novela, “A Flor
do Deserto”.

Nisto, ao retornar do Atlântico, Francisco parecia tranqüilo.
A calmaria porém, durou pouco tempo.
A certa altura, cansado de sua rotina, o homem começou a ausentar-se novamente do lar.
Dizia estar cumprindo compromissos profissionais.
Muitas vezes, saía no começo da tarde e só voltava tarde da noite.
Tentando esconder suas escapadas, voltava para casa sem fazer barulho, e deitava-se ao lado da
esposa, quando ela já estava dormindo.
Certo dia, Natália resolveu esperá-lo.
Ao deitar-se na cama, fingiu que estava dormindo.
Desta forma, quando Francisco voltou para casa, Natália pode perceber que já era mais de quatro
horas da manhã.
Foi então que ela percebeu por que o marido permanecia até tarde na cama.
Entendeu também por que ele estava sempre cansado e com muito sono.
A moça porém, não foi tomar satisfações com o moço.
Planejando pegá-lo no flagrante, resolveu segui-lo, como fizera antes.
Contudo, desta vez, a moça resolveu não contar nada para Celina e Clarisse.
E assim, seguiu o moço.
Quando Francisco pegou o carro, tratou logo de partir em seu encalço.
Dias antes, recebera novamente uma carta, informando onde o homem poderia estar.
E assim, lá se foi ela atrás de Francisco.
Chamou um táxi e logo chegou ao local.
Ao lá chegar, qual não foi sua surpresa.
Francisco, depois de apertar a campanhia, foi recebido com um abraço pela moça que o esperava.
Depois da longa manifestação de entusiasmo, o casal se beijou em frente a porta, pouco se
importando com o que os passantes iriam dizer.
Natália, ao presenciar a cena, ficou furiosa.
Tomada de ciúmes, dirigiu-se até a porta da casa e começou a estapear a moça.
Por fim, deu um tapa em Francisco.
Dizendo que era a mulher dele, disse-lhe que ela era uma vagabunda.
A mulher, assustada, tratou logo de entrar em casa.
Nisto Natália despediu-se de Francisco.
O homem, tentando justificar a traição, só conseguiu fazer com que ela ficasse ainda mais furiosa.
Tanto que Natália afastou o seu braço, e correndo, entrou no táxi que a levara até o local.
Francisco tentou correr em direção ao veículo, em vão.
Desesperado, entrou em seu carro, e dirigiu até sua casa.
Francisco bateu na porta, implorou perdão, mas Natália estava furiosa.
Revoltada, começou a tirar as roupas do marido do armário, da cômoda...
Num gesto de fúria, arremessou tudo pela janela.
As roupas do homem ficaram espalhadas pela calçada.
Humilhado, Francisco respondeu que aquilo não iria terminar daquele jeito, e que ela ainda iria
se arrepender do gesto.
Natália então, dirigindo-se a janela, comentou que arrependida ela já estava, e que nunca mais ele
colocaria os pés naquela casa.
Dizendo-se arrependida de tê-lo conhecido, comentou que ele era a fonte de toda as suas tristezas.
Revoltada disse que preferia não tê-lo conhecido.
Francisco ficou chateado com aquelas palavras.
Humilhado e ofendido, recolheu suas roupas.
A esta altura, toda a vizinhança acompanhava a cena.
Ao recolher suas roupas, Francisco mandou todos as favas.
Nisto o homem se instalou novamente em casa de amigo.
Cassiano, André e Severo, ao verem o amigo chegando de carro, com as roupas todas amassadas,
perceberam logo que ele havia brigado novamente com a esposa.
Severo chegou a perguntar:
- Quando vocês vão parar de brigar?
Francisco estava muito chateado.
Abatido, no dia que se seguiu, o homem não quis saber de sair de casa.
Depois de alguns dias, quando finalmente saiu da casa, foi até um bar, onde bebeu com Cassiano
e Severo.
Enquanto bebia, chorava.
Só sabia falar de Natália.
Sentia-se injustiçado, considerava a mulher ingrata.
Lamentava-se pela traição.
Chorava implorando perdão a esposa.
Bêbado, começou a cantar:
“Nada além
Nada além de uma ilusão
Chega bem
Que é demais para o meu coração

Acreditando
Em tudo que o amor mentindo sempre diz
Eu vou vivendo assim
Na ilusão de ser feliz

Se o amor só nos causa sofrimento e dor
E melhor bem melhor a ilusão do amor
Eu não quero e não peço
Para o meu coração
Nada além de uma linda ilusão

Se o amor
Só nos causa sofrimento e dor
E melhor, bem melhor
A ilusão do amor

Eu não quero e não peço
Para o meu coração
Nada além de uma linda ilusão
Nada Além – Custódio Mesquita e Mário“

E assim, sentou-se na calçada em frente a casa dos amigos, e começou a chorar.
Cassiano e Severo, sentaram-se ao seu lado tentando consolá-lo.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

OS SONS QUE A GENTE OUVE – A CANÇÃO NO TEMPO ANOS QUARENTAS – NAS ONDAS DO RÁDIO

Capítulo 4

Enquanto o marido se aventurava pelos mares brasileiros, Natália prosseguia com sua rotina de
dona de casa.
Ouvia canções no rádio.
Em plena época de carnaval, com pessoas saindo fantasiadas pelas ruas em blocos carnavalescos,
para frequentarem clubes, Natália, ouviu no rádio:
“Allah-lá-ô, ô ô ô ô ô ô
Mas que calor, ô ô ô ô ô ô

Atravessamos o deserto do Saara
O sol estava quente
Queimou a nossa cara

Viemos do Egito
E muitas vezes
Nós tivemos que rezar

Allah! Allah! Allah, meu bom Allah!
Mande água pra ioiô
Mande água pra iaiá
Allah! meu bom Allah
Allah-la Ô - (Haroldo Lobo E Nássara)”

Em seguida, o locutor anunciou a novela “A Flor do Deserto”.
Ali começou a empreender uma busca desesperada por Yasmin.
Por todas as casas o homem
perguntou pela moça.
Pessoas contratadas procuraram a moça no comércio, pelas ruas do local.
Como não encontraram sinal de Yasmin, o homem empreendeu uma busca pelo deserto.
Chegou até a procurar a moça em outras localidades.
Em vão.
Em nenhum lugar por onde passou, avistou o menor sinal da moça.
Desalentado, Ali começava a perder a esperança de novamente encontrar Yasmim.
Em nova visita, o Grão Vizir disse ao sheik que o que ele procurava estava mais próximo dele do
que pensava.
Ali não entendeu as palavras do sábio conselheiro do rei.
O Grão Vizir respondeu que onde, e quando menos esperasse, acabaria por encontrar a moça por
que tanto procurava.
O sheik surpreendeu-se.
Então ele sabia de sua procura pela moça?
O Grão Vizir relatou que não se falava em outra coisa no lugar.
A história havia se espalhado inclusive, por outros reinos no Oriente.
Sábio, o homem disse que nada neste mundo era eterno, nem mesmo as suas dúvidas ou
incertezas.
Afirmou que Ali iria encontrar o que procurava.
Mais tarde, despediu-se do moço.
Nisto Ali, entretido em seus pensamentos, caminhava distraidamente.
Não muito longe dali, Mustafá fustigava um servo com um chicote.
Sacudia o servo e gritava com ele.
Distraído que estava, Ali foi abruptamente despertado de seus devaneios.
Ao se deparar com a cena, ficou escandalizado.
Tanto que partiu logo em defesa do escravo.
Tomando o chicote das mãos do verdugo, Ali exigiu que o homem explicasse por que estava
agredindo o servo.
Mustafá, argumentou que se tratava de uma criatura relapsa, que não executava suas tarefas.
Dizia que era uma criatura preguiçosa.
O sheik respondeu que nada justificava aquela conduta.
Nisto Mustafá, sem o chicote, investiu novamente contra o escravo.
Ali o repeliu com um empurrão.
Mustafá foi de encontro ao chão.
O sheik aproximou-se então do escravo.
Ao retirar o véu que cobria seu rosto, percebeu surpreso, que se tratava de Yasmin.
A bela moça que a meses, em vão, procurava.
Ali ficou surpreso com a descoberta.
Perplexo, aproximou-se de Mustafá, que se levantava do tombo.
O homem disse então, que ela era escrava de sua família, depois de ter sido vendida por seus pais.
Ali segurou Mustafá pelas roupas.
Dizendo que a partir dali a moça não seria mais sua escrava, perguntou o por quê daquela venda.
Mustafá, exigindo que ele o soltasse, contou que a moça advinha de uma família muito pobre.
Passava fome.
Por esta razão, fora vendida.
Revoltado o sheik argumentou:
- Vendida para trabalhar como escrava, e ainda mais ser maltratada?
Nisto, Ali exigiu que Mustafá libertasse a moça.
O homem argumentou que aquilo teria um preço.
O sheik respondeu que pagaria o preço.
Nisto, levou Yasmin consigo, em que pesem os protestos de Mustafá.
Mais tarde, um mensageiro levou uma pequena fortuna em ouro para o homem.
Para tanto, foi imposta uma condição.
Mustafá deveria emitir um documento confirmando o fim do jugo de Yasmin, bem como deveria atravessar do outro lado da rua, quando visse a moça.
O homem, ávido por dinheiro, concordou com os termos propostos.
Nisto o sheik começou os preparativos para seu enlace.
Iria se casar com Yasmin.
Sua doce flor de jasmim.
Nisto terminou mais uma transmissão da rádio novela, “A Flor do Deserto”.

Natália mal via a hora de acompanhar o casamento das personagens da história.
Francisco, ao ver a pequena criança nos braços de Natália, ficou deveras feliz com a novidade.
Dizendo-se o homem mais sortudo do mundo, apresentou a criança aos seus amigos.
Convidou Glauco e Clarisse para serem os padrinhos da criança.
Numa visita ao amigo, Francisco e Natália convidaram o casal.
Clarisse ficou felicíssima.
Nisto, Celina preparou um belo almoço em sua casa.
Antes a criança foi batizada na igreja. O padre colocou um pouco de água benta na fronte da
criança, que chorou.
Durante a cerimônia, Natália segurou a menina no colo.
Mais tarde foi Celina quem se ocupou da criança.
A avó de Lorena estava muito feliz com o nascimento da primeira neta.
Durante o almoço organizado por ela, Celina, Francisco, Natália, Glauco, Clarisse, Cassiano,
André e Severo, conversaram sobre amenidades.
Severo e André comentaram o quanto Francisco estava transformado.
De fato, o homem parecia mais sereno.
Com efeito, o homem passava o dia inteiro ao lado de Natália lendo seu jornal, ajudando a cuidar
de Lorena, brincando com a criança.
Celina comentava com Natália, que Francisco estava realmente mudado.
Certo dia, depois de uma tarde, o homem voltou com um arranjo de flores para a esposa.
Lorena a esta altura, já dormia.
Francisco então, aproximou-se do berço onde a criança dormia, e ficou a contemplá-la.
Com o tempo, a criança começou a engatinhar.
Foi nessa época que o homem retornou ao seu trabalho como guarda-marinha.
Feliz, levou consigo, duas fotografias da filha, tiradas quando passeavam pelo Jardim da Luz.
Natália segurava a criança no colo.
E assim, durante algum tempo, o homem apresentou uma conduta irrepreensível.
Cassiano, Glauco, Severo e André, chegaram a estranhar o comportamento exemplar do amigo.
Diziam brincando:
- Quem diria! O homem que possuía um amor em cada porto, agora é homem de uma mulher só.
Francisco porém, ignorava as brincadeiras.
O tempo porém, mostrou que a mudança não era definitiva.
A certa altura, o homem voltou a se envolver com outras mulheres, quando não estava
trabalhando.
Freqüentava cabarés, cassinos.
Jogava um pouco, bebia, flertava com as mulheres.
Como era um homem atraente, envolveu-se com algumas das mulheres que freqüentavam estes
ambientes.
Ao tomar conhecimento disto, Glauco ficou desapontado com o amigo.
Tanto que sempre que podia, chamava sua atenção, dizendo que ele era casado, pai de família, e
que deveria dar-se ao respeito.
Aborrecido, Francisco pedia a ele para não se intrometer em sua vida.

Nisto, ao voltar para casa, inicialmente Francisco parecia devotado a esposa.
Atencioso, a levava para sair, freqüentavam boates.
Para tanto, Celina cuidava da neta.
O que ela dizia, não era nenhum sacrifício.
Muito bem arrumados, o casal seguiu de carro, até o lugar.
Sentaram-se, beberam, conversaram.
Nesta época a criança já balbuciava algumas palavras.
Francisco comentou então desolado, que não estava por perto para acompanhar estas coisas.
As pequenas evoluções da filha.
Natália respondeu que não era por sua culpa, e sim por decorrência de seu trabalho.
Nisto, o crooner da boate, começou a cantar:
“Não sei
Que intensa magia
Teu corpo irradia
Que me deixa louco assim
Mulher

Não sei
Teus olhos castanhos
Profundos, estranhos
Que mistério ocultarão
Mulher
Não sei dizer

Mulher
Só sei que sem alma
Roubaste-me a calma
E a teus pés eu fico a implorar

O teu amor tem um gosto amargo
E eu fico sempre a chorar nesta dor
Por teu amor
Por teu amor
Mulher

Mulher
Só sei que sem alma
Roubaste-me a calma
E a teus pés eu fico a implorar

O teu amor tem um gosto amargo
E eu fico sempre a chorar nesta dor
Por teu amor
Por teu amor

Mulher
O teu amor tem um gosto amargo
E eu fico sempre a chorar nesta dor
Por teu amor
Por teu amor
Mulher
Mulher - Autoria: Custódio Mesquita e Sadi Cabral”

Francisco levantou-se então da cadeira, estendeu a mão a Natália, e a convidou para dançar.
E assim, o casal dançou de rosto colado.
Enquanto Natália era conduzida pelo marido, o homem dizia que sentira muita falta dela.
Ao término da canção, aplaudiram a apresentação, juntamente com os demais freqüentadores do
local, e voltaram para a mesa.
De madrugada, voltaram para casa.
Já meio alcoolizado, ao chegar em frente a sua casa, começou a cantar:
“É madrugada
De longe eu vim
Deixa a lua sossegada
E olhe pra mim
(Bis)

A lua malcriada quando passa
Espia na vidraça
Dos quartos de dormir

Zombando dos casais enamorados
Quase sempre descuidados
Ela fica sempre a rir

É madrugada
De longe eu vim
Deixa a lua sossegada
E olhe pra mim
(Bis)

Não quero mais saber de ver a lua
Que passa pela rua
Roubando a escuridão
Prefiro ver você sem ver a lua
Contemplando a imagem sua
Bem juntinho ao seu portão

É madrugada
De longe eu vim
Deixa a lua sossegada
E olhe pra mim
(Bis)

Se não houvesse lua eu asseguro
O mundo no escuro
Seria muito bom
Um beijo começava em Realengo
Esquentava no Flamengo
E acabava no Leblon

É madrugada
De longe eu vim
Deixa a lua sossegada
E olhe pra mim
(Bis)
Deixa Lua Sossegada - Composição: Alberto Ribeiro e Braguinha (João de Barro)”

Natália, percebendo que aquela cantoria poderia acordar os vizinhos, pediu ao marido para se
conter.
Francisco porém, não parecia disposto a calar-se.
A mulher beijou então, o homem.
Francisco parou a cantoria.
Natália por sua vez, procurando se desvencilhar do homem, abriu a porta da casa, e segurando-o
pelo braço, trouxe-o até a sala.
Depois fechou a porta.
Francisco neste momento, começou a dizer-lhe que ela era a mulher de sua vida, e que todas as
outras mulheres não eram nada.
Ao ouvir isto, Natália ficou intrigada.
- Que mulheres? – perguntou.
Francisco desconversou.
Percebendo que Natália ficara cismada com a frase, começou a dizer que nenhuma mulher se
comparava a ela.
Beijou a mulher.
Segurando-a nos braços, começou a cantar:
“Eu sonhei que tu estavas tão linda
Numa festa de raro esplendor
Teu vestido de baile, lembro ainda
Era branco, todo branco meu amor

A orquestra tocava umas valsas dolentes
Tomei-te aos braços, fomos dançando, ambos silentes
E os pares que rodeavam entre nós
Diziam coisas, trocavam juras a meia voz

Violinos enchiam o ar de emoções
E de desejos, uma centena de corações
Pra despertar teu ciúme, tentei flertar alguém
Mas tu não flertastes ninguém

Olhavas só para mim
Vitórias de amor cantei
Mas foi tudo um sonho acordei
Eu Sonhei Que Estavas Tão Linda - Composição: Lamartine Babo e Francisco Matoso“

Natália beijou então o marido.
Mais tarde, o homem se despediu da mulher.
Fora designado para atuar em batalhas no Atlântico.
Natália ficou desconsolada com a convocação.
Aflita, dizia que iria perder Francisco na guerra.
Nesta época eram transmitidas notícias pelo rádio, informando que navios brasileiros haviam sido
bombardeados por submarino alemães.
Nos cinemas também.
Antes de exibirem as películas, traziam notícias da guerra, das decisões de
Getúlo Dorneles Vargas, sua propaganda, a política do Estado Novo.
Era o que noticiavam.
Pracinhas brasileiros estavam partindo empreender combates em solo europeu.
Os víveres eram vendidos de forma racionada, faltava combustível, sobravam filas nas mercearias
e mercadinhos.
Tudo era muito contado.
Para comprar compra víveres, Natália enfrentava filas imensas.
Francisco por sua vez, não podia fugir a luta.
E assim, a mulher teve que aceitar a partida do marido.
Em que pese sua preocupação, Francisco disse-lhe que aquela era sua obrigação como militar.
Fardado, o homem se despediu da esposa, que trazia Lorena no colo, e de Celina.
Francisco acenou para elas. Depois partiu.
Natália acompanhou os passos do marido, até o mesmo sumir de seu campo de visão.
Ao vê-lo partindo, começou a chorar.
Celina respondeu a ela, que não era hora de chorar.
Disse que Francisco era um bravo, e que um militar não foge a luta.
Afirmou que ela deveria se orgulhar do marido, e comentou que ela estava desonrando-o lamentando sua sorte.
Ademais, um guerreiro não se deixa abater com facilidade.
Natália argumentou que Francisco poderia não voltar, que estava colocando sua vida em risco.
Celina retrucou dizendo que Francisco voltaria são e salvo para os braços de sua família.
A moça porém, continuava a chorar.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

OS SONS QUE A GENTE OUVE – A CANÇÃO NO TEMPO ANOS QUARENTAS – NAS ONDAS DO RÁDIO

Capítulo 3

Preocupada com os comentários a respeito da separação, Celina disse que ela precisava fazer as
pazes com Francisco, ou começaria a ser apontada como uma mulher largada pelo marido.
Natália contudo, dizia que não se importava com os comentários.
Argumentava que fosse necessário, passaria a trabalhar para manter a casa.
Ao ouvir isto, Celina repreendeu a filha.
Dizendo que mulheres que trabalhavam fora de casa não eram bem vistas, relatou que as coisas
permanecessem daquela forma, deixaria de visitá-la.
Natália ficou surpresa com o aviso.
Contudo, em que pese a repreensão da mãe, ela não estava disposta a voltar para Francisco.
O homem porém, estava disposto a tudo para se entender com a esposa.
Tristonho, andava recluso.
Dizia aos amigos, que se voltasse a se entender com Natália, abandonaria sua vida desregrada.
Cassiano, André, Severo e Glauco, porém, não acreditavam nas palavras do moço.
Aborrecido, Francisco disse que eles deveriam ser os primeiros a acreditarem em suas palavras.
Alegou que se eles não acreditassem em sua mudança, nem Natália acreditaria.
Nisto, Francisco continuou sua peregrinação em busca do perdão de sua esposa.
Por diversas vezes, bateu na porta da casa da moça com flores.
Algumas foram levadas por mensageiros.
Natália porém, se recusava a receber qualquer coisa que viesse de Francisco.
Desta forma, ao ser convocado para uma missão na marinha, o homem partiu amuado.
Natália por sua vez, continuou a cuidar de sua casa.
Triste, comentou com sua mãe, que se sentia muito sozinha.
Celina respondeu-lhe então, que precisava voltar para seu marido, e que um filho traria paz e
felicidade para aquela casa.
Natália se ocupava com os afazeres domésticos e se distraía com as canções do rádio, e com a
rádio novela “A Flor do Deserto”.
Quando o locutor anunciava a novela, a moça parava tudo o que estava fazendo, para acompanhar
as aventuras do sheik.
A esta altura, o sheik conversava com seus amigos, relatando-lhes que estava planejando a festa
com todo o cuidado, e que seus serviçais estavam executando tudo com muito esmero.
Revelou ainda, que procurava descobrir se havia naquele reino, alguém especial, alguém que
pudesse oferecer-lhe mais do que apenas sua beleza.
Comentou que estava cansado da beleza vazia, que apenas se calava para as coisas do mundo.
Pensativo, parecia estar naquele ambiente, conversando com seus amigos, apenas de corpo
presente. Os pensamentos, percorriam o espaço.
Quando finalmente chegou o dia da festa, o sheik recebeu uma visita do Grão Vizir.
Curioso, o homem foi logo perguntando a Ali, o por quê de tão inesperada festa.
O sheik respondeu que queria apenas celebrar a vida, comemorar seus sucessos, o fato de se
encontrar vivo e bem...
O Grão Vizir porém, não se convenceu daquelas palavras.
Tanto que chegou a dizer:
- O que tanto procuras está muito perto de você! Tão perto que nem consegues dar conta disso.
Por esta mesma razão, também se encontra tão longe.
O sheik não compreendeu as enigmáticas palavras.
O Grão Vizir porém, dizendo que não poderia se demorar, desculpou-se por não por poder ficar
mais tempo despedindo-se do rapaz.
Ao se afastar, apenas disse:
- Sorte!
A noite no salão do palácio em que o sheik vivia, muitas flores, almofadas, comidas, bebidas,
danças, música.
Aos poucos os convidados foram aparecendo.
Moças lindas, de todas as regiões, algumas vindas até de outros reinos, começaram a enfeitar o
salão.
Com toda a cerimônia, o sheik foi apresentado as moças.
Contudo, não parecia entusiasmado.
A certa altura da noite, já estava desolado.
Nisto, uma moça entrara sorreitaramente no castelo, terminando por encontrar os jardins do
palácio.
Escondeu-se no local.
Tentava encontrar a melhor visão da festa, sem pudesse ser vista pelos sentinelas.
Com isto, passou a se esgueirar espreitando os movimentos da festa pelas janelas do castelo.
Em dado momento, Ali, entendiado com as presenças vazias encontradas na festa, resolveu fazer
um pequeno passeio pelo jardim.
Observando a lua, que se fazia bonita no céu do Oriente, o moço ouviu um barulho, e percebeu
um movimento brusco em meio as folhagens.
Ao se aproximar das ramagens, percebeu que se tratava de uma jovem, vestida em trajes muito
simples, com um véu cobrindo o rosto.
Curioso, Ali quis se aproximar para o ver o que se escondia atrás do véu.
A moça porém, afastou-se.
Ali, achando tudo aquilo muito interessante, pediu para ela não se afastar.
Dizendo que nada lhe aconteceria de mal, perguntou-lhe seu nome.
Sem alternativas, já que não havia como fugir, a moça se apresentou:
- Yasmin.
- Yasmin. Que belo nome. Sabes o que significa?
Yasmin começou então a observar o moço, reparou no semblante de Ali.
Não parecia ameaçador.
A moça resolveu se aproximar, voltou o véu, mostrou o rosto.
O homem ficou encantando com a beleza da moça.
Tentou tocar em seu rosto.
Yasmin, contudo, recuou.
Ali, percebendo que havia se excedido, pediu-lhe desculpas.
Dizendo que não precisa ter medo dele, pediu para que ela se aproximasse.
Yasmin então, aproximou-se do moço.
Ali então respondeu:
- Yasmin, significa flor branca de jasmin. Um bonito nome, para uma bela flor.
Ao ouvir as palavras, a moça ficou sem jeito.
Ali, argumentou que ela não deveria ter vergonha de sua beleza.
O homem tentou se aproximar da moça, caminhando até onde ela se encontrava.
Yasmin, percebendo isto, afastou-se, e ao perceber uma oportunidade para sair do local,
aproveitou-a.
Fugiu escondendo-se entre as plantas do jardim.
Ali ficou então, a procurar pela moça.
Em vão.
Yasmin havia evaporado.
Desolado, voltou para a festa.
Meteu-se em confabulações com os comerciantes do local.
Cumprimentou as moças.
Belas jovens, perfumadas, bem arrumadas.
Ao término da festa, ao contemplar o salão vazio, sentou-se em uma almofada.
Ficou a pensar na jovem que havia encontrado em seu jardim.
Aflito, pensava no que poderia fazer para tornar a vê-la.
Amuado, reflexivo, tanto conjecturou que acabou por chegar a uma conclusão.
Iria procurá-la por todos os cantos, por toda a região, por todo o Oriente se fosse preciso.
Nisto terminou mais um capítulo da adorável rádio novela, “A Flor do Deserto”.
Sorrindo, ficava pensando no porque da vida não ser parecida com as histórias narradas nas rádio
novelas, Natália ficou a pensar.
Enquanto varria a sala, se ouvia no rádio a canção:
“Nós somos as cantoras do rádio
Levamos a vida a cantar
De noite embalamos teu sono
De manhã nós vamos te acordar

Nós somos as cantoras do rádio
Nossas canções cruzando o espaço azul
Vão reunindo num grande abraço
Corações de norte a sul

Canto pelos espaços afora
Vou semeando cantigas
Dando alegria a quem chora
Bum, bum, bum...

Canto, pois sei que a minha canção
Vai dissipar a tristeza
Que mora no teu coração
Canto para te ver mais contente
Pois a ventura dos outros
É a alegria da gente
Bum, bum, bum...

Canto e sou feliz só assim
Agora peço que cantes
Um pouquinho para mim
Cantores do Rádio - Braguinha, Lamartine Babo e Alberto Ribeiro“

E assim a moça passou a tarde, lavando passando, limpando a casa.
Francisco estava longe, muito longe, em mais uma missão.
Ao voltar para a casa, depois de longos meses afastado, bateu na porta de Natália.
A mulher, ao perceber que Francisco não a deixaria em paz, acabou atendendo-o.
O homem, suplicante, disse que sentiu muitas saudades sua, que não conseguia viver sem sua
presença, e que viver aquele longo tempo separado, fora um inferno para ele.
Argumentou que estava arrependido.
Tanto que ajoelhou-se a seus pés, expondo-se a observação de todos os que passavam pela rua
naquele momento.
Constrangida, Natália mandou-o levantar-se. Respondeu que aquilo era covardia.
Francisco começou a cantar:
“Covarde sei que me podem chamar
Porque não calo no peito essa dor
Atire a primeira pedra, ai, ai, ai
Aquele que não sofreu por amor

Covarde sei que me podem chamar
Porque não calo no peito essa dor
Atire a primeira pedra, ai, ai, ai
Aquele que não sofreu por amor

Eu sei que vão censurar o meu proceder
Eu sei, mulher que você mesma vai dizer
Que eu voltei pra me humilhar
É, mas não faz mal
Você pode até sorrir
Perdão foi feito pra gente pedir

Covarde sei que me podem chamar
Porque não calo no peito essa dor
Atire a primeira pedra, ai, ai, ai
Aquele que não sofreu por amor

Covarde sei que me podem chamar
Porque não calo no peito essa dor
Atire a primeira pedra, ai, ai, ai
Aquele que não sofreu por amor
Atire a Primeira Pedra - Ataulfo Alves, Letra De Mário Lago”

A esta altura, alguns curiosos aplaudiram a apresentação do moço.
Sem graça a moça agradeceu a atenção, e chamou o homem para entrar em casa.
Nisto Francisco abraçou a mulher, beijou seus braços, suas mãos, seu pescoço.
Natália tentou afastá-lo, mas o homem continuou as investidas.
Entre um beijo e outro, pedia-lhe perdão por seus gestos impensados, pelas a atitudes que a
fizeram ficar magoada com ele.
Tentando encantá-la, Francisco começou novamente a cantar:

“Quero beijar-te as mãos
Minha querida
Senta junto de mim
Vem, por favor

És o maior enlevo
Da minha vida
És o reflorir do meu amor

Sinto nesta ansiedade
Que minha alma invade
Que me faz sofrer
A luz de um divinal querer
Eterna glória de viver

Se tu me quiseres tanto
Quanto eu que vivo
Para te adorar

Será um mundo de esplendor
O nosso amor
Amor, nosso amor.
Quero Beijar-te as Mãos – Anísio Silva“

Rendida, a moça deixou-se levar pelo encantamento proposto por Francisco.
Desta forma, o casal acabou se entendendo.
Natália perdoou o marido.
Nisto, tempos depois, a moça anunciou que estava grávida.
Francisco ficou exultante.
Quando precisou novamente viajar a trabalho, ficou preocupado em deixar a mulher sozinha.
Pedia a todo o momento a sogra, para que cuidasse de Natália, durante a sua ausência.
Aflito, pedia a todo o momento para Celina não desgrudar nem um minuto da filha.
Exagerado, dizia que Natália não poderia ficar sozinha.
Celina pacientemente, ouviu todas as recomendações do moço.
Depois, para tranquilizá-lo Celina comentou que gravidez não era doença, e que Natália iria ficar
muitíssimo bem sob seus cuidados.
Disse ao moço:
- Vá em paz! Vai ficar tudo bem.
E assim, Francisco partiu relativamente tranquilo.
Relativamente, por que em suas conversas com os amigos, não se cansava de dizer que Natália
estava grávida.
Chegou a mostrar a foto da esposa para todos os tripulantes do navio.
Estava exultante com a idéia de ser pai.
Meses depois, quando o homem retornou ao lar, Natália já havia dado luz a Lorena.
O casal havia escolhido juntos, o nome da criança.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

OS SONS QUE A GENTE OUVE – A CANÇÃO NO TEMPO ANOS QUARENTAS – NAS ONDAS DO RÁDIO

Capítulo 2

Como sempre, naquela noite, Francisco, vestiu um bom terno, perfumou-se e saiu. 
Disse que fora convocado pelo comando da marinha.
Natália fingindo acreditar, despedindo-se do marido.
Mais tarde, ela e Clarisse trataram de se arrumar para irem a tão comentada boate.
Com isto, até o último minuto, Clarisse tentou fazer Natália a desistir da idéia.
Dizendo que aquela conduta poderia manchar sua reputação, a moça só conseguir deixar Natália
aborrecida.
Natália argumentou, que se fosse preciso, iria sozinha.
E assim, foram as duas moças, impecavelmente vestidas, a boate.
Durante o trajeto até o local, as moças foram assediadas por homens que elogiavam a beleza de
ambas chamando-as de bonecas, princesas.
Ao chegarem no local, Natália pediu bebida para ambas.
Clarisse estava nervosa.
Durante algum tempo, Natália e Clarisse ficaram bebericando e ouvindo as músicas que foram
apresentadas pelo cantor. Entre esta:

“O peixe é pro fundo das redes,
Segredo é pra quatro paredes,
Não deixe de que males pequeninos,
Venham transtornar os nossos destinos.

O peixe é pro fundo das redes,
Segredo é pra quatro paredes,
Não deixe de que males pequeninos,
Venham transtornar os nossos destinos,
Primeiro é preciso julgar,
Pra depois condenar.

Seu mal é comentar o passado,
Ninguem precisa saber,
O que houve entre nos dois.
O peixe é pro fundo das redes,
Segredo é pra quatro paredes,
Não deixe de que males pequeninos,
Venham transtornar os nossos destinos.

O peixe é pro fundo das redes,
Segredo é pra quatro paredes,
Não deixe de que males pequeninos,
Venham transtornar os nossos destinos,
Primeiro é preciso julgar,
Pra depois condenar.

Quando o infortúnio nos bate a porta,
E o amor nos foge pela janela,
A felicidade para nos está morta,
E não se pode viver sem ela,
Para o nosso mal não há remédio coração,
Ninguém tem culpa da nossa desunião.
Segredo – Dalva de Oliveira”

Nisto, Francisco surgiu na boate, acompanhado de uma bela loura, que chamou a atenção de todos
os homens que estava por perto.
Caminharam pelo ambiente, sentaram-se a mesa.
Francisco pediu bebidas ao garçon.
O casal conversava, sorria escandalosamente e bebia.
Mais tarde, começaram a dançar.
Francisco sussurou algo no ouvido da mulher. 
Beijou o rosto da loura.
Natália, ao presenciar a cena, ficou furiosa.
Tanto que mesmo sendo segurada por Clarisse, acabou se desvencilhar, indo ao encontro do casal.
Ao se aproximar de ambos, pegou um dos copos com bebida da mesa, em que estava o casal, e
jogou no rosto de Francisco.
O homem ficou perplexo ao se deparar com Natália na boate.
Sem saber como reagir, deixou a moça partir, seguida por Clarisse, a qual o observou, com olhar
de reprovação.
Francisco, ao dar-se por si, abriu sua carteira, deixou o dinheiro necessário para pagar a conta, e
saiu da boate, sem se dar maiores explicações a sua acompanhante.
Aflito, o homem correu para sua casa, encontrando a porta fechada.
Gritando, chamou por Natália, implorando-lhe que o perdoasse.
Natália porém, não atendeu aos reclamos do moço.
Francisco, deitou-se na porta.
No dia seguinte, ao sair para comprar pão, Natália deparou-se com o homem dormindo na porta
da casa.
Furiosa, entrou novamente em casa.
Francisco, que ainda dormia, só se deu conta do ocorrido, quando a mulher novamente fechou a
porta.
Aflito, levantou-se e passou a bater na porta, desesperado.
Natália porém, não estava disposta a perdoá-lo.
Com isto, o homem teve que encontrar um lugar para ficar.
Cassiano ofereceu sua casa.
Celina por sua vez, aconselhou a filha a voltar para o marido.
Dizendo que não ficava bem aquela situação, comentou que se aquilo virasse um escândalo, não
poderia fazer nada para ajudá-la.
Todavia, em que pese este fato, Natália afirmou que jamais perdoaria o marido.
E assim, continuou a desprezá-lo.
Francisco a seguia, na feira, no armazém.
Natália porém, fingia ignorá-lo.
Desesperado, a certa altura, o homem, convidou seus amigos para acompanharem-no em uma
seresta.
Tentando obter o perdão da esposa, Francisco chamou Cassiano, André e Severo para
acompanharem-no na serenata.
Feliz e cheio de esperança, Francisco vestiu seu melhor terno, perfumou-se, e lá se foi com seus
amigos postar-se em frente a sua casa, com vistas a reconquistar sua esposa.
Animado, començou a cantar:

“Adeus, adeus, adeus
Cinco letras que choram
Num soluço de dor
Adeus, adeus, adeus

É como o fim de uma estrada
Cortando a encruzilhada
Ponto final de um romance de amor
Quem parte, tem os olhos rasos d’água
Ao sentir a grande mágoa
Por se despedir de alguém
Quem fica, também fica chorando
Com o lenço acenando
Querendo partir também
Adeus (Cinco Letras Que Choram) - Composição: Silvino Neto”

Silêncio absoluto.
Francisco porém, era insistente.
Percebendo que a canção não agradara, pediu aos amigos para cantarem outra música.
Cantaram:

“A deusa da minha rua
Tem os olhos onde a lua costuma se embriagar
Nos seus olhos, eu suponho
Que o sol, num dourado sonho, vai claridade buscar

Minha rua é sem graça
Mas quando por ela passa
Seu vulto que me seduz

A ruazinha modesta é uma paisagem de festa
É uma cascata de luz
Na rua uma poça d'água, espelho da minha mágoa
Transporta o céu para o chão

Tal qual o chão da minha vida
A minh'alma comovida
E o meu pobre coração
Espelho da minha mágoa
Meus olhos são poças d'água
Sonhando com seu olhar

Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu, ela é nobre
Não vale à pena sonhar
Deusa da Minha Rua - Composição: Nexton Teixeira/Jorge Faraj”

Nisto finalmente, Natália abriu a janela de seu quarto.
Usando uma capa sobre a camisola, parecia estar encantanda com a serenata.
Francisco então, resolveu se aproximar da janela, pulando um muro.
Ao aproximar-se, Natália abaixou-se rapidamente, e Francisco, tomou um banho, com a água que
a moça jogou do balde que trazia consigo.
Ao se ver todo molhado, o homem ficou furioso.
Natália então disse:
- Suma daqui! E não volte nunca mais!
Humilhado, só coube a Francisco encerrar a cantoria, e junto com seus amigos, partirem dali.
Nesta época, Glauco já havia se casado com Clarisse, e apaixonado que era pela esposa, deixou
de acompanhar Francisco em suas noitadas.
Todavia, os amigos solteiros de Francisco, ainda o acompanhavam.
Ao tomar conhecimento do ocorrido, Celina censurou Natália.
Preocupada, Celina comentou que a filha não poderia permanecer naquela situação, ou então,
ficaria mal falada.
A moça contudo, parecia não se importar com isto. 
Estava furiosa.
Chorando, chegou a comentar que não merecia sofrer o que estava sofrendo.
Celina tratou de consolá-la.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte. 

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

OS SONS QUE A GENTE OUVE

A CANÇÃO NO TEMPO ANOS QUARENTAS – NAS ONDAS DO RÁDIO

Capítulo 1

Natália, que estava entretida em ouvir as canções do rádio, mal se deu conta da aproximação de Francisco que voltava de uma missão militar.
Enquanto se ocupava dos afazeres domésticos, Natália adorava ouvir música.
Nesta ocasião, estava a varrer a sala.
Enquanto varria a sala, limpava os móveis, ajeitava as almofadas, ficava a pensar em Francisco. Nas constantes despedidas.
Na tristeza em que ficava ao vê-lo partir.
Lembrou-se de seu casamento.
Da festa promovida no quintal da casa de sua mãe, Celina.
No bolo confeitado, com dois bonecos que representavam os noivos.
Depois da cerimônia na igreja, o casal cortou um pedaço do bolo, com a sua mão direita.
Para a festa, Celina preparou uma lauta refeição.
Havia arroz, uma carne, bebida, e a cantoria de Cassiano, Glauco, Severo e André.
Animados, eles cantaram:
“Tu és, divina e graciosa, estátua majestosa do amor
Por Deus esculturada, e formada com ardor
Da alma da mais linda flor, de mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor

Se Deus me fora tão clemente aqui nesse ambiente, de luz
Formada numa tela deslumbrante e bela
O teu coração junto ao meu lanceado
Pregado e crucificado
Sobre a rósea cruz do arfante peito teu

Tu és a forma ideal, estátua magistral
Oh! alma perenal
Do meu primeiro amor, sublime amor
Tu és de Deus a soberana flor
Tu és de Deus a criação que em todo coração sepultas o amor
O riso, a fé e a dor, em sândalos olentes cheios de sabor
Em vozes tão dolentes como um sonho em flor

És láctea estrela, és mãe da realeza
És tudo enfim que tem de belo
Em todo resplendor da santa natureza

Perdão, se ouso confessar-te
Eu hei de sempre amar-te
Oh, flor meu peito não resiste
Oh, meu Deus quanto é triste, a incerteza de um amor
Que mais me faz penar em esperar
Em conduzir-te um dia aos pés do altar

Jurar, aos pés do onipotente em preces comoventes, de dor
E receber a unção da tua gratidão
Depois de remir meus desejos em nuvens, de beijos
Hei de te envolver até meu padecer, de todo fenecer
Rosa - Composição: Pixinguinha e Otávio de Souza”

Celina insistiu para que o casal dançasse.
Natália, com seu vestido de noiva, foi conduzida por Francisco.
Clarisse aplaudiu o evento.
Por fim, uma foto registrou o casamento.
Os noivos e os convidados, se posicionaram em frente ao fotografo.
Lindo retrato de um tempo feliz.
Natália recordou-se ainda de quando viu o moço pela primeira vez, sempre com sua indefectível farda.
Achou-o bonito, garboso.
Estava acompanhado de seus inseparáveis amigos: Cassiano, Glauco, André e Severo.
Francisco, ao observar aquela moça bonita caminhando pelas ruas de São Paulo, logo se encantou por ela.
Audacioso, chegou bem perto dela e comentou: - Bela morena!
Clarisse, que a acompanhava, o achou atrevido demais.
Isto não a impediu porém, de reparar em Glauco, um dos rapazes fardados que seguiram com Francisco.
O moço também não lhe foi indiferente.
Neste caso porém, tudo ficou apenas, em uma troca de olhares.
Com tempo, o casal Clarisse e Glauco passaram a trocar correspondências.
Cartinhas onde diziam sentir saudades um do outro.
Natália chegou a ler alguma delas.
“Minha gentil senhorita.
Sinto a tua falta que cada vez que tenho que despedir-me de sua voz.
Amo a tua beleza, venero a tua alegria, entristeço-me com tua tristeza.
Adoro-te como a nenhuma outra.
De teu súdito, Um aflito Glauco, que espera uma resposta a esta missiva.”

Natália achava linda a relação do casal.
Com efeito, a moça encontrou-se novamente com Francisco, no baile promovido pela marinha em Santos.
Natália era filha de militar.
Rômulo, seu falecido pai, também pertencera a marinha, fato este que garantira uma boa aposentadoria a sua mãe, Celina.
A mulher fora muito apaixonada do marido.
Celina, por diversas vezes chegou a dizer que Rômulo fazia muita falta.
Viúva a cerca de dois anos, ainda não se acostumara com a ausência do marido.
Ciosa porém, de seus cuidados com Natália, sua única filha, raramente a deixava só.
E assim, lá estava ela no baile, cuidando de Natália e também de Clarisse, amiga de sua filha.
 Ainda assim, Francisco aproximou-se de Natália, e Glauco, estimulado pelo amigo, aproveitou o ensejo para convidar Clarisse para dançar.
Sem alternativa, Celina acabou concordando em deixar as moças dançarem.
Francisco, ao aproximar-se da moça, comentou que desde que ela adentrara o salão, não tirara os olhos dela.
Natália ficou constrangida.
Francisco, ao notar isto, comentou que as mulheres bonitas não deveriam ficar nunca constrangidas, já que os elogios a sua beleza era lugar comum em suas vidas.
Natália sorriu.
Nisto, Francisco continuou a dançar com a moça.
Quanto a Glauco, o moço disse a Clarisse, ter acreditado que nunca mais a encontraria.
Ansioso que estava, acabou se atrapalhando um pouco com a dança, mas nada que diminuisse o encantamento de Clarisse.
Foi assim, que o casal começou a se corresponder.
Ao término da dança, Francisco levou a moça de volta para a mesa onde se encontrava Celina. Tentando ser gentil, o moço disse a mulher, que Natália estava entregue e de volta as suas boas e zelosas mãos.
Celina contudo, não gostou do rapaz.
Por diversas vezes, chegou a comentar com a filha, que o achava muito convencido e vaidoso. Natália por sua vez, não deu atenção aos comentários da mãe.
E assim, foi questão de tempo Francisco pedir a mão de Natália em casamento.
Com isto, mesmo a contra-gosto, Celina acabou aceitando o enlace.
Dizendo que não poderia opor obstáculos a felicidade da filha, comentou que seu casamento com Rômulo fora uma imposição paterna.
Argumentou também, que seu casamento tinha tudo para ser infeliz, mas ela, ao descobrir a pessoa maravilhosa que era Rômulo, acabou por viver uma grande felicidade ao seu lado.
Desta forma, Celina concordou em preparar um almoço em sua casa.
Nesta ocasião, Francisco pediu a mão de Natália, na presença dos já noivos Clarisse e Glauco, e dos amigos Cassiano, André e Severo.
Empolgado, disse que aquele era um grande momento em sua vida.
Talvez um dos mais importantes.
Comentou que ao vê-la pela primeira vez, encantou-se.
Tanto, que a partir de um certo momento, não conseguia imaginar sua vida, senão ao lado dela. Razão pela qual ficou dias, semanas se preparando para dizer palavras bonitas.
Palavras que encantassem a todos.
Com efeito, dizendo que não iria se estender mais, mostrou o bonito anel que havia comprado para Natália.
Era uma jóia simples, mas uma jóia.
Clarisse e Celina ficaram admiradas com o presente.
Quando o moço colocou o anel no dedo de Natália, todos bateram palmas.
No tocante ao casamento, houve uma certa polêmica, quanto ao lugar onde ele e Natália residiriam.
Francisco, chegou a sugerir Santos, pela facilidade de se locomover até o seu local de trabalho. Celina ao tomar conhecimento desta intenção, se opôs.
Dizendo que sua filha ficaria muito sozinha em Santos, comentou que durante boa parte de sua vida, a moça vivera em São Paulo.
Que toda sua história afetiva, suas memórias, sua família e seus amigos estavam lá.
Ademais, como ele era militar, ficaria boa parte do tempo ausente do lar, e com isto, Natália ficaria em um lugar estranho, longe dos amigos, da família, e solitária.
Celina comentou que já bastava ela ficar longo tempo longe do marido.
Não precisava também ficar em completa solidão.
Francisco, percebendo a preocupação de Celina, e não querendo se indispor com sua sogra, acabou concordando em permanecer em São Paulo.
Afinal de contas a sua vida também se desenrolara praticamente toda, em São Paulo.
Francisco somente começou a se deslocar para Santos, quando começou a integrar os quadros a da marinha.
O moço era Guarda-Marinha.
Natália se recordava de suas despedidas de Francisco, e do quanto isto era triste.
Toda vez que o marido partia em uma missão militar, a moça se debulhava em lágrimas.
Celina, que sempre via a filha se lamentando, comentou diversas vezes que a vida da mulher de um militar era uma vida de constantes despedidas, mas também de chegadas, e que o momento do reencontro, geralmente era muito especial.
Natália concordou com estas palavras.
Geralmente os retornos de Francisco, eram deveras felizes.
O homem chegava de mansinho, quase sempre a surpreendendo.
As despedidas nem por isto contudo, deixavam de serem tristes, argumentava.
Nisto, Natália voltou a seus afazeres.
As cadeiras da cozinha estavam todas viradas para cima.
A casa cheirava a limpeza, mas faltavam alguns detalhes para ficar completamente arrumada. 
Como já foi dito anteriormente, Natália ouvia canções no rádio.
A esta altura, tocava:
“A estrela d'alva
No céu desponta
E a lua anda tonta
Com tamanho esplendor

E as pastorinhas
Pra consolo da lua
Vão cantando na rua
Lindos versos de amor

Linda pastora
Morena da cor de Madalena
Tu não tens pena
De mim, que vivo tonto com o teu olhar

Linda criança
Tu não me sais da lembrança
Meu coração não se cansa
De sempre e sempre te amar
Pastorinhas - (Noel Rosa e João de Barro)”

Ao término da música, o homem se aproximou de mansinho, e disse baixinho:
- Cheguei!
Natália, surpresa, tratou logo de abraçá-lo.
Estava cheia de saudade.
Nervosa, comentou que a casa estava toda bagunçada, que não estava arrumada, e que deveria tê-la avisado que estava de volta.
Francisco comentou que preferia que fosse assim.
Nisto o casal ficou juntinho, abraçados.
Natália estava feliz com o casamento.
Acreditava ser a única mulher na vida do marido.
Nisto, o homem dançou com a mulher, ao som das canções do rádio.
Francisco cantou junto com o cantor do rádio, a canção:
“Meu coração
Não sei porque
Bate feliz 
Quando te vê

E os meus olhos ficam sorrindo
E pelas ruas vão te seguindo
Mas mesmo assim
Foges de mim

Ah, se tu soubesses como eu sou tão carinhoso
E muito muito que te quero
E como é sincero o meu amor
Eu sei que tu não fugirias mais de mim

Vem, vem, vem, vem
Vem sentir o calor dos lábios meus
A procura dos teus

Vem matar esta paixão
Que me devora o coração
E só assim então
Serei feliz, bem feliz
Carinhoso - Orlando Silva
Composição: Pixinguinha/João de Barro”

Por fim, o homem segurou a mulher no colo, e rodopiou com Natália em seus braços.
Assustada, Natália pediu para Francisco a colocar no chão.
Nisto, o homem retomou sua rotina caseira.
Passou a ler seu jornal.
Enquanto isto, Natália cuidava dos afazeres domésticos.
Arrumava a casa, preparava as refeições.
Namorava o marido.
E se deslumbrava com as rádio novelas.
Natália era fascinada pelas rádio novelas como “A Flor do Deserto”, anunciada por belas vozes do rádio.
A rádio novela contava a história do sheik Ali, que sequioso de encontrar um sentido para sua vida, chegou a consultar o Grão Vizir, auxiliar do rei.
Ansiava por uma resposta a suas angústias.
O Grão Vizir chegou-lhe a dizer que o que ele procurava estava bem perto, e ao mesmo tempo muito longe dele.
Ali contudo, não compreendeu o enigma.
Antes disto, pensou em organizar uma festa e convidar as mais belas moças da localidade. 
Intencionava encontrar uma boa moça para se casar, e provavelmente a eleita seria escolhida no baile organizado pelo moço.
O sheik Ali era um rico mercador da região, acostumado a percorrer a vastidão dos desertos, e a acompanhar os beduínos.
Vivendo uma vida cheia de aventuras, era capaz de impressionar muitas mulheres.
Contudo, não era isto o que desejava.
Pensativo, achava sua vida vazia e sem sentido.
Razão pela qual resolvera se entregar a realização de uma festa sem igual.
Acreditava que assim, encontraria uma resposta para suas dúvidas.
Cuidadoso, mandou seus criados organizarem o evento em seus mínimos detalhes.
Louças, almofadas, vasos, plantas, flores, músicos, apresentações de danças.
Tudo deveria ficar perfeito para a grande festa. Ao ouvir a narração da história, Natália ficava a imaginar o longínquo Oriente Médio, e o exotismo de sua cultura.
O sheik de turbante, andando de camelo.
Celina sua mãe comentava, que em seu tempo, o objeto de adoração de todas as moças, era um ator chamado Rodolfo Valentino, o qual viveu uma história, na qual interpretava um sheik.
A mulher comentava que também muitas vezes sonhou com o famigerado sheik.
Mocinha, ficava a se imaginar andando em seu cavalo, percorrendo o deserto a seu lado.
Natália achou graça.
Afinal de contas, aquela mulher tão séria também tinha sonhos românticos?
Celina, que não achou graça do comentário, respondeu que também fora jovem, e assim como sua filha, bastante sonhadora.
Comentou que antes de conhecer Rômulo, sonhou muito com seus ídolos do cinema.
Com efeito, de vez em quando, Natália e Francisco saíam juntos para dançar e ouvir boa música. Frequentavam algumas boates.
A moça vestia seus longos mais bonitos para acompanhar o marido.
Nestas ocasiões, o homem deixava de lado sua farda.
Usava um bom terno.
Gostava de dançar.
Tanto que era um exímio dançarino.
Nisto, ao chegarem no local, depois de ouvirem algumas canções, Francisco convidou Natália para dançar.
E o casal dançou, embalado, pela canção:
“Não sei por quanto tempo
Ainda esperarei
Por ti pelos carinhos teus
Por tudo que me vem bailando
Tecendo os sonhos meus
Talvez só por viver
A sombra da ilusão

Envolto no silencio frio
Irei por quanto tempo ainda
Esperarei teu amor em vão
Nunca animais se confessam
Aos que sofrem de mal do amor
Lá no teu corpo gelado
A perfídia do teu encanto
Nunca terás a teus pés a ventura
Da minha dor

Os meus joelhos dobrados um dia
E em pranto há de implorar o amor
Talvez só por viver a sombra da ilusão
Envolto no silencio frio
Irei por quanto tempo ainda
Esperarei teu amor em vão
Por Quanto Tempo Ainda - Orlando Silva”

Dançaram de rosto colado.
Foram tempos felizes.
Com o tempo porém, Francisco passou a se ausentar do lar.
Primeiro começou a sair de tarde.
Com o passar das semanas, o homem começou a inventar desculpas para sair a noite.
Natália começou a ficar cismada.
Clarisse, tentando amenizar a situação, dizia que Francisco estava atarefado com assuntos da marinha.
Natália contudo, questionava:
- E por que a noite? Por que não de dia?
Clarisse se calava.
Afinal de contas, como poderia contra-argumentar?
Contra fatos, não há argumentos.
Certa vez, a moça recebeu uma carta de uma desconhecida, relatando que ela deveria ficar atenta com seu marido.
Isto por que, pessoas já o haviam visto frequentando uma determinada boate, sempre com uma mesma moça.
Natália, a ler o conteúdo da carta, ficou furiosa.
Revoltada, pediu para Clarisse acompanhá-la na incursão que faria na aludida boate para verificar o que estava acontecendo.
Sua amiga, tentou em vão, demovê-la da idéia.
Sem sucesso.
Isto por que, Natália estava firme em seu propósito.
Quando a história chegou ao conhecimento de Celina, a mesma tentou fazer a filha, desistir daquele intento, o qual considerava louco, tresloucado.
Mas nada de Natália desistir da idéia.
A certa altura, dizendo que iria até a boate, mesmo que fosse sozinha, acabou por convencer Clarisse a acompanhá-la.
Nisto, a moça, inventou uma desculpa ao marido Glauco.
Disse que iria cuidar de uma amiga doente.
Com isto, levou um vestido de festa, e sapatos, dentro de uma sacola.
Celina então, dirigiu-se a casa de Natália.
Antes de sair, Glauco disse que se cuidasse, para não ficar doente também.
Nisto, ao se encontrar com Natália, Celina comentou que elas deveriam tratar de se organizarem para colocar o plano em prática.

Luciana Celestino dos Santos 
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