Poesias

terça-feira, 18 de agosto de 2020

COISAS DO BRASIL PARTE 4 – REGIÃO SUDESTE - CAPÍTULO 15

 A seguir, Felipe começou a escrever sobre a ‘Lenda do Corcovado’. 
Começa assim: 
A história que vou contar, nada tem absolutamente com o famoso pico que orna o belíssimo pano de fundo do maravilhoso cenário, que é a Baía da Guanabara. 
O Corcovado em questão, é o que se encontra próximo desta cidade, para as bandas do sudoeste. 
É uma formidável corcunda de pedra que se eleva da silhueta da Serra do Mar, da qual é, nestas redondezas, o ponto mais elevado, fazendo realçar essa giba desde Picinguaba até a ponta do Martim de Sá, nas proximidades de Caraguatatuba. 
Aqui o Corcovado não tem a airosidade e o prestígio do seu colega do Rio de Janeiro, não recebendo visitas de turistas deslumbrados. 
Não recebe, mesmo porque as rejeita. 
Castiga severamente quem ousa mergulhar no mistério em que vive. 
Ouçamos: 
Pouco depois de Jordão Homem da Costa vir com diversas famílias povoar a antiga aldeia de Iperoig, já então com o nome de Ubatuba, aventureiros daquele tempo quiseram ir ao topo do Corcovado. 
Os primeiros que isso tentaram foram dois rapazes, jovens ainda, Pablo e Juan, filhos de um fidalgo espanhol, proprietário aqui de vasta sesmaria. 
Partiram aos primeiros clarões de uma fresca madrugada de abril, confiantes no êxito dessa aventura. Mas, passaram-se dias sem que voltassem, começando aí a inquietação na família dos moços. 
Julgou-se que eles se haviam perdido, mas, ao certo, não se conseguiu saber por que não regressavam. Um escravo do espanhol, favorito de Pablo, prometeu ao seu amo ir buscar notícias do ‘Sinhô Moço’ no cimo do gigante de pedra. 
Seus companheiros, ao pé da escarpa, viram-no subir agilmente agarrando-se aos cipós e às saliências da pedra, e depois sumir lá no alto por entre moitas de samambaias. 
Esperaram-no até o dia seguinte. 
Nada. 
Voltaram outros dias à sua procura, mas, como os desventurados Pablo e Juan, nunca mais o preto apareceu. 
Em 1697, quando ao primeiro centenário da morte de José de Anchieta, veio de São Vicente rezar missa na Capelinha de Ubatuba por intenção da alma do grande catequizador, Frei Bartolomeu, da Ordem dos Franciscanos. 
Esse frade permaneceu mais alguns dias nesta vila e, ouvindo dos habitantes a narrativa do fato acima relatado, e de outros que se sucederam, declarou decididamente que iria ao topo do Corcovado, onde, para provar a ascensão, colocaria uma grande bandeira vermelha, perceptível aos que o acompanhassem até ao pé, da aterrorizadora escarpa. 
E se bem o disse melhor o fez. 
A grande comitiva que nesse lugar ficou postada viu, horas depois, bem lá no alto, o desfraldar da sanguinolenta bandeira que Frei Bartolomeu levara consigo. 
Um frêmito de alegria espalhou-se por todos aqueles observadores, ansiosos pela volta do padre que, de regresso decerto desvendaria o porquê misterioso do Corcovado. 
Esperaram-no debalde. 
Alguns homens dos mais corajosos, dispuseram-se a ficar durante a noite à espera do missionário. 
Mas era por demais apreensiva a situação daqueles homens. 
O silêncio parecia estrangular a Natureza que, de instante a instante, num arranco horrível, gemia agonicamente pela garganta de um pássaro noturno. 
Meia noite! 
Seria meia noite, quando uma exclamação quase de alívio partiu daqueles peitos ofegantes: 
-- Ei-lo! 
De fato, pela rocha nua, lentamente, arrastava-se Frei Bartolomeu, pelo mesmo trajeto pelo qual havia subido. 
Devia estar cansado. 
De vez em quando parava, arrumando o hábito marrom, sustendo na cintura o frouxo cordão branco, e parecendo levar por vezes aos lábios o níveo crucifixo de marfim que lhe pendia ao peito. 
Um vago clarão de lua jorrou sobre a monástica figura, denunciando um livor funéreo em suas faces tristes e descamadas. 
Correram todos para recebê-lo, mas... 
--Onde está frei Bartolomeu?! – perguntaram-se com os olhos. 
– Não mais o viram. 
Esperaram-no mais algum tempo, porém o frade não desceu. 
Um deles gritou, e o eco respondeu lá no fundo, nas gargantas sombrias da cordilheira. 
Logo depois um gemido horrível partiu, não sabem de onde, envolvendo a floresta inteira! 
Um frio de morte, uma sensação ignota agitou as carnes daqueles homens. 
Sem articular palavra, lívidos, completamente desnorteados, abandonaram em disparada aquele sítio maldito, ouvindo o eco sumir longe, muito longe, na imensidão da noite! 
* * * Hoje ainda, à meia noite, quem se for postar ao pé da misteriosa elevação verá a figura do venerável Frei Bartolomeu descer lentamente pela rocha nua, sem nunca, porém, chegar à base. 
* * * Dizem que o Corcovado é encantado, ocultando uma rica mina de ouro pertencente a um gênio, que a defende dos homens. 
Ouro lá existe, e vou provar com outro fato verdadeiro, como verdadeiro é o que acabo de contar.14

14 Extraído do livro "Ubatuba - Lendas & Outras Estórias" de Washington de Oliveira ("seo" Filhinho).

SIGNIFICADO: 
giba - substantivo feminino
1. saliência convexa nas costas, peito ou dorso de homem ou animal; bossa, corcova, geba.
2. MORFOLOGIA BOTÂNICA
proeminência em forma de corcova em um órgão laminar ou maciço.

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

COISAS DO BRASIL PARTE 4 – REGIÃO SUDESTE - CAPÍTULO 14

Com isso, Felipe passou a escrever mais uma lenda: 
‘A Mina de Ouro’. 
Começa assim: 
Em vista dos misteriosos fatos contidos em algumas narrativas, ninguém mais se atrevia aproximar-se do "Pico Encantado". 
Muitos anos depois do desaparecimento de Frei Bartolomeu, o Capitão Manoel Fernandes Corrêa instalou uma belíssima fazenda na Praia Dura. 
Um dia, Alice, filha única do capitão Corrêa, saiu à caça nas proximidades. 
Vendo-se só, longe da vista severa do pai, admirando o cenário belíssimo que se deparava aos seus olhos virgens de tanta maravilha, embrenhou-se incautamente pela mata. 
Súbito, um medo vago e inexplicável percorreu aquele corpo misto de anjo e de mulher. 
Quis voltar, mas compreendeu que estava perdida. 
Correu, gritou, sentiu faltarem-lhe as forças, e os espinhos aduncos rasgaram-lhe as carnes alabastrinas.
Um último esforço e caiu desfalecida. 
Ao cair da noite, quando o sino melancólico da fazenda chamava do eito os escravos para a ceia, era indescritível o desespero do Capitão Corrêa pelo desaparecimento da filha. 
Mandou reunir a turba negra e, pela primeira vez suplicante e dócil, o impiedoso senhor proclamou que daria liberdade imediata ao servo que lhe trouxesse, com a maior rapidez possível, sua querida Alice.
Nenhum crédito deram os escravos àquelas palavras brotadas de um coração empedernido, momentaneamente compungido com o desaparecimento da filha, mas a adoração que dedicavam a Alice - angelical e bondosa criatura - fez daqueles homens exaustos, umas feras bravias. 
Sem tomar alimento algum, cada qual partiu para um lado, sem esperança de recompensa, mas querendo ser o primeiro a beijar a mão da "Nina Alice". 
Pedro, um escravo robusto, forte, parou repentinamente na corrida em que ia. 
Sua idéia embrutecida vagueou procurando recordar-se da companheira amada e de uma filhinha de dois anos de idade, que o impiedoso capitão vendera, por castigo! 
Quis esconder-se e voltar no dia seguinte "sem notícias de nina Alice", mas... - Alice! – esse nome repelia a idéia de vingança que fervia em seu cérebro inculto, porém, compreensivo. 
Odiava o pai mas adorava a filha. 
A adoração venceu. 
Enxugou as lágrimas que lhe corriam pelas faces retintas, e reencetou a busca interrompida há pouco. Cansado, parou. 
Sentou-se um pouco para reanimar-se, mas foi logo atraído por um farfalhar de folhas secas acompanhado de um gemido surdo e prolongado, partido de pouca distância. 
Aproximando-se cautelosamente, percebeu estendido no chão um vulto alvo de mulher, mal distinguido na escuridão da noite. 
-- Nina Alice! – exclamou o preto com sua voz fanhosa e forte. 
– Oh, salva-me! Tira-me daqui... Quem é? Meu pai? Luz... Quero luz... Horas depois, nos robustos e retintos braços de Pedro, Alice subia os degraus da ‘Casa Grande’. 
Horrores da escravidão! 
No dia seguinte, Pedro, exausto pelo esforço despendido durante a noite, gemia sob açoites, no tronco, porque não podia trabalhar. 
Alice, sabendo o que se passava com o seu salvador, exigiu do pai o que na véspera prometera espontaneamente. 
Liberto, Pedro beijou as mãos de "Nina Santa" e partiu sem destino, para os lados do Corcovado, e lá instalou sua choça, ao lado de uma cascatinha murmurante, próxima, bem próxima da escarpa misteriosa. 
Corria de boca em boca a aventura de "Pai Pedro". 
O preto vinha sempre a Ubatuba com pequenos canudos de bambu cheios de grânulos auríferos, que trocava por fumo, cachaça e alguns gêneros, com os quais assegurava sua subsistência. 
Essa notícia foi bater também na fazenda do capitão Corrêa, que duvidava do que lhe diziam, mas, um dia, ele mesmo viu na vila as negociações que eram propaladas. 
Cheio de inveja e cobiça, pensou logo em se apoderar do tesouro do preto. 
Certa noite, em companhia de um grupo armado, foi à choça de Pedro, capturando seu ex-escravo e levando-o para a sua fazenda. 
Ali chegando, sem mais delonga, Pedro foi premido a contar como descobrira aquele fabuloso tesouro. -- Sinhô, Pedro num pode cuntá, pruque... 
Uma violenta chicotada estalou nas faces já rugosas do mártir, cortando-lhe a frase. 
Depois, novas torturas, imprecações, terríveis ameaças, até que Pedro resolveu iniciar a narrativa, na linguagem carregada e fanhosa, toda peculiar aos pretos africanos. 
Disse que foi morar no sítio solitário onde o encontraram, bendizendo sempre o nome de Alice, até que um dia, na vila, veio a saber da morte da moça, sua libertadora. 
De volta à choça, um profundo pesar oprimia-o todo. 
Pedro parou para disfarçar um soluço e enxugar uma lágrima, ao que o capitão esbravejou: 
-- Continua, bandido! 
E Pedro continuava, trêmulo, acovardado. 
À noite não conseguira dormir, parecendo-lhe ouvir ao longe a voz cristalina da moça, numa canção de amor. 
De repente a porta do casebre tremeu e escancarou-se, penetrando por ela um vulto diáfano de mulher. Era Alice! 
Ele a reconheceu. 
Como que agarrado por mãos invisíveis, não se pôde mover no lugar em que se achava, mas ouviu perfeitamente a visão dizer: 
-- Pedro, tu foste um dia o meu salvador. Dei-te a liberdade, mas sei que sofres, neste exílio onde te arrojou a impiedade de meu pai. Não te assustes e ouve-me. Não muito longe daqui, oculto nas entranhas da terra, existe uma mina de ouro. Ela será tua sob a única condição de nunca revelares a outrem esse lugar cobiçado. Se isso tentares, a vingança do gênio protetor da mina cairá sobre tua cabeça, ouviste? Cuidado, pois, e segue meus passos. 
-- Negro maldito! – gritou o capitão – não retardes a revelação. Onde está o tesouro? 
-- Sinhô... tá lá pra banda do... 
E o surdo ruído do baque de um corpo ecoou na sala da ‘Casa Grande’. 
Pedro caíra morto, fulminado, antes de revelar o sítio misterioso de tão cobiçado tesouro, que até hoje jaz nas proximidades do Corcovado. 
Pedro bem dizia: 
-- Negro num pode cuntá...13 

13 Extraído do livro "Ubatuba - Lendas & Outras Estórias" de Washington de Oliveira ("seo" Filhinho).

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

COISAS DO BRASIL PARTE 4 – REGIÃO SUDESTE - CAPÍTULO 13

Felipe, empolgado com seus escritos, passou a escrever sobre ‘Como Surgiram os Diamantes’. Aconteceu no tempo em que os bandeirantes entravam pelos sertões de Minas, atrás de ouro. 
O ouro era o principal objetivo, mas havia outros, como, por exemplo, escravizar os índios. 
Com esse intuito, os bandeirantes, atacavam as aldeias que encontravam, e as destruíam sem piedade. Os índios que conseguiam sobreviver eram transformados em escravos. 
Como os bandeirantes agiam sempre da mesma maneira, sua fama chegou até as aldeias que ainda não os conheciam. 
Assim, quando os índios destas aldeias percebiam a aproximação dos bandeirantes, tratavam de se defender o melhor que podiam, pois a derrota significaria escravidão. 
Uma vez, um grupo de bandeirantes acampou perto do local onde viviam os índios Puris. 
Os índios concentraram-se numa colina, onde se erguia, majestosamente, a Acaiaca. 
Para os Puris, a Acaiaca era de enorme importância. 
Representava a vida e dela recebiam as forças necessárias para a luta. 
Assim, se ela lhes faltasse, eles morreriam. 
Todos a adoravam. 
Era sob a tranqüilidade de sua sombra, que o Conselho se reunia para as grandes decisões. 
Os pais diziam aos filhos pequenos: 
-- Admirem essa grande e bela árvore! É a mãe de nosso povo. A ela devemos tudo o que temos, É ela que nos dá inspiração nos grandes momentos de nossa vida. Dá forças ao jovem guerreiro, para que vença, e sombra protetora ao ancião, para que repouse em paz, depois de tanta luta! 
A criança crescia amando e respeitando a bela e imponente árvore. 
Graças a Acaiaca, os índios sentiam-se unidos, irmanados, constituindo uma só família. 
Foi sob a proteção da Acaiaca que os índios se refugiaram. 
Dali, partiam em grupos e atacavam, de surpresa, o inimigo, que, por sua vez, os repelia com seus arcabuzes. 
Aqueles ataques e contra-ataques prosseguiram por algum tempo. 
Os bandeirantes, porém, já estavam ficando impacientes. 
Por isso reuniram-se para discutir o assunto. 
-- Há muito ouro nesta região, e não haverá de ser um bando de selvagens que vai-nos atrapalhar – disse o chefe. 
-- Acho que o único recurso é efetuarmos um ataque maciço contra eles e liquidá-los de uma vez – opinou alguém. 
-- Não dará certo. – respondeu o chefe. 
– Eles são muitos e nós somos poucos. Acabaríamos sendo vencidos. 
-- Não esqueça de que há uma grande diferença entre as nossas armas e as deles. – tornou a responder o outro. 
– Eles guerreiam com flechas, e nós com arcabuzes. Nem há comparação! 
-- Mesmo assim. – disse o chefe, pensativamente. 
– Não podemos esquecer a situação privilegiada em que se encontram. Eles estão no alto da colina e nós, embaixo. Até que conseguíssemos chegar lá, estaríamos todos mortos, apesar de nossos arcabuzes. – os outros foram obrigados a concordar com a argumentação do chefe. 
Após um prolongado silêncio, um outro sugeriu: 
-- Já sei o que fazer! Uma vez que não é possível vencê-los, vamos propor-lhes sociedade no ouro que encontrarmos! 
Foi uma risada só! 
No que o chefe explicou: 
-- Você pensa que estamos negociando com gente civilizada? Eles estão pouco ligando para o ouro! O que desejam é que nos afastemos daqui, para viverem em paz! Têm medo de ser escravizados por nós! De qualquer modo, não vamos sair daqui. Se eles pensam que vamos abandonar, assim, o nosso ouro, estão enganados. Uma hora ou outra haveremos de encontrar um modo de nos livrarmos deles. 
E permaneceram onde estavam. 
Os índios, por sua vez, já estavam cansados de tolerar a presença dos seus persistentes inimigos e começaram a preparar um formidável ataque, que deveria liquidar os bandeirantes de uma só vez. 
-- É uma grande humilhação, para nós, a presença desses homens em nosso território. – disse um guerreiro. 
– Vamos unir nossas forças e, com a ajuda de nossa deusa Acaiaca, conseguiremos derrotá-los. 
-- Muito bem. – disse outro. 
– Comecemos já os preparativos. Se demorarmos, eles acabarão por se estruturar de tal forma, que não mais nos será possível vencê-los! 
Logo reinava no acampamento dos índios o maior movimento. 
Os guerreiros discutiam o melhor modo de atacar e o momento mais favorável. 
Por fim, decidiram que o ataque seria na manhã seguinte, pouco antes do nascer do sol. 
Foi quando o grande chefe Cururupeba se lembrou de um casamento que aconteceria dentro de poucos dias: 
-- Não convém estragarmos, com lutas e preocupações, a alegria que precederá a festa. Depois do casamento, faremos o ataque aos brancos. 
A palavra do chefe não podia ser desobedecida e os guerreiros foram obrigados a se conformar. 
Entre os índios vivia um mestiço chamado Tomás Bueno. 
Ele resolveu trair os companheiros, em troca de algum favor dos bandeirantes. 
Procurou-os e contou-lhes o que acontecia. 
Os bandeirantes ficaram alarmados. 
De nenhum modo conseguiriam resistir a um ataque maciço dos indígenas. 
O que fazer? 
O mestiço disse-lhes: 
-- Haverá um casamento, dentro de alguns dias, e todos os índios se retirarão para as margens do rio, onde será realizada a festa. Esta será a oportunidade para vocês conseguirem a vitória. 
-- Não entendo. – respondeu o chefe dos bandeirantes. – O que tem isso? 
O mestiço deu um sorriso e respondeu: 
-- É simples. Na colina, há uma árvore que é uma verdadeira deusa para eles. A crença que possuem nela, é o que os mantém unidos e lhes dá forças para a luta. Se essa árvore lhes faltasse, eles não mais se entenderiam e acabariam guerreando entre si, compreenderam? Assim, poderiam ser derrotados por vocês. 
Os bandeirantes nem piscavam, tanto era o interesse com que escutavam as palavras do mestiço, cujo nome indígena era Peropiranga, que quer dizer branco e vermelho, porque ele possuía sangue europeu e índio. 
-- Tão logo eles partam – ensinou o traidor. – Vocês subirão a colina e derrubarão a árvore sagrada. Quando eles voltarem e virem o que aconteceu, sucederá o que eu lhes disse: lutarão entre si e os sobreviventes serão facilmente derrotados. 
Os bandeirantes não sabiam o que fazer de tanto contentamento: sorriam, apertavam-se as mãos, abraçavam o mestiço. 
Passados os primeiros momentos de euforia, o chefe perguntou a Tomás Bueno: 
-- E como saberemos que eles não estão mais na colina? Daqui não dá para ver! 
-- Será na próxima lua cheia, mas não se incomodem, que darei um jeito de avisá-los. – prometeu ele. Como os índios estavam agora preocupados com os preparativos da festa, não realizavam sequer os pequenos ataques contra os brancos, que aproveitaram a oportunidade para garimpar sossegadamente.
Surgiu a lua cheia. 
O mameluco veio correndo, confirmar a partida dos índios para as margens do rio. 
Alguns bandeirantes ficaram guardando o acampamento, mas a maioria tomou a direção da colina.
 Apesar da confirmação do mestiço e do silêncio que demonstrava estar deserto o lugar, os invasores caminhavam atentos, desconfiados. 
Não seria uma cilada, na qual iriam cair como mosca em teia de aranha? 
Não. 
Era impossível que o mestiço, que seguira com os índios, tivesse pregado uma mentira. 
Interessante que só agora estivessem pensando nesta possibilidade. 
Assim foram-se aproximando com exagerada cautela, os arcabuzes prontos para o tiro. 
Três homens levaram os machados para abater a secular Acaiaca, a deusa sagrada dos índios Puris. Logo verificaram que o mameluco não os havia ludibriado. 
Percorreram toda a colina, e não viram sequer a sombra de um índio. 
Todos tinham seguido para as margens do rio, onde se realizaria o ritual do casamento. 
Lá demorariam o tempo suficiente para que os bandeirantes pudessem cumprir seu intento. 
Voltaram-se, pois, para a Acaiaca e não conseguiram reprimir a emoção que sentiam diante da árvore sagrada. 
Era mesmo linda e majestosa! 
A lua cheia iluminava-a serenamente e dava-lhe uma misteriosa tranqüilidade, que convidava a falar baixo, a meditar. 
Isto não foi suficiente, porém, para modificar a vontade dos invasores, em sua fome de ouro e poder. 
À uma ordem do chefe, os que empunhavam os machados principiaram a abatê-la. 
As pancadas se sucediam, soando lugubremente no silêncio da noite. 
Bastaram alguns momentos para destruir o que a natureza levara tantos anos para criar. 
A deusa dos índios tombou pesadamente, turvando o ar com a poeira levantada pelo impacto. 
Depois, o ar ficou novamente límpido e eles puderam admirar, com um sorriso, o resultado de seu trabalho. 
Instintivamente, percebiam que, junto com a Acaiaca, tombara o espírito de concórdia e compreensão, que matinha unidos aqueles selvagens. 
Só restava esperar. 
Os bandeirantes voltaram ao acampamento. 
Os índios regressavam contentes da festa, rindo e falando alto. 
Cururupeba marchava à frente, com imponência e gravidade, preocupado com o combate de vida e morte que deveria travar com os invasores. 
De repente, ele gritou, apontando para o lugar onde antes se erguia a árvore sagrada: 
-- Olhem! Que aconteceu à nossa deusa? 
Ficaram todos paralisados pela surpresa. 
Só se recobraram ao ver seu chefe correr em direção ao lugar em que antes estava a Acaiaca. 
Correram também. 
Foi um gemido só, quando deram com a árvore sagrada, a deusa que os protegia, tombada no chão. 
Não podiam compreender o que acontecera. 
-- Foram os brancos, disse Paracaçu, o pajé. Foram os brancos que a destruíram! 
O chefe ordenou que os profanadores fossem atacados imediatamente. 
Seriam aniquilados sem piedade. 
Pagariam o que tinham feito. 
Com gritos furiosos, os guerreiros foram à luta. 
Foi quando o pajé falou: 
-- Jamais conseguiremos derrotá-los. 
-- Por que? – estranhou o chefe. 
-- Porque seremos derrotados por nós mesmos. 
-- Como assim? 
-- Sem a proteção de nossa deusa, não teremos mais união nem paz entre nós. Haverá inveja entre as mulheres, e disputa entre os guerreiros. Faremos a nós mesmos, o que os brancos não conseguiram fazer. 
E nisso, o que o pajé dissera, começou a acontecer: os guerreiros, que se davam como irmãos, puseram-se a brigar como inimigos. 
As mulheres discutiam por qualquer bobagem. 
As crianças gritavam. 
Começaram todos a se bater por nada. 
Quando o mestiço traidor contou aos bandeirantes o que acontecera, eles atacaram imediatamente e não encontraram nenhuma resistência. 
Os índios que se salvaram, fugiram para a mata. 
Finalmente, os brancos eram donos da região. 
Agora poderiam procurar, em paz, o seu ambicionado ouro. 
Estavam eles na colina quando apareceu, recortada contra o céu, a figura do pajé. 
Magro, sujo pela batalha, com tanto ódio estampado no rosto que inspirava medo. 
Foi então que correu para a árvore tombada e ateou-lhe fogo, com um gesto. 
Em seguida, ele entrou no meio das labaredas, gritando aos bandeirantes: 
-- Por causa de sua ambição, destruíram uma tribo. Querem riquezas? Pois nossa deusa lhes dará tanta riqueza, que nem poderão acreditar! Mas esta mesma riqueza haverá de destruí-los! 
E desapareceu nas chamas da Acaiaca. 
Um violento temporal desabou. 
Depois, a terra tremeu. 
Então, a árvore sagrada explodiu e suas brasas, arremessadas por todos os cantos, transformaram-se em diamantes. 
Assim que perceberam a beleza das pedras, os bandeirantes espalharam-se em todas as direções, cada um querendo pegar mais pedras que os outros. 
Por causa delas, começou uma briga tão acirrada, que não sei se algum deles conseguiu sobreviver. 12  

12 Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). - São Paulo: APEL Editora, sem/data.

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.


segunda-feira, 17 de agosto de 2020

COISAS DO BRASIL PARTE 4 – REGIÃO SUDESTE - CAPÍTULO 12

Sobre a origem da figura de Malasartes, Felipe pesquisou e descobriu que Pedro Malasartes é figura tradicional nos contos populares da Península Ibérica, como exemplo do burlão invencível, astucioso, cínico, inesgotável de expedientes e de enganos, sem escrúpulos e sem remorsos. 
O episódio mais tradicional é a venda de uma pele de cavalo, urubu ou outro pássaro vivo, tido como adivinho, por anunciar o jantar escondido pela adúltera e expor o amante como sendo um demônio. 
O nome de Pedro se associa ao apóstolo São Pedro, com anedotário de habilidade imperturbável, nem sempre própria do seu estado e título. 
Na Itália, França, Espanha e Portugal, São Pedro aparece como simplório, bonachão, mas cheio de manhas e cálculo, vencendo infalivelmente. 
Rodriguez Marín registra o Cinco Contezuelos Populares Andaluzes, onde o divino chaveiro, é um exemplo de finura velhaca e simplicidade ladina. 
Pedro Malasartes é a figura humana que determinou um ciclo de facécias em maior quantidade, de exemplos e com atração irresistível. 

Com isso, Felipe passou a escrever sobre as: 
Três Aventuras de Pedro Malasartes no Céu
A primeira é esta: 
Cansado de vagar pelo mundo, Malasartes resolveu dar um passeio ao céu, onde chegou com três dias de viagem. 
Bateu no portão do paraíso e esperou. 
Pouco depois ouviu a voz de São Pedro: 
-- Quem é? 
-- Sou eu. 
-- Eu quem? -- Pedro Malasartes. 
– Que vem você fazer aqui no céu? 
-- Vim dar um passeiozinho. Quero ver essas belezas aí de dentro. 
-- Não pode ser, moço. No céu não entra ninguém vivo. 
-- Tenha piedade, São Pedro, só quero dar uma espiadinha… 
-- Nada, não é possível! 
-- Ora, abra, São Pedro, abra por favor… é só um instante… Deixe-me ao menos botar a cabeça aí dentro… 
E tanto pediu e rogou, que São Pedro, já abalado, ou caceteado, entreabriu-lhe a porta para que espiasse. 
Malasartes deitou-se, mais que depressa, de barriga para baixo, com os pés voltados para a porta, e foi-se deslizando para dentro do céu. 
São Pedro protestou, mas o Malasartes retrucou-lhe que o santo havia se comprometido a deixá-lo meter a cabeça no céu, e era o que estava fazendo... 
O chaveiro celeste não outro teve remédio senão conformar-se, porque palavra de santo é como a de rei, não volta atrás; e o caso é que quando a cabeça de Malasartes penetrou no céu já estava o corpo dele inteirinho… 

A segunda é esta: 
Andando Malasartes por uma estrada, encontrou-se com um pobre, que lhe pediu esmola. 
Deu um vintém ao pobre, e este que não era outro senão Nosso Senhor, que fez-lhe presente de um gorro vermelho, declarando-lhe que só ele Malasartes e ninguém mais poderia pôr a mão naquele objeto. 
Tempos depois, cansado de vaguear pelo mundo, entendeu Malasartes de dar um passeio ao céu. 
Para lá se encaminhou, e depois de três dias de viagem, batia no portão de São Pedro. 
O santo porteiro perguntou lá de dentro quem era, e ele respondeu. 
Perguntou o que desejava, e respondeu. 
O santo negou-lhe a permissão pedida; mas o viajante tanto rogou, tanto chorou que ele consentiu em entreabrir a porta para que espiasse um pouco. 
Mal viu a fresta, Malasartes atirou o gorro pra dentro e começou a gritar: 
-- Quero o meu gorro, quero o meu gorro! 
São Pedro prontificou-se a ir buscá-lo, mas o burlão protestou: 
-- Não pode ser, só eu posso pegar no meu gorro. Ninguém mais, só eu. São ordens de Nosso Senhor. 
São Pedro tratou de certificar-se da verdade, e veio a saber que Malasartes não mentia. 
De formas que, não havia outro remédio: deixou-o entrar para apanhar o gorro. 
Assim Malasartes conseguiu entrar no céu. 
Mas não se demorou lá muito tempo... 

A terceira é a seguinte: 
Um dia chegou para Malasartes a hora de ir para o outro mundo, e de nada lhe valeu a esperteza; teve que marchar. 
Quando se viu no estradão da eternidade, pensou no que faria, e resolveu, em primeiro lugar, ir bater à porta do céu. 
Lá foi; mas São Pedro, assim que o enxergou, deu-lhe com a porta na cara. 
Então deliberou ir ao inferno; foi, bateu, mas o porteiro, dando com o homem que surrava até os diabos, tratou de fechar o portão com quantas trancas havia, e foi correndo avisar o seu rei. 
Houve um rebuliço dos diabos no inferno: pavor e correrias por todos os cantos. 
O próprio Satanás tremeu; mas, recuperando o sangue frio, pensou, pensou e ordenou que se deixasse entrar o hóspede. 
E disse-lhe: 
-- Eu não quero você no inferno, Malasartes; você, além do que já fez, ainda é capaz de vir aqui revolucionar a minha gente. 
– Tenha paciência, seu Satanás, mas aqui estou e aqui fico. 
– Então vou fazer uma proposta: que se decida o seu destino pela sorte do jogo. Aceita? 
– Feito! 
-- Se você perder, irá diretinho para o caldeirão. 
-- Está dito. E se eu ganhar, você me paga com uma das almas que lá estão fervendo. 
Começaram o jogo, e cada qual fazia o possível para passar a perna no outro. 
Mas Pedro Malasartes era mais esperto e ganhou a primeira partida, depois a segunda e assim outras. Satanás, vendo que não podia derrotar o parceiro e que ia perdendo almas sobre almas, postas em liberdade por Malasartes, mandou botar o insuportável para fora do inferno. 
Malasartes andou vagando como alma penada, por muito tempo, sem saber onde havia de se aboletar... Até que um dia teve uma idéia e tocou de novo para o céu. 
Chegando à porta do céu, tomou uns ares muito humildes, e bateu devagarinho. 
São Pedro abriu um postigo, enfiou a cabeça e perguntou: 
-- Quem bate a estas horas? 
-- Sou eu, meu santo… 
-- Eu, quem? Diga o que quer, e toca! 
-- Será possível que o meu santo padroeiro não me reconheça… Pois eu sou o Pedro Malasartes. 
-- Malasartes?! Outra vez?! Já não lhe disse que o seu lugar não é aqui? 
-- Não se zangue, meu santo, meu grande santo… Sei muito bem que nunca entrarei neste lugar de glória… 
-- Então vamos ver. O que quer? Malasartes, com muita brandura e muita lábia, pediu ao santo que entreabrisse ao menos a porta, um bocadinho, só para que pudesse espiar por um momento a beleza do céu. 
Tanto pediu e tanto fez, que São Pedro o atendeu. 
Então, mais que depressa Malasartes atirou o chapéu pela fresta. 
São Pedro bufou e descompôs o patife. 
Tanto barulho fez que começaram a ajuntar-se magotes de anjos, e de justos ali junto da porta. 
Acontece que o chapéu era um objeto terreno, além de estar muito sujo, e ninguém no céu lhe podia tocar. 
Mas Pedro Malasartes reclamava o chapéu, não abria mão, e enfim, para encurtar, não houve jeito senão, permitir-lhe que entrasse. 
E o malandro, entrou, muito contente, com ar vitorioso. 
Mas o atrevimento não ficou sem castigo. 
Levaram o tal para junto de um monte enorme de milho, e mandaram-no contar os grãos um por um. Malasartes, que remédio! 
Começou a contar, a contar, a contar, e levou um mundo de tempo a amontoar os grãozinhos para um lado. 
Quando já estava acabando a contagem, veio um anjo e misturou tudo. 
E Malasartes teve de contar de novo… 
E até hoje lá está contando e recontando os grãos de milho, sem acabar nunca.8 

A seguir, Felipe passou a escrever sobre: 
Uma Aventura de Pedro Malasartes:9 

“Era um turco muito rico
Tinha fazendas de gado 
Traficante em seus negócios
Como nunca tinha achado 
Quem se metia com ele 
Sempre saía logrado 

Morava em sua fazenda 
Se orgulhava da riqueza 
Era um sujeito orgulhoso 
Só pensava na grandeza 
Nunca ligou importância 
Às misérias da pobreza 

Em outro lugar distante 
Morava um velho ancião 
Tinha dois filhos rapazes 
Que era Pedro e João 
Era pobre de dinheiro 
Mas tinha bom coração 

Um dia João saiu 
À procura de serviço 
E foi na casa do turco 
Que era um precipício 
O turco quando viu ele 
Parece que fez feitiço 
João lhe pediu dormida 
Depois em conversação 
Perguntou se ali não tinha 
Alguma colocação?

O turco disse: 
Você 
Veio em boa ocasião 
Eu tenho muito serviço 
Porém sou muito exigente 
Quem quer trabalhar aqui 
Não se queixa de doente 
Por mais que seja a doença 
O freguês faz que não sente 

João disse – eu gosto muito 
De quem me diz a verdade 
Pois eu indo trabalhar 
Me arrependo mais tarde 
Me queixo de estar sofrendo 
Por minha livre vontade 

Disse o turco – meu amigo 
Se não agüentar o tombo 
Se arrependendo eu lhe tiro 
O couro todo do lombo 
Você voltará daqui 
Todo cheio de calombo 

O turco tinha um costume 
Que todo seu empregado 
Se não fizesse o serviço 
Por ele determinado 
Voltava da casa dele 
Pra toda vida aleijado 
João assinou o contrato 
Conforme o turco queria 
E ainda lhe garantiu 
Que nunca se arrependeria 

O turco disse sorrindo: 
--Você só trabalha um dia 
O turco no outro dia 
Mandou João trabalhar 
E disse: esta cachorra 
Vai contigo te ensinar 
Você só vem pro almoço 
A hora que ela voltar 
João lhe disse: sim, senhor 
Está tudo combinado 
Se a cachorrinha morrer 
Eu fico lá no roçado 

O turco disse à mulher: 
Este sujeito é danado 
João saiu para o roçado 
Junto com a cachorrinha 
Saiu pensando na vida 
Sem saber que hora vinha 
E dizendo – este negócio 
Foi uma desgraça minha 

A cachorrinha chegando 
No roçado foi deitar-se 
Era meio-dia em ponto 
João largou e foi sentar-se 
Pois só voltava pra casa 
Quando a cachorra voltasse 
Deu quatro horas da tarde 
E a cachorrinha deitada 
João danado de fome 
Já não valia mais nada 
Disse ele: esta cachorra 
É muito bem ensinada 

Às oito horas da noite 
Foi que a cachorra voltou 
– João saiu atrás dela 
E quando em casa chegou 
O turco disse sorrindo: 
És muito trabalhador 
Então João respondeu: 
Eu gosto de trabalhar 
Mas esta sua cachorra 
Só falta mesmo é falar 
O turco disse: ela faz 
Tudo quanto eu mandar 

No outro dia saiu 
Novamente pro roçado 
E a cachorra também 
Como no dia passado 
Ela praticou o mesmo 
Que já tinha praticado 
Neste dia João chegou 
Com a enxada no ombro 
E foi dizendo ao turco: 
Tire-me o couro do lombo 
Antes que eu morra de fome 
Pois da desgraça não zombo 
O turco disse: eu sabia 
Que tu não agüentava 

E o couro do teu lombo 
Com minha faca eu tirava 
Porque aquele contrato 
Só você mesmo aceitava 
Tirou a tira de couro 
Do espinhaço de João 
Este voltando pra casa 
Contou tudo ao seu irmão 
Ele disse: aquele turco 
Me paga esta judiação 
E arrumou a bagagem 
Se despediu do irmão 
E disse ao pai: se eu morrer 
Reze na minha intenção 
Só quero que não me falte 
A sua santa benção 

Pedro foi até a casa 
Que o irmão tinha ensinado 
Chegou lá, pediu dormida 
Porque estava enfadado 
Em conversa, o turco disse: 
Preciso de um empregado 
Pedro disse – estou aqui 
À procura de serviço 
E não encaro trabalho 
Nem tampouco precipício… 

O turco disse: comigo 
A coisa não é só isso 
O turco disse – pois bem 
Faço um contrato consigo 
De nós quem se arrepender 
Fica sujeito ao castigo 
Pedro disse: sendo eu 
Faça o que quiser comigo 
Aí o turco o chamou 
Lhe dizendo – veja lá 
Aquelas tiras de couro 
Que estão naquele lugar 
Sou eu que tiro do lombo 
De quem não quer trabalhar 

Pedro disse – eu lhe garanto 
Que o senhor fica contente 
Pois eu tenho trabalhado 
Com toda raça de gente 
E com quinze dias de febre 
Não digo que sou doente 
Então respondeu o turco 
Amanhã vás trabalhar 
E aquela cachorrinha 
Vai pra roça te ensinar 
Você só vem pro almoço 
A hora que ela voltar 

Quando foi no outro dia 
Pedro foi para o roçado 
A cachorra foi com ele 
Como estava combinado 
Ele dizia consigo: 
O turco está enganado 
Chegando ele ao roçado 
Começou a trabalhar 
A cachorrinha deitou-se 
E ele pôs-se a pensar 
Depois disse – às onze horas 
Eu preciso ir almoçar 
Quando foi às onze horas 
Ele pegou a enxada 
Descarregou na cachorra 
Uma tão grande pancada 
Que ela saiu pra casa 
Numa carreira danada 

Quando Pedro foi chegando 
O turco lhe perguntou: 
Tu deste nesta cachorra 
Que ela tão cedo voltou? 
Disse Pedro – não fiz nada 
Foi a fome que obrigou 
A mulher do turco disse: 
-- Dispense este rapaz 
O que fizeste com os outros 
Com este você não faz 
Este moço tem astúcias 
Para vencer Satanás 

O turco disse: ele perde 
Pois um contrato que faço 
Não tem homem que agüente 
Nem sendo feito de aço… 
A velha disse – ele tira 
Couro do teu espinhaço 
Ainda disse – amanhã 
Tu vais ver como te enganas 
Porque eu vou mandar ele 
Roçar o mato das canas 
Só deixar ficar em pé 
As touceiras de bananas 

Pedro disse – eu faço tudo 
Quanto meu patrão quizé 
Amanhã lá no roçado 
Não fica uma cana em pé 
No outro dia saiu 
Nem esperou o café 
Chegando lá no roçado 
Fez tudo quanto dissera 
Deixou o roçado limpo 
Como se fora tapera 
O turco ficou danado 
Que parecia uma fera 

O turco disse – amanhã 
Tens um serviço melhor 
Eu quero um carro de lenha 
Que não se encontre um nó 
Pedro disse – eu trago é dez 
Se não for preciso um só 
No outro dia saiu 
E ganhou as capoeiras 
Cortou o carro bem cheio 
De rolos de bananeiras 
O turco disse: você 
Só vive de brincadeiras 

Pedro disse: neste mundo 
Nada me merece dó 
O que fizeste com vinte 
Agora pagas a um só 
Eis o pau que neste mundo 
Nasceu e cresceu sem nó 
Aí o turco lhe disse: 
Eu ando um pouco doente 
E vou passar alguns meses 
Desta fazenda ausente 
Quando voltar quero os bichos 
Tudo sorrindo contente 
Disse Pedro isto é o menos 
Muito mais tenho passado 
Quando eu souber que ele vem 
Eu mando juntar o gado 
Quando ele chegar encontra 
Tudo de beiço cortado 

Já faziam cinco meses 
Que o turco tinha saído 
Um dia ele escreveu 
Perguntando o ocorrido 
E como estava seu gado 
Se estava muito lutrido? 
Pedro recebeu a carta 
E leu com toda atenção 
O turco mandou dizer 
Que voltava no verão 
E Pedro fosse esperá-lo 
Na porta da estação 

Quando foi no outro dia 
Pedro lhe escreveu dizendo: 
O seu gado está tão gordo 
Que de gordo está morrendo 
Ainda não está sorrindo 
Porém está aprendendo 
O turco ao ler a carta 
Que Pedro tinha mandado 
Disse consigo: é capaz 
Dele matar o meu gado 

Se assim for eu chego lá 
E dou parte ao delegado 
Um dia ele escreveu 
Dizendo que vinha embora 
Pedro mandou juntar o gado 
E disse: chegou a hora 
De pôr meu plano em ação 
E vou cuidar sem demora 

Mandou chamar dois vaqueiros 
E disse: juntem esse gado 
Eu quero estes animais 
Tudo de beiços cortado 
Pra quando o dono chegar 
Ficar bastante espantado 
E quando o turco chegou 
Que foi olhar no curral 
Os bichos tudo sorrindo 
Com alegria geral 
Disse: agora desta vez 
Meu espinhaço está mal 
E disse: você seu Pedro 
Deu-me um grande prejuízo 
O serviço que fizeste 
É de quem não tem juízo 

Pedro disse: não senhor 
Só fiz o que foi preciso 
Aí o turco lhe disse 
Dou-te cem contos em ouro 
Pra você não tirar 
De meu espinhaço o couro 
Pedro disse: eu não dispenso 
Nem que me dê um tesouro 
O turco disse – pois bem 
Como me aleijaste o gado 
Também não faço questão 
De me deixar aleijado 
Tira o couro do meu lombo 
E fica como empregado 
Pedro lhe disse – não fico 
Porque tu me faz traição 
Tu já tiraste o couro 
Do lombo do meu irmão 
Eu vim somente vingar 
Esta tua judiação 

Tirou o couro do turco 
E saiu no outro dia 
Quando chegou em casa 
O pai chorou de alegria 
Pedro disse: eis o couro 
Que prometi que trazia-10 

Felipe, fascinado com as histórias de Pedro Malasartes escreveu mais algumas de suas aventuras. Assim, começou contando a história de ‘Um patrão zangado’: 
Era uma vez um casal de velhos camponeses que tinha dos filhos: João, o mais velho, e Pedro, o mais novo, chamado de Malasartes por ser muito arteiro. 
Quando chegou à idade de trabalhar, João se empregou numa fazenda, mas o fazendeiro exigia contratos impossíveis de serem cumpridos e, por isso, não pagava os empregados. 
Ao fim de um ano, João voltou para casa mais morto do que vivo, inclusive sem a pele das costas, que tinha sido esfolada pelo fazendeiro. 
Furioso, Pedro Malasartes resolveu vingar o irmão e foi trabalhar para o fazendeiro. 
Este lhe impôs duas condições: nunca enjeitar trabalho e quem primeiro se zangasse, perdia o couro para o outro. 
Pedro aceitou. 
Sua primeira tarefa foi capinar o mato numa plantação de milho. 
Parecia simples, mas o patrão mandou uma cachorrinha com Pedro, e advertiu o rapaz de que só poderia suspender o trabalho quando a cachorrinha resolvesse voltar para casa. 
Pedro trabalhou da madrugada até o meio-dia e a cachorrinha, deitada na sombra, nem se mexia, de modo que ele percebeu que havia uma combinação entre ela e o fazendeiro. 
Mas, ao invés de fazer como seu irmão João, que na mesma situação tinha continuado trabalhando, Pedro deu uma paulada na cachorrinha, que disparou ganindo e só foi parar para lamber a ferida no alpendre da casa. 
De acordo com o trato, 
Malasartes já podia parar a capina. 
No outro dia, o fazendeiro mandou Pedro limpar uma roça de mandioca. 
Pedro não teve dúvidas: “limpou” mesmo, arrancando toda a plantação de mandioca, deixando o terreno completamente nu. 
Pedro sabia que o patrão não poderia se zangar, do contrário teria seu couro esfolado. 
Por isso, quando o patrão, furioso, viu o mandiocal destroçado, 
Pedro lhe perguntou, matreiro: “Zangou-se, patrão?” 
Embora espumando de ódio, o fazendeiro teve de dizer que não. 
No terceiro dia, Pedro recebeu a tarefa de encher um carro de boi com paus sem nós. 
Mais uma vez, não teve dúvidas: cortou todos os pés do bananal e disse depois ao fazendeiro que, evidentemente, tronco de bananeira é um típico pau que não tem nó... 
Ou o patrão ia querer ficar zangado?... 
No quarto dia, o patrão mandou Pedro à feira vender um bando de porcos. 
O rapaz vendeu os porcos por bom dinheiro, mas, antes, cortou todos os rabos e ficou com eles. 
De volta à fazenda, enterrou todos os rabinhos num lamaçal e foi avisar o fazendeiro que os animais tinham morrido atolados. 
O patrão descobriu o truque, mas, como não podia se mostrar zangado, Pedro acabou ficando com o dinheiro... 
Só foi despedido. 

A seguir escreveu sobre a lenda da ‘Panela Mágica’: 
Tendo deixado de trabalhar no seu primeiro emprego numa fazenda, Pedro Malasartes, que andava por uma estrada no campo, sentiu que estava apertado para defecar. 
Aliviou sua necessidade ali mesmo, no mato à beira da estrada. 
Foi quando percebeu, que por perto andava um caçador. 
Rápido como um raio, Malasartes cobriu seus excrementos com o chapéu, segurando as abas como se estivesse guardando uma coisa preciosa. 
O caçador chegou perto, ficou curioso e perguntou: 
-- O que é que você está guardando aí? Pedro respondeu: 
-- O passarinho mais lindo do mundo. Foi muito difícil, levou muito tempo, mas consegui apanhá-lo. Estou só esperando passar algum conhecido para mandar buscar uma gaiola e, depois, vender o passarinho. 
É claro que Pedro Malasartes havia percebido que o outro, como bom caçador, devia adorar passarinhos. 
E não deu outra: 
-- Eu compro o passarinho – disse o caçador, e nem discutiu o preço, pagou a Pedro uma quantia absurda e então lhe pediu. 
– Agora, monte no meu cavalo e vá buscar uma gaiola. 
É também claro que Pedro Malasartes havia calculado desde o início que o caçador ia justamente, lhe oferecer o cavalo e também que ele não ia querer levantar o chapéu, pois o tal passarinho poderia fugir.
Com isso Pedro Malasartes desapareceu a cavalo, para nunca mais voltar, imaginando com que cara o caçador ia ficar, quando finalmente perdesse a paciência e levantasse o chapéu, tentando agarrar depressa o que estava embaixo dele, para não deixar o ‘passarinho’ fugir. 
De noite, Malasartes chegou numa tapera abandonada e acendeu fogo para esquentar sua panelinha de comida. 
Ouviu que vinha gente e, para não dividir o jantar, cobriu o fogo com areia, mas não teve tempo de esconder a panela. 
Chegaram então à tapera, uns homens que estranharam muito que a comida estivesse fervendo sem haver fogo. 
Pedro explicou que sua panelinha era mágica e funcionava assim mesmo, sem fogo. 
Encantados, os homens quiseram comprar a panelinha, que Pedro vendeu por um bom preço, dizendo apenas que, para se despedir da panelinha, iria comer o jantar – e que ela só voltaria a funcionar algum tempo depois. 
Então, regalado e com dinheiro, Malasartes foi embora e nunca mais voltou por aquelas bandas. 

Por fim, Felipe escreveu sobre ‘A leitoa assada’: 
Continuando em suas andanças sem fim, Pedro chegou certa noite a um vilarejo e foi à casa do juiz, pedindo pousada e dizendo-se um doutor. 
O juiz não estava. 
Mas filho acreditando na história de Pedro, serviu-lhe um jantar e lhe providenciou um quarto. 
Quando o juiz chegou, Pedro Malasartes estava dormindo e, assim, os dois não se encontraram. 
Mas Pedro acordou de noite enjoado. 
A comida lhe fizera mal. 
Ficou com vontade de vomitar e foi à janela, abrindo-a para descomer para fora. 
A cachorrada começou a latir e, para não despertar todo mundo, Pedro fechou a janela. 
A situação de Malasartes era terrível: estava passando mal, suando frio, segurando o vômito. 
Então, teve uma visão salvadora: numa prateleira, imponente e lustrosa, estava a cartola do juiz. Malasartes, um inimigo nato de toda pompa, não teve dúvidas: vomitou dentro da cartola e, no dia seguinte de manhã, quando só os criados estavam acordados, foi embora sem se despedir de ninguém. 
Já pensaram na cara com que o juiz ficou quando foi usar aquela cartola na primeira solenidade? Daquele vilarejo, Pedro voltou finalmente para sua casa e descobriu que seu pai tinha morrido e que, na partilha dos poucos bens do velho, lhe coubera apenas a porta da casa. 
Pedro então saiu pelo mundo carregando aquela porta e, na estrada, deu com um bando de urubus devorando um burro morto. 
Jogou a porta sobre os urubus, que saíram todos voando, menos um que teve uma asa e uma pata quebradas. 
Pedro pôs esse urubu debaixo do braço e saiu andando. 
Bem mais tarde, já faminto, passou por uma casa à beira da estrada, e sentiu cheiro de leitoa assada.
Bateu à porta para pedir comida, mas atendeu uma senhora de meia-idade dizendo que não podia recebê-lo porque o marido não estava. 
Pedro então ficou escondido atrás de uma árvore. 
Aí, viu chegar um jovem que evidentemente não era o marido da mulher, mas que foi recebido por ela.
Algum tempo depois, o jovem foi embora e Pedro continuou escondido. 
Chegou finalmente o marido, entrou em casa – e aí Pedro bateu de novo à porta, para pedir comida, sempre com o urubu debaixo do braço. 
O marido, que estava jantando, ofereceu comida a Pedro, mas era comidinha de todo dia. 
Pedro então disse: 
“Meu urubu fala, quer ver?” 
E deu um apertão no machucado do urubu, que ficou grasnando. 
Pedro então traduziu: 
“Ele disse que neste guarda-comida tem um bom pedaço de leitoa assada”. 
A mulher, assim denunciada, foi obrigada a servir para os dois o que sobrara da leitoa que preparara para o jovem amante. 
E Pedro ainda vendeu o tal urubu falante ao espantado marido.11

8 (AMARAL, Amadeu. Tradições populares) 9 (Tadeu de Serpa Martins).
10 (CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores).
11 (Extraído de Almanaque do Globo Rural, ano I, 1987, Editora Rio Gráfica Ltda.)

DICIONÁRIO:
bur·lão
(burla + -ão)
adjectivo e nome masculino
Que ou quem pratica burla; que ou quem recorre a artifícios para enganar. = BURLADOR
Feminino: burlona.
"burlão", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/burl%C3%A3o [consultado em 17-08-2020].

facécia
substantivo feminino
1. qualidade ou modo facecioso.
2. dito chistoso; chacota, gracejo, pilhéria.

Lutrido
Significado de Lutrido Por Ubaldo de Oliveira Nunes (DF) em 01-06-2009    
Intrometido; atrevido.
Pra velho lutrido, toucinho ardido.

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

COISAS DO BRASIL PARTE 4 – REGIÃO SUDESTE - CAPÍTULO 11

Com isso, sempre que podia, aproveitava os momentos que seriam de ócio, para escrever sobre as lendas da região. 
Assim, passou a escrever sobre a lenda de ‘O Sol e a Lua’. 
O Sol era um belo rapaz, muito forte e inteligente. 
Já a Lua, esta era uma indiazinha muito bonita e delicada. 
Os dois se conheceram em uma festa da tribo. 
Uma grande e bela festa iluminada por fogueiras e vaga-lumes. 
O Sol, em meio aos festejos, viu a Lua e ficou apaixonado por ela. 
A Lua por sua vez, viu o Sol e também ficou enamorada dele. 
A partir daí, começaram a namorar. 
Contudo, a Lua era muito orgulhosa e gostava de ser importante. 
Não era a qualquer festa que ela ia, não. 
Nem a qualquer passeio. 
O Sol, no entanto, era mais camarada e aceitava qualquer convite. 
Assim, enquanto a Lua ficava geralmente fechada na Oca, o Sol andava por tudo quanto era lugar, divertindo-se para valer. 
Caçava, pescava, nadava. 
Mas a Lua não andava contente com seu jeito de viver. 
Queria que ele fosse mais preocupado, que selecionasse melhor suas amizades. 
Porém, orgulhosa nada dizia. 
Mas o Sol notava que ela não estava satisfeita e não sabia o motivo. 
Com isso, havia, também, outra coisa que aborrecia a Lua. 
Ela era muito vaidosa e gostava de se enfeitar e se pintar. 
O Sol, por sua vez, não se cuidava muito. 
Contudo, a despeito disso, certa vez, o Sol, cansado do ar de enfastio da Lua, insistiu para que a mesma lhe contasse o motivo de sua tristeza. 
Mas a Lua não dizia. 
Um dia, porém, deixando um pouco de lado seu orgulho, contou o que se passava: 
-- Você deveria ser mais vaidoso e mais exigente! Queria que se enfeitasse mais, que escolhesse suas amizades com mais cuidado e também seus passeios. 
-- Por que? Gosto de ser simples, de conviver com todos, de ir a qualquer lugar! 
-- Mas assim não está certo. Assim não ficarei contente. Quero que meu namorado seja mais importante do que os outros! 
Nisso, ao ouvir as duras palavras da Lua, o Sol ficou muito triste. 
Como gostava da Lua, pôs-se a pensar no que ela havia dito. 
E assim, começou a evitar os amigos. 
Como desculpa, dizia que ía pescar, caçar e nadar sozinho, dando-se ares de importante. 
Com isso, começou a ficar vaidoso também. 
Passou a se enfeitar com lindas penas. 
A Lua por sua vez, vendo que o Sol estava ficando mais enfeitado que ela, tratou logo de conseguir coisas mais valiosas. 
E pedia ao pai: 
-- Papai, vou a uma festa e não quero usar meus enfeites velhos! Quero que o senhor consiga para mim as penas mais bonitas que possam existir. 
Seu pai, espantado, perguntou: 
-- O que está acontecendo? Você sempre foi vaidosa, é verdade. Mas agora! Não faz mais nada senão enfeitar-se. E eu então, vivo procurando penas, dentes e nem sei o que mais. 
Assim, como se pode notar, sempre que a Lua lhe pedia mais enfeites, ele queria saber o motivo de tanta vaidade. 
De tanto que insistiu, a indiazinha acabou lhe contando. 
Quando ele ouviu a razão de tudo aquilo, ficou louco da vida. 
Então por causa do Sol, ele, que já não era muito moço, andava pela selva que nem um condenado, procurando enfeites para a filha? 
Bufou, xingou, praguejou, e continuou a fazer a vontade da Lua. 
Porém, não podia mais ver o Sol. 
Estava com tanta raiva daquele rapaz que só sabia se enfeitar, que não queria vê-lo pela frente. 
Certo dia, o pai da Lua estava perto de um rio, caçando pássaros para conseguir penas, pois logo haveria uma grande festa na tribo. 
O Sol também deveria ir, e andava procurando, da mesma forma, conseguir penas bonitas. 
Assim, embora o pai da Lua estivesse com raiva do moço, os dois continuaram com a amizade. 
-- O senhor está caçando? – perguntou o Sol, assim que se avistaram. 
-- Sim. – respondeu o índio, meio carrancudo. – Vai haver uma grande festa e minha filha quer ir bem enfeitada. 
-- É verdade. Também vou. É por causa disso que eu estou aqui. Quero conseguir penas bonitas para fazer belos enfeites. 
-- Aproveitando a ocasião, você poderia também conseguir penas e outros enfeites para a Lua, não é mesmo? Afinal, não seria mais do que sua obrigação, já não sou tão novo para andar atrás dessas coisas. 
-- Realmente, mas a culpa não é minha. Ela não aceita nenhum presente meu. É muito orgulhosa e diz que a obrigação é do senhor. 
E continuaram caçando por ali. 
É claro que o Sol, sendo mais moço, levava vantagem, acertando sempre as mais bonitas. 
Foi então que surgiu no céu, voando devagar, majestosamente, uma ave muito bonita. 
Devia ter vindo de longe, pois eles não a conheciam. 
-- Olhe! – gritou o Sol – Veja que ave maravilhosa. 
-- Não a conheço! – exclamou o outro. 
-- Vai ver que Tupã a enviou para que eu me enfeite com suas penas. 
-- Se Tupã a enviou, foi para minha filha ser a mais linda da festa. 
Nisso a ave desceu e pousou numa árvore muito alta. 
Agora eles podiam ver melhor suas cores. 
Eram lindas. 
Todas as cores do arco-íris estavam ali representadas. 
Os dois índios ficaram de boca aberta. 
De tão distraídos, esqueceram-se de caçá-la. 
Nisso o Sol gritou: 
-- Preciso pegá-la. Tem de ser minha. 
-- Eu vou pegá-la. – desafiou o pai da Lua. 
Assim, cada um preparou depressa o arco e a flecha e apontaram para a pobre ave distraída e tranqüila. De repente, ela voou ganhando altura. 
-- Lá vai ela. – gritou o Sol. 
-- Vai fugir! – exclamou o pai da Lua, desesperado. 
Atiraram suas flechas. 
O Sol, embora fosse melhor atirador do que o velho, por qualquer motivo, errou. 
Sua flecha passou longe. 
Porém, a flecha do outro, acertou em cheio. 
Contudo, como a ave já estava a grande altitude, foi cair do outro lado do rio. 
Quando viu então que havia errado, o Sol ficou louco da vida. 
Deu um chute numa pedra e urrou de dor. 
O velho, ao contrário, ficou muito contente, pulando de alegria. 
-- Eu não disse que Tupã havia enviado a ave para minha filha? – perguntou. 
-- Então não foi Tupã, senão eu teria acertado. 
-- E você se julga melhor do que eu? – gritou o pai da Lua, mostrando em sua atitude, que não estava para brincadeira. 
O Sol, que era esperto, percebendo que poderia criar inimizade com o velho, o que é lógico não seria interessante para ele, procurou acalmá-lo. 
-- Eu não quis dizer isso! Bem, vou buscar a ave para o senhor. 
-- Nada disso! Se minha filha não quer favores seus, eu também não quero. Eu mesmo vou buscá-la. 
-- Mas é preciso atravessar o rio, e não temos nenhuma canoa aqui. Tem de ser a nado. 
-- O que você pretende dizer com isso? Então não sei nadar? 
Como se pôde perceber, o velho era teimoso, e não quis saber de nada. 
Pulou na água e foi nadando. 
No meio do rio é que tudo aconteceu. 
Não agüentando mais nadar, o velho começou a se afogar. 
Nesse instante o Sol pulou na água e nadou rapidamente na direção do pai da Lua. 
Bem a tempo. 
Isso por que, o velho já estava nas últimas. 
Não fosse o Sol chegar a tempo, e colocá-lo a salvo na margem, o velho a essa altura, já estaria morto. 
-- Eis sua ave! – disse o Sol. 
-- Minha, não. Sua! – exclamou o velho. 
-- Como assim? – admirou-se o Sol. 
O velho então olhou para ele, ficou alguns instantes em silêncio e depois, destacando bem as sílabas, como se o outro fosse meio surdo, disse: 
-- A ave é sua, e não minha. Sabe por que? – o velho índio ficou mais algum tempo em silêncio e respondeu. – Se você salvou minha vida, e ainda foi buscar a ave, tem mais direito a ela do que eu. 
-- De jeito nenhum. Não posso aceitar. Fique com ela! 
E nisso os dois permaneceram por um bom tempo. 
Aí o velho teve uma idéia, mas não a revelou ao Sol. 
-- Está certo. Levarei a ave. Vamos. – disse. 
Quando chegaram a aldeia, o velho propôs dividir as penas entre o Sol e a Lua. 
Ao ouvir isso, o Sol ficou hororrizado. 
Nunca! 
A Lua, então, ficou brava como uma onça. 
O que? Usar as penas da mesma ave? Nem sonhando! O Sol que ficasse com a ave inteira! 
Mas ele não aceitou. 
Nem a Lua. 
E a ave foi jogada num canto da Oca. 
Nisso o Sol foi embora zangado. 
Ao saber que o namorado salvara seu pai, a Lua ficou ainda mais aborrecida. 
Não tinha dúvida de que o Sol ía ficar mais vaidoso que nunca. 
Assim, quando toda a aldeia soube do caso, prestou as maiores homenagens ao herói. 
Só se falava no Sol. 
A Lua, para se acalmar, foi dar uma volta pela redondeza. 
Ao passar perto de um abismo, cuja profundidade ninguém sabia, ouviu uns gritos que vinham lá de dentro. 
Foi então que ela, olhou cuidadosamente para ver o que era. 
Logo abaixo, agarrada a umas pedras, estava a mãe do Sol, já no fim de suas forças. 
Tinha se distraído e caíra no abismo. 
A Lua então, passou a se perguntar: o que fazer? 
Se fosse até à aldeia, não voltaria a tempo de salvar a velha índia. 
Por isso, rapidamente a Lua apanhou um cipó, amarrou-o a uma árvore ali perto e, agarrando-se ao cipó, desceu até as pedras. 
Arriscando a vida, conseguiu amarrar a mulher pela cintura. 
Com isso, subiu e começou a puxar a mãe do Sol. 
Em outra ocasião, não teria agüentado todo aquele peso, mas, sentindo-se perto da salvação, a mulher agarrou-se com unhas e dentes, nas saliências do abismo e ajudou a Lua a salvá-la. 
Enquanto isso na aldeia, o Sol estava entre uma roda de rapazes, contando como salvara o pai da Lua. 
A mãe dele, então, chegou e contou o que havia acontecido. 
Com isso, logo a Lua começou a ser homenageada e, com todo o orgulho possível, ela disse ao Sol: 
-- Agora estamos iguais, não estamos? 
E assim, continuaram a namorar. 
Contudo, a disputa era maior do que antes. 
Um não sabia o que fazer para se destacar mais do que o outro. 
Dessa forma, a Lua e sua família andavam tão preocupadas, que nem se lembraram da ave largada num canto da oca. 
A ave ficou ali uma porção de tempo, sem que ninguém percebesse. 
Nesse ínterim, a tal festa muito importante realizou-se na aldeia. 
Grandes preparativos foram feitos, assim como muita bebida e muita comida. 
O pai da Lua estava às voltas com novos enfeites e o Sol também andava pela selva com a mesma intenção. 
Mais tarde, a Lua recebeu seus enfeites e preparou-se o melhor que pôde. 
Assim, quando o Sol chegou, ela estava muito bonita, e ele, muito distinto e elegante. 
Tanto, que atraía olhares. 
-- Como seus enfeites são lindos! – ele disse. 
A Lua ficou toda orgulhosa, mas ele completou: 
-- Só que os meus são muito mais! 
-- Os seus? Ah, ah, ah! – caçoou ela, olhando para o Sol com compaixão. 
O pai dela, muito aflito, vendo a discussão que já se formara, andava de um lado para o outro, sem saber o que fazer. 
E os dois vaidosos falavam, pois nenhum deles queria perder. 
O velho no entanto, ansioso para acabar com aquilo, andava e olhava para todos os cantos. 
Foi então que acabou encontrando a ave, um pouco escondida por uns cestos. 
-- Olhem! Aquela ave que nós caçamos! Ainda está aqui! 
A Lua olhou, horrorizada. 
-- Como é que pôde ficar esquecida? 
O Sol aproveitou para fazer um comentário maldoso: 
-- Aquela ave? Não acredito! Então Lua? Não é só a vaidade pessoal que tem valor, a oca também merece um pouco de cuidado. Há muito tempo você não faz uma limpeza por aqui, hein? 
-- Calma, calma. – pedia o velho, arrependido de sua descoberta, segurando a ave pelos pés. 
E nisso, enquanto eles estavam discutindo, a ave criou vida. 
O pai da Lua, vendo-a se mexer, deu um grito que atraiu todos os índios da aldeia. 
Foi então que ouviu-se um estrondo, e se formou uma fumaceira que não deixava ver nada. 
Quando voltaram a enxergar, no lugar da ave, estava Tupã em pessoa. 
Não havia índio que não tremesse! 
Imponente, olhou para os dois jovens e disse: 
-- Vocês são muito vaidosos e orgulhosos. Não é possível o que estão fazendo. Só se preocupam em serem notados! Só desejam riquezas! As penas da ave que enviei eram mágicas. Se tivessem sido repartidas entre os dois, vocês teriam deixado de ser assim. Mas a vaidade venceu. Pois vão ser ricos e adorados por todos. Você, Sol, será transformado num rei adornado de ouro. E você, Lua, será transformada numa rainha coberta de prata. 
Imediatamente, Tupã e os dois moços sumiram. 
E, a partir daquele momento, o Sol e a Lua começaram seu passeio pelo céu.7

7 Texto extraído do livro Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). 
São Paulo: APEL Editora, sem/data. 
Site: http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/3contos/sollua.html.

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.


COISAS DO BRASIL PARTE 4 – REGIÃO SUDESTE - CAPÍTULO 10

 De tão empolgado com seu trabalho, Felipe só o interrompia, quando chamado por seus amigos para os constantes passeios que faziam pelas belas praias do litoral paulista. 
Sim, por que Felipe, apesar de seu profundo interesse por folclore, estava de férias. 
Dessa forma, para atualizar suas impressões sobre o folclore brasileiro, aproveitava os poucos momentos de ócio, de sua proveitosa viagem, para escrever.

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

COISAS DO BRASIL PARTE 4 – REGIÃO SUDESTE - CAPÍTULO 9

Nisso Felipe passou a escrever sobre ‘A Nuvem Branca do Jaraguá’. 
Trata-se de uma lenda a qual narra o marco da desobediência ao Tratado de Tordesilhas, que delimitava as fronteiras do Brasil. 
É o símbolo do bandeirismo expansionista. 
Uma página da história brasileira. 
Inicia-se assim: 
Descendente do bandeirante Bartolomeu Paes de Abreu, linhagem de Pedro Taques, o saudoso Acácio de Villalva, narrou esta belíssima lenda que ouviu seus antepassados contarem. 
Tradição guardada em família através de várias gerações. 
A casa em que nascera, era onde está hoje o monumento a Pereira Barreto, na Praça Marechal Deodoro. No vasto e solarengo casarão que ali existia, cercado de palmeiras imperiais, do terraço voltado para o poente, via-se o Morro do Jaraguá, sentinela vigiante dos fatos paulistanos. 
Ao entardecer, quando o sol se punha por detrás do gigante, lá no horizonte, na hora da Ave Maria, a família reunida no confortável alpendre rezava, com as vistas voltadas para o Jaraguá. 
À oração vespertina muitas vezes ouvira a narração avaramente guardada pela família paulista quatrocentona – A Nuvem Branca do Jaraguá. 
Quando de São Paulo partiram as bandeiras sertão adentro, por dois ou três dias de caminhada, ainda se conseguia avistar o Jaraguá. 
Então as mães e filhas que tinham seus filhos, maridos e pais nascidos nas bandeiras, subiam até o Pico do Jaraguá e, de lá, com lenços brancos ou lençóis amarrados à guisa de bandeira, acenavam ao que cada vez mais se distava. 
Era o adeus! ... 
Quantas lágrimas não foram derramadas naquelas escaladas. 
Quanta esperança não se tornava desespero, após esta última despedida. 
Agora, quando uma nuvem branca aparece cobrindo o cimo do Jaraguá, em dia de céu límpido, é uma daquelas mulheres que morreram de tanto esperar, e ali voltaram para a despedida final. 
A nuvem branca é a soma de milhares e milhares de gotas de lágrimas derramadas pelas que foram dizer adeus ao bandeirante, que partia para prear índios, buscar ouro, alargar as fronteiras do Brasil. Hoje, mesmo que seja lenda, a verdade é que em maio, mês em que as bandeiras partiam, embora o céu esteja todo cor de anil, lá em volta do Pico do Jaraguá existe uma nuvem branca recontando o passado glorioso dos paulistas – é a nuvem do adeus! ...6

6 Brasil, histórias, costumes e lendas – São Paulo: Editora Três Ltda., s/data. Extraído do site http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/3contos/nuvem.html.

DICIONÁRIO:
so·la·ren·go 1
(solar, casa nobre + -engo)
adjectivo
1. Relativo a solar ou casa nobre (ex.: porta solarenga; ruínas solarengas; terraço solarengo). = SOLARIEGO
2. Semelhante a um solar ou casa nobre (ex.: casa solarenga; mansão solarenga).
adjectivo e nome masculino
3. Que ou quem é proprietário de solar. = SOLARIEGO
4. [Antigo]  Que ou quem vivia no solar ou fazenda de outrem, como serviçal ou lavrador (ex.: vassalos solarengos; os solarengos tinham encargos feudais).
"solarengo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/solarengo [consultado em 17-08-2020].

prear - verbo transitivo direto e intransitivo
fazer prisioneiro; capturar, aprisionar.

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.