Poesias

sexta-feira, 31 de julho de 2020

COISAS DO BRASIL PARTE 3 – REGIÃO SUL CAPÍTULO 8

Em seguida, o narrador passou a falar sobre a ‘Lenda da Salamanca do Jarau’: 
No tempo dos padres jesuítas, existia um moço sacristão no Povo de Santo Tomé, na Argentina, do outro lado do rio Uruguai. 
Ele morava numa cela de pedra nos fundos da própria igreja, na praça principal da aldeia. 
Ora, num verão mui forte, com um sol de rachar, ele não conseguiu dormir a sesta. 
Foi então, que levantou-se, assoleado, e foi até a beira da lagoa refrescar-se. 
Levava consigo uma guampa, que usava como copo. 
Coisa estranha: a lagoa toda fervia e largava um vapor sufocante, e qual não foi a surpresa do sacristão ao ver sair d'água a própria Teiniaguá, na forma de uma lagartixa com a cabeça de fogo, colorada como um carbúnculo. 
Ele, homem religioso, sabia que a Teiniaguá, - os padres diziam isso!- tinha partes com o Diabo Vermelho, o Anhangá-Pitã, que tentava os homens, e arrastava todos para o inferno. 
Mas sabia também que a Teiniaguá era mulher, uma princesa moura encantada, jamais tocada por homem. 
Aquele pelo qual se apaixonasse, seria feliz para sempre. 
Assim, num gesto rápido, aprisionou a Teiniagá na guampa, e voltou correndo para a igreja, sem se importar com o calor. 
Passou o dia inteiro metido na cela, inquieto, louco para que chegasse a noite. 
Quando as sombras finalmente desceram sobre a aldeia, ele não se sofreu: destampou a guampa para ver a Teiniaguá. 
Aí, o milagre: a Teiniaguá se transformou na princesa moura, que sorriu para ele e pediu vinho, com os lábios vermelhos. 
Ora, vinho só o da Santa Missa. 
Louco de amor, ele não pensou duas vezes: roubou o vinho sagrado e assim, bebendo e amando, eles passaram a noite. 
No outro dia, o sacristão não prestava para nada. 
Mas, quando chegou a noite, tudo se repetiu. 
E assim foi até que os padres finalmente desconfiaram, e numa madrugada invadiram a cela do sacristão. 
A princesa moura transformou-se em Teiniaguá, e fugiu para as barrancas do rio Uruguai. 
Mas o moço, embriagado pelo vinho e de amor, foi preso e acorrentado. 
Como o crime era horrível – contra Deus e a Igreja! – foi condenado a morrer no garrote vil, na praça, diante da igreja que ele tinha profanado. 
No dia da execução, todo o Povo se reuniu diante da igreja de São Tomé. 
Então, lá das barrancas do Rio Uruguai, a Teiniaguá sentiu que seu amado corria perigo. 
Aí, com todo o poder de sua magia, começou a procurar o sacristão abrindo rombos na terra, uns valos enormes, rasgando tudo. 
Por um desses valos, ela finalmente chegou à igreja, bem na hora em que o carrasco ia garrotear o sacristão. 
O que se viu foi um estouro muito grande, nessa hora, parecia que o mundo inteiro vinha abaixo.
Houve fogo, fumaça e enxofre, e tudo afundou, e tudo desapareceu de vista. 
E quando as coisas clarearam, a Teiniaguá tinha libertado o sacristão, e voltado com ele para as barrancas do Rio Uruguai. 
Vai daí, atravessou o rio para o lado de cá, e ficou uns três dias em São Francisco de Borja, procurando um lugar afastado onde os dois apaixonados pudessem viver em paz. 
Assim, foram parar no Cerro do Jarau, no Quaraim, onde descobriram uma caverna muito funda e comprida. 
E lá foram morar, os dois. 
Essa caverna, no alto do Cerro, ficou encantada. 
Virou Salamanca, que quer dizer "gruta mágica", a Salamanca do Jarau. 
Quem tivesse coragem de entrar lá, passasse sete provas e conseguisse sair, ficava com o corpo fechado, com sorte no amor, e com dinheiro para o resto da vida. 
Na Salamanca do Jarau, a Teiniaguá e o sacristão, se tornaram os pais dos primeiros gaúchos do Rio Grande do Sul. 
Ah, ali vive também a Mãe do Ouro, na forma de uma enorme bola de fogo. 
Às vezes, nas tardes ameaçando chuva, dá um grande estouro numa das cabeças do Cerro, e pula uma elevação para outra. 
Muita gente viu.

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

COISAS DO BRASIL PARTE 3 – REGIÃO SUL CAPÍTULO 7

Quanto a lenda do Sepé Tiaraju, o narrador iniciou comentando que em 1750, foi decidido pelo Tratado de Madri, que a Espanha trocaria com Portugal, sua possessão conhecida por Os Sete Povos das Missões, pela Colônia do Sacramento, que pertencia aos portugueses. 
Milhares de índios guarani, catequizados pelos jesuítas espanhóis, habitavam as Missões. 
Conforme o tratado, todos os habitantes das Missões tinham de deixar suas terras, e se mudar para o território pertencente aos espanhóis. 
Acontece que o prazo para a mudança era muito curto, e os índios, que já estavam descontentes, pois não iam ter tempo de arrumar suas coisas. 
Os jesuítas interferiram, pedindo um prazo maior, e aconselharam aos índios que se mantivessem obedientes e tranqüilos. 
Assim, muito embora os jesuítas não tivessem conseguido mais tempo, como pretendiam, os índios pareciam estar conformados. 
De repente, no entanto, eles se revoltaram, e isto, por causa de Sepé Tiaraju. 
Sepé era um índio muito forte e admirado por todos, sobretudo pelas vitórias que acumulara nos jogos da tribo. 
Certa manhã, Jussara, sua namorada, contou-lhe um sonho que tivera, onde um anjo lhe dizia que haveria grandes sofrimentos para seu povo. 
Padre Balda, um jesuíta muito estimado pelos índios, ouviu a conversa. 
Procurou acalmá-los, mas Sepé ficou realmente preocupado. 
Não sem razão: as tropas espanholas e portuguesas estavam por perto, prontas a agir, caso as ordens não fossem cumpridas. 
Diante disso, Padre Balda falou: 
-- De nada adiantará reagirmos, meus filhos. Apenas daremos às tropas motivo para nos atacar. Vamos em paz. Construiremos novas cidades e plantaremos novas lavouras. 
Mas Sepé, ao ouvir as palavras do sacerdote, pediu perdão ao jesuíta, dizendo que, pela primeira vez, era obrigado a lhe desobedecer. 
Não permitiria que seu povo entregasse aos portugueses, o fruto de tantos anos de trabalho. 
Dali não sairiam. 
E prometeu que, no dia seguinte, acompanhado de quinhentos homens, atacaria o inimigo. 
Assim, de nada adiantou o esforço do padre para convencer o valente guerreiro. 
No dia seguinte, ainda de madrugada, eles partiram a cavalo, ao encontro do inimigo. 
Deu-se o combate entre os índios e os soldados portugueses. 
Uma luta rápida e decisiva. 
Pouco valeram a coragem e o desprendimento de Sepé e sua gente, diante do número e das armas do inimigo. 
Os atacantes foram quase exterminados. 
Os poucos sobreviventes fugiram, e Sepé caiu prisioneiro. 
Quando Jussara foi avisada, desesperou-se. 
O padre procurou consolá-la: 
-- Sei quem é Sepé, minha filha. Se caiu prisioneiro, logo se libertará. Não se entristeça, que o veremos mais depressa do que pensamos. 
No acampamento português, Sepé era arrastado à presença do general lusitano. 
Mandaram o índio beijar a mão do general, mas ele recusou-se: 
-- Ninguém me obriga a beijar a mão de outro homem. Depois, sou eu e não ele, o dono destas terras! 
O general português explodiu uma gargalhada: 
-- Dono? Tu és apenas um pobre bárbaro, mais nada. 
Ao ouvir tais palavras, Sepé respondeu, com os olhos incendiados de raiva: 
-- Bárbaro? Você é mais bárbaro do que eu, pois pretende tirar a terra de seus legítimos proprietários, enquanto eu luto em defesa de meu povo! 
Quando o chefe lusitano viu que, por mal, não conseguiria conquistar o índio, fingiu-se de amigo e lhe ofereceu fumo. 
Sepé recusou, dizendo que possuía fumo de melhor qualidade do que aquele. 
O português pretendia, realmente, conseguir de Sepé a revelação do lugar onde estavam escondidos os cavalos de seus guerreiros, para que pudesse apossar-se deles, deixando os índios sem meios para atacar. 
Assim, ele disse a Sepé: 
-- Se me contares onde estão os teus cavalos, terás imediatamente a liberdade. 
Sepé assumiu um ar orgulhoso e respondeu: 
-- Não preciso esmolar liberdade: se eu quisesse libertar-me, não haveria forças capazes de me impedir. 
Quem ouviu, não pode deixar de caçoar. 
Nisso, o general português perguntou-lhe, sarcasticamente: 
-- Então, não temos forças capazes de te impedir a fuga? Essa é muito boa! E o que farias para sair daqui? 
Sepé olhou firmemente o lusitano e exclamou: 
-- Isto! Rápido como o raio, o índio escapou dos soldados que faziam roda e, montando no primeiro cavalo que encontrou, saiu em disparada. 
Quando os portugueses perceberam o que havia acontecido, ele já desaparecera numa nuvem de pó. 
Nas Missões, o povo vibrou de alegria. 
Padre Balda abraçou-o, comovido: 
-- Eu sabia que você voltaria! Tinha certeza! Meu coração não me enganou! 
Foi então que Sepé revelou que agora odiava mais do que nunca o inimigo. 
A humilhação pela qual passara exigia vingança. 
O jesuíta percebendo a agitação que dominava o índio, lhe pediu que descansasse: 
-- Algumas horas de repouso acalmarão sua revolta. Vá para a rede e durma. Depois, seus pensamentos serão outros. 
Sepé obedeceu. 
Exausto como estava, o ódio logo cedeu ao sono...
Alguns dias depois, como os índios não haviam deixado as Missões e o prazo se esgotara, as tropas portuguesas aguardavam a chegada das tropas espanholas, para, juntas, expulsarem os desobedientes. 
Foi quando um soldado português entrou alvoroçado em seu acampamento, levando uma seta. 
Tinha sido atirada por Sepé e trazia, espetada na ponta, uma mensagem de desafio. 
Foi mostrada ao chefe lusitano, que ficou furioso. 
Os portugueses não viam a hora de atacar, mas tinham ordem de aguardar as tropas espanholas. 
Com isso, depois de muita espera, veio uma comunicação, informando que os espanhóis ainda demorariam algum tempo para se preparar. 
O chefe português ficou ainda mais furioso, mas não teve outro remédio, senão mandar que seus soldados voltassem à fortaleza, onde estavam aquartelados. 
Quando a notícia chegou às Missões, o povo interpretou a retirada do inimigo como uma derrota, e foi uma alegria imensa. 
Um mês se passou. 
Tudo retomara ao que era antes. 
Os índios e os jesuítas faziam calmamente seus trabalhos rotineiros. 
Era a paz, a tranqüilidade... 
Foi quando soou um grito, que mudou completamente a vida daquele povo: 
-- Vamos ser atacados! Vamos ser atacados! 
Era o temido ataque dos brancos. 
E vinham juntos, portugueses e espanhóis. 
Sepé assumiu a chefia de sua gente. 
Os guerreiros corriam, na pressa de se preparar para a guerra. 
Em vão, os jesuítas pediam que não resistissem, para evitar a mortandade. 
Mas, os índios estavam por demais revoltados com a maldade dos brancos. 
Por que queriam tirar-lhes a terra? 
Que mal haviam feito? 
Preferiam morrer a sair da terra onde haviam nascidos e que adoravam. 
Depois de tudo pronto, Sepé despediu-se de Jussara, e partiu com seus guerreiros. 
Seguiu na frente, montado a cavalo, na mão direita a lança provocadora; na cabeça, o cocar de plumas multicores. 
Inteligente, sabia que o inimigo era mais forte. 
Preferiu, pois, a luta de emboscada, o ataque rápido, a surpresa. 
Sepé era visto em toda parte. 
Desdobrava-se. 
Lutava com todas as forças que possuía, mas o inimigo era poderoso. 
Unidos, espanhóis e portugueses atacavam em massa. 
Os índios defendiam-se bravamente. 
Às balas dos atacantes, respondiam com suas flechas. 
Caíam homens dos dois lados. 
Depois, veio o combate corpo a corpo, brancos e índios confundindo-se, no ardor da peleja. 
Ah, o eterno egoísmo dos homens! 
Os portugueses queriam as terras, e não se preocupavam com os sentimentos daquela gente. Recusavam-se a compreender o amor que os índios devotavam ao lugar. 
Queriam que eles saíssem e pronto! 
E o combate continuou. 
Os índios lutavam com um ardor nunca visto. 
Uma coragem que desprezava as possantes armas dos inimigos, deixando-os surpresos. 
Dentre os combatentes, sobressaía-se a figura de Sepé Tiaraju. 
Ele era invencível! 
Lutando como lutava, sem temor, sem a mínima cautela, já era para estar morto. 
Não se cansava. 
Era sempre o mesmo. Foi então que o inimigo percebeu que ele era o coração de seus guerreiros. 
Era sua presença que os animava. 
Resolveu, portanto, concentrar-se nele. 
Aos punhados, os soldados o atacavam, mas nem assim conseguiam vencê-lo. 
Sepé foi rodeado por dez soldados. 
À sua volta, a luta prosseguia. 
O guerreiro enfrentou corajosamente os dez atacantes, mas era demais! 
E enquanto lhes dava combate, um deles conseguiu atingi-lo com a lança. 
Sentindo-se ferido, o índio ainda tentou resistir, agarrando-se ao pescoço do cavalo, mas fugiam-lhe as forças. 
Tudo escureceu. 
Seus braços não suportaram mais e ele caiu no chão, quase morto. 
Um soldado aproximou-se, montado a cavalo, e fitou, por um instante, o valente guerreiro. 
Em seguida, apontando-lhe a arma, atirou. 
Sepé estava morto. 
Deixara de existir, o defensor dos povos das Missões. 
Todos os índios que olharam para o céu, viram um cavaleiro galopando um cavalo de fogo, envolto por uma luz azulada muito bonita. 
Na mão direita, o cavaleiro empunhava a lança. 
Era Sepé, indo ao encontro de Tupã. 
Depois que ele morreu, os índios perderam grande parte da vontade que os fazia enfrentar forças tão superiores. 
Lutavam ainda, porém, sem aquele ardor que sentiam, quando Sepé estava presente e, enfraquecidos, caíam um a um. 
O inimigo, agora com novo ânimo, atacava sem cessar. 
Já não era mais combate, tratava-se de perseguir os poucos índios que ainda estavam de pé. 
Mais algumas cargas e as tropas espanholas e portuguesas, nada mais tinham a fazer. 
Os poucos índios que escaparam, fugiram para o mato. 
Nas campinas, entre os corpos dos indígenas, estavam os inúmeros jesuítas, mortos quando tentavam proteger os nativos. 
Vitoriosas, as tropas marcharam para as Missões. 
Ajudados pelos jesuítas, o povo reuniu o que restou e partiu, de cabeça baixa, em busca de novas terras.
Vencidos. 
Sem esperança. 
Lentamente, a procissão foi deixando a cidade. 
Com olhos tristes, miraram pela última vez suas plantações verdejantes, suas ocas amigas, sua terra! 
Os algodoeiros, à distância, pareciam acenar-lhes com lenços brancos, despedindo-se. 
E se encerrou de forma lendária, um passado nebuloso da história do nosso grandioso Brasil. 
Ao término da narrativa, todos os ouvintes bateram palmas. 
Isso por que, poucos dos que ali estavam ouvindo as maravilhosas narrativas, tinham conhecimento de que o Sul possuía um folclore tão vasto e tão rico. 

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

COISAS DO BRASIL PARTE 3 – REGIÃO SUL CAPÍTULO 6

Com isso, ao encerrar a narrativa, sobre a origem do povo gaúcho, o narrador comentou então, sobre a origem da A Erva-Mate. 
Esta lenda conta que, há muitos e muitos anos, uma grande tribo estava de partida. 
O lugar onde moravam não servia mais, pois a caça estava difícil e a terra já não produzia como antes. 
Todos estavam muito tristes, apesar das palavras animadoras do cacique e das previsões do pajé. Lentamente, em procissão, os índios foram deixando a antiga aldeia onde tinham vivido tantos anos. 
As ocas abandonadas e alguns pássaros que, percebendo o abandono, vieram pousar no terreiro, à procura de alguma sobra de comida, compunham a desolação do ambiente. 
Não havia mais ninguém. 
De repente, o couro que fechava a entrada de uma oca foi afastado. 
Os pássaros, assustados, voaram para longe, e um velho índio apareceu. 
Tinha os cabelos completamente brancos, e apoiava-se a um bordão. 
Atrás dele surgiu uma mocinha índia. 
O velho guerreiro não tivera forças para acompanhar a tribo em sua marcha. 
Sua filha mais nova, sem coragem de abandoná-lo, preferira renunciar à segurança da tribo. 
Para não assistir à partida de sua gente, haviam permanecido dentro da oca. 
O velho insistira com a filha para que fosse com os outros: 
-- Vá, enquanto é tempo, Iari. Pouco me resta de vida e depois, o que será de você? O que fará neste lugar abandonado? Antes ficar sozinho do que angustiar-me com seu destino. 
-- Não fale assim, pai. Sabe que eu não teria coragem de abandonar-lhe. O que faria o senhor sozinho? Morreria de fome! 
Os dois continuaram a viver na aldeia e dava pena ver o esforço do índio para ser útil à filha. Lentamente, com o maior sacrifício, reunia um pouco de lenha, e apanhava alguma fruta. 
Ela, então, não parava: plantava, colhia, cozinhava, procurava manter em ordem a oca e o terreiro, onde o mato, adivinhando a fraqueza da moça, parecia resolvido a retomar o que fora seu. 
Até as onças, que antes não se aproximavam, temendo a flecha dos guerreiros, andavam urrando cada vez mais perto.
A noite era cheia de sobressaltos e o dia, vazio de esperanças. 
Os meses foram passando. 
Numa triste tarde de inverno, o velho estava um tanto afastado da aldeia, colhendo algumas frutas, quando viu mexer-se uma folhagem próxima. 
Pensando que fosse uma onça, ficou gelado. 
Para defender-se, não tinha mais forças. 
Para fugir, não podia contar com as pernas. 
Completamente paralisado, esperou o pior. 
Em vez da onça, porém, viu surgir um homem branco muito forte, de olhos da cor do céu, vestindo roupas coloridas, que aproximou-se do velho guerreiro e pediu: 
-- Venho de longe e há dias que ando sem parar. Estou cansado e queria repousar um pouco. Poderia arranjar-me uma rede e algo para comer? 
O velho lembrou-se que a comida era escassa, mas não pode recusar. 
-- Sim, respondeu. Venha comigo. 
E tomaram o caminho da aldeia. 
Ao chegar, ele chamou Iari e apresentou-lhe o viajante: 
-- Este homem, minha filha, está mais cansando do que nós, e também sente fome. Cuide para que nada lhe falte. 
Iari acendeu o fogo e preparou tudo o que havia de comer, embora soubesse que não seria fácil conseguir mais. 
O estranho comeu com apetite. 
O velho e sua filha cederam-lhe sua oca, e foram dormir numa das outras, abandonadas. 
Iari levou sua rede, nela acomodou o pai e dormiu no chão, porque não havia outra rede e a de seu pai ficara com o viajante. 
Logo cedo, o velho índio encontrou o homem branco cortando lenha. 
Pediu-lhe que parasse, pois era um hóspede, mas o homem respondeu que já estava bem descansado e gostaria de ajudar, também. 
Terminou de cortar a lenha e seguiu em direção à floresta. 
Horas depois, retornou com várias caças. 
O velho não sabia o que dizer. 
-- Vocês merecem muito mais! - exclamou o homem.
 –Trataram-me com toda a hospitalidade, dando-me tudo o que possuíam! 
Depois ele confessou que era um enviado de Tupã. 
O deus dos índios estava preocupado com a sorte dos dois. 
-- Pela bondade de vocês – disse ele. – Merecem receber tudo o que desejarem. 
O velho animou-se: 
-- Posso pedir mesmo? 
-- Claro! Diga o que deseja! 
-- Queria ter um amigo que me fizesse companhia até que meus dias acabassem. 
-- Assim, Iari poderia alcançar nossa tribo e ser feliz. Fico triste em vê-la aqui sozinha, sem amigas, sem uma festa, só trabalhando. Se ao menos eu tivesse mais forças! Poderia ficar sozinho. Ela não quer deixar-me, porque sabe que eu não sobreviveria. 
-- Vou arranjar-lhe um amigo, prometeu o mensageiro. Um amigo que lhe dará alegria e forças para o resto de seus dias. 
Mostrou-lhe, então, uma erva estranha: esta é a erva-mate. Plantea, deixe que ela cresça e faça-a multiplicar-se. 
Depois ferva suas folhas e beba o chá. 
Novamente as forças lhe voltarão, e poderá trabalhar e caçar o quanto quiser. 
Sua filha, se desejar, poderá ir ao encontro da tribo. 
Iari foi chamada e disse que não, preferia ficar na companhia do pai. 
Não poderia ser feliz em sua tribo, se o deixasse só. 
O enviado de Tupã sorriu, emocionado: 
-- Por ser tão boa filha, você merece uma recompensa. A partir de agora, você é Caá-Iari, a deusa protetora dos ervais. Cuidará para que o mate jamais deixe de existir, e fará com que os outros o conheçam e bebam, para ficarem fortes e felizes. 
Em seguida, o homem partiu. 
Tinha dito a verdade: o velho guerreiro recuperou as forças perdidas e nunca mais passaram necessidade. 
Entretanto, Iari vivia preocupada com o pedido do estranho. 
Ele queria que ela tornasse o mate conhecido. 
Mas como? 
Estavam tão longe que ali não aparecia ninguém! 
Ela não sabia o que fazer... 
Numa distante aldeia de índios, realizava-se uma grande festa. 
Todos estavam contentes porque tinham feito uma boa caçada, e tão cedo não precisariam preocupar-se com alimento. 
Enquanto uns dançavam e cantavam, outros comiam e bebiam. 
Depois de algumas horas de alegria, dois jovens índios, que tinham bebido mais do que deviam, começaram a discutir. 
Eram Piraúna e Jaguaretê. 
O primeiro usava um colar feito com dentes de cem inimigos que abatera nas guerras; o segundo era famoso por sua força e coragem. 
Eram os guerreiros mais fortes da tribo. 
Quando alguns índios viram o que estava acontecendo, procuraram acalmar os dois jovens, pois sabiam que uma briga entre eles teria resultado funesto. 
Depois de muito esforço, levaram cada um para um lado, e a festa continuou. 
Mas os dois estavam mesmo decididos a terminar a discussão que haviam iniciado. 
Pouco a pouco, um foi chegando perto do outro, e a briga recomeçou. 
Desta vez, apelaram para a força. 
Os índios mais corajosos fizeram de tudo para separá-los. 
Porém, quem podia com eles? 
Fortes como eram, cheios de ódio e com cauim a embotar-lhes o raciocínio, pareciam duas feras, e não dois homens. 
De repente, Jaguaretê empunhou um tacape e deu um violento golpe na cabeça de Piraúna, matando-o.
Interrompendo-se a festa, Jaguaretê foi amarrado ao poste das torturas. 
Pelas leis daquela tribo, os parentes do morto podiam executar o assassino. 
Trouxeram o pai de Piraúna, para que ordenasse a execução de Jaguaretê, mas ele não quis fazê-lo. 
Disse que Jaguaretê só era culpado de haver bebido demais, tendo dado, assim, oportunidade a Anhangá, o espírito mau, de dominá-lo, levando-o a matar o amigo. 
Ele não deveria ser morto, portanto. 
Apenas expulso da tribo. 
Teria de viver sozinho nas matas desconhecidas, onde poderia refletir com calma sobre o que fizera. 
A decisão do velho foi obedecida. 
Depois de desamarrarem o jovem guerreiro, deram-lhe permissão para que pegasse suas armas, e ordenaram que partisse imediatamente. 
Jaguaretê obedeceu e seguiu para o exílio. 
Ia triste, cabisbaixo, pois o efeito da bebida estava passando e podia ver agora o mal que fizera. 
Seguiu seu caminho e embrenhou-se na mata. 
Depois que Jaguaretê sumiu na floresta, ninguém ouviu falar mais nele. 
Com o tempo, foi completamente esquecido. 
Muitos anos depois, alguns índios daquela tribo, que nem tinham ouvido falar em Jaguaretê, saíram para caçar. 
Entraram pelo sertão, onde era fácil encontrar uma onça, aprofundando-se cada vez mais. 
No meio da floresta, encontraram uma cabana. 
Surpresos, aproximaram-se com cuidado. 
Nisto, um homem forte e sorridente apareceu. 
Embora tivesse os cabelos brancos, o corpo e o rosto eram os de um jovem. 
Ele acolheu os índios com cordialidade, e ofereceu-lhes uma bebida desconhecida. 
Era Jaguaretê, o índio expulso de sua tribo, e a bebida desconhecida era o mate. 
Os índios quiseram saber por que ele vivia sozinho naquela cabana, e que bebida era aquela. 
Jaguaretê contou-lhes a sua história: 
-- Assim que me vi sozinho na floresta, não agüentava mais o cansaço e o remorso, joguei-me no chão e ali fiquei, pedindo a morte. O arrependimento e a saudade de minha gente me torturavam. Fiquei muito tempo caído no mesmo lugar. Pressenti, então, que alguém estava perto de mim. Levantei a cabeça e vi uma jovem de olhar bondoso. 
Ela fitou-me com compaixão e disse: 
-- Tenho pena de você, porque não matou por querer e agora está arrependido do que fez. Para que possa suportar seu exílio, vou ensinar-lhe uma bebida que não enfraquece nem tira a razão, como o álcool, mas fortalece o corpo e clareia a mente. Meu nome é Caá-Iari, a deusa protetora dos ervais. Mostrou-me uma estranha planta e esclareceu: 
-- Esta é a erva-mate. Plante-a, deixe-a crescer e faça-a multiplicar-se. Depois, prepare uma infusão com suas folhas e beba o chá. Seu corpo será forte e sua mente será clara por muitos e muitos anos. Segurei, emocionado, a planta que a deusa me entregara. Ela me olhou, em silêncio. Depois, desaparecendo pouco a pouco, como se fosse fumaça, ordenou: 
-- Não deixe de transmitir a quem encontrar, o que aprendeu sobre o mate! 
-- Portanto, meus amigos, finalizou Jaguaretê, quero que levem alguns pés de erva-mate para sua tribo e nunca deixem de transmitir aos outros o que aprenderam. 
-- Não vem conosco? - perguntou um índio. 
-- Não, não vou. – respondeu Jaguaretê, pensativamente. – Agora é tarde. Todos os que eu conhecia na tribo já devem estar mortos, e eu seria um estranho. É preciso que eu cumpra meu exílio. Além disso, estou tão habituado com este lugar, que me sinto parte dele. E não estou sozinho, tenho o mate para alegrar minhas horas de solidão. 
Os índios voltaram e contaram aos outros o tinham ouvido. 
O mate foi plantado e multiplicou-se. 
Outras tribos aprenderam o seu uso e ele é, até hoje, muito difundido no Sul...

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

COISAS DO BRASIL PARTE 3 – REGIÃO SUL CAPÍTULO 5

Assim, continuando a narrar as tradições gaúchas, o narrador comentou sobre a origem do Primeiro Gaúcho. 
A história começa assim: 
Os índios que habitavam a região sul, conheciam, não se sabe desde quando, o uso das boleadeiras. 
Simplesmente, usavam-nas juntamente com as flechas e lanças, contra os inimigos e também para caçar. 
Dizem que, uma vez, no século XVIII, os índios estavam realizando uma grande festividade. 
Diversas fogueiras foram acessas para assar as caças. 
Além disso, dançavam e cantavam alegremente. 
Com isso, alguns bandeirantes passando por perto viram a fumaça. 
Como eles andavam atrás de ouro e algumas pedras preciosas, necessitavam de escravos para ajudá-los no trabalho. 
Um deles chegou até a dizer: 
-- Vejam! Fumaça! Devem ser os índios! 
-- Com certeza! – respondeu outro. 
– Vamos aprisioná-los! 
Dessa forma, apontaram as cordas, verificaram as armas e seguiram em direção à fumaça. 
Os índios, que não eram bobos, mantinham sentinelas por todos aqueles lugares. 
Informado da presença dos bandeirantes, o cacique da tribo ficou furioso: 
-- São os brancos que querem escravizar-nos! – gritou ele. 
– Que venham! Que venham! 
O chefe, então, arquitetou um plano: mandou que vários guerreiros montassem em seus cavalos e seguissem para a campina. 
Os índios cavaleiros deveriam ficar deitados e escondidos num dos lados do cavalo, deixando o outro lado voltado para os brancos. 
Com isso, eles pensariam tratar-se de cavalos selvagens e se aproximariam, tornando-se presas fáceis. 
Dito e feito. 
Quando os bandeirantes viram os cavalos, ficaram contentíssimos: 
-- Que belos cavalos! – exclamou o chefe. 
– Vamos cercá-los e laçá-los. 
Assim, foram se aproximando, sem perceberem que se tratava de uma armadilha. 
Quando então, os índios acharam que os brancos estavam suficientemente perto, endireitaram-se nos cavalos e partiram, rápidos como um tiro, contra eles, uns atirando boleadeiras ou flechas, outros com as terríveis lanças apontadas. 
Os bandeirantes ficaram boquiabertos. 
Até chegaram a dar alguns tiros, mas como o ataque havia sido inesperado, não tiveram tempo de reagir. 
Muitos foram mortos e, quem pôde, tratou logo de fugir dali. 
Vitoriosos, os índios examinaram o lugar onde se travara o combate, quando ouviram um gemido. 
Havia alguém vivo. 
O ferido era o mais moço do grupo de bandeirantes e chamava-se Rodrigo. 
Fizeram-no prisioneiro e o levaram para a aldeia. 
Em razão da vitória, foi realizada uma grande festa, na qual o Conselho da Tribo condenou Rodrigo à morte. 
Contudo, como os índios não matavam pessoas doentes ou feridas, decidiram esperar até que o rapaz ficasse completamente curado, para então, sacrificá-lo. 
Enquanto isso, o rapaz podia andar livremente pela aldeia. 
Foi então que a filha do chefe, uma linda mocinha chamada Imembuí, ficou com muita pena do prisioneiro, e passou a lhe dar as melhores comidas e bebidas. 
Com isso, os dias foram se passando. 
Rodrigo então, com o ferimento cicatrizado, percebeu que já estava próxima a hora de sua morte. 
Por isso, perguntou a Imembuí, se ela sabia a data da cerimônia. 
A índia olhou-o então, com os olhos cheios de lágrimas: 
-- Não tenha receio. – respondeu. – Estou do seu lado e nada te acontecerá. 
Ao ouvir isso Rodrigo ficou muito contente e até se animou. 
Como é bom ter esperança! 
Ficou tão alegre que sentiu vontade de cantar, de tocar. 
Resolveu então, fazer um instrumento, uma viola. 
Com sua faca, cortou um pedaço de madeira e pouco a pouco, penosamente, conseguiu dar-lhe a forma desejada. 
Depois arranjou fibras de uma trepadeira, transformando-a em cordas. 
Estava pronta a viola, e Rodrigo começou a tocar e a cantar belas canções, tristes e suaves, que agradaram imensamente a Imembuí. 
Dias depois, um índio trouxe a mensagem do cacique: estava próxima a hora do sacrifício! 
Ele precisava pagar por todos os brancos que pensaram em escravizar os índios. 
Era só aguardar mais um pouco. 
Ao ouvir a notícia, a esperança de Rodrigo ficou abalada, e embora a moça tivesse prometido que conseguiria salvá-lo, ele tinha suas dúvidas. 
De qualquer modo, continuou a tocar e a cantar para a mocinha índia, que não se cansava de ouvi-lo. 
E, pouco a pouco, apaixonaram-se um pelo outro, e começaram a namorar. 
Mas a dúvida permanecia. 
Mesmo com a moça lhe prometendo: 
-- Conseguirei salvá-lo. Pedirei perdão ao chefe. Ele é meu pai e não deixará de me atender. 
Mesmo assim, Rodrigo temia por sua vida. 
E assim, mais alguns dias correram. 
Certa manhã, alguns índios levaram o prisioneiro e amarraram-no fortemente a um tronco. 
O dia do sacrifício chegara. 
Imembuí não conseguira salvá-lo, embora tivesse pedido diversas vezes ao pai, e ele se sentisse inclinado a concordar. 
Assim, quando a moça foi avisada, atirou-se aos pés do pai e lhe implorou que conservasse a vida de seu namorado. 
O chefe então, respondeu: 
-- Por mim, ele seria poupado, mas há outros chefes e não quero desgostá-los. Fazem questão de sacrificar o branco conquistador. 
Ela então, saiu dali e foi conversar com os outros chefes. 
Implorou a todos, um por um. 
Disse-lhes que o moço era dotado de bom coração e que fizera aquilo por influência dos companheiros.
Mas os chefes não estavam dispostos a ceder. 
Como, porém, gostavam muito da indiazinha, resolveram formar um Conselho para decidir, de uma vez, a sorte de Rodrigo. 
Por isso, mandaram soltá-lo, até a solução final, e sua namorada correu para ele, a fim de lhe contar o que sucedera. 
Rodrigo ouviu tudo, preocupado. 
Não se sentiu muito esperançoso não. 
No Conselho, os chefes discutiam. 
Não viam motivo para poupá-lo, mas também não queriam desgostar a jovem índia, nem a seu pai, que era o chefe de todos. 
Foi então que Rodrigo teve uma idéia. 
Ele era muito esperto e se lembrou que os índios são muito sensíveis à música. 
Talvez conseguisse seduzi-los com suas canções. 
Foi então, buscar a viola, e sentou-se o mais perto possível do lugar do Conselho, e começou a tocar e a cantar as mais belas canções que conhecia. 
Dentro da cabana, os chefes ficaram maravilhados. 
Um a um, foram saindo para ver quem tocava e cantava tão docemente. 
Quando viram era o prisioneiro, ficaram surpresos. 
Ele não era um homem! 
Era um deus! 
E aquele que havia sido motivo de ódio, passou a ser agora, motivo de admiração por todos. 
Diz a lenda que, enquanto ouviam as tristes e belas canções, exclamavam: 
-- “Gaú-che! Gaú-che”. – que significava “gente que canta triste”. 
Desta expressão indígena, teria vindo a palavra gaúcho. 
Diante disso, os índios não tinham mais motivos para sacrificá-lo. 
Rodrigo e Imembuí, ficaram noivos e, pouco tempo depois, realizou-se o casamento. 
E que casamento! 
Jamais aqueles índios tinham visto uma festa igual. 
Depois do banquete, todos dançaram à luz das fogueiras. 
Foi com estes índios que Rodrigo aprendeu a usar as boleadeiras. 
Com o tempo, os chefes índios começaram a notar que Rodrigo, além de excelente músico, possuía outras qualidades. 
Era calmo, inteligente e equilibrado. 
Por esta razão, resolveram elegê-lo conselheiro da tribo. 
E ele agiu com tanta sabedoria e competência, que logo se tornou um dos chefes. 
Com seu modo de pensar de homem civilizado, influiu nos hábitos daquela gente. 
-- Temos necessidade de formar lavouras e melhorar nosso meio de vida. – disse ele, um dia. – Vamos às missões dos jesuítas e lá conseguiremos ferramentas e sementes. Em troca, daremos aos padres, erva-mate, cavalos, peles e o que mais pudermos conseguir. Desta maneira, também obteremos tecidos para vestir melhor a nossa gente. 
Dito e feito. 
Junto aos jesuítas, Rodrigo foi bem sucedido e conseguiu o que desejava. 
Com isso, logo a terra dos índios passou por uma grande transformação. 
Verdes lavouras, gordos animais, índios alegres. 
Rodrigo foi portanto, o primeiro gaúcho, e seus descendentes herdaram o amor à música, à terra e ao progresso.

2 Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). São Paulo: APEL Editora, sem/data.

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

COISAS DO BRASIL PARTE 3 – REGIÃO SUL CAPÍTULO 4

E assim, o narrador começou falando que se tratava de uma lenda que se chama: ‘A Lenda da Gralha Azul’.
Pois bem, esta história começa com a ida a do Senhor Fidêncio Silva, à Fazenda dos Pinheirinhos. 
Isso porque, em razão de seu trabalho, havia muito tempo, que já não experimentava descanso daquela agitação comercial em que vivia, e a necessidade de um repouso prolongado, tornara-se-lhe cada vez mais patente. 
Estava deveras cansado. 
Portanto, oportuna foi a visita a tal fazenda. 
Além do mais, o Senhor Fidêncio Silva era parente afastado da esposa de José Fernandes. 
Assim, logo que pensou em descanso, lembrou-se dos Pinheirinhos, longe daquele bulício de transações ,e onde o clima não podia ser mais saudável. 
E não tardou que estivesse a sorver em largos suspiros, com evidente contentamento, o ar puro e limpo da localidade. 
José Fernandes recebeu-o fidalgamente, como costumava fazer com todos que traziam uma certa importância de responsabilidades. 
Pôs os Pinheirinhos à disposição do seu hóspede pelo tempo que desejasse: um, dois, três meses e mais se lhe aprouvesse.
 Ali teria plena liberdade; quando não quisesse sair nas ocasiões de rodeio, poderia ficar em casa, a uma sombra do pomar, folheando qualquer livro da sua biblioteca quase totalmente agrária, mas que possuía, também, alguma literatura. 
E passeios igualmente não faltariam. 
Um dia poderia cavalgar; outro iria caçar, levando espingarda, para fazer uma caçada de anta mais para o sertão ou então; sairia a passear pelos campos. 
Amanhã correria a vizinhança, ouvindo prosa de caboclos; e até pescaria, se quisesse, poderia fazer, em três léguas sertão adentro. 
Dessa maneira não havia como não corressem agradabilíssimos os trinta dias que Fidêncio Silva pretendia passar nos Pinheirinhos. 
E assim foi. 
Um domingo depois do almoço, saiu à caça com o fazendeiro. 
Bem municiados, espingardas suspensas pelas bandoleiras ao ombro, entranharam-se os dois por extenso e tapado capão. 
-- Querência de ter muito veado, cotia e quati. – afirmava o José Fernandes. 
Mas a sua asserção foi logo posta em cheque pela evidência dos fatos. 
Os caçadores não viam um só animalzinho que merecesse chumbo grosso, embora já tivessem andado muito. 
Passaram então a sondar a ramagem, na esperança de divisar algum pássaro de saborosa carnadura. 
Em certo momento, Fidêncio Silva parou e fez um sinal de silêncio ao companheiro. 
Depois, engatilhou, apressado a arma e firmou pontaria, visando a alguma caça. 
O fazendeiro procurou a caça, erguendo o olhar para a direção indicada pelo cano da espingarda. Súbito, um tremor sacudiu-lhe o corpo, e esteve ele ao lado de Fidêncio Silva. 
Mas já era tarde: o rebôo do tiro perdia-se molemente pelas quebradas da mata, soturno, a evocar tristeza naquela quietude frouxa de um mormaço estonteante. 
A expressão condoída da fisionomia do José Fernandes durou pouco e de todo desapareceu, ao ruflar das asas ligeiras, esgueirando-se assustadiças por entre as tramadas franças. 
O atirador errara o alvo e, boquiaberto, todo interrogação, estacava os olhos no fazendeiro, que, ainda com a mão no cano da arma, que pretendera desviar antes do tiro partir, no entanto, sem êxito, desafogava um longo suspiro de satisfação. 
-- Meus parabéns! – foram as primeiras palavras de José Fernandes, entre irônicas e zombeteiras. 
-- Parabéns!? – exclamou, ainda mais intrigado, o Fidêncio Silva.
– Então não merece cumprimentos o caçador que erra tiro em gralha azul? 
-- Renovo-os. Toque nestes ossos! E estendeu a destra. 
-- Quero compreender as suas palavras, mas creia, não posso atinar com o porquê de seu arrebatamento de há pouco. Não matar com carga de chumbo, um pássaro do tamanho dessa gralha, concordo que seja péssimo atirador, porém... 
-- Não. Não o censurei por errar. Muito pelo contrário: apresentei-lhe os meus sinceros parabéns. Confuso, meio envergonhado, o Fidêncio Silva confessou: 
-- O amigo tem, então, duas coisas para explicar-me. 
-- Uma só, uma só – emendou logo o fazendeiro. 
– Há coerência entre as minhas palavras e a anterior atitude. Eu lhe conto tudo. Sente-se aí nesse tronco caído e escute-me. 
O negociante obedeceu maquinalmente. 
Depois tirou um lenço e pôs-se a enxugar o suor que lhe escorria pelo rosto, enquanto que, largando o corpo preguiçosamente sobre a trançada grama, José Fernandes foi falando assim: 
“Era no inverno, quinze anos atrás. 
Havia muita seca e o gado caía de magro. 
Certa tarde montei o cavalo e saí por aí a percorrer os campos, na esperança de salvar alguma criação que porventura se atolasse ao saciar a sede. 
Levava comigo uma velha espingarda, que sempre me acompanhava, porque naquele tempo não poupava caça que se encontrasse pelo campo... 
Pois bem, regressava para casa. 
Vagaroso, com o pensamento nos grandes prejuízos que a seca estava ocasionando, quando então vi um bando de gralhas azuis descer à beira de um capão, entre numeroso grupo de pinheirinhos. 
Para afugentar, ainda por pouco a minha tristeza, acrescida pelo fato de ter naquela volteada encontrado mais duas reses estraçalhadas pelos corvos, resolvi dar caça àqueles animaizinhos. 
Aproximei-me cauteloso, apeando a respeitosa distância. 
Não muito longe, deti-me à sombra de um pinheirinho e contemplei, por instantes, o bando. 
Eram poucas as gralhas, e notei que revolviam o solo com o bico. 
Fazer pontaria e puxar o gatilho foi obra de um momento. 
Mas, ai! 
Que horrível o segundo que se lhe seguiu! 
A espoleta estraçalhou-se e vários estilhaços, de mistura com resíduos da pólvora, vieram dar em cheio em meu rosto. 
Tonteei, bambearam-se-me as pernas e caí por sobre a macega. 
Quanto tempo estive desacordado, não lhe sei dizer.
 Antes, porém, de recuperar os sentidos, quando o sol já se encobria por detrás da mata, um pesadelo fabuloso, qual uma história de fadas, gravou-se-me na memória. 
Revi-me de arma em punho, pronto para fazer fogo. 
Quando o fiz, iluminou-se o alvo e, aberta as asas brilhantes, o peito a sangrar, veio ele de manso, se achegando a mim. 
Os pés franzinos evitavam os sapés esparsos pelo chão e o andar esbelto tinha qualquer coisa de divino. 
Dardejante o seu olhar, estremeci ante aquela figura de ave, e deixei cair a arma. 
Estático já, estarreci ao ouvir os sonoros e compreensíveis sons que aquele delicado bico soltava naturalmente. 
Dizia a gralha: 
"És um assassino! 
Tuas leis não te proíbem matar um homem? 
E quem faz mais do que um homem, não vale pelo menos tanto quanto ele? 
Eu, como humilde avezinha, que sou, entoando a minha tagarelice selvagem, faço elevar-se toda essa floresta de pinheiros. 
Multiplico, à medida de minhas forças, o madeiro providencial que te serve de teto, que te dá o verde das invernadas, que te engorda o porco, que te locomove dando o nó de pinho para substituir o carvão-de-pedra nas vias férreas. 
E ignoras como eu opero!... 
Vem. 
Acompanha-me ao local onde me interrompeste o trabalho, para aprenderes o meu doce mister. 
Vês? 
Ali está a cova que eu fazia e, além, o pinhão já sem cabeça, que eu devia nela depositar com a extremidade mais fina para cima. 
Tiro-lhe a cabeça porque ela apodrece ao contato da terra e arrasta à podridão o fruto todo, e planto-o de bico para cima a fim de favorecer o broto. 
Vai. 
Não sejas mais assassino. 
Esforça-te, antes, por compartilhar comigo nesta suave labuta." 
A gralha desapareceu e eu voltei à razão. 
Levantei-me a custo e fui ter ao local escavado pelas aves, uma das quais jazia com o peito manchado de sangue, ao lado de um pinhão já sem cabeça. 
Admirado, verifiquei a certeza da visão: mais adiante cavouquei com as mãos a terra revolvida de fresco e descobri um pinhão com a ponta para cima e sem cabeça. 
O José Fernandes fez uma pausa e depois concluiu, mal encobrindo a sua alegria: 
-- Aí está, caro Fidêncio, como vim a a ser um plantador de pinheiros. 
Quero valer mais que um homem: quero valer uma gralha azul!1 ”

DICIONÁRIO: reboo /ôo/ substantivo masculino
ato ou efeito de reboar; ressoo.
ressoar - verbo 1. intransitivo soar com força; retumbar, ecoar.
"ressoavam as trombetas"
2. transitivo direto e intransitivo fazer soar; cantar, entoar.
"um cântico ressoou pelas alamedas"
dardejante adjetivo de dois gêneros 1. que arremessa dardo ('arma').
2. POR EXTENSÃO que fere ou atinge com dardo ('arma').

1 Texto extraído do site: http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/3contos/entesnor.html
Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte. 

COISAS DO BRASIL PARTE 3 – REGIÃO SUL CAPÍTULO 3

A seguir, começou a falar sobre a história do Angoéra. 
Nos Sete Povos das Missões, ainda no tempo dos jesuítas e da colonização do Brasil, vivia um índio muito triste, que se escondia de tudo e de todos pelas matas. 
Considerado por todos como um verdadeiro fantasma, e por isso era chamado de Angoéra – fantasma, em guarani. 
E fugia da igreja como o diabo da cruz! 
Contudo, os padres, insistentes, e com muita paciência, convenceram Angoéra a ser batizado, o qual tornou-se cristão, deixando portanto, de vagar pelos rincões escondidos. 
Ao se tornar cristão, passou a se chamar Generoso, e também mudou sua maneira de agir. 
Passou a ser alegre, extrovertido e muito festeiro. 
No entanto, como tudo que na vida começa, um dia Generoso morreu, mas sua alma alegre e festeira continuou por aí, e até hoje, procura diversão. 
Onde tenha um fandango – dança típica espanhola, bem marcada e com andamento vivaz, é em geral, acompanhada por guitarras (instrumento antigo) e castanholas –, lá está a alma do Generoso. 
Se uma viola toca sozinha, pode acreditar, que lá está a mão dele, conduzindo o instrumento. 
Travesso, se ouve uma gostosa risada ou se levanta a saia de uma bela moça, pode acreditar, é ele! 
O narrador concluiu a história, dizendo: 
-- Quando acontece alguma dessas travessuras, o tocador que está animando a festa deve cantar em sua homenagem. 
E nisso o violeiro que ali estava, começou a tocar, entoando a seguinte canção: 
“Eu me chamo Generoso, morador de Pirapó. Gosto muito de dançar com as moças, de paletó.” 
E assim, todos começaram a dançar. 
As palavras cantadas pelo violeiro, eram uma ode ao lendário gentio. 
E ninguém podia se negar, e deixar de participar da homenagem. 
Depois da dança, todos aplaudiram o narrador e novamente sentaram-se. 
Estavam ansiosos para conhecer a próxima história que o narrador da tão prestigiada festa, iria contar. 

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

COISAS DO BRASIL PARTE 3 – REGIÃO SUL CAPÍTULO 2

Animado, estava contando a história do Boitatá ou Mboi-tatá, como alguns moradores do local preferem denominá-lo. 
Tal nome significa cobra de fogo, e é mais o menos isso que o Boitatá, segundo diz quem a viu. 
É uma cobra de fogo, que vaga pelos campos, pelas verdejantes paisagens da floresta para protegê-la daqueles que a tentam incendiar. 
Para alguns, que acreditam tê-la visto, trata-se de uma serpente transparente incandescente, como se estivesse queimando por dentro. 
Segundo crédulas testemunhas, as pessoas, em decorrência de tal visão, ficavam temporariamente cegas, dada a intensidade da luz que a estranha criatura jogava contra eles. 
Era uma luz muito forte e intensa. 
Ao ouvir sobre a luz, Felipe, mais que depressa perguntou: 
-- E como era essa luz? Que forma tinha? 
No que o narrador disse: 
-- É um fogo meio azulado, misturado com amarelo. 
Não é muito definido. 
É um fogo muito forte, mas que não queima nem o mato seco, nem a água dos rios. 
O fogo simplesmente se mexe. 
Rola, faz uns giros, corre como se tivesse pernas, até explodir no ar e acaba se apagando. 
É mágico, parece aqueles shows pirotécnicos que se vêem aos montes. 
Nesse instante, Felipe percebeu, que o estranho fenômeno que o narrador comentava, é o famoso fogo fátuo. 
E o fogo fátuo, nada mais é, do que a inflamação espontânea de gazes, geralmente emanados de sepulturas ou de pântanos. 
Tal fenômeno produz um brilho intenso que dura poucos minutos, e some da mesma forma como surgiu. 
Mas, mesmo sabendo do que se tratava, preferiu se calar. 
Como se tratava de uma exposição folclórica, não tinha sentido tal comentário. 
Mas, mesmo assim, movido ainda de uma certa curiosidade, perguntou se havia alguma forma de não ser prejudicado, ao se ter a visão do fenômeno. 
O narrador então lhe explicou que, as duas únicas possibilidades de se livrar dela é, ou ficar parado, quieto, de olhos fechados, bem apertados e sem respirar, ou ainda, se estivesse em uma montaria, podia-se fazer um laço e lançar em cima do Boitatá. 
Em seguida, devia-se partir a galope, trazendo consigo, o laço arrastado, até uma certa distância. 
Depois de terminar o relato sobre a história do Boitatá, o narrador teve o cuidado de dizer, que esta lenda era tipicamente sulista. 
Outros povos, outras regiões brasileiras, provavelmente, nem conheciam essa história. 

Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.