PARTE 1 – A REGIÃO NORDESTE
CAPÍTULO 1
E assim, tudo começa.
Em um longínquo porto, onde os pescadores ainda se utilizam de jangadas e de
rudimentares redes para pescar.
É aí que tudo começa.
De madrugada ainda, se preparam para se lançarem ao mar e trazerem ao final do dia, o
produto do trabalho.
Crédulos, procuram se proteger dos perigos do mar e do mal tempo.
Acreditam em seres fantásticos, como botos e sereias.
Cautelosos, sempre que saem para pescar, procuram se proteger dos encantos de Iara, a
eterna Mãe D’Água.
A aparição que muitos anos antes, havia amedrontado os índios do lugar.
Isso por que, os índios, desacostumados com tal imagem, ficaram deveras assustados com
a presença desse ser das águas que a tudo arrasta, e que levava os jovens índios, encantados com
sua beleza e esplendor para o fundo dos rios, de onde nunca mais voltavam.
Com isso, como muitos dos pescadores, descendentes desses antigos índios, herdaram deles
suas crenças, e ainda assim, apesar do passar dos séculos, continuavam a praticar os mesmos rituais
de seus antigos ancestrais.
Caiçaras que são, vivem da pesca.
Moram em casebres de pau-a-pique, construídos próximos do mar.
Aliás, para eles, o mar é a fonte de tudo.
De todos os mistérios que os cercam, e a vida
deles.
Às mulheres, pobres mulheres, não lhes resta nada.
A não ser esperar para que voltem sãos
e salvos.
Minto.
Dedicadas e cuidadosas, produzem lindos trabalhos em rendas.
Hábeis artesãs,
aproveitam o talento ensinado por mães e avós, para também com isso, ganharem algum dinheiro.
Assim, ao lado dos pais, maridos e irmãos, ajudam a sustentar suas famílias.
Organizando feiras e vendendo seus produtos para os turistas, conseguem ajudar no
orçamento do lar.
E, apesar de viverem uma vida simples, nada lhes falta.
São felizes vivendo suas vidas
dessa maneira.
Nobres pescadores, retiram seu sustento do mar.
Mar que reverenciam e agradecem com
oferendas, por ser tão generoso para com eles.
Respeitam o mar, afinal, todos ali dependem dele.
Assim, toda vez que saem para pescar, pedem-lhe permissão, para que possam adentrar
suas águas e realizarem seu trabalho.
Isso porque, já ouviram terríveis histórias sobre homens incréus, que ousaram enfrentar o
mar sem a permissão da senhora de suas águas.
Atrevidos, adentraram o mar com suas frágeis
embarcações.
Audaciosos, foram tão longe, que desapareceram no horizonte.
E assim,
desaparecidos, ficaram por semanas.
Somente quando um outro pescador encontrou pedaços do barco com um nome inscrito, é
que puderam se dar conta do ocorrido.
Toda a tripulação sumiu.
Por conta disso, os caiçaras acreditam que isso foi castigo de uma sereia.
Alguns chegam até a comentar com os turistas que isso se deu, por que ousaram enfrentar
a sirena.
Atrevidos, não se deram conta do perigo que corriam, e por isso desapareceram.
Por conta
de seu atrevimento.
Falavam do lindo canto da sereia, e de sua beleza.
Beleza esta que acaba por destruir quem olha para ela.
Os homens que cometem este deslize, acabam por serem arrastados para dentro do mar,
para que possam viver com ela.
Para viver com ela.
Mas, a sereia, segundo eles, muito caprichosa, não quer apenas a atenção de um homem.
Ela quer que todos se encantem com sua beleza extraordinária.
E assim, ela prossegue em seus
rituais.
Certa vez, alguns turistas perguntaram a um dos pescadores, qual era o segredo para que
pudessem observá-la cantando, sem que por isso fossem amaldiçoados.
Quando ouviram isso, os pescadores caíram na gargalhada.
Mal podiam acreditar que
alguém teria o atrevimento de se voltar para Iara e escapar incólume.
Por isso, simplesmente
disseram:
-- Homem do céu. Mas para que vocês querem enfrentar uma sereia? Não sabem que isso
é morte na certa?
Mas teimosos, os homens insistiram.
Queriam saber se havia alguma forma de admirá-la,
sem que com isso sofressem seus encantamentos.
Como, infelizmente isso era impossível, os pescadores simplesmente disseram:
-- Nós já ouvimos algo como, se você colocar algodão no ouvido e não escutar sua melodia,
talvez vocês possam observá-la. Contudo, devem tomar cuidado, para que ela não os perceba. Pois
se ela os vir, vocês estarão perdidos.
Mas, amedrontados ou não com a história, todos os turistas que por lá passavam, nenhum
deles, pelos menos que se tenha conhecimento, nenhum deles até hoje, se atreveu a cometer, tão
tresloucado gesto.
Até porque, segundo os pescadores do lugar, tal atitude, seria uma temeridade.
Não podiam
acreditar que alguém fosse ser tão louco para tanto.
Com isso, quando mais um dia terminava, vinha a hora de se recolher.
Porém, com o passar das horas, um novo dia começava a surgir no horizonte, e mais uma
vez, os pescadores saíam para trabalhar.
Mais uma vez, se preparam para a pescaria.
Preparam suas jangadas, para poderem pescar nas proximidades, ou então seus barcos, para
poderem pescar em outras paragens mais distantes.
Ainda de madrugada, muitos deles se lançam no mar.
E durante horas, prosseguem em
viagem, procurando bons cardumes.
Algumas vezes, chegam a ficar alguns dias longe de casa,
pescando.
Isso porque, dada a profusão de grandes indústrias de pesca, cada vez mais, é necessário se
afastar da costa para pescar.
O que aliás, é preocupante, pois pescadores mesmo, já tomaram ciência de que tal fato já
está acontecendo com eles, e do quanto isso é ruim.
Sabem também, que em alguns lugares, não há praticamente mercado de trabalho nenhum
para os pescadores.
Não há mais peixe para ser pescado.
O mar, constantemente agredido, não consegue mais produzir vida, na mesma intensidade
da sanha devoradora dos homens.
Assim, conscientes de que tudo acaba um dia, estão preocupados com seus futuros e o das
respectivas famílias.
Afinal, como farão se algum dia não puderem mais pescar?
Por esta razão, muitos dos pescadores estão tendo o devido cuidado, qual seja, de
mandarem seus filhos para a escola.
Sabedores que são da realidade que os ameaça, querem mais
é prepararem, ou melhor, preparar seus filhos, para a dura realidade que os cerca.
Com relação a isso, deve-se ressaltar porém, uma coisa.
Alguns destes pescadores, mesmo antes da fatídica notícia, já desejavam que seus filhos
estudassem.
Não queriam que os mesmos, levassem a mesma vida dura que tinham.
Queriam
mudar um pouco, a realidade em que estavam imersos.
Afinal, apesar da pouca instrução que
tinham, sabiam que o mundo era bem maior do que imaginavam, e queriam que seus filhos vissem
isso.
Por isso, a preocupação com a educação dos filhos.
Contudo, o Grupo Escolar, ficava vários quilômetros dali.
O que dificultava deveras, o
acesso das crianças à escola.
Não obstante isso, os pescadores se organizaram, e juntando um pouco de dinheiro de cada
uma dos moradores do lugarejo, e acabaram por conseguir, depois de alguns meses, dinheiro
suficiente para comprar um veículo para transportar as crianças.
Com isso, nunca mais as crianças teriam que andar a pé, quilômetros e quilômetros, até
chegar a escola.
Não precisavam mais dar a dura caminhada para chegar na escola.
Agora iriam
de perua.
Muito embora não fosse o suficiente, já ajudava bastante.
Assim, pelo menos alguns deles poderiam ir até a escola estudar.
Alguns deles ao menos, poderiam utilizar-se do conforto de um meio de transporte seguro,
para locomoverem-se até a cidade.
Enfim, nem tudo é fácil na vida de um pescador e de sua família.
Nem tudo são flores.
Mas apesar de simples, é uma vida boa.
Tão boa que sempre que podiam, aproveitavam para, no fim da tarde, reunir todos os
vizinhos e conversar sobre os estranhos fatos que acontecem no lugarejo.
Fatos que a maioria dos
turistas não acreditam que ocorram.
Para eles contudo, esses fatos, nada mais são do que a pura verdade.
Além disso, quando suas superstições são colocadas em dúvida, sempre aparece um
pescador para dizer:
-- A questão não é provar nada. É tudo uma questão de acreditar. Até por que, não
precisamos provocar a ira de ninguém.
Mas os turistas que vem e vão, geralmente, são incrédulos.
Mesmo assim, os caiçaras deste lugarejo ainda não foram contaminados pelo ceticismo dos
passantes.
Que bom!
Com isso todos os que por ali ficam, aprendem lindas histórias com os moradores mais
antigos do lugar.
E assim é feito.
Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
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