Amábile 1
Em um fim de semana aproveitado para se colocar as coisas em ordem.
Arrumar as coisas desarrumadas, jogar fora o que não se faz mais necessário.
Passar um pano nos móveis, e retirar
a poeira.
Quantas vezes o quarto arrumado, quantas coisas levadas para o lixo, rasgadas.
Outras, melhor acomodadas
dentro dos móveis.
Tão pouco espaço para tão grandes expectativas.
O modo como escrevemos, como pensamos, como nos vestimos, como nos expressamos, demonstram a forma
como queremos que o mundo nos perceba.
Denota o modo como assimilamos as coisas do mundo.
O pensamento, voa.
E a faxina a correr em ambiente empoeirado.
E o pó sendo retirado de um porta retrato, onde uma foto a lembrar a infância, nos traz várias lembranças.
Menina de saia e lenço vermelho, meia calça branca, cabelos presos.
Leve maquiagem no rosto.
Lembranças de
uma festa de junho.
Pequenas e singelas recordações de viagem a permearem por todo o cômodo.
Taça a rememorar um passeio de
trem em meio a bela serra gaúcha.
Miniatura das ruínas da bela igreja jesuíta de São Miguel das Missões.
Doze
profetas de Congonhas do Campo, a fazerem companhia a um Cristo Redentor de Madeira, carioca; uma
escultura, réplica de “Os Candangos”, de Bruno Giorgi, em terras brasilienses.
Santa Edwiges, de Aparecida, a
ladear o Cristo; além de Nossa Senhora Auxiliadora, de Campinas.
Juntamente com um recipiente repleto de
conchas de vários formatos, corais e bolachas-da-praia.
Arranjo de flores.
Em outros porta-retratos de palitos, mais lembranças da infância, dos brinquedos, das tardes alegres.
Fotos de
praia, de infância.
Em um porta retrato de papel, pequenas fotos tiradas para documentos – 3 por 4.
Caixas de
latão decoradas, repletas de lápis de cor.
Bauzinhos de madeira, com pequenas quinquilharias, fotos 3 por 4,
uma pequena concha utilizada em meu batismo - lembrancinha, entre outras coisas.
Carrinhos de fricção.
Mais
flores, no alto de um aparelho de som, lírios laranja, amarelo, rosas laranjas.
Ursinho de pelúcia, comprado em minha adolescência e até hoje intacto.
Eternamente abraçado a um
travesseiro.
Cadeirinhas feitas de pregador, sendo que em uma delas, permanece sentada, uma boneca Barbie.
Um boneco parecido com uma criança, adormece em seu cestinho de vime.
Um abajur clareia um pouco o quarto durante as noites.
Luzes azuis, verdes, vermelhas.
Um baú de veludo vermelho, guarda papéis, e extratos, lembranças de meu primeiro estágio.
Em pequenos potes encapados, mensagens e oração.
Ao lado, um pote, encapado de veludo com duas flores,
uma vermelha e outra branca, a recordarem um casamento que se foi.
Dois anjos fazem companhia a um papai-noel, e um bonequinho, a fazer publicidade de um curso de aprovação
de exame da ordem, as velas do crisma e da primeira comunhão – decorada com imagem sacra, sendo a primeira,
amarela, envolta em uma espécie de pergaminho, com mensagens de natal.
Papel amarrado em uma fita.
Uma
estrela está bem perto de nós, ao lado do bauzinho de madeira.
Logo abaixo, fascículos de cursos de idiomas.
Ao lado, um criado mudo com um globo terrestre desatualizado, pequeno; rádio relógio; um belo vaso
desenhado, com uma dúzia de rosas vermelhas artificiais.
A frente, um vasinho com violetas artificiais, adornado
por um arranjo feito de palitos de sorvete, herança dos tempos de minha formatura no colegial.
Almofadas verdes, cobertas de renda branca, travesseiros.
Cama com colchão espesso e macio.
No guarda-roupa, muitos postais dos lugares por onde passei.
Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,
Paraty.
Delicadamente guardados em uma caixa resistente, enfeitada de selos.
Em outro guarda-roupa, em outro cômodo da casa; uma caixa de papelão, encapada com papel de enfeite, cheia
de fotografias tiradas por uma câmera analógica.
Novas e velhas fotos.
Outras novas fotos armazenadas em
arquivos digitais.
Muitas fotos dos passeios, das viagens que já fiz.
Belas imagens de momentos de minha vida,
da vida de minha família.
Algumas fotos a servirem de papel de descanso de tela, em nossas máquinas digitais.
CD's alguns, com músicas que há vários tempos não ouço.
No guarda-roupa, como o nome já diz, muitas roupas, alguns sapatos, botas, de cano longo, cano curto.
Livros,
alguns, outros vários, armazenados em arquivos digitais.
Alguns lidos, pelo menos entre os impressos.
Entre os
digitais, algumas obras contempladas em leituras.
Edredons, minha mala de viagens em um baú acima da porta.
Roupas de cama, bandeira do Brasil.
Cosméticos, esmaltes vários, guardados em uma caixa encapada, separados
por divisórias feitas em papelão, igualmente encapadas.
Cadeira para sentar, em frente a um computador obsoleto, mas que me é muito útil.
Facilidades tecnológicas que não trazem sempre facilidades.
É o ônus da vida moderna.
A televisão a trazer entretenimento, e também as bobagens do mundo.
No guarda-roupa jornais e revistas.
Material de estudo.
Um lugar assemelhado a mim, a contar um pouco da minha história, a sinalizar através de lembranças e objetos,
os lugares por onde passei.
Meu mundo, meu vasto mundo, a contemplar uma pequena metragem, uma pequena
área, a trazer ínsito no ambiente, um pouco do que eu sou.
A forma como vejo o mundo, cheio de informação e
detalhes.
Nada simples, nada básico.
E a faxina a retirar a poeira, a sujeira do tempo, a deixar os objetos de minhas lembranças novamente limpos,
visíveis.
O cômodo a ficar mais agradável.
A ficar com o jeito, e a forma de viver de sua dona.
Recanto de belas lembranças.
Amábile 2
Inefável.
Retrato de indizível felicidade.
Arauto dos mais belos novos mundos.
São os eventos circunstantes, a
fazerem parte de nossas vidas.
As fotos a documentarem nossas existências, nossa passagem pelo mundo.
Nascimentos, onde seres nascentes, aportam neste mundo insondável e assustador, a desbravarem-no em seus
pequenos mistérios, encantando a todos com o seu olhar curioso, seu jeitinho amoroso.
Crianças pequenas a preencherem álbuns de fotografias, com lindas fotos de um passado que por vezes se faz
distante.
Pequenos que crescem e passam por vários movimentos em suas vidas.
Eventos festivos.
Festinhas juninas.
Com suas cores e músicas.
Bandeirolas a circundarem os céus, em faixas
coloridas.
A enfeitarem quadras com suas cores.
Barracas de prendas, de comes e bebes.
Pedaços de papel
cortado, a comporem balões multicores.
Saborosamente tremulando ao sabor dos ventos.
Ventos frios das noites
de junho.
As crianças a dançarem a quadrilha, em seus passos coreografados por meses.
Tudo para fazer bonito com suas
vestes, e seu bailado, na noite festiva.
Os natais celebrados em meio a família de pessoas ausentes, distantes.
Presentes, mimos.
Com o tempo, a investir em bonitos vestidos, belas roupas, jóias, bijouterias, perfumes.
Lindos sapatos.
Sentir-se linda para ocasiões especiais.
Passeios vários, por caminhos de plantas de flores que brotam em meio ao capim.
E ao avistá-las, o impulso de
colhê-las e trazê-las consigo em suas caminhadas infantis.
Gosto de caminhar, desde a mais tenra infância.
E assim, recapitulando...
Passeando em meio a pedriscos, a cobrirem a terra marrom.
Plantas e lagos com peixes logo à frente.
Com suas
águas turvas, escuras, e seus grandes peixes.
Nas mesmas águas, tartarugas, e pequenos peixinhos, em cardumes.
A se esconderem dos predadores em meio as plantas que margeiam as águas.
Em uma construção do lugar, uma bela exposição de exemplares de orquídeas.
Plantas de vários formatos,
ornatos, cores e tipos.
Flores arredondadas e abertas, outras a lembrarem pequenos sapatinhos, flores com pétalas
abertas, a rodear uma estrutura semi-aberta.
Bromélias, primaveras de várias cores: rosas, vermelhas, laranjas,
amarelas.
Suculentas ornamentadas com pássaros artificiais.
Amplo salão a abrigar uma bela exposição, com bonsais e ikebanas.
Caminhando em frente ao shopping, lantanas coloridas de um amarelo vivo, outras vermelhas. Azaléias, cercasvivas, e uma imponente construção em tons salmão.
Ouvir músicas, mexer nas teclas de um computador, imaginar criações.
São pequenos detalhes, a nos trazer indizível felicidade.
Todos fotografados pelas janelas da alma, quando não por uma câmera fotográfica.
Lembranças algumas.
Passagens amáveis de uma vida, que luta para germinar em terreno árido.
Longe das ideias estéreis.
Amável como somente as coisas leves e delicadas podem sê-lo.
Algumas pessoas também o são.
Nem todas
porém.
Amábile 3
Espetaculares cenários, de céus imensos, brumosos.
A terra avistada ao longe.
O vento a entoar seus sons.
A
compor a música da passagem do tempo.
Lindas histórias a terem o tempo e o vento como tema.
E O vento a
levar para longe e a trazer para perto de nós histórias e imagens de um passado nem sempre glorioso, mas decerto
saudoso.
O Tempo E O Vento a levar e a trazer as coisas mais belas.
Histórias de heroínas e guerreiras.
Mulheres que construíram a seu modo, suas histórias, protagonistas que
foram de seus destinos. Futuros.
De longe árvores, planícies verdejantes, elevados, lugares solitários e belos.
E o vento a compor as histórias.
Com
sua musicalidade a nos trazer solidão, com o preenchimento dos ambientes.
Superar dificuldades, atravessar guerras, enfrentar a morte.
As vicissitudes da vida.
E mesmo ante as maiores dificuldades, constatar que vida ainda assim é boa, e vale a pena ser vivida.
Lindas visões da vida.
Belos filmes, grandes histórias.
Luciana Celestino dos Santos
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