Poesias

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

VALONGO - CAPÍTULO 22 - VERSÃO OFICIAL

Porém, ao retornar ao escritório, e em conversas com conhecidos, Venâncio descobriu que a jovem fora vista, por diversas vezes, conversando com rapazes em bares e casas noturnas.
Foi o bastante para o rapaz exigir satisfação da moça, que tentou a todo custo dizer que não havia saído de casa, e que devia ter sido confundida com outra pessoa.
Venâncio porém, não queria saber de desculpas.
Ríspido, perguntou-lhe se era para isto que havia ficado em São Paulo.
Argumentou que se ela não estava interessada em ter um relacionamento sério com alguém, não deveria ficar enganando-o e mentindo para ele.
Ester tentou argumentar, disse que estava sendo radical, mas Venâncio estava irredutível.
Não queria saber de desculpas.
Razão pela qual terminou seu relacionamento com a moça.
Quando Carolina soube da novidade, lamentou o ocorrido, mas asseverou que havia males que vinham para o bem.
Venâncio contudo, ficou muito desapontado com a moça.
Para consolá-lo, Vandré conversou com ele.
Disse que logo logo ele iria encontrar uma boa moça, e esquecer a decepção que tivera com Ester.
O moço porém, não queria falar na moça.
Assim, sempre que ameaçavam tocar no assunto, Venâncio tratava logo de desconversar, encaminhando a conversa para outros temas.
Perguntava do trabalho de Vandré.
Nestas conversas, Venâncio perguntava ao irmão se estava progredindo, em suas pesquisas.
Vandré respondeu-lhe que sim.
Participou-o das novidades.
Falou-lhe do interesse em pesquisar amuletos.
Venâncio perguntou-lhe se acreditava realmente no poder de amuleto.
Vandré disse-lhe que por enquanto estava apenas pesquisando.
Argumentou que precisava entender por que a família acreditava tanto em maldição.
Venâncio respondeu que ao conhecer um pouco mais da história da família, passou a entender o por quê de tantas pessoas acreditarem em maldição.
Dizia que de fato eram pessoas sofridas, e compreensível sua apreensão.
Vandré concordou.
Argumentou porém, que acreditar em maldição, no entanto, era um pouco prematuro.
Venâncio ofereceu ajuda, mas Vandré respondeu-lhe que esta busca cabia a ele.
Completou dizendo porém, que caso precisasse, o chamaria para acompanhá-lo em suas pesquisas.
Venâncio respondeu que estaria sempre a postos.
Nos dias que se seguiram, Ester ficou a ligar para Venâncio, que se recusava a atendê-la.
Assim, sempre que via o número do telefone da moça em seu aparelho celular, o rapaz tratava de desligar o aparelho.
Certa vez, a moça apareceu no escritório do homem.
Dizia estar arrependida do seu jeito desinteressado e do jeito displicente, pelo qual conduzira o namoro.
Tentando argumentar, Ester dizia que desta vez tudo seria diferente.
Insistia em ter uma nova chance com o rapaz.
Mas Venâncio estava irredutível.
Com isto, sempre que a moça ligava para o escritório, Venâncio, instruía a colega Tânia a despachá-la.
E Tânia inventava diversas desculpas.
Dizia que Venâncio estava em uma reunião, que havia saído, que não se encontrava no setor.
Aborrecida, Ester chegou a cercar a moça na saída do escritório.
Queria tomar satisfações.
Disse-lhe que sabia que estava sendo instruída por Venâncio, mas que não se daria por vencida e trataria de reconquistá-lo.
Por fim foi embora.
Tânia ficou perplexa e a se perguntar do por quê da atitude da moça.
Contou o ocorrido a Venâncio.
O moço, ao tomar conhecimento do fato, ficou envergonhado.
Tentando se desculpar, argumentou que não tinha o direito de envolvê-la em toda aquela confusão.
Prometeu que iria conversar com a moça e dar um ponto final na história.
Tânia ao ouvir isto, argumentou que ele não tinha que dar satisfações para ela.
Mas o moço insistiu.
Argumentou que ela sempre fora muito gentil com ele e com todos os colegas do escritório.
Merecia ser respeitada.
Por fim, recomendou a mulher, que caso Ester lhe causasse mais problemas, deveria comunicá-lo, para que fossem tomadas as medidas cabíveis.
Tânia ao ouvir isto, comentou que não pretendia causar transtornos para ninguém.
Venâncio respondeu-lhe que quem havia criado problemas era Ester.
Nisto, dias depois, o moço apareceu de surpresa na casa da moça.
Ester ao vê-lo ficou radiante.
Por alguns instantes, acreditou que o moço estava disposto a reatar o namoro.
Contudo, quando o moço começou a dizer que ela havia passado dos limites, e que se continuasse a importuná-lo ou a qualquer de seus colegas, seria compelido a tomar medidas legais contra ela, Ester se assustou.
Nisto Venâncio argumentou que ameaça era crime, e que ela poderia ser presa por isto.
Ester ficou surpresa com a agressividade.
Argumentou que nunca havia visto ele tão nervoso.
Venâncio por seu turno, mencionou que tampouco conhecia o lado inconveniente da moça.
Afirmou-lhe que estava avisada, e que caso voltasse a ligar para o escritório, ou ficasse cercando seus funcionários, ela iria se entender com ele.
Ester tentou argumentar com o moço, mas Venâncio rebateu dizendo que ela estava avisada.
E assim, a moça teve que se calar.
Nisto o moço se retirou.
Ester fechou a porta.
Ficou chorando.
Estava arrependida da burrada que havia feito, mas já era tarde, não havia mais como consertar o estrago.

Com o tempo, o moço começou a sair com Tânia.
A moça atenciosa, era o oposto de Ester.
Certa vez, o moço ofereceu uma bonita bijuteria para a moça.
Tratava-se de um broche.
Dizia ter sido de sua avó.
Tânia ao observar o objeto, comentou que era lindo.
Contudo, argumentou que não precisava mentir, dizendo se tratar de um objeto de valor.
Venâncio ficou completamente sem graça.
Tânia então, tratou de completar dizendo que trabalhou numa joalheria, e conhecia um pouco de joias.
Rindo, disse que não seria fácil de enganá-la.
Ressaltou que sabia que não se tratava de uma peça de família.
Jantaram.
Venâncio pediu-lhe desculpas.
Disse que fora um tolo por mentir.
No que Tânia concordou.
Argumentou que entendia o fato dele estar ressabiado com as mulheres, mas que isto não justificava uma atitude tão boba.
O rapaz concordou.
Argumentou que fora infantil.
Que tentou testá-la, e o tiro saiu pela culatra.
Tânia riu.
Disse que não estava mais em idade de passar por avaliações.
Venâncio então, perguntou como a moça havia descoberto a mentira.
Demonstrou curiosidade.
Tânia então, após ao jantar, enquanto estava sendo conduzida ao carro pelo moço, resolveu contar o segredo.
Disse que ao observar a bijuteria, verificou os materiais.
Argumentou que por se tratar de uma suposta joia que pertencera a sua avó, era um objeto antigo, que certamente sofrera algum desgaste do tempo, pois, por mais cuidado que houvesse em seu manuseio, haveria desgaste.
Ressaltou que a peça não tinha marcas do tempo, parecendo ter acabado de sair da fábrica.
Novinha em folha, com um brilho imenso.
Mais tarde ao segurar a peça, comentou que era um trabalho muito bem feito, e que uma pessoa menos atenta, certamente seria enganada pelo truque.
Venâncio riu.
Estava admirado.
Disse-lhe que nunca havia conhecido alguém tão interessante e inteligente quanto ela.
Seus colegas advogados, ao tomarem conhecimento da novidade, parabenizaram-no.
Diziam:
- Até que enfim você se tocou!
- Já não era sem tempo!
- Até que enfim.
Todos que o conheciam, parabenizaram-no quando souberam que ele estava saindo com Tânia.
Nenhum deles gostava de Ester.
Consideravam a moça fútil e interesseira.
Nisto, quando o rapaz finalmente comentou do término do namoro com os amigos, todos lhe disseram que foi a melhor coisa feita por ele.
Que deixasse Ester encontrar alguém na justa medida para ela, era o que diziam.
E assim, quando Venâncio e Tânia passaram a namorar, todos os seus amigos comemoraram.
Elogiaram seu bom gosto, dizendo que Tânia era uma mulher bonita e inteligente.
Venâncio concordava.
Dizia ter tirado a sorte grande.
Considerava-se um homem de sorte.
Vandré, quando soube do namoro, também parabenizou o irmão.
Venâncio brincou com o irmão, que agora era hora dele desencalhar.
Vandré retrucava rindo, dizendo que estava satisfeito com sua solteirice.
Logo foi apresentado a namorada do irmão.
Tânia era uma moça educada, elegante, discreta.
Quando Venâncio contou ao irmão que falara um pouco sobre sua pesquisa à moça, mencionou que ela conhecia pessoas que possuíam coleções de objetos indígenas, entre eles amuletos.
Vandré perguntou ao irmão de onde ela conhecia estas pessoas.
Venâncio respondeu-lhe que a moça tinha amigos antropólogos e arqueólogos, e estes objetos seriam doados a um museu.
Curioso, o moço pediu para falar com Tânia, que lhe contou com mais detalhes a história.
Tânia comentou então, que já havia visto algumas peças e que estava todas muito bem conservadas.
Mencionou que o objeto que mais lhe impressionou foi um muiraquitã.
Vandré ficou interessado, e pediu a moça para agendar um encontro com os tais amigos.
Disse que tinha muito o que conversar com eles.
Tânia sorridente, respondeu-lhe que agendaria um encontro.
Venâncio agradeceu a gentileza da moça.
Por alto, Venâncio já havia lhe dito que o irmão estava empreendendo uma pesquisa sobre cultura indígena.
No que Tânia mencionou os amigos.
Relatou também que muita gente possuía ancestrais indígenas na família.
Venâncio concordou.
Certa vez, a moça comentou possuir curiosidade em conhecer a história de seus antepassados.
Seus ancestrais.
Comentou pouco conhecer da história dos avós, e menos ainda dos bisavós, e de quem os antecedeu.
E no entanto, lá estava ela, descendente de todas estas pessoas que não conhecia.
Contudo, mesmo não as conhecendo, faziam parte de sua história.
Rindo, Tânia comentou aquilo era meio louco.
Venâncio ficou a pensar nas palavras da moça.
Perdido em pensamentos, ficou pensando em como deveria ser reconfortante saber sua origem.
Curiosamente sabia das histórias de seus ancestrais, mas pouco sabia a respeito de seus pais, em especial, quem teria sido seu pai.
Tânia, percebendo a distração do moço, perguntou-lhe:
- Oi? Moço? Onde você está?
Venâncio então, ao perceber que a moça lhe chamava, pediu-lhe desculpas.
Disse que estava distraído.
Tânia perguntou-lhe então:
- Posso saber em que tanto pensas? Espero que não seja nenhuma mulher. - completou rindo.
Venâncio olhou a moça com deboche.
Rindo, comentou que estava pensando em muitas mulheres.
E nisto, começou a citar nomes de atrizes da tevê.
Tânia, ao perceber a provocação, jogou uma almofada no moço.
O jovem segurou o objeto.
Venâncio argumentou então, que a vida era muito engraçada.
Disse que enquanto alguns querem conhecer a história dos avós, bisavós, trisavós, outros só gostariam de saber quem foram seus pais.
Como se encontraram, como se conheceram, se houve amor entre eles.
Tânia ouvia com atenção.
Disse que aquilo tudo aquilo era familiar.
Foi então, que como todo o cuidado, perguntou se Carolina não havia lhe contado nada sobre seu pai.
Venâncio respondeu-lhe que não sabia nem se ele e Vandré eram filhos do mesmo pai.
Tânia ao ouvir isto, pediu-lhe desculpas.
Disse que havia se metido onde não fora chamada.
Venâncio então respondeu-lhe que não havia falado nada demais, e que ela como parte da família, tinha todo o direito de se inteirar de seus assuntos.
Tânia fez menção de argumentar, mas Venâncio, ao perceber isto, comentou que iria apresentá-la ao restante de sua família, quando voltasse a fazenda do Valongo.
Disse-lhe que iria apresentá-la como sua noiva.
Tânia tentou argumentar, mas Venâncio disse-lhe que eram favas contadas.
A mulher ficou intrigada.
Como assim, favas contadas?
E Venâncio respondeu-lhe que ela estava condenada a ficar a seu lado, por todos os séculos, dos séculos, dos séculos.
Ao ouvir isto, a mulher caiu na risada.
- Que conversa mais louca!
Nisto o homem segurou sua mão, beijou seu rosto, e perguntou-lhe se aceitava se casar com ele.
Tânia ria.
Venâncio impaciente, indagou-lhe, exigiu uma resposta.
Tânia risonha, respondeu que sim.
O moço, achando graça, comentou que já estava pensando que ela iria desistir dele.
Falou rindo para ela nunca mais repetir isto.
Tânia argumentou que ele era muito engraçadinho.
Mais tarde, quando recebeu um telefonema de Carolina, informando que a matriarca havia piorado, Venâncio convidou a moça para acompanhá-lo em viagem.
A jovem tentou desconversar, mas Venâncio foi mais rápido.
Disse que ela estava intimada a comparecer na Fazenda Valongo em sua presença, sob pena de condução coercitiva.
Risonha, Tânia perguntou-lhe como faria para conduzi-la coercitivamente, caso não fosse espontaneamente.
Venâncio respondeu-lhe que requisitaria força policial.
Debochada, Tânia perguntou do que se tratava a tal força policial.
Venâncio respondeu que chamaria toda a Guarda Nacional, na pessoa de seu irmão, seus amigos, e sua mãe.
Argumentou que caso precisasse tomar esta medida drástica, estaria perdida.
Tânia ria.
Disse-lhe que não tinha jeito, e que diante das circunstâncias, iria acompanhá-lo na viagem.
Por fim, argumentou se não iria incomodar se o acompanhasse.
Venâncio respondeu-lhe que não.
Tânia porém, insistiu para que o moço informasse a mãe de sua ida.
E Venâncio então, telefonou para a mãe.
Informou-lhe que estava noivo de Tânia e se poderia levá-la para lá.
Carolina, ao ouvir a história de noivado, ficou apreensiva.
Pensou que se tratava de Ester.
Venâncio teve que lhe contar que terminara o noivado com Ester.
Comentou que conheceu uma moça, que na verdade já era sua colega de trabalho, e estavam namorando.
Venâncio comentou que resolveu ficar noivo de Tânia.
Carolina ao ouvir o relato do moço, ficou desconfiada.
Chegou a perguntar ao moço, se não estava se precipitando.
Afinal, mal terminou um noivado e praticamente começou outro.
Carolina recomendou-lhe juízo e mencionou que esperava que ele soubesse o que estava fazendo.
Venâncio, um pouco decepcionado com a reação da mãe, e comentou que apesar do balde de água fria, estava feliz.
Argumentou que quando ela conhecesse Tânia, suas reservas iriam desaparecer.
Por fim, Carolina mencionou que não era momento de se levar visitas a fazenda.
No que Venâncio comentou que ela fazia parte da família, e que precisava apresentá-la a avó.
Carolina, percebendo o entusiasmo do moço, acabou concordando.
Contudo, recomendou-lhe que dissesse a moça que não se tratava de um evento festivo.
Venâncio concordou com as recomendações.

Carolina então, acabou aceitando receber a moça.
Com isto, dias depois, o trio seguiu viagem.
Venâncio contou do estado de saúde da avó.
Tânia chegou a lhe perguntar se aquela era a melhor hora para conhecer sua família.
Venâncio retrucou dizendo, que todos estavam esperando por ela.
Tânia concordou então, em acompanhá-lo.
Preparou sua mala.
Viajaram de avião.
E do aeroporto, seguiram de carro para a propriedade.
Um funcionário da fazenda, os aguardava no aeroporto.
Ao chegarem na fazenda, Venâncio lhe mostrou a porteira.
Disse-lhe que aquele lugar era o Valongo.
Tânia curiosa, perguntou o por quê do nome.
Vandré respondeu-lhe que se tratava de um antigo mercado de escravos.
A moça respondeu que havia uma cidade em Portugal, com o mesmo nome.
Venâncio argumentou que talvez por isto, o mercado tivesse este nome.
Nisto, chegaram a sede da fazenda, onde foram recepcionados por Carolina.
Venâncio apresentou as mulheres.
À mãe, Carolina, disse que a moça era bacharela em direito, sendo seu braço direito e esquerdo no escritório.
Venâncio apresentou a mãe, como a pessoa que cuidou dos filhos, e agora estava cuidando da própria mãe.
Tânia estendeu a mão.
As mulheres se cumprimentaram.
Nisto a mulher levou a moça para seu quarto.
Venâncio e seu irmão dormiriam em outro.
Séria, a mulher olhou para o filho dizendo para que tivesse juízo.
Tânia achou graça.
Mais tarde, ao passear pela propriedade, a moça comentou que Carolina era muito zelosa.
Venâncio rindo, comentou que ela não sabia o quanto.
O moço ensinou a moça a andar a cavalo.
Tânia retrucou disse que estava bem com os pés no chão, e não tinha interesse em ficar montada em um animal que não sabia controlar.
Mas Venâncio prometeu escolher um cavalo manso para que ela pudesse aprender.
E assim, depois de muito insistir, acabou convencendo a moça.
Tânia relutante, aceitou subir em um animal.
Venâncio auxiliou-a.
Segurou as rédeas do animal, e caminhou ao lado do cavalo.
A moça surpreendeu-se com os modos gentis ou cavalheirescos de Venâncio.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte. 

VALONGO - CAPÍTULO 21 - VERSÃO OFICIAL

Ajustados entre si, Vandré e Venâncio percorreram os cartórios da região, em busca de registros da família.
Foi uma busca demorada e trabalhosa.
Com efeito, a criança de nome Tarcísio, fora registrada em outra cidade, pois na época em que Dona Carolina era moça, o cartório não abrangia a circunscrição onde ficava a propriedade do Valongo.
Para chegarem neste ponto, os moços realizaram três idas em cartórios da região, inclusive da cidade onde estava localizada a fazenda.
Desanimados, sempre que se dirigiam aos cartórios e não encontravam informações, ficavam desapontados.
Um dia, conversando na venda que havia na vila próxima a fazenda, os moços comentaram entre si, como fariam, para descobrir o registro de uma pessoa nascida por volta do final dos anos quarenta e início dos anos cinqüentas.
Nisto, um frequentador da venda informou que naqueles tempos, os registros de nascimentos, quando eram feitos, eram realizados num cartório localizado em outro município.
Disse aquelas terras e toda a região fizera parte do município, sendo posteriormente desmembrado.
Desta forma, os rapazes agradeceram a informação, e no dia seguinte rumaram em direção ao cartório.
Lá, depois de uma certa peregrinação, finalmente descobriram onde estava localizado o registro de Tarcísio, filho de Carolina e Adroaldo.
Vandré, ao consultar o registro, ficou exultante.
Finalmente estava a encontrar vestígios da origem da família.
O moço solicitou ao funcionário, uma cópia do documento.
Dias depois, o moço regressou ao cartório, onde retirou a cópia solicitada do documento.
Em casa, na sede da fazenda, o moço guardou o documento com todo o cuidado.
Afinal, ninguém poderia desconfiar que estava investigando o paradeiro e a origem do homem.
Como já soubessem que o homem não havia sido criado na região do Valongo, Venâncio e Vandré, começaram a divagar sobre em que lugar o tal Tarcísio vivera, e onde estava sepultado.
Com isto, nos dias em que estiveram na fazenda, aproveitaram para conversar com as primas Lara e Antonia.
Falavam sobre as crianças, sobre a importância de se ter uma família.
Elogiaram os filhos das moças.
Lara e Antonia disseram que estavam vivendo em São Paulo, circunstância que motivou Vandré a convidá-las a visitar sua casa.
Argumentou que eram uma família, mas que conviviam muito pouco.
Venâncio respondeu que a correria do dia a dia afasta e priva as pessoas da convivência diária.
Lara e Antonia concordaram.
Eram moças e um pouco mais jovens que Venâncio, regulando a idade de Vandré.
Conversando com as jovens, os mesmos descobriram que as moças haviam se casado, mas os relacionamentos pouco duraram.
Ao ouvir isto, os moços curiosos, perguntaram da maldição imposta sobre a família.
Rindo, as moças comentaram que casamento era forma de falar, já que viveram em união estável, circunstância que se equipara a um casamento.
Curioso, Venâncio perguntou-lhes se não tiveram nenhum interesse em se casar.
Lara respondeu-lhe que não.
Argumentou que o que fazia a união de um casal não era um pedaço de papel, e sim a confiança, e o amor existente entre eles.
Vandré concordou.
Venâncio brincando, respondeu que agora entendia por que o irmão não havia se casado.
Vandré então rindo, pediu ao irmão para que se calasse.
Em dado momento da conversa, Venâncio falou às moças, em tom de brincadeira, que já sabia por que não haviam se casado no civil.
Curiosas, as moças perguntaram por que.
E Venâncio respondeu:
- Por que estavam com medo da maldição!
As mulheres se entreolharam e começaram a rir.
Descontraídas, as mulheres chegaram a dizer que estavam fartas da história da maldição.
Da praga que uma velha maluca lançara sobre a família.
Antonia disse que isto só atingia quem realmente acreditava nestas besteiras.
Venâncio concordou.
Argumentou que por conta de uma bobagem, as mulheres de sua família, deixaram de lado a possibilidade de serem felizes.
Para ele, as histórias de insucessos amorosos e filhos varões que não vingaram, eram fruto de um tempo de grandes dificuldades, sem acesso a informação, e sem o mínimo acesso à condições básicas de saúde.
E que tal desinformação deu origem a lendas e a crendices.
Nisto Lara argumentou que as Carolinas acreditavam seriamente nisto.
Venâncio retrucou dizendo que adorava a mãe e a avó, mas que se tratavam de pessoas simples, e muito impressionáveis.
O jovem por seu turno, mudaria o seu modo de pensar.
Isto por que ainda quando estava no velho casarão, o jovem e parte da família, se depararam com um estranho, que surgira na cozinha da residência.
Era um homem idoso, cujo nome não foi declinado.
Estava agitado, andando de um lado para o outro.
Dizia querer falar com Josué.
Foi quando todos os que estavam na sala, se entreolharam, já bastante assustados com a visita inesperada.
Ninguém conseguia compreender o que estava acontecendo.
Nisto, o homem desapareceu.
Sumiu da mesma forma que entrou.
Sem deixar vestígios.
Vandré e Venâncio, que estavam na sala ao lado da mãe, e das primas, ficaram perplexos.
Nenhum dos empregados viu o homem entrando na casa e tampouco saindo.
Quando a velha senhora, Carolina, tomou conhecimento do ocorrido, ao ouvir nome Josué, lembrou ser este um dos nomes de um dos filhos da primeira Carolina.
O garoto morreu ainda em criança.
Intrigada, a mulher procurou se lembrar de alguém que vivia ou que vivera na região e que possuía o mesmo nome.
Por mais que se esforçasse, a mulher não conseguia se lembrar.
Dizia que sua memória já não era mais a mesma.
Sua filha por sua vez, dizia para a mãe descansar.
Visando tranquilizá-la, disse que fariam orações em memória a todos os antepassados, e também para que este homem encontrasse seu rumo, e que não viesse mais importuná-los. Nisto, recomendou para que os funcionários trancassem a porta da residência, mesmo durante o dia, observando que entrasse e quem saísse do casarão.
Os visitantes por seu turno, avisariam quando saíssem da casa, se iriam para algum lugar e quando voltariam.
Todos concordaram com a recomendação.
E precavidos, trataram de fazer as orações.
Chegaram a organizar um terço, onde toda a família se reuniu para rezar.
A mãe de Vandré e Venâncio, também mandou celebrar missas, na igreja que havia na vila.
Com isto, sempre que os convidados saíam da sede, avisavam.
Também informavam a hora aproximada em que voltariam.
Vandré e Venâncio continuaram com suas andanças pelos arrabaldes.
Continuaram as conversas com Lara e Antonia, na esperança de descobrir algo sobre a história de Tarcísio.
Mas as moças não comentavam sobre o assunto.
Parecia que não gostavam de falar sobre o pai.
Circunstância que os deixou bastante intrigados.
Afinal de contas, por que tanto segredo?
Conversando com a mãe, Vandré tentou trazer a baila a memória de Tarcísio.
Carolina rapidamente desconversou.
Em nova conversa com as moças, Lara e Antonia, comentaram que o pai era bastante ausente, e que não tinham muito a dizer a seu respeito.
Venâncio, percebendo que não lhes agradou o tema, resolveu mudar o rumo da conversa.
Gentil, perguntou das crianças, já que tudo parecia tão silencioso.
Lara e Antonia concordaram.
Preocupadas, foram atrás dos filhos, para verificar o que estava acontecendo.
Para variar, as crianças estavam na cozinha, a mexer nas panelas, nos tachos de cobre, e demais utensílios domésticos.
Sempre que viam algo que não conheciam, perguntavam o que era.
Djanira, já acostumada com o jeito das crianças, respondia com toda a paciência do mundo.
Quando Lara e Antonia apareceram na cozinha para ralhar com as crianças, a cozinheira respondeu-lhes que se todas as perguntas e todos os problemas do mundo fossem saber o que era um tacho de cobre, uma panela, uma escumadeira, tudo seria muito mais fácil.
Djanira, comentou que eles estavam apenas curiosos.
Mas recomendou que não era bom que permanecessem na cozinha, por não ser lugar de crianças curiosas.
Lara e Antonia concordaram com a cozinheira.
Razão pela qual retiraram as crianças de lá.
Levaram as crianças para o alpendre e disseram-lhe que tinham um imenso campo a frente para brincar, com a recomendação de que não poderia sair de suas vistas.
E assim,as crianças ganharam o mundo.
Brincaram de se esconder atrás das árvores.
Subiram em seu tronco, sentaram em suas raízes.
Olharam o céu e as nuvens, para dizer com o que se pareciam.
Lara e Antonia olhavam envaidecidas para os filhos.
Venâncio e Vandré observaram as crianças brincando.
Lembraram de seus tempos de criança.
Rindo, comentaram que se tivessem tanto espaço livre para brincar quando eram crianças, suas vidas provavelmente seriam bem diferentes.
Venâncio, argumentou que gostava da vida na cidade.
Dizia que seu escritório estava indo de vento em popa e que não tinha interesse de voltar ao campo.
Vandré, respondeu que sua vida acadêmica não lhe permitia viver no campo.
Com efeito, os rapazes e parte da família participou da festa organizada para Dona Carolina.
Forma como era tratada por todos.

Com o passar dos dias, conforme o estado de saúde da matriarca se agravava, os rapazes recomendaram a mãe que levassem a avó, para a capital, pois ali teria um melhor tratamento, recebendo acompanhamento médico.
Mas a matriarca se recusava a sair de sua fazenda.
A mulher falou com detalhes sobre a história de suas ancestrais.
Dizia possuir anotações, diários e relatos da vida de quase todas elas as mulheres da família. Venâncio e Vandré por sua vez, ouviram os relatos da velha senhora com toda a atenção.
Conforme a história era contada, os moços começaram a entender as motivações da mulher.
O por quê de levar a criança para longe de si.
De todas elas, percebeu o empenho em preservar a família, lutando pela sobrevivência de todos.
Por um momento, chegaram a acreditar que poderia ser uma sina.
Ficaram penalizados com as histórias de perda, com o sofrimento.
Diziam que era muita tristeza para uma mesma família.
Curiosos, chegaram a se perguntar se de fato havia uma maldição, e o que poderiam fazer para livrar o restante da família, da triste sina.
Ao voltarem para São Paulo, retomando suas atividades diárias, Vandré comprometeu-se em conversar com especialistas em cultura indígena.
Isto por que, gostaria de saber o que se pode fazer, quando uma suposta maldição é lançada sobre uma descendência.
Venâncio não mais debochava da ideia.

E assim Vandré, conversou com alguns especialistas.
De vários deles ouviu que segundo lendas indígenas, poderia se fazer rituais, ou utilizar amuletos, que segundo a crença dos nativos, protegiam contra os maus espíritos.
Vandré curioso, pedia detalhes, mais informações.
Chegou ao muiraquitã, mas descobriu inúmeros outros amuletos.
Cada qual com uma finalidade.
Venâncio, voltou a encontrar a noiva, que parecia aborrecida com a demora do moço em regressar para São Paulo.
Ester, dizia que havia demorado muito por lá.
O moço perguntou-lhe então, se havia melhorado da indisposição.
Ester respondeu-lhe que sim.
Quando o moço perguntou-lhe se havia ficado em casa, a moça respondeu que sim.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

VALONGO - CAPÍTULO 20 - VERSÃO OFICIAL

E a jovem Carolina, ali sentada a sombra da árvore, a ouvir as histórias de Adroaldo.
Pensava em quantas vezes sua avó Carolina, ficara a esperar por Olavo.
Quem sabe ali, próxima da árvore.
A árvore não ficava muito longe da sede da fazenda.
Mais tarde, o moço convidou a moça para dançar.
Ainda sob os olhares vigilantes de Rosália.
Adroaldo, com seus modos refinados, faziam Rosália recordar-se de Abelardo.

Com ele, Carolina teria uma filha de nome Carolina, e um menino de nome, Tarcísio.
Também ela não viera a se casar.
Permanecendo solteira.
Adroaldo, morrera cedo, após uma convivência de cerca de oito anos com a mulher.
Tarcísio, o filho mais velho, ainda apresentou problemas de saúde.
Os médicos diziam que o menino não sobreviveria.
Contudo, o menino resistiu.
Como não apresentasse melhoras, Carolina achou por bem levar o filho para longe dali.
Adroaldo então levou o menino para a casa dos pais.
E Carolina, ficou a cuidar da propriedade.
Adroaldo passou meses no lugar.
Voltou mais disposto.
Quando chegou nas terras paternas, aparentava cansaço e tristeza.
Carolina ao vê-lo tão bem disposto, perguntou se o filho havia melhorado.
Adroaldo respondeu-lhe que sim.
Com o tempo porém, de volta ao lugar, o menino voltou novamente a piorar, precisando ser novamente encaminhado para outras plagas.
Carolina então, percebendo que o menino ficava melhor longe dali, concordou que ele fosse criado em outro lugar.
A última vez em que o menino passou mais tempo na fazenda, teve seus problemas respiratórios agravados, e quase morreu afogado em um dos rios do lugar.
Ao perceber a vida de seu filho se esvaindo, sem que nada pudesse fazer, Carolina fez uma promessa de que, em Tarcísio sobrevivendo, mandaria o menino para longe, onde estudaria, e se formaria.
Carolina cumpriu a promessa.
Conforme o menino se recuperou do acidente, foi levado para a casa dos avós, sendo criado por eles.
Mais tarde a criança foi matriculada em um colégio interno, onde passou a receber visitas dos pais.
Tarcísio porém, nunca aceitou bem a separação, e a falta de convívio com os pais.
Mais tarde, Carolina deu luz a Carolina.
Com isto, cerca de dois anos mais tarde, Adroaldo faleceu dormindo.
Era jovem ainda, fato este que causou perplexidade em todos os moradores da região.
Carolina não veio a se casar com o moço, em razão do mesmo já ser casado em primeiras núpcias com uma jovem.
Segundo Adroaldo, o casamento se desfizera em virtude de erro de pessoa.
Dizia ter sido enganado, pois ao casar-se com a moça, não sabia que a mesma possuía sérios problemas de saúde.
Esmeralda padecia de problemas mentais.
Embora aparentasse sanidade mental, com intervalos de lucidez, possuía sérios distúrbios de comportamento.
Com o tempo se tornou agressiva, ameaçando inclusive a integridade física do marido.
Que, sem condições de continuar a conviver com a esposa, precisou interná-la em uma casa de saúde.
Desde então vinha tentando anular o casamento, em que pese a reprovação da família da moça, que entendia o gesto como falta de caridade e humanidade.
Adroaldo dizia que jamais desampararia a moça, em que pese ter sido enganado, mas argumentava ter o direito de retomar sua vida.
Nisto mostrou a Carolina, uma marca de faca, a qual disse ter sido feita por Esmeralda.
Quando Carolina soube disto, ficou furiosa.
Dizia que havia sido enganada.
Exigiu explicações.
Perguntou-lhe por que não lhe dissera nada sobre o impedimento.
Adroaldo disse-lhe que havia gostado dela, e que se contasse a verdade, provavelmente seria rechaçado por todos os membros de sua família.
Carolina argumentou que sua mãe Rosália jamais aceitaria seu envolvimento com um homem separado, cujo desenlace conjugal não havia sido desfeito pelas leis da igreja, encontrando-se impossibilitado de se casar.
De fato, Rosália resistiu a ideia.
Dizia que a filha estava louca.
Carolina dizia que nenhuma das mulheres da família casara.
Argumentou que quem chegou perto da possibilidade de casamento, não conseguiu realizar o intento.
Dizia que poderiam realizar uma cerimônia e que ninguém precisava saber que não era de fato, casada com Adroaldo.
Com isto, para provar que estava sendo sincero, o homem levou a jovem para a casa de repouso onde Esmeralda estava internada.
Pelos documentos mostrados, a moça, quando da internação, ainda era casada com Adroaldo.
Como era de se esperar, a moça, que não reconhecia mais ninguém, foi agressiva com o casal.
Carolina ficou penalizada ao ver Esmeralda sendo amarrada e sedada pelos enfermeiros.
Adroaldo então, retirou-se com Carolina, da sala.
Rosália então, ao perceber que não teria como impedir a união, pressentindo que a filha poderia fugir com o moço, acabou por aceitar o relacionamento.
Preparou uma cerimônia religiosa.
Conversando com o padre, prometeu auxiliá-lo com doações, em troca do sigilo da cerimônia.
O homem concordou com a proposta.
Carolina vestia um bonito vestido branco.
Adroaldo usava um fraque.
Carolina guardava fotos do evento.
As poucas fotografias tiradas com um fotografo.
Lembrar fazia amenizar a saudade.
Pois como sua mãe e sua avó fizeram, bem como todas as outras mulheres que as antecederam, todas ficaram sozinhas no mundo a cuidar de seus filhos.
Carolina sua filha, também se envolveu com um forasteiro.
Grávida, a jovem se mudou para São Paulo.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte. 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

VALONGO - CAPÍTULO 19 - VERSÃO OFICIAL

E assim, Rosália tornou-se mãe de Carolina.
E Carolina, a matriarca da família conheceu seu Adroaldo, em uma festa organizada na fazenda. Criança nascida na década de trinta.
Ao tornar-se adulta, conheceu Adroaldo.
Era um rapaz elegante de modos refinados.
Ele foi apresentado a moça, por parentes.
Conversaram sobre amenidades, sob os olhares atentos e vigilantes de Rosália, que a todo momento observava o casal.
Carolina ria das palavras do rapaz.
Adroaldo, apoiado em um dos galhos da árvore em que a moça estava sentada, contava peripécias sobre os tempos em que passou em São Paulo estudando, e de sua falta de habilidade para a vida no campo.
Comentou rindo que não tinha jeito com os animais, e que ao tentar montar um cavalo, quase caiu de cara no chão.
Rosália gostou do entrosamento dos dois, mas recomendou ao rapaz, quando o mesmo convidou a filha para se sentar a sombra de uma árvore, que se comportasse.
O moço cavalheiresco assentiu, com a cabeça concordando.
Carolina gostava do céu azul daqueles dias, as nuvens brancas e o sol claro.
Gostava das árvores e das flores.
E como tinha flores naquele lugar.
Com relação a isto, sua avó Carolina, costumava dizer que nas terras de sua família, não haviam tantas flores.
Lá o clima era frio, e o vento cortante.
Sua avó, costumava dizer que as hortênsias e as camélias enfeitavam os caminhos da fazenda.
Além de algumas árvores.
Também havia rosas, mas só floriam em tempos ensolarados.
Boa parte do tempo só tinham a companhia das araucárias que faziam parte do cenário.
E as árvores.
Uma delas morta e cheia de buracos, provavelmente de balas.
Dizia que caixões foram feitos com aquelas madeiras, onde foram sepultados seus ancestrais.
Sua avó Carolina, ainda costumava dizer que o grande Abaeté fora sepultado em um desses caixões e enterrado nas terras da fazenda.
Também costumava dizer que em criança, gostava de brincar perto das árvores.
E gostava de se relembrar de Olavo, dos tempos difíceis para formar a fazenda.
Sozinhos e com tudo por fazer, e dos tempos em que o homem foi convocado pelo exército.
Mais tarde, a neta saberia que o avô participou de um dos movimentos mais importantes da história do país.
Carolina dizia a avó, que era uma história triste e muito bonita.
A avó da jovem por sua vez, dizia que Olavo morrera, lutando por algo que nem ele conseguia entender direito o que era.
Por diversas vezes a mulher mostrava as cartas que o moço lhe escrevera.
Carolina – a avó, dizia – que com o tempo, passou a ter criadas, e que a exemplo da primeira Carolina, que não possuía escravos, e procurou cercar-se de pessoas de confiança.
Dizia que vendeu as terras que possuía no sul, juntamente com suas primas.
Nunca mais regressou a terra onde nascera.
Sua avó, gostava de falar da primeira Carolina, a matriarca.
De vez em quando, Carolina, gostava de mostrar uma canastra cheia de fotos e recordações dos familiares.
Documentos que vieram para suas mãos após se estabelecer no Valongo.
Vieram em carroças, assim como a mobília, que guarnecia a propriedade onde vivera a mãe e todos os seus ancestrais.
Foi assim, que mobiliou a sede da fazenda, e animada, resolveu ampliar a construção.
Após a morte de Olavo, descobriu um único objetivo na vida.
A filha Rosália, e para ela, investiu em melhorias na propriedade.
Planejava um bom casamento para a filha.
Mas um acidente interrompeu seus planos.
Abelardo foi atropelado pelo automóvel de um forasteiro.
Naquelas terras tranquilas, como imaginar que alguém viria a toda velocidade possível com um veículo?
Abelardo seguia a pé, e foi surpreendido por um automóvel.
Quando Rosália tomou conhecimento do fato, estava sentava no alpendre do casarão, bordando.
Ao avistar o capataz da fazenda, percebendo seu olhar de pesar, perguntou-lhe o que havia acontecido.
O homem então, com muita dificuldade, finalmente conseguiu revelar que seu noivo estava morto a beira da estrada.
Por um momento, a moça custou a acreditar no que ouvia.
Parecia que estava a fazer chistes com ela.
Mas ao olhar novamente para o funcionário, empalideceu.
Caiu no sofá.
O homem, aflito, ao ver a moça desfalecida, entrou no casarão, buscando alguém para amparar a moça.
Gritava que Dona Rosália estava passando mal.
Pedia ajuda.
Quando Carolina – sua mãe – tomou conhecimento da história, ficou perplexa.
Chegou a gritar com o homem, que não se podia brincar com algo tão sério.
Como Rosendo insistisse em dizer que o corpo se encontrava inerte na estrada, Carolina finalmente deu-se conta da gravidade dos fatos.
Ao perceber que sua filha estava sofrendo, Carolina tratou de partir ao seu encontro.
Mas para o pasmo de ambos, Rosália havia sumido.
Nervosa, Carolina comentou que a filha não poderia estar longe.
Temendo que a moça tivesse se dirigido a estrada, Carolina pediu ao homem que preparasse um cavalo.
Foi quando Rosendo percebeu, que haviam pego seu cavalo.
Carolina concluiu que fora a filha, e exigiu que se apressasse, pois tentaria impedir a filha de ver o corpo do moço.
Nisto, a mulher montou no cavalo e seguiu atrás da filha.
Leal, Rosendo a acompanhou.
Seguiram a cavalo até a estrada.
Nem sinal de Rosália.
Somente conseguiram encontrar a moça, quando a mesma apeara do animal que a conduzira.
Estava próxima de um pequeno grupo, que observava o corpo exposto.
Rosália então foi se aproximando e pediu licença a todos.
Os olhos estavam banhados em lágrimas.
Quando finalmente se aproximou, viu o rosto de Abelardo virado para o chão de terra.
Havia muita poeira no lugar.
Com as mãos trêmulas, tocou no terno alinhado e sujo de terra, e virou o corpo.
Ao ver o rosto do noivo, soltou o corpo inerte.
Gritou horrorizada e foi se afastando.
Quando finalmente Carolina avistou a filha, já era tarde.
Pois, a moça já havia visto o corpo.
Rosália ao ver o capataz, se aproximou e apoiando-se no homem, foi erguida.
Estava no chão.
Enquanto era erguia do solo, a moça começou a chorar.
Soluçava.
Carolina então, segurou a filha.
Rosália se desesperou.
Gritava que Abelardo havia morrido.
Nisto, percebendo que todos os observavam, recomendou que o capataz levasse a filha de volta para a fazenda.
Rosendo a amparou, fazendo com que subisse no cavalo.
Em seguida o homem também montou em seu cavalo.
Partiram.
Antes de partir, porém, a mulher perguntou se os parentes do moço foram avisados.
Rosendo disse que havia pedido a um funcionário da fazenda, para avisar os pais do moço.
Carolina recomendou ao homem, para que levasse a filha para a fazenda.
Exigiu que a moça não saísse de lá.
Com isto, ficou a esperar por alguém.
Afinal de contas, precisava levar o corpo para a fazenda.
E assim, foi questão de minutos para que alguém chegasse.
Carolina acompanhou o transporte do corpo até a fazenda vizinha.
Ajudou a confortar a mãe do jovem.
Dona Lisete estava inconsolável.
Carolina acompanhou o velório até tarde.
Ao chegar em sua fazenda, tratou logo de verificar com a filha estava.
Rosália dormia profundamente.
As criadas disseram que ao chegar na fazenda, a moça resistiu a ideia de ficar recolhida.
Queria muito se dirigir a fazenda e velar o corpo.
Disseram que não fosse a intervenção de Rosendo, e a moça teria ido mesmo sem autorização, para a fazenda vizinha.
O homem porém, se interpôs entre ela e a porta, e dizendo que sem a autorização de Dona Carolina, ninguém sairia dali, enfrentou a moça, que a todo o momento lhe dizia que ele era apenas um empregado da fazenda e não tinha o direito de lhe dar ordens.
Rosendo porém, não se deixou intimidar.
E Rosália vencida, fez menção de subir as escadas.
Como o homem não saísse de perto da porta, Rosália acabou desistindo.
Revoltada dizia que eles não tinham o direito de fazer isto com ela.
Aflita, chegou a dizer que estava perdida.
Nisto, subiu correndo as escadas.
Trancou-se em seu quarto.
Rosendo, ao ser chamado para verificar a tranca, avisou que se a moça não abrisse a porta, a colocaria abaixo.
Rosália, ao perceber que o homem não estava brincando, abriu-a.
As criadas então, deixaram um prato com comida em cima de um móvel.
Como a moça dissesse não ter fome, insistiram para que tomasse um chá.
Rosália tomou a bebida, e pouco tempo depois, adormeceu.

A mulher então agradeceu as informações e se dirigiu ao quarto da filha.
Carolina ao ver Rosália deitada, ficou penalizada.
Desalentada, pensou nos planos de casamento.
A vida a dois.
Tudo acabado.
A certa altura, precisou sentar-se para não cair.
Lembrou-se da história da praga lançada sobre a família.
Aturdida, pensou se nunca iriam se livrar da maldição.
Pensava no por quê de tanta maldade.
Tanta desdita, tanta desgraça.
Desolada, Carolina chegou a se lamentar.
Afinal tanto esforço para bem criar sua filha.
Ensinou-lhe a ler, escrever, bem como as prendas domésticas.
Criou-a como se fora uma princesa, apenas para que pudesse ter uma vida normal como as moças do lugar.
Para se casar e ter uma família.
Triste chegou a balbuciar:
- Porque conosco? Somos tão ruins assim?
Este pensamento a fez ter vontade de chorar, mas ao olhar a filha adormecida, percebeu que não podia fraquejar.
Sua filha precisava de sua força.
Mais tarde, mãe e filha seguiram para o fim do velório e enterro do moço.
Ao ver o corpo sendo velado em cima de uma mesa, com um terno alinhado, os olhos de Rosália encheram-se de lágrimas.
Ao aproximar-se do corpo, chorou sentida, e a mãe percebendo que todos olhavam penalizados, resolveu retirar a filha da sala.
Lisete providenciou água.
Também tinha os olhos inchados de tanto chorar.
Abraçou a moça e a consolou.
Por fim, o jovem foi enterrado na fazenda.
Rosália em prantos, deixou flores no túmulo do moço.
Voltaram para casa.
Nos dias que se seguiram, a moça passava boa parte do tempo dormindo.
Dormia para esquecer os problemas, a dor, o sofrimento.
A certa altura porém, precisou retomar sua rotina.
Mas Rosália já não era mais a mesma.
Sempre que podia, ia visitar o túmulo de Abelardo na fazenda.
Estava quase sempre alheia a tudo.
Às vezes também, ficava tão entretida em suas tarefas, que não percebia nada do que acontecia a sua volta.
Sentia-se muito só.
Não tinha vontade de conversar com as pessoas.
Somente as cumprimentava e se isolava.
Tal comportamento fez com que Carolina sua mãe, ralhasse com ela.
Dizia que nenhum sofrimento justificava a descortesia e a falta de consideração.
Rosália porém, não queria saber de nada.
Não prestava atenção no que sua mãe dizia.
Rosália contudo, ao notar que suas regras estavam atrasadas, desesperou-se.
Aflita pensou que se estivesse grávida, não teria como esconder o fato por muito tempo.
Carolina por seu turno, passou também a desconfiar.
Em dado momento, sem poder mais esconder o fato, Rosália contou a Carolina, o que estava acontecendo.
A mulher ficou furiosa.
Rosália, temerosa, pensou em arrumar uma trouxa e sair de casa.
Quando Carolina soube do intento da moça, passou-lhe uma admoestação.
Argumentou que aquela era uma ideia tola.
Perguntou-lhe onde ficaria até a criança nascer, e como faria para sobreviver sozinha e com um filho no ventre.
Mencionou que ela estaria perdida se resolvesse sair pelo mundo.
Falou-lhe que não agira de modo diferente de todas as que a antecederam, e todas encontraram uma forma digna de sobreviver ao fato, levando uma vida honrada.
Argumentou que se fugisse, aí sim estaria perdida para sempre, pois desonraria o nome de toda a família.
Ao ouvir as palavras da mãe, a moça se aquietou.
Com efeito, a criança foi registrada como se fora filha legítima.
Dona Lisete e o marido, ampararam a moça, auxiliando-a na criação de Carolina.
Chegaram a oferecer dinheiro, mas a avó da criança recusou.
Dizia que se quisessem ajudar, que se fizessem sempre presentes, legitimando a origem da criança.
Prestativos, o casal ofereceu a fazenda como moradia da moça.
Carolina por seu turno, interveio dizendo que filha sua, ficaria em sua casa, e que sua neta, também.
Circunstância que gerou um certo mal estar, não fosse a intervenção de Agnaldo dizendo que a moça estava vivendo uma situação complicada, e que precisava do amparo da mãe.
Contrariada, a mulher acabou acatando as palavras do marido.
Mas sempre que podia, convidava a moça para viver em sua fazenda.
Carolina a matriarca da família, costumava dizer que as portas de sua casa estavam sempre abertas aos amigos, e que eles na qualidade de avós, poderiam visitar a criança, sempre que pudessem e que quisessem.
Mas para Lisete, isto não era o bastante.
Queria por que queria, levar a moça e a criança para junto de si.
Mas a avó da criança não permitia.
Com o tempo a mulher ficou tristonha.
Carolina então, recomendou a filha que passasse alguns dias na fazenda de Dona Lisete.
Contudo, assim que a mulher melhorasse, Rosália e a criança deveriam regressar.
E assim, foram meses morando em casa de Lisete.
Conforme a mulher foi melhorando, foi tentando impôr seus costumes a mãe da criança.
Dizia a Rosália que não poderia pegar a criança de qualquer jeito, que precisava continuar amamentando a criança.
A criança a esta época já tinha quase dois anos, não precisava mais ser amamentada, e Lisete palpitando em tudo.
Rosália não sabia mais o que fazer.
A certa altura arrumou seus pertences e os da filha e comunicou a Lisete e Agnaldo que voltaria para casa.
A mulher tentou argumentar que precisava da companhia da neta, mas Rosália, com toda a brandura, disse-lhe que já estava incomodando, e que não era certo ficar tanto tempo em uma casa que não era sua.
Como Lisete insistisse para que a moça se sentisse em casa, Rosália argumentou que sentia falta de casa, e que se não voltasse logo para sua residência, seria ela quem acabaria adoecendo.
Abelardo, percebendo que não teria como reter a moça por mais tempo, desejou-lhe um bom regresso.
Disse-lhe que dali há alguns dias, iria visitá-la.
Rosália então, foi acompanhada por Agnaldo.
Ao chegarem no casarão, mãe e filha, foram recebidas com festa.
Dona Carolina gostava de mimar a neta.
Dizia que a criança trouxera alegria para a casa.
Certa vez, chegou a dizer que fora a melhor coisa que aconteceu na vida de Rosália.
Rosendo certo dia, enquanto a criança brincava no descampado, observando atenta o movimento dos animais, aproximou-se de Rosália, e tímido começou a dizer que Carolina era uma criança muito bonita e esperta.
Rosália ficou surpresa e agradecida com os elogios.
Rosendo então, enchendo-se de coragem, mencionou que admirava sua coragem em prosseguir a vida, em cuidar da filha.
Comentou que admirava Dona Carolina, por ter construído aquilo tudo praticamente sozinha.
Rosália a certa altura, perguntou ao homem, o que ele estava tentando dizer com tantos elogios.
Sem graça, o homem, chegou a dizer que a admirava, e que águas passadas não moviam moinhos.
Em dado momento, enchendo-se de coragem, o homem comentou a achava muito sozinha.
Disse-lhe que merecia ser feliz.
Em seguida, perguntou-lhe se não tinha interesse em se casar.
Rosália ficou surpresa com a pergunta.
Pensando nas palavras do moço, perguntou-lhe se não tinha medo da maldição.
Rosendo perguntou-lhe de que maldição estava falando.
A moça contou-lhe então, que nenhum relacionamento com as mulheres da família perdurava. Mencionou o curto casamento da mãe, e a interrupção de seu noivado.
Rosendo argumentou dizendo que tudo não passava de uma grande bobagem.
Rosália contudo, não estava interessada em casar-se.
Quando Carolina foi informada pela moça, do pedido de Rosendo, a mulher perguntou-lhe se estava disposta a se casar com o capataz.
Rosália respondeu-lhe que não tinha interesse em ninguém.
A mulher argumentou que sendo ainda jovem, tinha todo o direito de se casar.
Mencionou que Rosendo era jovem ainda, forte, e que seria um bom companheiro para sua filha.
Rosália comentou sobre a maldição.
Mencionou que dissera algo para ele.
Foi o bastante para Carolina passar-lhe um sermão.
Disse-lhe que ninguém na região sabia da história, e que tudo deveria continuar como estava, ou haveria o risco de terem de abandonar tudo novamente, por conta da maledicência das pessoas.
Rosália ao ouvir isto, comentou que só contara o fato de haver enviuvado cedo, e de ter ficado por casar.
Ao ouvir isto, Carolina comentou:
- Menos mal! Mas seria melhor que não se mencionasse a maldição.
Rosália concordou.
Carolina então, passou a fazer recomendações a moça.
Dizia que Rosendo era de confiança, um ótimo partido.
Entre outras coisas.
Mas Rosália dizia não estar interessada.
Mesmo como o passar dos anos, continuava a visitar o túmulo de Abelardo.
Fato este que fez com que Carolina se enervasse com a filha.
Dizia-lhe que o homem estava morto.
Insistia para que o deixasse descansar, e que retomasse sua vida.
Rosália tentava argumentar, mas Carolina insistia em dizer que estava errada.
Argumentava que se tivesse encontrado um outro companheiro, certamente tentaria retomar sua vida.
Rosália, contudo, dizia que ninguém mais apareceu.
Carolina argumentou dizendo que a filha estava tendo uma boa oportunidade, e a estava desperdiçando.
Rosália a certa altura, prometeu que iria pensar no assunto.
Chegou a se pensar em noivado.
Até jantar foi preparado.
O moço vestia um bonito terno.
O casal conversou sobre amenidades ao lado de Dona Carolina.
Quando Lisete soube disto, temeu que com um provável casamento, a criança seria afastada de seu convívio.
Agnaldo tentou convencer a mulher de que estava errada, em vão.
Com isto, a mulher passou a visitar a jovem em horas inapropriadas.
Circunstância que aborreceu Carolina e Agnaldo.
Dessarte, sempre que se encontrava com Rosendo, dizia que Rosália era uma boa moça, e que seria sempre fiel a seu filho, nunca colocando outra pessoa em seu lugar.
Isto aborreceu demasiadamente o homem.
Dona Lisete não perdia a oportunidade de dizer que a moça continuava a visitar o túmulo do filho.
Chegou até a dizer-lhe que verificasse isto com os próprios olhos.
Rosendo, ao ver a moça levando flores para o túmulo, questionou o comportamento da moça.
Dizia-lhe que precisava esquecer o jovem.
Rosália retrucava dizendo que era o pai de sua filha, e sentia necessidade de levar flores a seu túmulo. E Rosendo procurou entender.
Com o passar do tempo, porém, esta circunstância passou a incomodar-lhe, fato este que gerou desentendimentos com a moça.
Rosália não admitia que o homem lhe dissesse o que fazer.
Mais tarde, o homem se envolveu em uma confusão, que resultou na morte de um peão de uma das fazendas da região.
Rosendo apontado como suspeito do crime, arrumou seus pertences.
Precisava fugir.
Como último gesto, foi até o casarão, onde atirou uma pedra na janela da moça.
Quando Rosália abriu a janela, perguntou-lhe o que fazia àquelas horas em frente a sua casa.
Rosendo explicou-lhe que precisava fugir, ou seria preso.
Rosália que já havia tomado conhecimento do fato, perguntou-lhe se havia matado o homem.
Rosendo respondeu-lhe que não.
Nisto a moça insistiu para que ficasse e provasse sua inocência.
Rosendo argumentou que não teria como provar que não cometera o crime, por estar passando no local, próximo do horário em que o crime ocorreu.
Disse que o lugar era deserto, e que não haviam testemunhas.
Nervoso, disse que se desentendeu com o peão, e que o ameaçou.
Afirmou porém, que não o matou.
Argumentou que jamais tiraria a vida de um cristão.
Rosália compreendeu sua aflição.
O capataz então, sugeriu que a moça seguisse com ele.
Pediu para que fizesse uma pequena trouxa com seus pertences, e o acompanhasse.
Rosália olhou-o com espanto.
Rosendo insistiu.
Argumentou que não podia se demorar.
A moça então, suspirando, respondeu-lhe que não poderia acompanhá-lo.
O homem então desceu do cavalo.
Rosália prosseguiu.
Disse que tinha uma filha para criar, e que não poderia abandoná-la.
Argumentou que a criança já não tinha um pai, e que não poderia ficar sem a mãe.
Rosendo, percebendo que a mulher não poderia fugir com ele, levando uma criança pequena, concordou.
Lamentou sua sorte, dizendo que estava deixando tudo para trás, por um destino incerto, e que não poderia condená-la a padecer junto com ele.
Triste, comentou que não sabia ao certo se conseguiria fugir, ou se não morreria no meio do caminho.
Ao constatar que poderia estar condenando a moça, a uma vida incerta ou mesmo a morte, compreendeu-a.
Triste, insistiu para que descesse, e o encontrasse na porta.
Dizia que precisava se despedir.
Apreensiva, a moça disse que não poderia fazê-lo, que não ficaria bem.
Rosendo disse que sabia do falatório das pessoas, mas se descesse sem fazer barulho, ninguém tomaria conhecimento do fato.
Nisto acrescentou que não sairia dali se ela não conversasse com ela.
Rosália então vestiu-se e desceu cautelosa, as escadas do casarão.
Ao chegar na sala, fez um pequeno esforço para abrir a porta, com a pesada chave que estava na maçaneta.
Rosendo a esperava de chapéu na mão.
Nisto o homem se aproximou e abraçou-a.
Disse-lhe que provavelmente nunca mais iriam se encontrar.
Lamentou a despedida.
Disse que gostava muito dela e que sentiria muito pesar por não poder levá-la junto de si.
Beijou-lhe o rosto e partiu.
Estava com os olhos banhados em lágrimas.
Rosália acompanhou o homem em seu cavalo, quando ainda fez um último gesto de despedida, até o homem sumir na escuridão da estrada.
Era noite.
Rosália ainda ficou por algum tempo apoiada nos balaustres do alpendre.
Embora não o amasse, sentiu sua partida.
E assim, a jovem ficou por casar.
Ocupou seu tempo em cuidar da filha e auxiliar na lida da fazenda.

A senhora Carolina, lembrava-se destes fatos, que faziam parte da história da família.
Contava a Vandré, Venâncio, Lara, Antonia, e aos demais convidados, a história de sua família. Prosseguiu o relato...

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

VALONGO - CAPÍTULO 18 - VERSÃO OFICIAL

Para todos os efeitos a criança de Adélia, foi registrada como filha legitima.
Carolina era seu nome.
Foi esta jovem, que resolveu vender as terras de seus antigos ancestrais, e seguindo ao lado daquele, que acreditou ser seu companheiro de vida, seguindo rumo a outro Estado.
Nascida na última década do século dezenove, a moça, ao lado do amante aventureiro, estabeleceu moradia em velhas terras do Valongo.
O local tem este nome, por ali se encontrar um antigo mercado de escravos.
E as terras do Valongo deram origem a uma vistosa fazenda.
O moço, militar, foi convocado para conter algumas das revoltas ocorridas naqueles tempos, não mais regressando ao lugar.
Rosália nasceu por volta de 1912.
Filha de Carolina e Olavo, a criança nasceu longe do pai, que partira para longínquas plagas, convocado para conter uma revolta em terras do sul.
Conflito armado em terras limítrofes de dois estados, em razão de disputa por terras.
Convém, explicar: Os camponeses estabelecidos nas propriedades não possuíam documentos regulares que comprovassem a posse como escrituras.
Estes homens diziam que ocorreram fraudes nos registros e que por este motivo não tinham como comprovar a posse, ou melhor, a propriedade das terras.
Diziam que estavam ali há décadas, que ali nasceram seus filhos.
Alguns, possuíam até netos nascidos naquelas terras.
E nenhum deles estava disposto a abandonar o local.
Na região também havia líderes religiosos, que viviam vida simples e praticavam curas.
Os moradores do local, chegavam a fazer menção de milagres ocorridos.
Como a historia de uma moça que fora encontrada morta pelo monge José Maria, e que foi ressuscitada por ele.
Os caboclos eram muito gratos ao religiosos.
Muitos contavam histórias de curas, e de como eram administradas ervas curativas.
Com isto, quando Olavo chegou àquelas paragens, a revolta estava armada.
O conflito se agravara com o progressão da construção de uma estrada de ferro na região.
Em conversas com os funcionários da Ferrovia, Olavo descobriu que o governo havia declarado que se tratavam de terras devolutas.
Os funcionários atônitos não sabiam mais o que fazer.
Circunstância que culminou com a convocação de soldados para a região dos conflitos.
Olavo era um deles.
Conversando com os funcionários da ferrovia, descobriu que muitos foram demitidos e debandaram para os lados dos camponeses, seguindo a seita criada pelo monge, de que o jovem já havia ouvido falar.
Olavo estava impressionado com o poder de convencimento do monge.
Em conversas, descobriu que o mesmo levava vida simples, tendo recusado a oferta de terras e de dinheiro, pela cura da esposa de um fazendeiro.
Por se tratar de um militar, o moço no entanto, não era bem visto pelos camponeses da região.
Vieram as batalhas.
As primeiras lutas foram sangrentas, com diversas mortes para ambos os lados, que sofreram com as baixas.
Na Batalha do Banhado Grande, por exemplo: morreu o Coronel João Gualberto que liderava as tropas.
Era uma tentativa de fazer os insurretos regressarem a Santa Catarina.
E o monge teve sua primeira vitória.
Olavo e outros militares, auxiliaram no resgate dos feridos, e tratam de traçar estratégias de batalha, junto as lideranças que restaram.
Com efeito, a morte do coronel é comunicada através de telegrama para o Marechal Hermes da Fonseca.
Este acontecimento acirrou ainda mais os ânimos.
A esta altura, fazendeiros que estavam perdendo suas terras para construção da ferrovia, passaram a se unir aos camponeses.
Com o tempo, este exército informal passou a ser denominado Exército de São Sebastião.
E os camponeses, considerados insurretos, criaram uma nova ordem social.
Foram anos difíceis.
No ano do Senhor de 1914, o governo federal organizou uma grande expedição, com cerca de 700 soldados para Taquaruçu, sob pretexto de contenção de um sublevação.
Operação realizada com êxito, com a destruição do acompanhamento formado, mas sem grandes perdas, pois os camponeses, percebendo o perigo, trataram logo de fugir se instalando em novas paragens.
Com o tempo, passaram a saquear propriedades rurais, e destruíram uma serraria.
Quando souberam da morte do líder religioso do grupo, muitas lideranças militares acreditavam que os revoltosos se desentenderiam, e a revolta se esvaziaria.
Contudo, não foi o que o ocorreu.
Uma jovem de cerca de quinze anos de idade, de nome Maria Rosa, assumiu o dom do profeta.
Com sua morte, dizia ouvir sua voz, e que faria cumprir suas determinações.
Foi o bastante para se tornar a líder espiritual do grupo.
Os campônios costumavam dizer que a jovem combatia montada em um cavalo branco, com arreios forrados de veludo, vestida de branco, e com flores nos cabelos e no fuzil.
Tornando-se uma figura mítica e admirada até por quem não a conheceu.
Segundo diziam, tratava-se de uma linda jovem, destemida e corajosa.
Com efeito, depois da derrota em Taquaruçu, os revoltosos se instalam em Caraguatá.
Foram muitas lutas e batalhas perdidas para o exército, operações mal sucedidas, até que as coisas mudassem para os militares.
O General Carlos Frederico de Mesquita, após algumas batalhas ganhos, bem como a dispersão dos revoltosos, chegou a considerar o conflito encerrado.
Errou por precipitação, pois os revoltosos dispersos se reagruparam, organizando-se em Santa Maria, atacando Curitibanos e ameaçando outras localidades, fazendo com que a população fugisse em desespero.
Com o tempo, novas lideranças passaram a elaborar novas estratégias de guerra.
Neste tempo, o general Fernando Setembrino de Carvalho, passou a evitar o confronto direto, cercando os insurretos e deixando-os sem comida.
Foi o suficiente para que alguns jagunços se rendessem.
Adeodato porém era implacável, e aplicava pena de morte a todos os que ameaçassem se render.
Com o tempo, os jagunços passaram a lutar entre si.
Novos ataques aconteceram, com muitos mortos e feridos entre os militares.
O capitão Tertuliano Potyguara, encaminhando-se com seus homens para Santa Maria, acabou por sofrer uma emboscada onde houve a perda de vinte e quatro vidas.
Neste conflito, faleceu Olavo, deixando Carolina com uma filha para criar.
Tomar conhecimento do fato, deixou a mulher sem chão.
Estava a limpar um vaso quando recebeu a visita de um militar e uma carta, relatando todo o ocorrido.
Ao ler o conteúdo da missiva, a mulher derrubou o vaso, quase caindo no chão.
Foi amparada por uma das empregadas do casarão.
Sentou-se.
Bebeu água.
Mas nada a acalmava.
Olavo estava morto.
Na correspondência, havia menção de que o homem participara de inúmeras batalhas, vindo a travar amizades com inúmeros militares.
E o corpo do homem foi levado ao Valongo.
Lá, foi sepultado no cemitério da cidade, e com honras militares.
A saudade ficou, só lhe restando as recordações.

Com efeito, a mulher, ao tomar conhecimento da convocação, pediu, insistiu para que o mesmo não fosse.
Olavo argumentava dizendo que não poderia deixar de ir, ou estaria desertando.
Mencionou que já havia abandonado sua família, e pedido uma licença, para reorganizar sua vida.
Contudo, argumentou que não poderia ficar mais tempo afastado do exército.
Argumentou que vinha de uma família de militares.
Carolina respondeu-lhe que havia vendido suas terras no Sul, deixando tudo para trás.
Argumentou que o caminho que escolhera não tinha volta e que não gostaria de ficar sozinha nas terras que tanto lutaram para adquirir.
Carolina vendera suas terras, e Olavo, possuía uma soma em dinheiro que usaram para adquirir as terras do Valongo.
Juntos cuidaram das terras.
O dinheiro foi utilizado para comprar as terras e construir uma moradia.
As sobras, ficaram bem guardadas.
Com o tempo, se tornou um casarão.
Moradia não que serviu de pouso para o jovem militar que faleceu em campo de batalha.
Com efeito, o corpo foi trasladado para a propriedade para que fosse sepultado nas terras do Valongo.
Conheceram-se no Sul, nos tempos em que Adélia ainda era viva.
A mulher se opôs tenazmente a união de ambos.
Olavo era filho de um administrador de fazenda e de uma empregada.
Adélia dizia aspirar algo melhor para a filha.
Ou melhor dizendo, um pretendente endinheirado.
Carolina porém a enfrentou, dizendo que iria escolher com quem iria se casar, como Abaeté e todas as mulheres da família o fizeram.
Adélia a esbofeteou.
Furiosa, a moça se recolheu em seu quarto.
Naqueles tempos, sua mãe já estava bastante doente e debilitada.
Mas ainda tinha forças para se impôr.
Carolina mal teve tempo de sentir raiva, ou mágoa.
Adélia faleceu pouco tempo depois.
Helena havia falecido tempos depois.
As mulheres foram sepultadas no túmulo da fazenda.
Rosália não conheceu o pai, mas Carolina não se cansava de enaltecer a memória do jovem militar morto, para a filha.
Trazia a foto do moço, em um porta retrato pesado, que mostrava constantemente para a filha.
Rosália tinha em suas memórias a figura de um jovem em trajes militares, galhardamente fardado, montado em um cavalo imponente.
Com efeito, alguns meses transcorreram entre a morte dos homens e o desfecho da revolta.
Em seguida houve um novo assalto a Santa Maria, onde tudo fora destruído, até mesmo as habitações, com muitos revoltosos se evadindo para outras paragens.
E assim, em 1916, o líder Adeodato, foi encurralado, e com isto foi dado fim a Guerra do Contestado.
Rosália neste tempo já tinha quase quatro anos.
Fora a única filha de Carolina, que tratou de cuidar da fazenda.
Com tempo, a casinha simplória deu lugar a um casarão.
Rosália foi crescendo enquanto as condições de vida na fazenda foram melhorando.
Transformou-se em um bela moça.
Motivo de orgulho de sua mãe Carolina, por ser tão prendada e dedicada as lidas do lar.
Rosália conseguiu ficar noiva do filho de um fazendeiro da região.
Isto por que, Carolina, temerosa do destino da filha, fez de tudo para que a moça arrumasse um bom casamento e não fosse mãe solteira com as demais mulheres da família.
Dizia que esta era uma mácula que precisava ser sanada.
Por vezes chegou a mencionar a maldição, para depois dizer que tudo não passaria de uma bobagem, encerrando-se os malefícios, assim que se casasse.
Mas o infortúnio se fez presente mais uma vez na vida da família.
Abelardo foi atropelado ao atravessar uma estrada.
Rosália, então tornou-se mãe solteira.
Ao nascer, a criança foi registrada como filha legítima.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

VALONGO - CAPÍTULO 17 - VERSÃO OFICIAL

Anos antes, Abaeté libertou os poucos escravos negros, que trabalhavam em sua fazenda.
Libertou-os anos antes da Abolição da Escravatura promovida pela Princesa Isabel.
Por conta disto, ganhou a admiração da população simples do povoado, gerando alguns problemas com os fazendeiros da região.
Para convencê-los de que era o melhor a ser feito, argumentou que manter escravos se tornara uma atividade pouco lucrativa, além de perigosa.
Argumentou que estava proibido o comércio de escravos, e que quem fosse pego comprando-os, estaria incorrendo em um crime.
Mas os fazendeiros diziam que muitos ainda compravam escravos, e que havia os filhos dos escravos.
Abaeté argumentou que descendia de um povo que também fora escravizado, e que não possuía o direito, de reduzir outras pessoas a mesma condição.
Disse que os índios sofreram muito com a escravidão.
Ressaltou que, ainda lhe aborrecia, as ideias de que os índios não tinham alma.
Os fazendeiros então, se calaram.
Com a abolição dos escravos, todos tiveram que libertá-los.
E assim, começou a diáspora dos negros.
Homens, mulheres, crianças e idosos, que não tinham para onde ir.
Abaeté acolheu alguns, e ao contrário dos demais fazendeiros que contrataram mão de obra estrangeira para cuidar de suas terras, o homem continuou a trabalhar com os índios e os homens e mulheres agora libertos.
Já havia negros livres em sua fazenda.
Mas o homem havia ganho escravos de seu sogro.
A mucama da esposa, por exemplo: era escrava.
Com isto, logo que se apercebeu da condição injusta de escravos, libertou a todos.
E muitos permaneceram em sua fazenda.
Devido a maneira como tratava a todos.
Sempre com justiça, não exigindo mais de uns e menos de outros.
Todos ali, trabalhavam muito.
Helena com o tempo, passou a auxiliar nos trabalhos domésticos, para espanto de Abaeté, que lhe dizia que isto não era necessário.
Mas a mulher desejava ser útil, e passou a acompanhar Thereza nos trabalhos da casa.
Carolina e Eurídice estavam com seus casamentos marcados, quando eclodiu uma revolta por aquelas paragens.
Com as notícias que o Partido Republicano Rio-Grandense (PRP) era favorável ao republicanismo e apoiava o novo governo de Júlio de Castilhos, aliado de Floriano, os fazendeiros da região não se mostraram nem um pouco satisfeitos.
Consideravam o homem uma péssima escolha para o governo da província, um tirano e autoritário.
Razão pela qual o Partido Federalista (PF) era composto por integrantes contrários ao governo Júlio de Castilhos e defensores de uma maior autonomia dos estados por meio de um regime parlamentarista.
Abaeté, que já fora intendente da localidade, acabou se envolvendo na disputa e apoiando o Partido Federalista.
Para desespero de Helena, que temia que aquela história, não acabasse bem.
Por diversas vezes, a mulher, auxiliada por Thereza, tentou convencer Abaeté não se envolver no conflito.
Contudo, há tempos os homens da província estavam insatisfeitos com a política da região.
E com, a imposição do governador Julio de Castilhos, piorou o quadro político da região.
Com isto, inconformados com a imposição presidencial, os federalistas liderados por Gaspar Silveira Martins e Gumercindo Saraiva, pegaram em armas para exigir a anulação do Governo Castilhista, em fevereiro de 1893.
Abaeté pegou em armas, assim como inúmeros fazendeiros e agregados da região.
Os noivos de Carolina e Eurídice também participaram das lutas.
As moças, ao tomarem conhecimento do fato, tentaram demover os jovens da ideia, mas eles diziam estarem imbuídos do espírito patriótico que havia tomado conta de todos.
E assim, acompanhados de Abaeté, e de seus pais, de outros filhos de fazendeiros e estanceiros da região, além de empregados de confiança, Arthur e Ulisses, partiram para os campos de batalha.
Lutaram por meses.
Nisto, a rápida reação das tropas governamentais acabou obrigando os federalistas a recuarem para regiões do Uruguai e da Argentina.
As mulheres por seu turno, ao tomarem conhecimento de forma esporádica dos acontecimentos do conflito, ficavam cada vez mais preocupadas.
Thereza tentava consolar a todas, mas Carolina e Eurídice eram as mais preocupadas.
Temiam pelo pior.
Diziam que Arthur e Ulisses não lhes escreviam mais.
Nervosas, não sabiam o que estava acontecendo.
Nisto, a reação dos federalistas foi articulada com a conquista da cidade de Bagé.
Lideranças políticas do lugar, fizeram espalhar a boa nova.
Notícia que chegou aos ouvidos de Abaeté e de seus comandados.
E assim, com a realização de ataques surpresa em diferentes pontos do estado, os revoltosos conseguiram avançar no território nacional, tomando regiões em Santa Catarina e no Paraná.
Neste mesmo ano, a Revolta da Armada, ocorrida no Rio de Janeiro, se uniu à causa dos federalistas gaúchos, conquistando a região de Desterro, em Santa Catarina.
Nesta época, uma nova falta de notícias, afligiu a família Abaré Chagas.
As mulheres, diante da ausência de notícias, não sabiam se os homens estavam bem, se estavam feridos, ou mesmo mortos.
Ataíde, se prontificou a lutar ao lado dos homens, mas Abaeté, inconformado com seus modos, recusou sua ajuda.
Disse que ele seria mais útil, trabalhando na fazenda.
Com efeito, pediu a Thereza para que ficasse de olho na filha.
A mulher prometeu que Adélia ficaria muito bem guardada.
Contudo, não poderia impedir algo, se isto tivesse que acontecer.
Abaeté ao ouvir isto, ficou revoltado.
Não fosse a intervenção de Helena, teria mandado matar o homem.
Com isto, ao notar um aparente distanciamento de Adélia e Ataíde, o homem ficou mais tranquilo.
E assim, partiu para a batalha.
Mais tarde, quando a família soube de notícias sobre o conflito, descobriu que mesmo com o apoio dos militares cariocas, a tentativa de golpe acabou enfraquecendo.
Isto por que, o apoio ao governo de Floriano Peixoto contava com setores muito mais importantes da população.
Desta forma, a tentativa de golpe acabou não se consolidando.
Os federalistas perderam a luta.
Contudo, em que pese este fato, a violência empregada nos confrontos, foi marcada por cerca de dez mil mortes, o que deixou a Revolução Federalista popularmente conhecida como a “Revolução da Degola”.
Com efeito, durante os anos de conflito, as mulheres receberam poucas correspondências de seus homens.
Nas últimas cartas recebidas, Carolina e Eurídice descobriram que seus noivos foram mortos em campo de batalha.
Vindo a falecer primeiramente o noivo de Eurídice, Arthur e já ao fim do conflito, Ulisses, o noivo de Carolina.
As moças não chegaram a enterrar os corpos dos noivos.
Ficaram por casar, morrendo solteiras e sem deixar descendência.
Mais tarde, Ataíde, imbuído do mesmo sentimento de patriotismo, resolveu se alistar junto as forças federalistas.
Morreu em campo de batalha.
Ao término das batalhas, Adélia recebeu uma correspondência do moço, relatando as dificuldades do conflito.
Mais tarde soube que o homem morreu.
Para seu desespero e tristeza.
 Abaeté sobreviveu ao conflito.
Em que pese este fato, as lutas e as batalhas enfrentadas pelo índio, se fizeram sentir.
E assim, cerca de dois anos depois, o homem faleceu.
Viveu apenas para ver a concessão da anistia pelo governo.
Com efeito, em junho de 1895, os conflitos da revolução chegaram ao fim, com as lutas ocorridas no campo de Osório.
O federalista Saldanha da Gama lutou até a morte com os últimos quatrocentos homens remanescentes em suas tropas.
Para dar fim a outros possíveis levantes, um acordo de paz foi assinado, em agosto de 1895, concedendo anistia a todos os que participaram do conflito.
Procedimento que restabeleceu a segurança da família e das mulheres, que passaram a administrar a propriedade.
Adélia então, deu a luz uma menina de nome Carolina, como sua bisavó.
Com efeito, quando a mãe e a tia faleceram, a moça, vendeu parte das terras a que tinha direito. Carolina e Eurídice, sua primas, concordaram com a venda.
Iriam viver juntas na cidade.
E viveram na capital da província até falecerem, com idade avançada.
Gostavam de se lembrar da memória do pai, e dos tempos felizes em que viveram na fazenda.
Com tantas perdas, ficaram desgostosas de tudo, e decidiram vender as terras, vivendo da renda que a venda lhes havia proporcionado.
Como herança, deixaram diários e relatos de suas ancestrais.
Quando a morte das mulheres, Rosália recebeu os objetos, que foram enviados ao Valongo.
Isto por que, ao se estabelecer no Valongo, Carolina participou as primas o fato, informando-lhes seu paradeiro.
Enfim, as memórias não se perderam.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

VALONGO - CAPÍTULO 16 - VERSÃO OFICIAL

Tarcísio a abraçou.
Ao se dar conta do que estava acontecendo, a moça se desvencilhou dos braços do homem e saiu correndo.
Tarcísio correu atrás da moça.
Em dado momento, a jovem se desequilibrou.
Tarcísio a amparou.
Ao segurá-la nos braços, o moço a beijou.

Quando Abaeté soube do envolvimento da moça com o forasteiro, encolerizou-se.
Furioso, começou a quebrar louças.
Destruiu a sala do casarão.
Helena e Thereza, assustaram-se com a atitude intempestiva do homem.
Abaeté a certa altura, gritou para que fossem para o quarto, e que o deixassem sozinho.
Quando finalmente se acalmou, o homem chamou Thereza.
Comentuo que havia tomado conhecimento de que mesmo noiva, estava se encontrando com o moço.
Exigiu que a moça lhe contasse toda a verdade.
Thereza confirmou.
Disse que estava gostando do moço.
Abaeté ao ouvir isto, deu um murro no tampo de madeira da mesa da sala de jantar.
A moça assustou-se.
Tremendo, disse que precisava desfazer o noivado.
Abaeté disse-lhe que estava proibida de tomar qualquer atitude sem o seu consentimento.
A moça argumentou que não poderia mentir a Angelo.
O rapaz disse que precisava conversar com Angelo, mas que quem deveria ter esta conversa com o moço, era ele.
Nisto, Abaeté disse para ela arrumar suas coisas, pois iria voltar a morar com ele.
Com efeito, quando Angelo soube do envolvimento de Thereza com um agregado da fazenda, disse que sua honra havia sido manchada e que precisava reparar a desonra.
Abaeté, tentando amenizar a situação, disse que Thereza não se entregara ao homem, mas que entenderia o desfazimento do compromisso.
Disse que a moça não se portara de forma digna.
Mencionou que a irmã seria levada para um convento, de onde não mais sairia.
Angelo argumentou que isto era muito pouco.
Mencionou que devia desafiar o moço para um duelo.
Nervoso, insistiu para que Abaeté declinasse o nome do homem que desonrara sua noiva.
O índio relutou em fornecer a informação.
Angelo irritado, disse ao índio, que aquela mistura de branco com índio, não poderia realmente resultar em boa coisa.
Por fim, disse que descobriria o autor do mal feito, e que iria matá-lo.
Recomendou que Thereza ficasse enclausurada, ou teria igual destino.
Com isto, saiu da estância.
Abaeté, foi a procura de Tarcísio.
Disse-lhe que já o advertira para que não se aproximasse da irmã em duas oportunidades.
Tarcísio comentou que não pode obedecê-lo.
Argumentou estar apaixonado pela moça.
Conversando com o índio, confessou que se encontraram por diversas vezes.
Escondidos.
Mencionou que já sabia da intenção do moço, em levar Thereza para um convento.
Tarcísio comentou porém, que a moça não tinha vocação religiosa.
Argumentou que em havendo necessidade, poderia partir, levando a moça consigo.
Abaeté, percebendo a sinceridade do moço, por um momento, chegou a pensar na possibilidade do casal ficar junto.
Mas depois, analisando melhor os fatos, argumentou que não seria seguro.
Relatou que Angelo provavelmente já sabia ser ele o amante de Thereza, e que saindo juntos da fazenda, certamente se denunciariam.
Tarcísio concordou.
Abaeté, percebendo que precisava proteger a honra da irmã, exigiu que o moço se comprometesse a casar com Thereza.
Tarcísio prometeu.
O tempo porém, não foi generoso com o casal.
Tarcísio, ajustado com Abaeté, comprometeu-se a partir da propriedade.
Muito embora relutante, o moço partiu.
Nunca mais souberam do jovem.
Thereza ficou a esperar por Tarcísio, mas Abaeté, percebendo que o moço não mais voltaria, decidiu levar a irmã para um lugar afastado.
Neste ínterim, o pai de Angelo, advertiu-lhe que sua família não seria mais recebida em sua casa.
Comentou que jamais voltaria a pisar os pés na estância.
Angelo por sua vez, exigiu que a moça fosse levada para um convento.
Seu pai, contudo, relatou que não competia a ele decidir a sorte da moça, que já estava lançada.
Argumentou que o melhor era que não houvesse escândalo, pois de um fato desses, não era somente a mulher que saía prejudicada.
Angelo ao ouvir as palavras do pai, calou-se.
Nisto, Hermenegildo comentou que justificaria o desfazimento do casamento, pelo fato da moça encontrar-se doente, precisando se recolher em lugar isolado.
Abaeté concordou em confirmar a história.
Pediu desculpas ao homem e a seu filho, e disse que Thereza sofreria as consequências de seu ato.
Mais tarde, o índio tomou conhecimento de que Angelo desposou uma filha de estanceiros das proximidades.
Abaeté, resolvido a levar a moça para um convento, recomendou-lhe que arrumasse suas malas. Thereza tentou demover o irmão do intento, em vão.
As coisas só mudaram, quando a moça descobriu-se grávida.
Abaeté, ao tomar conhecimento do fato, ameaçou bater em Thereza, mas ao se lembrar da promessa feita a esposa, se conteve.
Nisto, respondeu a moça, que não a considerava mais sua irmã.
Bradou que a jovem havia envergonhado toda a família.
Thereza tentou argumentar, em vão.
Escapou da vida de clausura de um convento, mas foi levada para longe dali.
Longe dali deu a luz Adélia.
Abaeté, ao tomar conhecimento do nascimento da moça, tratou de registrar a criança como filha legítima de Thereza.
Afastada há tempos da fazenda, comentou que a mulher enviuvara.
Tempos depois, regressou a estância.
Recebida pelo irmão e pela cunhada, a moça passou a morar, em uma casa afastada da fazenda.
Lá criou a filha, que cresceu na companhia das primas Carolina e Eurídice.
Mas Thereza passou a viver afastada da família.
Não participava das festas da família, a exceção da filha, sempre muito bem recebida pelos tios.
Abaeté tinha verdadeira adoração pela sobrinha.
E a bela Thereza vivia das lembranças de Tarcísio.
Por anos a fio, acreditou que o homem voltaria para buscá-la.
Contudo, conforme o tempo passou, percebeu que o homem não voltaria.
Certas vezes,chegou a pensar que poderia estar morto.
Em outras, que não passava de um aventureiro que não tinha respeito por ninguém.
Decepcionou-se com o moço.
Abaeté, por fim, depois do ocorrido com Angelo, não manifestou mais interesse em arranjar um pretendente para Thereza.
Alguns homens se interessaram pela jovem, mas Thereza não parecia interessada em relacionar com mais ninguém.
Abaeté também não incentivava as investidas dos homens.
E assim a bela Thereza deixou de usar tranças com fitas de cetim e flores, para prender os cabelos em um coque.
Por vezes Abaeté aparecia em sua casa para lhe pedir conselhos.
Anos depois, o homem fora eleito intendente da cidade.
Investiu em melhorias no lugar.
Helena engravidou por mais duas vezes, e nas duas gravidezes, perdeu os filhos que esperava.
Por fim, engravidou novamente, dando luz a um menino, que morreu de tosse comprida, poucos dias depois de nascer.
Tais fatos, abateram o homem, que passou a se reaproximar da irmã.
Thereza sempre esteve por perto nos momentos de infortúnio, amparando Helena e confortando a mulher.
Abaeté era grato a irmã por isto.
Admirava a amizade das duas mulheres.
Dizia que iria gostar de ter uma amizade assim.
Nisto, Adélia foi crescendo e se transformou em uma moça, ainda mais bela que a mãe.
Abaeté gostava de dizer que a irmã nascera com a beleza do sol e da lua, mas que Adélia herdara ainda mais beleza, abrangendo o firmamento com o sol e a lua, além de todas as estrelas do céu.
Helena achava graça nas palavras e Abaeté.
Para as filhas, dizia que herdaram a beleza clássica da mãe.
Adélia porém, era mais parecida com Thereza e com o avô Abaré, possuindo a tez morena, e alguns traços que faziam lembrar sua origem indígena.
Circunstância que encantava Abaeté.
Com efeito, Adélia era tratada como uma filha.
Adélia, sobrinha de Abaeté, herdara o jeito reservado da mãe.
E assim como a mãe, fora criada nas lidas domésticas.
Sabia cozinhar, costurar, bordar, fazer artesanatos.
Além de tudo lia, e também ensinava os jovens do lugar a percorrer o mundo das letras.
Dizia que era um mundo de encantamento.
Ataíde se interessou com o jeito da moça.
Discreta e reservada, mas sempre ativa.
Participava dos trabalhos da fazenda.
Seguia com as agregadas da família para lavar as roupas no rio.
Ataíde chegou a comentar com os demais trabalhadores da fazenda, que a moça não precisava fazer aquilo, que poderia contratar escravas para fazer o trabalho.
O homem também, chegou a comentar isto com a jovem, certa vez.
Adélia ria.
Dizia estar acostumada.
Argumentou que gostava de cuidar da casa.
Ataíde adorava observar a moça entretida em suas tarefas.
Por diversas vezes, a viu a lavar roupas no rio.
Abaeté por sua vez, ficava de olho no estranho.
Dizia que só o mantinha na estância por ser muito útil na lida, pois estava sempre disposto ao trabalho.
Comentou porém, que se ele fizesse algo que não devia, seria posto para fora dali.
Carolina e Eurídice por sua vez, estavam noivas de filhos de fazendeiros da região.
A desavença com a família de Helena havia cessado.
Otacílio ao tomar conhecimento do fato, censurou Abaeté.
Disse-lhe para esperar as coisas se acalmarem, para pensar em casamento para as filhas.
O fazendeiro ajudou a confirmar a história de que Thereza ficara muito doente, impossibilitada de casar com Angelo.
Com efeito, quando a moça voltou com uma filha nos braços cerca de dois anos depois, providenciaram o registro da criança como se fora filha legítima, e até documentos para comprovação de um casamento, que não existiu.
Para todos os efeitos, havia se recuperado e encontrado um novo pretendente.
Anos depois, Abaeté, em conversas com os fazendeiros da região, arranjou pretendentes para as filhas.
Helena ao tomar conhecimento do fato, se incomodou.
Argumentou que pode escolher seu marido e que às suas filhas, assistia o mesmo direito.
Mas o homem estava irredutível.
Crescidas, as moças noivaram.
Passaram a frequentar a sociedade do lugar.
Em algumas destas festas, Adélia, também foi convidada, e assim como as primas, sempre aparecia impecável e elegantemente trajada.
Atraía olhares, como sua mãe um dia também atraiu.
Dançava com alguns convidados, sempre sob os olhos atentos e vigilantes dos tios.
Muitas vezes, chamava mais a atenção do que as próprias filhas do fazendeiro.
Noivas, as moças adoravam exibir os anéis de noivado.
Adélia dizia que se tratavam de belíssimas joias.
Sonhava com o dia em que também ficaria noiva.
Em seus sonhos, de algum moço galante.
Contudo, ao contrário do que imaginara, acabou enamorada de Ataíde, com o qual veio a ter uma filha, de nome Rosália.
Por diversas vezes, o moço auxiliou a moça a trazer os cestos com roupas que lavara no dia.
Às vezes a ajudava a estender as roupas no gramado para quarar.
Elogiava a brancura das peças.
Thereza, ao perceber a aproximação do jovem, ouviu de Adélia que não havia nada de mais.
A mãe, dizendo que as pessoas poderiam falar, comentar, recomendou-lhe para que tivesse cuidado, pois não estaria sempre por perto para cuidar dela.
Argumentou ser muito triste a vida de uma mulher sozinha, com um filho para criar.
Adélia comentou que não conheceu o pai.
Thereza então, disse que poderia mudar isto, casando-se com um bom homem, e constituindo família.
Em uma festa organizada na fazenda da família, Ataíde pediu que a moça lhe concedesse uma contradança.
Abaeté, ao ver a cena, tentou interferir, mas foi advertido pela esposa, que se enfrentasse o rapaz, poderia causar um escândalo, que poderia prejudicar o noivado das filhas.
O homem então se conteve.
Ataíde então, aproximou-se de Abaeté e olhando para ele e para Thereza, perguntou-lhes poderia ter a honra de dançar com Adélia.
Sem alternativa, ambos concordaram.
Adélia então dançou com Ataíde.
Trazia um hibisco vermelho preso nos cabelos e vestia um bonito vestido vermelho.
O moço sorria para ela.
Ao término da dança, aproveitando-se de uma distração de Adélia, o moço puxou-a novamente para dançar, para desespero de Thereza, e irritação de Abaeté, que comentou que o moço estava brincando com a sorte.
Carolina e Eurídice por sua vez, dançaram durante toda a festa, com seus noivos.
Helena comentou que Abaeté havia escolhido bem, os pretendentes das filhas.
De fato, as moças não ofereceram resistência a ideia.
Pelo contrário, estavam ansiosas para se casar.
Adélia então, dançou um fandango com o tropeiro, sob os olhares de reprovação de sua mãe.
Abaeté estava sendo contido por Helena.
Mas a certa altura, Thereza, percebendo o perigo, aproximou-se do casal, e recomendou a Ataíde que se afastasse, e que não tirasse mais sua filha dançar.
Argumentou que havia muitas moças no lugar e que todas se sentiriam honradas em dançar com ele.
Comentou que iria conversar com o pai de alguma delas, para que ele pudesse dançar.
Ataíde então, agradeceu a gentileza da mulher, mas respondeu que não seria necessário.
Nisto o homem cumprimentou-a e despediu-se.
Thereza por sua vez, disse a filha, que ao chegarem em casa, iriam conversar.
Adélia ficou contrariada.
Nisto a mãe puxou-a pelo braço.
Neste momento, um moço convidou-a para dançar. Thereza consentiu.
Mais tarde, ao chegar em casa, a moça foi advertida de que não deveria passar a noite inteira dançando com um estranho.
Argumentou que Abaeté ficou furioso com o que viu, e só não partiu para cima do moço, por que Helena impediu.
Pediu a filha para que fosse mais cuidadosa, ou em pouco tempo, todos estariam falando de seus modos, e assim, acabaria não se casando.
Adélia ao ouvir isto, ficou magoada.
Por fim, Thereza disse-lhe que poderia ir para seu quarto.
E lá a moça ficou.
Deitou-se na cama e chorou.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.