Afinal, sabia caçar e pescar, montar ocas e palhoças, viver ao ar livre e sobreviver em uma floresta.
Mas o que sabia fazer diante do choro de uma mulher?
Ao ver o sofrimento da moça, e percebendo que nada poderia fazer para a dor desaparecer, sentiu-se fraco e vencido.
Compungido com a tristeza da moça, Abaré disse-lhe para que se acalmasse, que um dia todo
aquele sofrimento iria passar.
Disse-lhe que ainda seria feliz, apesar de tudo.
Como a moça não parava de chorar, o moço perguntou-lhe o que poderia fazer para diminuir sua
tristeza.
Carolina estava tão triste que não conseguia dizer nada, só chorar.
Quando finalmente se acalmou um pouco, repetiu as palavras do dia da invasão, perguntando-se
a todo o momento o que seria de sua vida.
Abaré então aproximou-se.
Disse-lhe que seria capaz de oferecer qualquer coisa a ela, se isto diminuísse sua tristeza.
Perguntou-lhe se poderia oferecer a luz do sol, as estrelas, o perfume das flores.
Carolina, ao ouvir as ternas palavras do índio, ficou comovida.
Poucas vezes fora tratada com tanta delicadeza.
E assim, cessaram as lágrimas.
A moça soluçando, procurou enxugar o rosto.
O índio, ao perceber isto, tocou no rosto da jovem.
Carolina se assustou.
Afastou-se.
Abaré então, percebendo que se precipitara, desculpou-se.
Disse que não queria assustá-la, mas somente fazer com que a tristeza fosse embora.
Carolina respondeu-lhe que não estava assustada.
Nisto o índio levantou-se.
Mencionou que iria caçar.
Carolina fez menção de acompanhá-lo, mas ao sentir o pé, permaneceu na palhoça.
Ao realizar o movimento brusco, Abaré verificou se tudo estava bem.
Disse-lhe que não poderiam prosseguir a jornada enquanto o pé não estivesse bom.
Argumentou que procuraria ervas na mata para a troca do curativo.
Carolina tentou protestar, mas em vão.
Quando fez menção de questionar a recomendação do índio, o mesmo já havia se afastado.
O índio regressou com ervas e preparou um unguento o qual passou no pé da siá branca, como
costumava chamá-la.
Mais tarde, voltou com uma caça a qual preparou e serviu a moça.
Abaré estava diferente.
Olhava a moça com ternura.
Carolina tentava entender o olhar do selvagem que a havia salvo da morte, mas não conseguia.
A todo o momento se perguntava, por que fizera aquilo?
Por que se comprometera daquela forma,
arriscando sua própria vida, para ajudar alguém que nem sequer conhecia?
A jovem nutria um sentimento de revolta e de admiração pelo estranho.
Estranho, que com o passar dos dias, passou a ser presença constante em sua vida.
Nos dias em que não pode auxiliá-lo nas tarefas domésticas, sentiu falta de sua presença.
Ás vezes se percebia distraída, olhando para o moço.
Quando se dava conta disto, procurava disfarçar, mirando os olhos em outra direção.
Abaré ensinou-lhe sobre o canto dos pássaros, o nome das plantas, das ervas.
Conforme a moça melhorou, prosseguiram a caminhada.
Ao avistarem o riacho, Carolina encantou-se.
Abaré percebendo o desejo da moça banhar-se, disse-lhe que poderia entrar na água.
Prometeu se afastar.
E assim o fez.
Carolina gostava dos modos respeitosos do índio.
Cautelosa, olhando para os lados, tirou o que restava de seu vestido branco e entrou com sua
roupa de baixo no rio.
Abaré de longe observou a moça brincando na água, deitada de costas.
Olhava para ela com ar contemplativo.
Nisto, depois de algum tempo nas águas, a moça se vestiu.
O índio então, entrou nas águas e nadou.
Parecia um ser das águas.
Mais tarde, Carolina ofereceu-se para auxiliá-lo na caça.
Abaré tentou protestar, mas a moça dizendo que precisava ajudar, argumentou que só precisava
de sua orientação.
E assim, partiram juntos para caçar.
Como era de se imaginar, a moça por diversas vezes assustou a caça.
Desculpava-se a todo o momento com Abaré, que com toda a paciência do mundo, dizia que não
havia problema.
A certa altura, a moça apontou para um bicho.
Abaré munido de seu arco, abateu o animal.
Agradecido, elogiou a pontaria da moça.
Carolina agradeceu.
Almoçaram.
Conversaram sem a tensão dos primeiros dias.
Riram das peripécias de Carolina.
Foi então que finalmente o índio apresentou-se.
Mencionou que seu nome indígena era Abaré.
Nome pelo qual gostava de ser chamado.
Carolina então apresentou-se também.
O índio ao ouvir o nome, respondeu-lhe que era um nome sonoro como o canto de um pássaro.
A sinhá branca riu da comparação.
Finalmente os muros cederam, e a convivência tornou-se mais leve.
Caçaram e pescaram juntos.
Abaré ensinou-lhe a montar e desmontar palhoças, a imitar o canto dos pássaros.
Nadaram em rios e riachos.
A certa altura, aproximando-se de uma acampamento abandonado, temeram tratar-se de pessoas
em seu encalço.
Esconderam-se na mata.
Porém, com o passar dos dias, ao perceberem que tudo estava abandonado, resolveram aproximar-se.
Foi quando o índio descobriu objetos que poderiam servir a moça.
Roupas, objetos de toucador, que poderiam ser adaptados para seu uso.
Com efeito, das peças de roupa encontradas, Carolina desmanchou-as e fez vestidos, camisolas.
Havia livros no lugar.
Abaré pegou um deles, e começou a ler em voz alta para a moça.
Carolina, ao constatar que de fato o índio sabia ler, pediu-lhe para que continuasse a ler a história.
Encantou-se com a habilidade do nativo.
Mais tarde, ao término da leitura, a moça confidenciou que gostaria de ter aprendido a ler.
Abaré então, comprometeu-se a ensiná-la se quisesse.
Carolina aceitou logo a proposta.
Rindo, achou graça no fato de que quem a ensinaria a ler, era considerado um selvagem.
Um selvagem de modos civilizados.
Pensava.
E o índio ensinou-lhe os rudimentos da escrita.
Com o tempo, começou a ler e a escrever sobre o que lhe havia acontecido, a perda dos parentes,
a vida ao lado de Abaré.
Por meses caminharam pela mata.
Por meses viveram em palhoças, cabanas, caçaram, pescaram.
Abaré ensinou-lhe a tecer redes.
Carolina passou a moldar peças no barro.
Pois precisavam de moringas.
A certa altura, Carolina estava tão adaptada a vida na floresta, que pensou no que faria quando
chegasse a uma cidadela.
Preocupada pensava no que seria de sua vida, quando Abaré resolvesse partir em busca de novas
aventuras.
Com o tempo porém, a convivência tornou-se mais próxima.
Enquanto nadavam no rio, brincavam de jogar água um no outro.
Carolina em dado momento se desequilibrou e afundou.
Abaré, ao perceber que a moça havia sumido, mergulhou a sua procura.
Ao encontrar a moça, segurou-a na cintura, puxando-a para cima.
Respirando com dificuldade, a moça abriu os olhos.
Abaré perguntou-lhe se estava bem.
A moça, procurando recuperar o fôlego, respondeu-lhe que sim.
O nativo então, recomendou-lhe que não ficasse tão próxima das pedras pois elas eram
escorregadias.
Carolina disse que havia se desequilibrado.
Abaré perguntou então se havia se machucado.
Nisto, passou a examiná-la.
Muito embora Carolina dissesse que estava tudo bem, o índio examinou seus braços.
Tudo a procura de um possível ferimento que a moça estivesse tentando esconder.
Sob protestos da moça, o índio insistiu para ver seu pé.
Puxou-a para fora do rio.
Carolina porém, dizia que estava com calor, e preferia se refrescar.
Com isto, mergulhou no rio.
Abaré preocupado, mergulhou logo atrás.
Nisto Carolina emergiu.
Ficou brincando de jogar água.
Abaré também voltou à tona e ficou observando a alegria da jovem.
Vê-la feliz, lhe fazia feliz.
Muitas vezes, ao lembrar das circunstâncias em que se conheceram, o moço ficava preocupado,
pensando se não havia alguém em algum lugar esperando por ela.
Carolina raramente falava da família e quando o fazia, lembrava-se quase sempre com tristeza dos
momentos vividos ao lado dos pais e dos irmãos.
Possuía duas irmãs menores e um irmão, um bebê de nome Lúcio.
Carolina dizia-lhe que adorava carregar o irmão nos braços.
Falava que este divertimento lhe fazia
ter a sensação de que estava brincando com um boneco.
Lúcio, era uma criança tranquila que pouco chorava.
Adorava caminhar ao lado da irmã.
Carolina lhe dava comida na boca, e muitas vezes fora ela quem preparou as refeições do irmão.
Jurema chegava a dizer que Carolina, era mais mãe de Lúcio do que ela própria.
A moça gostava de se recordar que o menino gostava de se balançar, em uma rede instalada no
alpendre da casa grande.
Carolina recordou-se dos momentos em que passou deitada na rede, apreciando a paisagem da
estância.
O sol se despedindo da tarde e a noite chegando.
O céu rebrilhando repleto de estrelas.
Os vagalumes piscando.
Lembrou-se dos filhos das escravas aprisionando os insetos em formas de vidro, para que
funcionassem como tochas.
Na fazenda havia várias delas.
Tochas a iluminarem os caminhos.
Lembrava-se das brincadeiras de roda com os filhos de escravos.
Sua mãe, Dona Jurema, não gostava muito de ver as filhas brincando com os filhos dos escravos.
Carolina no entanto, dizia que as brincadeiras deles eram mais divertidas que as de suas irmãs.
Recordou-se do dia em que encontrou um livro jogado e ao abri-lo, foi surpreendida por sua mãe,
que a repreendeu pelo gesto.
Ao ver a filha tentando ler as palavras contidas no papel, disse-lhe que não havia necessidade de
aprender a ler.
Falava que suas necessidades eram o trabalho doméstico, cuidar da cozinha, da
casa, lavar, cozinhar, costurar, cerzir, bordar.
Não havia necessidade de se saber mais nada.
Carolina, ao ouvir isto, tentou dizer que gostaria de aprender a ler, mas foi interrompida por sua
mãe, que lhe disse que tinha que gostar era de cuidar de uma boa casa.
Isto sim era predicado para
uma mulher e não estas bobagens de leitura.
Dizia que uma mulher não podia ser frouxa.
Nisto tomou o livro da filha, e recomendou-lhe que nunca mais mexesse com o que não era seu.
Abaré, sempre que ouvia estas histórias, dizia que iria ensinar-lhe a ler.
E de fato ensinou.
Quando a moça finalmente aprendeu os rudimentos da leitura, passou a ler trechos de livros que
haviam encontrado, para Abaré.
O nativo sempre elogiava a leitura da moça, dizendo-lhe que a cada dia estava melhor.
Mais tarde o moço entregou a ela um caderno, e ela passou a escrever um pouco sobre o seu dia a
dia.
Às vezes, a jovem mostrava trechos dos textos escritos para o índio.
Abaré, encantado, sempre elogiava as palavras da moça.
Viviam bem, viviam até felizes, não fosse a sombra rondando os pensamentos do índio.
Carolina prosseguia com seu banho de rio.
Ao perceber Abaré estático, chamou-o.
Dizia para se banhar, pois estava muito quente.
Nisto passou a jogar água no homem.
Abaré, desperto, passou novamente a jogar água na moça, que procurou fugir.
A certa altura, ao alcançar uma pedra lisa, novamente escorregou, sendo amparada pelo índio.
Abaré então, movido pelo impulso beijou-a.
Carolina surpresa com o gesto, tentou se afastar.
Abaré então, soltou-a.
A moça não sabia como agir.
O nativo também não.
Assim, Carolina optou por sair do rio.
As pedras lisas, dificultavam a caminhada.
Abaré então a amparou.
Carolina agradeceu a gentileza.
Desta feita, o índio a auxiliou.
Ao saírem do rio, a moça se sentou em uma pedra.
Dizia que o lugar era lindo, e que poderia tranquilamente viver ali.
Abaré ao ouvir isto, sorriu feliz.
Nisto um vento frio soprou.
Abaré, percebendo que a moça tremia de frio, recomendou que voltassem para a palhoça.
Lá ela poderia vestir uma roupa seca e se proteger do vento frio.
O índio então indicou que a moça fosse a frente.
Ele seguia atrás.
Carolina então vestiu-se.
Enquanto isto, o índio colhia frutas.
Comeram.
Carolina começou a rir.
Não conseguia parar.
Abaré intrigado, perguntou por que ria tanto.
A moça respondeu-lhe que era muito atrapalhada.
Num mesmo dia, escorregara várias vezes no rio.
Abaré retrucou dizendo que precisava ver se não havia se machucado de verdade.
Carolina respondeu-lhe que não.
Mesmo assim, o índio ficou a observar os pés da moça.
Ela então respondeu que não havia torcido o pé.
Abaré, bem próximo da moça, ficou a esperar uma nova negativa da moça.
- Não? - foi o que o índio perguntou.
Nisto, aproximou-se da moça, e a beijou.
Desta vez, Carolina não se afastou.
Beijaram-se e ficaram se olhando com curiosidade.
Ao se recolherem a palhoça, o moço apoiou a cabeça da jovem em seu tronco.
Aflito, perguntou-lhe o que faria quando regressasse a cidade.
A moça respondeu que não tinha mais ninguém no mundo, visto que todos os seus parentes havia
sido mortos.
Diante disto, argumentou que não sabia o que fazer.
Pensativa, em dado momento chegou a pensar na possibilidade de voltar a seu antigo lar, para se
certificar de que nada havia restado.
Carolina chegou a sugerir voltarem.
Abaré enciumado, afastou a possibilidade.
Argumentou que eles poderiam ainda estar sendo procurados, e que o retorno poderia ser
perigoso.
A moça ao perceber a resistência do nativo, retrucou dizendo que eles não deviam estar mais lá.
Que já havia muito tempo que as coisas aconteceram.
Mencionou que precisava ter certeza de que todos estavam mortos.
Aborrecido, o índio perguntou-lhe se estava procurando alguém em especial.
Carolina mencionou então que estava prometida a um jovem de nome Arnaldo.
Sem pensar no
que dizia, chegou a falar que ele poderia ajudá-la.
- Ajudá-la? - perguntou o índio, de cenho franzido.
- É... Ele pode nos ajudar...
Abaré questionou a ajuda.
Ríspido, respondeu que não precisava de nada.
Carolina não entendeu a mudança de humor do índio.
Irritado, Abaré, argumentou que provavelmente ele iria exigir o cumprimento do compromisso,
e que assim, não iriam mais se ver.
Carolina respondeu que provavelmente não.
Haja vista que para todos os efeitos, todos haviam morrido.
Abaré porém, não se convencia.
Enciumado, dizia que não iriam voltar para aquele lugar.
Carolina insistiu.
Foi o bastante para brigarem.
Abaré passou a não dirigir a palavra a moça.
Apenas respondia aos cumprimentos de bom dia.
Carolina por sua vez, ameaçou ir sozinha em busca de notícias.
Abaré não se abalou.
Contudo, ao perceber que a jovem estava decida a ir, argumentou que ela não conhecia os
caminhos e que certamente iria se perder.
Carolina argumentou que preferia correr o risco de se perder, a ficar sem saber o que havia
acontecido.
Chorando, a moça dizia que não conseguia conviver com isto.
Abaré ao perceber isto, abraçou a moça.
Prometeu que assim que pudessem a levaria de volta a estância.
Com isto, voltaram a se entender.
Dividiam o mesmo teto, e com o tempo, dividindo os afazeres, Carolina o auxiliava na caça e na
pesca.
Nadavam no rio.
Com o tempo a moça passou a cantar.
Abaré imitava o som dos pássaros.
E o tempo seguia calmo e tranquilo.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Poesias
terça-feira, 25 de fevereiro de 2020
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020
VALONGO - CAPÍTULO 7 - VERSÃO OFICIAL
Quando o sol começou a se pôr, o índio mencionou que naquele momento, se ainda estavam sendo
procurados, não havia meio de serem encontrados.
Argumentou que poderiam descansar, já que não seria possível seguir caminho.
Com isto, pediu a moça que procurasse gravetos e madeira por perto.
Recomendou-lhe que tivesse cuidado com as cobras e os animais peçonhentos.
Abaré disse-lhe que seguiria no sentido oposto e que faria o mesmo.
Por fim, ao ver a moça se afastando, o nativo recomendou-lhe que não fosse muito longe para que não se perdesse.
Argumentou que as matas eram traiçoeiras para quem não as conheciam.
Carolina concordou e se afastou.
Diligente, coletou toda a madeira que encontrou pelo caminho e levou para o índio.
Abaré também trouxe bastante madeira.
Foram várias idas e vindas buscando e trazendo material.
Por fim, o moço preparou uma fogueira.
Montou uma pequena estrutura, que cobriu de folhas, para que a moça pudesse abrigar-se do frio.
Ao ver a palhoça montada, disse que estava tudo bom, e ofereceu a moradia para a moça.
Carolina perguntou-lhe onde dormiria, e o índio respondeu-lhe que dormiria sob o chão, embaixo de um céu coberto de estrelas.
Nisto, o nativo pediu licença a moça.
Disse que iria buscar alimentos, já que ela devia estar com fome.
Mais tarde, o índio voltou com várias frutas, as quais ofereceu a moça.
Carolina alimentou-se e o índio, então, lhe disse:
- Desculpe pela refeição. Amanhã prometo caçar e oferecer-lhe algo com mais sustância.
A moça agradeceu.
Nisto, dizendo-se cansada, dirigiu-se a cabana onde procurou se acomodar da melhor forma possível e adormeceu.
Exausta só acordou com a luz do sol batendo em sua palhoça.
Com efeito, ao despertar, percebeu que o índio não estava por perto.
Fato este que a deixou preocupada.
Caminhando sem fazer barulho, ficou a observar o lugar.
Temia que os homens que invadiram suas terras, estivessem em seu encalço.
Assustada, ao ouvir passos, sentiu o coração disparar.
Aflita tentou encontrar um lugar para se esconder.
Quando Abaré apareceu repentinamente em sua frente, a moça espantou-se.
O nativo, percebendo isto, disse-lhe que não precisava ter medo, pois havia verificado o lugar e aparentemente ninguém os havia seguido.
Carolina perguntou baixinho, o que seria de sua vida.
O índio então, segurando uma de suas mãos, disse-lhe que iria cuidar dela.
Argumentou que assim como ele, ela também estava sozinha no mundo.
Carolina ao ouvir isto, comentou que não poderia ficar ao lado de alguém que havia invadido as terras de sua família, e trucidado seus parentes.
Abaré respondeu-lhe que não havia matado ninguém de sua família, e que sempre que matou alguém, o fez para se defender.
Argumentou que não concordava com os métodos dos brancos, mas que se encontrando ao lado deles, não poderia questioná-los.
Nisto, aproximando-se mais da moça, insistiu que ela não poderia ser deixada a própria sorte.
Argumentou que se descobrissem que ela não tinha família, poderiam fazer-lhe algum mal.
Carolina nervosa, não sabia o que fazer.
Ficar ao lado de um selvagem, ou arriscar-se sozinha num mundo no qual não estava preparada para viver?
Não sabia o que fazer.
Abaré percebendo isto, disse a moça que precisavam desmanchar a palhoça e sumir com todos os vestígios de que passaram por lá.
Curiosa, Carolina perguntou o por quê.
Abaré respondeu-lhe que para se precaver era melhor que não soubessem que estiveram por ali. Carolina concordou.
Desmontaram a palhoça e enterraram as cinzas da fogueira.
Nisto, caminharam por dias pela mata.
Abaré construía palhoças para abrigar a moça.
Passou a caçar e a pescar.
Quando Carolina escorregou nas pedras, após uma caminhada por um lugar íngreme, o índio tratou do ferimento.
Rasgou uma parte do vestido da moça para enfaixar o pé.
A moça tentou resistir dizendo que estava tudo bem.
Mas ao tentar prosseguir a caminhada Abaré percebeu que precisa intervir.
Nisto segurou a moça nos braços e acomodando-a no chão, limpou o ferimento e providenciou a atadura.
Para prosseguir a caminhada, a menina precisou se apoiar no nativo, e assim prosseguiram a jornada.
Quando Carolina deu sinais de que não conseguiria mais caminhar, o índio a levou nos braços.
Mais tarde pararam.
Abaré armou uma nova palhoça e buscou caça para que pudessem se alimentar.
Como a noite apresentasse um céu sem estrelas, o índio chegou a dizer que provavelmente choveria.
Carolina ao ouvir isto, resolveu se recolher.
Entrou na palhoça.
Ao ver o índio do lado de fora olhando para o céu e se aquecendo ao redor da fogueira, encheu-se de coragem e convidou-a para entrar na palhoça.
Abaré relutou, dizendo que estava bem.
Argumentou que poderia nem chover.
Porém, ao perceber os primeiros raios riscando os céus, capitulou.
Carolina olhava para a mata e observou os raios.
Abaré então se aproximou da palhoça e entrou.
Disse que não queria incomodar e por esta razão, dormiria perto da entrada.
Carolina argumentou que ele iria se molhar.
Abaré então disse que havia construído a entrada da palhoça do lado oposto ao que corriam os ventos, e por esta razão não entraria muita água de chuva.
Carolina deitou-se então, e o índio fez o mesmo.
Durante a noite, Abaré, abriu os olhos algumas vezes para observar se a moça estava bem, como sempre costumava fazer.
Carolina não percebeu o cuidado.
No dia seguinte, ao despertar, a moça percebeu os primeiros raios da manhã a iluminarem a figura do índio.
Era alto, de tez morena.
Diferente do que sempre imaginara.
Acreditava serem os índios selvagens, de diminuta estatura, bem diferente dos tipos portugueses com o qual estava acostumada.
Imaginava todos os indígenas bem diferentes de seu noivo.
Jovem, descendente de portugueses, filho de um fazendeiro, proprietário de terras como seu pai.
Carolina havia visto o rapaz apenas uma vez.
Mal tiveram tempo de conversar.
Era alto, claro de cabelos e olhos escuros, e aparentemente havia gostado dela.
Foram apresentados no almoço em que fora selado o noivado de ambos, por suas respectivas famílias.
Lembrou-se de em criança brincar pelos campos livres da fazenda.
Ver a carne dos animais abatidos expostas, a ser preparado o charque, o sangue, e o cheiro forte.
Do qual não gostava.
Preferia o pomar, a plantação, brincar com os animais.
A vida era simples mas feliz.
Possuía uma alcova sem janelas, onde tinha sua cama, um baú onde depositava os seus pertences, a penteadeira com espelho e alguns poucos objetos de toucador.
Lugar onde gostava de se sentar, e admirar-se.
Penteava os cabelos sem pressa e ficar a se observar no espelho.
Por vezes, sua mãe chegou a ralhar com ela.
Dizia que era vaidosa demais e que havia muito trabalho a ser feito, para ficar com bobagens.
Jurema era uma mulher dura, como as filhas daqueles tempos hostis.
Não fora diferente das outras mães daquele tempo, e de muitas outras que se seguiriam.
Quando Carolina tornou-se uma bela e deslumbrante jovem, conversando com o marido, achou por bem que o mesmo tratasse com o amigo fazendeiro, do noivado firmado quando a moça ainda era um bebê.
Juvêncio concordou.
Argumentou que não era recomendável esperar muito tempo, ou a curiosidade poderia se sobrepor ao bom senso.
Organizaram então, um belo e regalado almoço, onde Carolina auxiliou, junto com duas escravas da casa, nos preparativos.
Quando a moça foi apresentada ao noivo, usava um bonito vestido claro.
Trazia nos cabelos um arranjo feito com flores.
Jurema não se cansava de dizer aos pais do noivo, que moça mais prendada não havia.
Carolina ficava constrangida com as palavras da mãe, as quais eram devidamente endossadas por seu pai, que dizia que a esposa não estava exagerando.
Arnaldo por sua vez, observava a noiva com admiração.
Quando foram apresentados, elogiou o bom gosto do nome Carolina.
A moça, timidamente agradeceu.
No almoço, comeram bom um churrasco gaúcho.
A certa altura do almoço houve cantoria, e os noivos dançaram juntos, sob as vistas dos pais. Carolina não sabia ler.
Como quase todas as moças daquele tempo.
Leitura e ilustração era privilégios para poucos, dizia sua mãe.
A mulher argumentava que o bom era a filha ser prendada e de fato o era.
Sabia tecer, cozinhar, costurar.
Perfeita para casar.
Ao recordar-se dos dias alegres na estância, da labuta diária, das danças e das festas.
Do vozerio alegre das pessoas reunidas em dias de festas.
De como se preparava comprando tecidos e preparando bonitas vestes para se apresentar a comunidade.
Os dias santos, em que vestia sua melhor roupa para ir a igreja onde via os estancieiros vizinhos, onde rezavam.
A moça entristeceu-se.
Recordou-se quando, vez por outra seu pai recebia visitas na estância e os homens liam alguns livros.
Nestas ocasiões Jurema levava a filha para a cozinha, para preparar alguma bebida, ou comida para servir aos homens.
Dizia que eram assuntos de homens, e que não ficava bem para uma mulher ouvi-los.
Mas como quase sempre era Carolina quem servia os convidados, invariavelmente ouvia trechos dos livros.
Os homens ilustrados diziam que uma pátria se fazia com homens e livros, e que não ficava bem ao Brasil ter tantos homens iletrados.
Juvêncio argumentava dizendo que não sabia ler, e que isto nunca lhe fez falta.
Dizia que sabia fazer contas, e que ninguém o roubava.
Salientou também que sabia assinar o próprio nome e isto bastava.
Com efeito, como ninguém queria brigar, os homens aceitavam os argumentos do estancieiro.
Mas acrescentavam que com o tempo, as coisas iriam se modificar, e o que naqueles tempos era considerado desnecessário, seria melhor recebido no futuro.
Tratavam-se de pessoas idealistas.
Eram encontros regados a muita bebida, vinhos, chimarrão, carne.
Carolina aproveitava para memorizar as palavras que ouvia, e que foram retiradas dos livros lidos.
Juvêncio ouvia as histórias e considerava tudo uma grande bobagem.
Jurema, ao ver a filha entretida com as leituras, ralhava com ela, mandando-a de volta a cozinha.
Nestes momentos a jovem desejava ter aprendido a ler, para poder adentrar aquelas histórias, conhecer aquelas pessoas.
Ficava a pensar no que o escritor registrara em palavras.
Acreditava quando os amigos do pai diziam que o conhecimento transformava o mundo.
Afinal, não fora com algum conhecimento que seus pais se instalaram ali?
Como faziam para sobreviver?
Como faziam o que faziam, se não fosse por que aprenderam isto de alguém?
O conhecimento não era sabedoria?
Certo dia, a moça ficou encostada na parede a ouvir as histórias.
Um dos amigos de seu pai ao vê-la, perguntou-lhe se não gostaria de ler alguma daquelas histórias.
Foi quando a moça respondeu-lhe que não sabia ler.
Roberto, lamentou o fato, mas disse entender que era uma prática corriqueira.
Como Carolina não soubesse o significado da palavra, o homem explicou-a.
Nisto, Roberto leu algumas poesias do poeta lusitano Luiz Vaz de Camões.
Quando porém a moça notou a aproximação de pessoas, pediu licença e se afastou.
Eram outros parceiros de leitura.
Jurema estava na cozinha e Juvêncio, separando os animais para venda.
Os tais homens letrados, eram filhos de estancieiros abastados da região.
Tratavam-se de jovens que foram estudar na Europa, principalmente em Portugal, e traziam as ideias revolucionárias daqueles tempos, para as terras brasileiras.
Carolina gostava daquelas reuniões.
Juvêncio por seu turno, em que pese se tratar de um homem rude, gostava da companhia dos jovens moços.
Dizia que precisava ser relacionar bem com os vizinhos.
Que uma mão lava a outra, e que nunca se sabe como será o dia de amanhã.
Jurema porém, ficava alerta, com tantas presenças masculinas.
Temia por sua filha.
Tanto que a todo o custo procurava escondê-la. Com o tempo, passou ela mesma a servir os convidados.
Mas de vez em quando, a moça ainda aparecia vez ou outra na sala.
Jurema por seu turno, não gostava do modo como os homens olhavam para sua filha.
Dizia que ela era moça de família e que não podiam se comportar daquele modo na frente da jovem.
Juvêncio ria das preocupações da esposa, dizendo que não havia razão para tanto alarme.
Eram jovens e bem educados.
Sabiam o seu lugar, e jamais desrespeitariam a filha de um amigo, e de um vizinho que já prestara tantos favores a seus pais.
Ademais, os jovens não iam sozinhos.
E assim, não haveria problema.
Carolina adorava observar os campos a se perderem de vista.
Gostava de ir ao riacho lavar as roupas.
Também era lá que costumava se banhar, nos dias de muito calor, para escândalo de sua mãe, que reprovava a conduta.
Dizia que moça direita como ela, não deveria se comportar deste modo.
Gostava de quando, encontrava uma bonita flor no campo, e colhendo-a colocava em seus cabelos.
Gostava da cantoria das escravas, da companhia dos pais, e das outras mulheres, casadas com os colonos, que auxiliavam nas atividades domésticas.
Sentia falta das amigas que tivera e que foram mortas de forma cruel, sem ao menos terem a chance de se defenderem.
Sentia falta dos pais, dos trabalhadores da fazenda, e até dos animais.
Lembrar-se de todas essas coisas a faziam chorar, e Carolina, na primeira vez em que se deu conta de que todo o mundo que haviam construído para ela havia desmoronado, se desesperou.
Desesperou-se e chorou copiosamente.
Abaré, que dormia ao ouvir o choro, despertou.
Ao ver a moça em prantos, ficou aflito.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Argumentou que poderiam descansar, já que não seria possível seguir caminho.
Com isto, pediu a moça que procurasse gravetos e madeira por perto.
Recomendou-lhe que tivesse cuidado com as cobras e os animais peçonhentos.
Abaré disse-lhe que seguiria no sentido oposto e que faria o mesmo.
Por fim, ao ver a moça se afastando, o nativo recomendou-lhe que não fosse muito longe para que não se perdesse.
Argumentou que as matas eram traiçoeiras para quem não as conheciam.
Carolina concordou e se afastou.
Diligente, coletou toda a madeira que encontrou pelo caminho e levou para o índio.
Abaré também trouxe bastante madeira.
Foram várias idas e vindas buscando e trazendo material.
Por fim, o moço preparou uma fogueira.
Montou uma pequena estrutura, que cobriu de folhas, para que a moça pudesse abrigar-se do frio.
Ao ver a palhoça montada, disse que estava tudo bom, e ofereceu a moradia para a moça.
Carolina perguntou-lhe onde dormiria, e o índio respondeu-lhe que dormiria sob o chão, embaixo de um céu coberto de estrelas.
Nisto, o nativo pediu licença a moça.
Disse que iria buscar alimentos, já que ela devia estar com fome.
Mais tarde, o índio voltou com várias frutas, as quais ofereceu a moça.
Carolina alimentou-se e o índio, então, lhe disse:
- Desculpe pela refeição. Amanhã prometo caçar e oferecer-lhe algo com mais sustância.
A moça agradeceu.
Nisto, dizendo-se cansada, dirigiu-se a cabana onde procurou se acomodar da melhor forma possível e adormeceu.
Exausta só acordou com a luz do sol batendo em sua palhoça.
Com efeito, ao despertar, percebeu que o índio não estava por perto.
Fato este que a deixou preocupada.
Caminhando sem fazer barulho, ficou a observar o lugar.
Temia que os homens que invadiram suas terras, estivessem em seu encalço.
Assustada, ao ouvir passos, sentiu o coração disparar.
Aflita tentou encontrar um lugar para se esconder.
Quando Abaré apareceu repentinamente em sua frente, a moça espantou-se.
O nativo, percebendo isto, disse-lhe que não precisava ter medo, pois havia verificado o lugar e aparentemente ninguém os havia seguido.
Carolina perguntou baixinho, o que seria de sua vida.
O índio então, segurando uma de suas mãos, disse-lhe que iria cuidar dela.
Argumentou que assim como ele, ela também estava sozinha no mundo.
Carolina ao ouvir isto, comentou que não poderia ficar ao lado de alguém que havia invadido as terras de sua família, e trucidado seus parentes.
Abaré respondeu-lhe que não havia matado ninguém de sua família, e que sempre que matou alguém, o fez para se defender.
Argumentou que não concordava com os métodos dos brancos, mas que se encontrando ao lado deles, não poderia questioná-los.
Nisto, aproximando-se mais da moça, insistiu que ela não poderia ser deixada a própria sorte.
Argumentou que se descobrissem que ela não tinha família, poderiam fazer-lhe algum mal.
Carolina nervosa, não sabia o que fazer.
Ficar ao lado de um selvagem, ou arriscar-se sozinha num mundo no qual não estava preparada para viver?
Não sabia o que fazer.
Abaré percebendo isto, disse a moça que precisavam desmanchar a palhoça e sumir com todos os vestígios de que passaram por lá.
Curiosa, Carolina perguntou o por quê.
Abaré respondeu-lhe que para se precaver era melhor que não soubessem que estiveram por ali. Carolina concordou.
Desmontaram a palhoça e enterraram as cinzas da fogueira.
Nisto, caminharam por dias pela mata.
Abaré construía palhoças para abrigar a moça.
Passou a caçar e a pescar.
Quando Carolina escorregou nas pedras, após uma caminhada por um lugar íngreme, o índio tratou do ferimento.
Rasgou uma parte do vestido da moça para enfaixar o pé.
A moça tentou resistir dizendo que estava tudo bem.
Mas ao tentar prosseguir a caminhada Abaré percebeu que precisa intervir.
Nisto segurou a moça nos braços e acomodando-a no chão, limpou o ferimento e providenciou a atadura.
Para prosseguir a caminhada, a menina precisou se apoiar no nativo, e assim prosseguiram a jornada.
Quando Carolina deu sinais de que não conseguiria mais caminhar, o índio a levou nos braços.
Mais tarde pararam.
Abaré armou uma nova palhoça e buscou caça para que pudessem se alimentar.
Como a noite apresentasse um céu sem estrelas, o índio chegou a dizer que provavelmente choveria.
Carolina ao ouvir isto, resolveu se recolher.
Entrou na palhoça.
Ao ver o índio do lado de fora olhando para o céu e se aquecendo ao redor da fogueira, encheu-se de coragem e convidou-a para entrar na palhoça.
Abaré relutou, dizendo que estava bem.
Argumentou que poderia nem chover.
Porém, ao perceber os primeiros raios riscando os céus, capitulou.
Carolina olhava para a mata e observou os raios.
Abaré então se aproximou da palhoça e entrou.
Disse que não queria incomodar e por esta razão, dormiria perto da entrada.
Carolina argumentou que ele iria se molhar.
Abaré então disse que havia construído a entrada da palhoça do lado oposto ao que corriam os ventos, e por esta razão não entraria muita água de chuva.
Carolina deitou-se então, e o índio fez o mesmo.
Durante a noite, Abaré, abriu os olhos algumas vezes para observar se a moça estava bem, como sempre costumava fazer.
Carolina não percebeu o cuidado.
No dia seguinte, ao despertar, a moça percebeu os primeiros raios da manhã a iluminarem a figura do índio.
Era alto, de tez morena.
Diferente do que sempre imaginara.
Acreditava serem os índios selvagens, de diminuta estatura, bem diferente dos tipos portugueses com o qual estava acostumada.
Imaginava todos os indígenas bem diferentes de seu noivo.
Jovem, descendente de portugueses, filho de um fazendeiro, proprietário de terras como seu pai.
Carolina havia visto o rapaz apenas uma vez.
Mal tiveram tempo de conversar.
Era alto, claro de cabelos e olhos escuros, e aparentemente havia gostado dela.
Foram apresentados no almoço em que fora selado o noivado de ambos, por suas respectivas famílias.
Lembrou-se de em criança brincar pelos campos livres da fazenda.
Ver a carne dos animais abatidos expostas, a ser preparado o charque, o sangue, e o cheiro forte.
Do qual não gostava.
Preferia o pomar, a plantação, brincar com os animais.
A vida era simples mas feliz.
Possuía uma alcova sem janelas, onde tinha sua cama, um baú onde depositava os seus pertences, a penteadeira com espelho e alguns poucos objetos de toucador.
Lugar onde gostava de se sentar, e admirar-se.
Penteava os cabelos sem pressa e ficar a se observar no espelho.
Por vezes, sua mãe chegou a ralhar com ela.
Dizia que era vaidosa demais e que havia muito trabalho a ser feito, para ficar com bobagens.
Jurema era uma mulher dura, como as filhas daqueles tempos hostis.
Não fora diferente das outras mães daquele tempo, e de muitas outras que se seguiriam.
Quando Carolina tornou-se uma bela e deslumbrante jovem, conversando com o marido, achou por bem que o mesmo tratasse com o amigo fazendeiro, do noivado firmado quando a moça ainda era um bebê.
Juvêncio concordou.
Argumentou que não era recomendável esperar muito tempo, ou a curiosidade poderia se sobrepor ao bom senso.
Organizaram então, um belo e regalado almoço, onde Carolina auxiliou, junto com duas escravas da casa, nos preparativos.
Quando a moça foi apresentada ao noivo, usava um bonito vestido claro.
Trazia nos cabelos um arranjo feito com flores.
Jurema não se cansava de dizer aos pais do noivo, que moça mais prendada não havia.
Carolina ficava constrangida com as palavras da mãe, as quais eram devidamente endossadas por seu pai, que dizia que a esposa não estava exagerando.
Arnaldo por sua vez, observava a noiva com admiração.
Quando foram apresentados, elogiou o bom gosto do nome Carolina.
A moça, timidamente agradeceu.
No almoço, comeram bom um churrasco gaúcho.
A certa altura do almoço houve cantoria, e os noivos dançaram juntos, sob as vistas dos pais. Carolina não sabia ler.
Como quase todas as moças daquele tempo.
Leitura e ilustração era privilégios para poucos, dizia sua mãe.
A mulher argumentava que o bom era a filha ser prendada e de fato o era.
Sabia tecer, cozinhar, costurar.
Perfeita para casar.
Ao recordar-se dos dias alegres na estância, da labuta diária, das danças e das festas.
Do vozerio alegre das pessoas reunidas em dias de festas.
De como se preparava comprando tecidos e preparando bonitas vestes para se apresentar a comunidade.
Os dias santos, em que vestia sua melhor roupa para ir a igreja onde via os estancieiros vizinhos, onde rezavam.
A moça entristeceu-se.
Recordou-se quando, vez por outra seu pai recebia visitas na estância e os homens liam alguns livros.
Nestas ocasiões Jurema levava a filha para a cozinha, para preparar alguma bebida, ou comida para servir aos homens.
Dizia que eram assuntos de homens, e que não ficava bem para uma mulher ouvi-los.
Mas como quase sempre era Carolina quem servia os convidados, invariavelmente ouvia trechos dos livros.
Os homens ilustrados diziam que uma pátria se fazia com homens e livros, e que não ficava bem ao Brasil ter tantos homens iletrados.
Juvêncio argumentava dizendo que não sabia ler, e que isto nunca lhe fez falta.
Dizia que sabia fazer contas, e que ninguém o roubava.
Salientou também que sabia assinar o próprio nome e isto bastava.
Com efeito, como ninguém queria brigar, os homens aceitavam os argumentos do estancieiro.
Mas acrescentavam que com o tempo, as coisas iriam se modificar, e o que naqueles tempos era considerado desnecessário, seria melhor recebido no futuro.
Tratavam-se de pessoas idealistas.
Eram encontros regados a muita bebida, vinhos, chimarrão, carne.
Carolina aproveitava para memorizar as palavras que ouvia, e que foram retiradas dos livros lidos.
Juvêncio ouvia as histórias e considerava tudo uma grande bobagem.
Jurema, ao ver a filha entretida com as leituras, ralhava com ela, mandando-a de volta a cozinha.
Nestes momentos a jovem desejava ter aprendido a ler, para poder adentrar aquelas histórias, conhecer aquelas pessoas.
Ficava a pensar no que o escritor registrara em palavras.
Acreditava quando os amigos do pai diziam que o conhecimento transformava o mundo.
Afinal, não fora com algum conhecimento que seus pais se instalaram ali?
Como faziam para sobreviver?
Como faziam o que faziam, se não fosse por que aprenderam isto de alguém?
O conhecimento não era sabedoria?
Certo dia, a moça ficou encostada na parede a ouvir as histórias.
Um dos amigos de seu pai ao vê-la, perguntou-lhe se não gostaria de ler alguma daquelas histórias.
Foi quando a moça respondeu-lhe que não sabia ler.
Roberto, lamentou o fato, mas disse entender que era uma prática corriqueira.
Como Carolina não soubesse o significado da palavra, o homem explicou-a.
Nisto, Roberto leu algumas poesias do poeta lusitano Luiz Vaz de Camões.
Quando porém a moça notou a aproximação de pessoas, pediu licença e se afastou.
Eram outros parceiros de leitura.
Jurema estava na cozinha e Juvêncio, separando os animais para venda.
Os tais homens letrados, eram filhos de estancieiros abastados da região.
Tratavam-se de jovens que foram estudar na Europa, principalmente em Portugal, e traziam as ideias revolucionárias daqueles tempos, para as terras brasileiras.
Carolina gostava daquelas reuniões.
Juvêncio por seu turno, em que pese se tratar de um homem rude, gostava da companhia dos jovens moços.
Dizia que precisava ser relacionar bem com os vizinhos.
Que uma mão lava a outra, e que nunca se sabe como será o dia de amanhã.
Jurema porém, ficava alerta, com tantas presenças masculinas.
Temia por sua filha.
Tanto que a todo o custo procurava escondê-la. Com o tempo, passou ela mesma a servir os convidados.
Mas de vez em quando, a moça ainda aparecia vez ou outra na sala.
Jurema por seu turno, não gostava do modo como os homens olhavam para sua filha.
Dizia que ela era moça de família e que não podiam se comportar daquele modo na frente da jovem.
Juvêncio ria das preocupações da esposa, dizendo que não havia razão para tanto alarme.
Eram jovens e bem educados.
Sabiam o seu lugar, e jamais desrespeitariam a filha de um amigo, e de um vizinho que já prestara tantos favores a seus pais.
Ademais, os jovens não iam sozinhos.
E assim, não haveria problema.
Carolina adorava observar os campos a se perderem de vista.
Gostava de ir ao riacho lavar as roupas.
Também era lá que costumava se banhar, nos dias de muito calor, para escândalo de sua mãe, que reprovava a conduta.
Dizia que moça direita como ela, não deveria se comportar deste modo.
Gostava de quando, encontrava uma bonita flor no campo, e colhendo-a colocava em seus cabelos.
Gostava da cantoria das escravas, da companhia dos pais, e das outras mulheres, casadas com os colonos, que auxiliavam nas atividades domésticas.
Sentia falta das amigas que tivera e que foram mortas de forma cruel, sem ao menos terem a chance de se defenderem.
Sentia falta dos pais, dos trabalhadores da fazenda, e até dos animais.
Lembrar-se de todas essas coisas a faziam chorar, e Carolina, na primeira vez em que se deu conta de que todo o mundo que haviam construído para ela havia desmoronado, se desesperou.
Desesperou-se e chorou copiosamente.
Abaré, que dormia ao ouvir o choro, despertou.
Ao ver a moça em prantos, ficou aflito.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
VALONGO - CAPÍTULO 6 - VERSÃO OFICIAL
Nisto, Carolina mostrou-lhe então fotos de sua filha ainda moça, além de fotos de Vandré e
Venâncio jovens.
Reunindo a família, resolveu contar parte da história da família.
Dizia que era uma bonita história, repleta de revezes, e relatos tristes e alguns momentos felizes.
Contava que tudo tinha origem em uma lenda muito antiga.
Tempos de imprecações e maldições, onde os maldizeres malignos marcavam para sempre, e de forma indelével, muitas gerações.
E nesse tempo muito distante, onde tropeiros percorriam longínquas paragens acompanhados de sua comitiva de peões e gado.
Onde bravios indômitos enfrentavam toda a sorte de perigos e desafios...Que a história começava.
Mencionou a aridez dos caminhos de barro molhado, lodaçal, onde os tropeiros pernoitavam sob a luz do luar, tendo como abrigo um teto de estrelas.
A sentirem o orvalho da madrugada em seus rostos e cobrindo os seus corpos cansados, com sua capa de couro.
O vento frio, era cortante.
A hospedagem nos celeiros, o compartilhamento da cuia com chimarrão entre os companheiros de jornada e de infortúnio, era uma das poucas horas em que podiam ficar despreocupados.
Mas ninguém se queixava da dura lida.
Dos áridos caminhos irregulares, dos ataques dos índios a espreita, os caminhos de pedra, pedregulhos.
O trote dos cavalos, das mulas e a marcha da rês, sob ribeiros de água.
O cuidado com os riachos que circundavam os caminhos.
A chuva durante a marcha.
As andanças por entre matas fechadas, que eram cortadas com facões para que se abrisse caminho para as próximas tropeadas.
A parada para descansar e comer um pouco de churrasco, preparando a fogueira no chão.
Um arroz com a mistura das carnes que levavam consigo.
A cuia com chimarrão, e o seu preparo.
Aquecendo a água no fogo, a escolha das ervas.
A conversa animada, a cantoria.
Alguns até dançavam para esquecer um pouco a dura lida.
Mas não se queixavam.
Eram felizes, em que pesem as dificuldades daquele tempo, a falta de recursos, e os perigos da jornada.
Bravos, enfrentaram índios, matando-os, mas também sendo mortos por eles.
Animados, gostavam de relembrarem as antigas batalhas sofridas, e os grandes conflitos de sua amada terra.
Andavam de botas, lenços vermelhos, chapéus, bombachas.
A maior alegria desses homens, era encontrar um china bonita para bailar a noite inteira.
Tempos de velhos casarões, onde grandes famílias o habitavam.
Ladeando a construção, plantações, criações.
Moças a tirar água do poço.
Moços a alimentarem os animais das propriedades.
Sempre precavidos contra eventuais invasões de forasteiros.
Lindas jovens em sua azafama diária.
Tempos de trabalho duro, a tirarem água do poço para os banhos da família, para os preparos dos alimentos.
Após, seguiam para os riachos para levarem as roupas.
Ajudavam as mães,tias e avós a limparem suas casas.
Casavam-se sempre muito cedo.
Convenção daqueles tempos.
Nestas paragens, certa vez houve uma revolta, com tantas outras que aconteciam sem explicação, onde homens e índios invadiram algumas propriedades.
Ocasião em que saquearam as propriedades levando animais, e objetos de valor dos moradores.
Como os residentes resistissem, quase todos foram mortos.
Com efeito, o que não puderam levar, atearam fogo, inclusive nas plantações.
Uma moça de nome Carolina, auxiliada por um dos índios, que fazia parte do grupo, conseguiu escapar.
Desesperada, ao ver o que acontecia ao seu redor, lutou contra o índio.
Dizia que preferia morrer ao lado dos seus, a ter que suportar tamanha desonra.
Mas o nativo não a ouvia, e determinado a ajudá-la, arrastou-a para longe dali, afim de que ambos se esconderem no meio das matas.
Tratava-se de um desertor, o qual se fosse pego, certamente seria morto.
Carolina por seu turno se debatia, tentando regressar a propriedade destruída.
Até que a certa altura da luta, o índio pediu suavemente para que ela se acalmasse.
Dizia insistentemente que não havia nada a ser feito, e que se queriam ter alguma chance de escaparem com vida, deveriam desaparecer dali.
Enquanto isto, o homem segurava a moça pelas mãos, puxando-a.
A certa altura, cansada de chorar, a moça pediu bruscamente para que o índio a soltasse.
Abaré, temendo que ao soltá-la, a moça corresse de volta para a direção da casa incendiada, propôs um acordo.
Argumentou que só a soltaria se prometesse não agir sem pensar.
Dizia que se fossem pegos, ambos poderiam ser mortos.
Carolina meneou a cabeça, concordando com os termos do indígena.
Nisto, o índio soltou-lhe as mãos.
A moça então, sentou-se no chão, e começou a olhar o entorno, sem saber o que fazer.
Estava sozinha, sem ninguém que pudesse ampará-la, ao lado de um estranho, considerado por ela um selvagem, mas que havia salvado sua vida.
Em dado momento, ao se dar conta de que ele estava ao lado dos invasores, encheu-se de ira e aproximando-se dele, começou a golpeá-lo, dizendo ser ele um assassino.
O jovem índio não revidou.
Entendia a revolta da jovem.
Também tinha consciência de sua força, e de que poderia machucá-la se quisesse.
Abaré então, esperou a moça se acalmar.
Carolina, após bater no índio, sentou-se novamente no chão e começou a chorar.
Pensava no noivo.
Por onde andaria.
O que faria para contar-lhe o ocorrido?
Aflita, dizia estar perdida.
O índio, ao perceber a confusão da moça, aproximou-se e disse-lhe:
- Eu entender sua revolta. Eu estava lutando ao lado daqueles homens. Lutei muitas lutas ao seu lado. Mas eu perceber que a intenção deles era matar todos os habitavam a estância... estaquei... não podia admitir isto. Juro que nunca haviam feito isto antes.
A moça cheia de ira, argumentou que nada justificava tamanha covardia.
O jovem índio, entristecido, dizia não ser um assassino.
Argumentou que estava ao lado deles, por que eles o acolheram.
Indagado pela moça sobre o fato de se encontrar ao lado de bandoleiros, o índio disse que cedo perdera os pais em uma invasão que os brancos fizeram a sua tribo.
Disse que a única que coisa que restou de herança de seus pais foi seu nome e sua cultura.
Já a sua tribo.
Foi dizimada. Carolina ouvia o índio dizer que tentou por diversas vezes localizar remanescentes de sua tribo em outras paragens, mas não obteve êxito.
Carolina, penalizada, disse que nem por isso deveria desistir de procurá-los.
O índio respondeu-lhe que estava disposto a continuar a procura, se houvesse alguém, para acompanhá-lo em suas buscas.
Dizia estar cansado de ser sozinho, e que não seguiria mais ao lado de bandoleiros.
Mencionou que por ser sozinho no mundo, foi levado a um grupamento jesuíta, onde aprendeu a ler e a escrever em português.
Admirada, Carolina perguntou se sabia ler.
O índio assentiu com a cabeça.
A moça pensava em que isto poderia ser útil naquele momento, e como fariam para sobreviver na mata.
Aflita, ao perceber que o índio poderia estar sendo seguido por seus antigos companheiros, levantou-se num átimo e disse ao nativo que precisavam sair dali.
Abaré concordou, e segurando a moça pelas mãos, disse que precisavam apertar o passo, ou poderiam ser descobertos.
Com isto, caminharam por longas horas.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Reunindo a família, resolveu contar parte da história da família.
Dizia que era uma bonita história, repleta de revezes, e relatos tristes e alguns momentos felizes.
Contava que tudo tinha origem em uma lenda muito antiga.
Tempos de imprecações e maldições, onde os maldizeres malignos marcavam para sempre, e de forma indelével, muitas gerações.
E nesse tempo muito distante, onde tropeiros percorriam longínquas paragens acompanhados de sua comitiva de peões e gado.
Onde bravios indômitos enfrentavam toda a sorte de perigos e desafios...Que a história começava.
Mencionou a aridez dos caminhos de barro molhado, lodaçal, onde os tropeiros pernoitavam sob a luz do luar, tendo como abrigo um teto de estrelas.
A sentirem o orvalho da madrugada em seus rostos e cobrindo os seus corpos cansados, com sua capa de couro.
O vento frio, era cortante.
A hospedagem nos celeiros, o compartilhamento da cuia com chimarrão entre os companheiros de jornada e de infortúnio, era uma das poucas horas em que podiam ficar despreocupados.
Mas ninguém se queixava da dura lida.
Dos áridos caminhos irregulares, dos ataques dos índios a espreita, os caminhos de pedra, pedregulhos.
O trote dos cavalos, das mulas e a marcha da rês, sob ribeiros de água.
O cuidado com os riachos que circundavam os caminhos.
A chuva durante a marcha.
As andanças por entre matas fechadas, que eram cortadas com facões para que se abrisse caminho para as próximas tropeadas.
A parada para descansar e comer um pouco de churrasco, preparando a fogueira no chão.
Um arroz com a mistura das carnes que levavam consigo.
A cuia com chimarrão, e o seu preparo.
Aquecendo a água no fogo, a escolha das ervas.
A conversa animada, a cantoria.
Alguns até dançavam para esquecer um pouco a dura lida.
Mas não se queixavam.
Eram felizes, em que pesem as dificuldades daquele tempo, a falta de recursos, e os perigos da jornada.
Bravos, enfrentaram índios, matando-os, mas também sendo mortos por eles.
Animados, gostavam de relembrarem as antigas batalhas sofridas, e os grandes conflitos de sua amada terra.
Andavam de botas, lenços vermelhos, chapéus, bombachas.
A maior alegria desses homens, era encontrar um china bonita para bailar a noite inteira.
Tempos de velhos casarões, onde grandes famílias o habitavam.
Ladeando a construção, plantações, criações.
Moças a tirar água do poço.
Moços a alimentarem os animais das propriedades.
Sempre precavidos contra eventuais invasões de forasteiros.
Lindas jovens em sua azafama diária.
Tempos de trabalho duro, a tirarem água do poço para os banhos da família, para os preparos dos alimentos.
Após, seguiam para os riachos para levarem as roupas.
Ajudavam as mães,tias e avós a limparem suas casas.
Casavam-se sempre muito cedo.
Convenção daqueles tempos.
Nestas paragens, certa vez houve uma revolta, com tantas outras que aconteciam sem explicação, onde homens e índios invadiram algumas propriedades.
Ocasião em que saquearam as propriedades levando animais, e objetos de valor dos moradores.
Como os residentes resistissem, quase todos foram mortos.
Com efeito, o que não puderam levar, atearam fogo, inclusive nas plantações.
Uma moça de nome Carolina, auxiliada por um dos índios, que fazia parte do grupo, conseguiu escapar.
Desesperada, ao ver o que acontecia ao seu redor, lutou contra o índio.
Dizia que preferia morrer ao lado dos seus, a ter que suportar tamanha desonra.
Mas o nativo não a ouvia, e determinado a ajudá-la, arrastou-a para longe dali, afim de que ambos se esconderem no meio das matas.
Tratava-se de um desertor, o qual se fosse pego, certamente seria morto.
Carolina por seu turno se debatia, tentando regressar a propriedade destruída.
Até que a certa altura da luta, o índio pediu suavemente para que ela se acalmasse.
Dizia insistentemente que não havia nada a ser feito, e que se queriam ter alguma chance de escaparem com vida, deveriam desaparecer dali.
Enquanto isto, o homem segurava a moça pelas mãos, puxando-a.
A certa altura, cansada de chorar, a moça pediu bruscamente para que o índio a soltasse.
Abaré, temendo que ao soltá-la, a moça corresse de volta para a direção da casa incendiada, propôs um acordo.
Argumentou que só a soltaria se prometesse não agir sem pensar.
Dizia que se fossem pegos, ambos poderiam ser mortos.
Carolina meneou a cabeça, concordando com os termos do indígena.
Nisto, o índio soltou-lhe as mãos.
A moça então, sentou-se no chão, e começou a olhar o entorno, sem saber o que fazer.
Estava sozinha, sem ninguém que pudesse ampará-la, ao lado de um estranho, considerado por ela um selvagem, mas que havia salvado sua vida.
Em dado momento, ao se dar conta de que ele estava ao lado dos invasores, encheu-se de ira e aproximando-se dele, começou a golpeá-lo, dizendo ser ele um assassino.
O jovem índio não revidou.
Entendia a revolta da jovem.
Também tinha consciência de sua força, e de que poderia machucá-la se quisesse.
Abaré então, esperou a moça se acalmar.
Carolina, após bater no índio, sentou-se novamente no chão e começou a chorar.
Pensava no noivo.
Por onde andaria.
O que faria para contar-lhe o ocorrido?
Aflita, dizia estar perdida.
O índio, ao perceber a confusão da moça, aproximou-se e disse-lhe:
- Eu entender sua revolta. Eu estava lutando ao lado daqueles homens. Lutei muitas lutas ao seu lado. Mas eu perceber que a intenção deles era matar todos os habitavam a estância... estaquei... não podia admitir isto. Juro que nunca haviam feito isto antes.
A moça cheia de ira, argumentou que nada justificava tamanha covardia.
O jovem índio, entristecido, dizia não ser um assassino.
Argumentou que estava ao lado deles, por que eles o acolheram.
Indagado pela moça sobre o fato de se encontrar ao lado de bandoleiros, o índio disse que cedo perdera os pais em uma invasão que os brancos fizeram a sua tribo.
Disse que a única que coisa que restou de herança de seus pais foi seu nome e sua cultura.
Já a sua tribo.
Foi dizimada. Carolina ouvia o índio dizer que tentou por diversas vezes localizar remanescentes de sua tribo em outras paragens, mas não obteve êxito.
Carolina, penalizada, disse que nem por isso deveria desistir de procurá-los.
O índio respondeu-lhe que estava disposto a continuar a procura, se houvesse alguém, para acompanhá-lo em suas buscas.
Dizia estar cansado de ser sozinho, e que não seguiria mais ao lado de bandoleiros.
Mencionou que por ser sozinho no mundo, foi levado a um grupamento jesuíta, onde aprendeu a ler e a escrever em português.
Admirada, Carolina perguntou se sabia ler.
O índio assentiu com a cabeça.
A moça pensava em que isto poderia ser útil naquele momento, e como fariam para sobreviver na mata.
Aflita, ao perceber que o índio poderia estar sendo seguido por seus antigos companheiros, levantou-se num átimo e disse ao nativo que precisavam sair dali.
Abaré concordou, e segurando a moça pelas mãos, disse que precisavam apertar o passo, ou poderiam ser descobertos.
Com isto, caminharam por longas horas.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
VALONGO - CAPÍTULO 5 - VERSÃO ORIGINAL
Na festividade de aniversário da matriarca, foi preparado um novilho, a ser assado no rolete.
As crianças gostavam de ver o preparo do prato.
E nisto a cozinheira ao ver as crianças em volta da fogueira, repetiu o fraseado de que quem brinca com fogo, acaba molhado.
Argumentou que aquilo não era brincadeira de criança, e pediu para se afastassem.
Lara chamou todas as crianças para junto de si.
Ralhando com elas, disse que não deveriam atrapalhar o trabalho das pessoas que estavam organizando a festa de Dona Carolina.
Com isto, chamou todas elas para um passeio pelo jardim.
E assim, Helena, Tereza e André, ficaram a correr por entre azaléias, hortênsias, rosas e girassóis. Dona Carolina nascera naquelas terras.
Filha de Rosália, a qual herdara a imensa propriedade de sua mãe, Adélia.
Propriedade a qual estava com a família há várias gerações.
Nos últimos tempos, gostava de se lembrar da mãe, Rosália, ensinando-lhe as prendas domésticas.
Dona Carolina, a matriarca, era uma doceira de mão cheia, segundo sua filha Carolina.
Possuía um belo livro de receitas, antiquíssimo, com todas as receitas mais sofisticadas da família.
Orgulhosa, dizia possuir guardado o antigo livro de receitas da primeira Carolina.
Certa vez, chegou a mostrar o referido livro a filha Carolina.
A mulher ficou encantada com o livro.
No referido compendio, havia receitas com preparados com ervas, para problemas de saúde.
Mas as ocasiões em que a matriarca mostrava o livro eram raras.
Até por que, de tanto ser manuseado, o livro estava precisando de um restauro.
Sua filha Carolina se propôs a procurar um profissional para recuperar o trabalho, sem êxito.
Dona Carolina não estava disposta a entregar a preciosidade para estranhos.
A mulher tentou argumentar com a mãe, dizendo que se o livro não fosse rapidamente restaurado, poderia se perder para sempre.
Mas Dona Carolina era inflexível.
Com isto, algumas vezes Vandré e Venâncio puderam se deliciar com algumas iguarias preparadas pela mulher, quando em visitas raras a fazenda, ou então quando a mulher encaminhava compotas para os netos via correio.
Quando as delícias chegavam em sua casa, era sempre motivo de muita festa.
E eles, passavam dias comendo os doces.
Voltavam da escola, trocavam o uniforme, faziam a lição de casa, brincavam na rua, e mais tarde após o banho e o jantar, comiam uma porção das sobremesas.
E as delícias duravam meses.
Carolina nunca permitiu que os filhos comessem mais do que necessário para saciar a fome.
Não gostava de crianças gulosas.
Era o que costumava dizer.
Carolina, a matriarca, também gostava de deixar a casa arrumada e enfeitada.
Gostava de artesanato.
Na velha sede centenária, havia várias colchas nos quartos, feitas de fuxico, além de almofadas feitas do mesmo material.
Algumas criadas que passaram pela propriedade também deixaram suas prendas.
Dona Carolina gostava das criadas prendadas e prestativas.
Fora criada com todo o rigor por Rosália, a qual temia que a filha tivesse a sorte de todas as suas antecessoras.
Acreditou que pelo fato da jovem ter sido registrada como filha legítima, sua sorte seria diferente de todas as outras que a antecederam.
O tempo mostrou-lhe que estava errada.
Carolina também envolveu-se com um homem, com o qual não pode casar-se.
E assim, como todas as outras mulheres, era dona de uma história triste, a qual integrava o triste quadro de desventuras da família.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
As crianças gostavam de ver o preparo do prato.
E nisto a cozinheira ao ver as crianças em volta da fogueira, repetiu o fraseado de que quem brinca com fogo, acaba molhado.
Argumentou que aquilo não era brincadeira de criança, e pediu para se afastassem.
Lara chamou todas as crianças para junto de si.
Ralhando com elas, disse que não deveriam atrapalhar o trabalho das pessoas que estavam organizando a festa de Dona Carolina.
Com isto, chamou todas elas para um passeio pelo jardim.
E assim, Helena, Tereza e André, ficaram a correr por entre azaléias, hortênsias, rosas e girassóis. Dona Carolina nascera naquelas terras.
Filha de Rosália, a qual herdara a imensa propriedade de sua mãe, Adélia.
Propriedade a qual estava com a família há várias gerações.
Nos últimos tempos, gostava de se lembrar da mãe, Rosália, ensinando-lhe as prendas domésticas.
Dona Carolina, a matriarca, era uma doceira de mão cheia, segundo sua filha Carolina.
Possuía um belo livro de receitas, antiquíssimo, com todas as receitas mais sofisticadas da família.
Orgulhosa, dizia possuir guardado o antigo livro de receitas da primeira Carolina.
Certa vez, chegou a mostrar o referido livro a filha Carolina.
A mulher ficou encantada com o livro.
No referido compendio, havia receitas com preparados com ervas, para problemas de saúde.
Mas as ocasiões em que a matriarca mostrava o livro eram raras.
Até por que, de tanto ser manuseado, o livro estava precisando de um restauro.
Sua filha Carolina se propôs a procurar um profissional para recuperar o trabalho, sem êxito.
Dona Carolina não estava disposta a entregar a preciosidade para estranhos.
A mulher tentou argumentar com a mãe, dizendo que se o livro não fosse rapidamente restaurado, poderia se perder para sempre.
Mas Dona Carolina era inflexível.
Com isto, algumas vezes Vandré e Venâncio puderam se deliciar com algumas iguarias preparadas pela mulher, quando em visitas raras a fazenda, ou então quando a mulher encaminhava compotas para os netos via correio.
Quando as delícias chegavam em sua casa, era sempre motivo de muita festa.
E eles, passavam dias comendo os doces.
Voltavam da escola, trocavam o uniforme, faziam a lição de casa, brincavam na rua, e mais tarde após o banho e o jantar, comiam uma porção das sobremesas.
E as delícias duravam meses.
Carolina nunca permitiu que os filhos comessem mais do que necessário para saciar a fome.
Não gostava de crianças gulosas.
Era o que costumava dizer.
Carolina, a matriarca, também gostava de deixar a casa arrumada e enfeitada.
Gostava de artesanato.
Na velha sede centenária, havia várias colchas nos quartos, feitas de fuxico, além de almofadas feitas do mesmo material.
Algumas criadas que passaram pela propriedade também deixaram suas prendas.
Dona Carolina gostava das criadas prendadas e prestativas.
Fora criada com todo o rigor por Rosália, a qual temia que a filha tivesse a sorte de todas as suas antecessoras.
Acreditou que pelo fato da jovem ter sido registrada como filha legítima, sua sorte seria diferente de todas as outras que a antecederam.
O tempo mostrou-lhe que estava errada.
Carolina também envolveu-se com um homem, com o qual não pode casar-se.
E assim, como todas as outras mulheres, era dona de uma história triste, a qual integrava o triste quadro de desventuras da família.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
VALONGO - CAPÍTULO 4 - VERSÃO OFICIAL
Vandré e Venâncio também se recordavam de sua história.
Vandré era um jovem bonito, mais novo que o irmão, e bastante apegado a família.
Sempre que podia, participava das reuniões em família.
Gostava de ouvir as histórias de seus ancestrais.
E munido de informações, anotava os relatos dos parentes.
Possuía até uma espécie de diário.
Venâncio, ao saber disso, brincava com o irmão dizendo que ele seria escritor.
Era o mais velho dos irmãos.
Estava noivo de Ester, uma moça muito bonita.
Mas a jovem, que não estava nem um pouco interessada nos assuntos da família do noivo, argumentou que não estava muito bem de saúde, e que não poderia ir.
Venâncio ficou bastante desapontado, mas não insistiu.
Somente argumentou que não era a primeira vez que a moça ficava indisposta às vésperas de uma viagem para conhecer sua família.
Mas para evitar brigas, respondeu-lhe que iria sozinho, e depois contaria como foi a viagem. Conheceram-se em uma festa.
A moça muito bonita, e bem vestida, chamou a atenção de todos.
Inclusive de Venâncio, que a convidou para dançar.
Ester, receptiva, dançou com o moço.
Conversaram, e em pouco tempo, começaram a namorar.
Atencioso, o moço levava a jovem para almoçar em restaurantes sofisticados.
Levava Ester a festas badaladas, e presenteava a moça com roupas de grife.
A moça, mal acostumada, levava o rapaz para passear em frente a lojas caras, joalherias.
Contudo, até o momento, Venâncio, não havia presenteado a namorada com uma jóia.
Em que pese as sugestões da moça. Ester estava impaciente com isto.
Venâncio por seu turno, apaixonado que estava, não conseguia enxergar isto.
Com efeito, ninguém também tinha coragem de dizer que algo estava errado.
Neste sentido, a única pessoa que o alertava com relação a moça, era sua colega de trabalho Tânia.
Tânia, era uma mulher de cerca de trinta anos.
Divorciada.
Vivia aconselhando o moço.
Dizia para ficar atento a moça.
Foi ela quem o aconselhou a esperar um pouco, para presentear a moça com uma jóia.
Dizia que o valor de um presente estava na intenção de presentear, e não necessariamente em seu valor monetário.
Venâncio certa vez, ouviu insinuações de que a mulher estava interessada nele.
O rapaz porém, dizia que isto era maledicência.
Curiosamente, agora que estava com sua vida longe dali, ao pensar no pedido de noivado que fizera a Ester, tal fato lhe causava estranheza.
Pensou que embora gostasse de Ester, a ponto de marcar um almoço de noivado com a família da moça, sem ao menos, comunicar o fato à sua família, estava inseguro.
Vandré, ao tomar conhecimento do noivado às pressas, perguntou ao irmão o que teria acontecido para que tomasse esta decisão de forma tão intempestiva.
Venâncio não sabia o que dizer.
Argumentava que agira por impulso.
Dizia estar apaixonado pela moça.
E assim, comprou um anel de noivado, e em um dos inúmeros jantares em que levou a moça, aproveitou a ocasião, para lhe pedir em casamento.
Vandré então desejou-lhe felicidades.
Brincando, chegou a dizer que um dos solteirões finalmente iria se casar.
Chegaram a ir até a venda próxima dali, para comemorar o noivado.
Apearam de seus cavalos amarrando-os as árvores, e entraram no estabelecimento.
Vandré então, pediu uma garrafa de cerveja.
Brincando, depois da segunda garrafa, Venâncio respondeu que precisavam maneirar, pois iriam dirigir.
Vandré argumentou que não estava dirigindo, e que quem iria guiá-los seriam os cavalos.
Rindo, Venâncio concordou.
Voltaram tarde.
Sua mãe Carolina, notou quando ambos chegaram, tropeçando nas escadas.
Não gostou nada do que viu.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Vandré era um jovem bonito, mais novo que o irmão, e bastante apegado a família.
Sempre que podia, participava das reuniões em família.
Gostava de ouvir as histórias de seus ancestrais.
E munido de informações, anotava os relatos dos parentes.
Possuía até uma espécie de diário.
Venâncio, ao saber disso, brincava com o irmão dizendo que ele seria escritor.
Era o mais velho dos irmãos.
Estava noivo de Ester, uma moça muito bonita.
Mas a jovem, que não estava nem um pouco interessada nos assuntos da família do noivo, argumentou que não estava muito bem de saúde, e que não poderia ir.
Venâncio ficou bastante desapontado, mas não insistiu.
Somente argumentou que não era a primeira vez que a moça ficava indisposta às vésperas de uma viagem para conhecer sua família.
Mas para evitar brigas, respondeu-lhe que iria sozinho, e depois contaria como foi a viagem. Conheceram-se em uma festa.
A moça muito bonita, e bem vestida, chamou a atenção de todos.
Inclusive de Venâncio, que a convidou para dançar.
Ester, receptiva, dançou com o moço.
Conversaram, e em pouco tempo, começaram a namorar.
Atencioso, o moço levava a jovem para almoçar em restaurantes sofisticados.
Levava Ester a festas badaladas, e presenteava a moça com roupas de grife.
A moça, mal acostumada, levava o rapaz para passear em frente a lojas caras, joalherias.
Contudo, até o momento, Venâncio, não havia presenteado a namorada com uma jóia.
Em que pese as sugestões da moça. Ester estava impaciente com isto.
Venâncio por seu turno, apaixonado que estava, não conseguia enxergar isto.
Com efeito, ninguém também tinha coragem de dizer que algo estava errado.
Neste sentido, a única pessoa que o alertava com relação a moça, era sua colega de trabalho Tânia.
Tânia, era uma mulher de cerca de trinta anos.
Divorciada.
Vivia aconselhando o moço.
Dizia para ficar atento a moça.
Foi ela quem o aconselhou a esperar um pouco, para presentear a moça com uma jóia.
Dizia que o valor de um presente estava na intenção de presentear, e não necessariamente em seu valor monetário.
Venâncio certa vez, ouviu insinuações de que a mulher estava interessada nele.
O rapaz porém, dizia que isto era maledicência.
Curiosamente, agora que estava com sua vida longe dali, ao pensar no pedido de noivado que fizera a Ester, tal fato lhe causava estranheza.
Pensou que embora gostasse de Ester, a ponto de marcar um almoço de noivado com a família da moça, sem ao menos, comunicar o fato à sua família, estava inseguro.
Vandré, ao tomar conhecimento do noivado às pressas, perguntou ao irmão o que teria acontecido para que tomasse esta decisão de forma tão intempestiva.
Venâncio não sabia o que dizer.
Argumentava que agira por impulso.
Dizia estar apaixonado pela moça.
E assim, comprou um anel de noivado, e em um dos inúmeros jantares em que levou a moça, aproveitou a ocasião, para lhe pedir em casamento.
Vandré então desejou-lhe felicidades.
Brincando, chegou a dizer que um dos solteirões finalmente iria se casar.
Chegaram a ir até a venda próxima dali, para comemorar o noivado.
Apearam de seus cavalos amarrando-os as árvores, e entraram no estabelecimento.
Vandré então, pediu uma garrafa de cerveja.
Brincando, depois da segunda garrafa, Venâncio respondeu que precisavam maneirar, pois iriam dirigir.
Vandré argumentou que não estava dirigindo, e que quem iria guiá-los seriam os cavalos.
Rindo, Venâncio concordou.
Voltaram tarde.
Sua mãe Carolina, notou quando ambos chegaram, tropeçando nas escadas.
Não gostou nada do que viu.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
VALONGO - CAPÍTULO 3 - VERSÃO OFICIAL
E lá a velha Carolina, a se lembrar de suas antecessoras.
Nem todas com o mesmo nome, mas todas com nomes fortes, marcantes.
Sentada em sua cadeira almofadada, a mulher pediu a criada que trouxesse uma caixa grande com vários retratos da família.
Era uma imensa caixa.
Com várias fotos antigas.
Fotos em preto e branco.
Fotos de seus pais, avós.
Baú com documentos, cartas.
Venâncio e Vandré, ao verem fotos suas, ainda crianças, no baú, começaram a rir.
Olhavam para si, e diziam o quanto haviam mudado.
Dona Carolina então, comentou que eles eram filhos de sua filha, Carolina.
A mulher disse-lhe que só estavam vivos, por que sua mãe decidiram viver longe dali.
Lugar de lembranças tristes e palco de uma maldição.
Curioso, Venâncio perguntou do que se tratava a tal maldição.
Dona Carolina, percebendo a ironia, disse-lhe em tom sério, que não se brinca com este tipo de assunto, e que não se pode ficar jogando praga nas pessoas.
Dizia que praga pegava.
Nisto, passou a dizer que a família fora amaldiçoada por uma velha, que dizia que nenhum varão nascido naquelas paragens iria sobreviver.
Quanto as mulheres, estas seriam atingidas em sua honra, e no sentimento que lhe era mais caro.
O afeto.
E assim nenhum das mulheres da família, teriam frutos advindos do casamento.
Ou seja, seriam todas mães solteiras, e somente mães de filhas mulheres.
Venâncio e Vandré, se entreolharam.
De fato, sua mãe, Carolina, não fora casada e nem mesmo filhos do mesmo pai, eram.
Contudo, o fato de estarem vivos e adultos, desacreditava a história da maldição.
Carolina, a mãe, então comentou que eles não nasceram naquela região.
Que viveram toda a sua vida longe dali, e que poucas vezes visitaram a propriedade da avó, como naquela ocasião.
Vandré comentou que não entendia, por que sempre eram dificultadas as visitas a avó.
Recordou-se de quando em criança, vivia pedindo a mãe para que o levasse para conhecer a avó.
Contudo, ainda assim, considerava tudo aquilo crendice e bobagem.
Dona Carolina percebendo isto, comentou que não esperava compreensão por parte deles.
Mas disse-lhes que gostaria de mostrar fotos da família.
A mulher então, mostrou fotos de sua juventude, do pai de Carolina, de uma festa em que ambos dançaram juntos.
Comentou que dois dias após tirar a foto, Adroaldo faleceu.
O homem faleceu oito anos depois que o casal passou a viver como se fossem casados.
A velha senhora também mostrou fotos de seus pais, sua mãe e seu pai.
Comentou que o fato de não serem casados, escandalizou a todos, mas que o modo digno de viver de Rosália, a fez ser aceita por todos, e a continuar a viver naquela sociedade.
Rosália ficou impedida de casar-se com o pai de sua filha, por que o homem falecera antes mesmo de tomar conhecimento de que se tornaria pai.
Foi atropelado ao atravessar uma estrada.
Tal fato, deixou Rosália desesperada.
Carolina, sua mãe, visando protegê-la e ajustada com um funcionário do cartório, conseguiu encontrar uma forma de registrar a criança como se fosse filha legítima.
Era década de trinta.
Tempos de carestia e de racionamento, por conta da Segunda Grande Guerra.
Os produtos mais básicos eram racionados, e a vida estava difícil para todos.
Dona Carolina, mostrou ainda fotos de Rosália ainda criança, também fruto de uma relação considerada espúria.
Nascera no começo dos anos dez.
Sua mãe se chamava Adélia.
Nascida na última década do século dezenove.
Antes de rosália, veio Adélia, nascida na década de setenta do século dezenove.
Sua mãe chamava-se Thereza, filha de Carolina.
A primeira, a que dera origem a todas as outras, dizia a velha senhora, Dona Carolina.
De todas, havia ao menos uma foto ou pintura.
E esta era a primeira vez, que a mulher se interessava em mostrar a todos o álbum com fotos. Também era a primeira oportunidade em que animava a contar algo mais sobre a história da família. Todos os convidados pareciam interessados no relato de Dona Carolina.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Nem todas com o mesmo nome, mas todas com nomes fortes, marcantes.
Sentada em sua cadeira almofadada, a mulher pediu a criada que trouxesse uma caixa grande com vários retratos da família.
Era uma imensa caixa.
Com várias fotos antigas.
Fotos em preto e branco.
Fotos de seus pais, avós.
Baú com documentos, cartas.
Venâncio e Vandré, ao verem fotos suas, ainda crianças, no baú, começaram a rir.
Olhavam para si, e diziam o quanto haviam mudado.
Dona Carolina então, comentou que eles eram filhos de sua filha, Carolina.
A mulher disse-lhe que só estavam vivos, por que sua mãe decidiram viver longe dali.
Lugar de lembranças tristes e palco de uma maldição.
Curioso, Venâncio perguntou do que se tratava a tal maldição.
Dona Carolina, percebendo a ironia, disse-lhe em tom sério, que não se brinca com este tipo de assunto, e que não se pode ficar jogando praga nas pessoas.
Dizia que praga pegava.
Nisto, passou a dizer que a família fora amaldiçoada por uma velha, que dizia que nenhum varão nascido naquelas paragens iria sobreviver.
Quanto as mulheres, estas seriam atingidas em sua honra, e no sentimento que lhe era mais caro.
O afeto.
E assim nenhum das mulheres da família, teriam frutos advindos do casamento.
Ou seja, seriam todas mães solteiras, e somente mães de filhas mulheres.
Venâncio e Vandré, se entreolharam.
De fato, sua mãe, Carolina, não fora casada e nem mesmo filhos do mesmo pai, eram.
Contudo, o fato de estarem vivos e adultos, desacreditava a história da maldição.
Carolina, a mãe, então comentou que eles não nasceram naquela região.
Que viveram toda a sua vida longe dali, e que poucas vezes visitaram a propriedade da avó, como naquela ocasião.
Vandré comentou que não entendia, por que sempre eram dificultadas as visitas a avó.
Recordou-se de quando em criança, vivia pedindo a mãe para que o levasse para conhecer a avó.
Contudo, ainda assim, considerava tudo aquilo crendice e bobagem.
Dona Carolina percebendo isto, comentou que não esperava compreensão por parte deles.
Mas disse-lhes que gostaria de mostrar fotos da família.
A mulher então, mostrou fotos de sua juventude, do pai de Carolina, de uma festa em que ambos dançaram juntos.
Comentou que dois dias após tirar a foto, Adroaldo faleceu.
O homem faleceu oito anos depois que o casal passou a viver como se fossem casados.
A velha senhora também mostrou fotos de seus pais, sua mãe e seu pai.
Comentou que o fato de não serem casados, escandalizou a todos, mas que o modo digno de viver de Rosália, a fez ser aceita por todos, e a continuar a viver naquela sociedade.
Rosália ficou impedida de casar-se com o pai de sua filha, por que o homem falecera antes mesmo de tomar conhecimento de que se tornaria pai.
Foi atropelado ao atravessar uma estrada.
Tal fato, deixou Rosália desesperada.
Carolina, sua mãe, visando protegê-la e ajustada com um funcionário do cartório, conseguiu encontrar uma forma de registrar a criança como se fosse filha legítima.
Era década de trinta.
Tempos de carestia e de racionamento, por conta da Segunda Grande Guerra.
Os produtos mais básicos eram racionados, e a vida estava difícil para todos.
Dona Carolina, mostrou ainda fotos de Rosália ainda criança, também fruto de uma relação considerada espúria.
Nascera no começo dos anos dez.
Sua mãe se chamava Adélia.
Nascida na última década do século dezenove.
Antes de rosália, veio Adélia, nascida na década de setenta do século dezenove.
Sua mãe chamava-se Thereza, filha de Carolina.
A primeira, a que dera origem a todas as outras, dizia a velha senhora, Dona Carolina.
De todas, havia ao menos uma foto ou pintura.
E esta era a primeira vez, que a mulher se interessava em mostrar a todos o álbum com fotos. Também era a primeira oportunidade em que animava a contar algo mais sobre a história da família. Todos os convidados pareciam interessados no relato de Dona Carolina.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
VALONGO - CAPÍTULO 2 - VERSÃO OFICIAL
Conversou com eles, tocou-lhes os rostos.
Disse-lhes que eram seus herdeiros.
Carolina sua filha, disse a ela, que o restante da família estaria chegando pelos próximos dias.
De fato Vandré e Venâncio foram os primeiros a chegar a fazenda.
Emocionada, a mulher dizia que não se pareciam muito com a mãe, sendo mais assemelhados a seus pais.
Ao ouvirem isto, os dois ficaram a se olhar.
Isto porque pouco sabiam de seus pais.
Informação que a mãe sempre omitia.
Argumentava que se eles não foram homens para ficarem a seu lado e ajudá-la a criá-los, não mereciam sequer serem lembrados.
Os rapazes lembravam-se de quantas brigas e discussões para que pudessem, ao menos saber os nomes de seus pais.
Mais Carolina se negava a informá-los.
Em seus registros de nascimento, constava a informação de que eram filhos de pais desconhecidos. Ah! Quantos problemas esta informação lhes custou.
Quantas dificuldades, quanto sofrimento, e desdém.
Carolina acompanhou o sofrimento dos filhos, mas ainda assim, permanecia inflexível.
Sendo ela mesma objeto de preconceito.
Para eles, foi este o fator preponderante que culminou com a mudança de sua mãe para São Paulo. Isto por que na grande metrópole do sudeste, uma mãe solteira ficaria incógnita.
Foi lá que Venâncio nasceu.
E naquelas plagas conheceu o pai de Vandré, vindo o caçula a nascer na mesma cidade.
De fato, em São Paulo, a mulher encontrou trabalho, voltou a estudar, formou-se e passou a lecionar.
Trabalhou por trinta anos até se aposentar.
Foi então que optou em voltar a viver na fazenda ao lado da mãe.
Fazia dois anos que Carolina, estava ao lado da mãe.
Neste ínterim Venâncio conheceu Ester e passaram a namorar.
O casal se conheceu em uma boate.
Dançaram juntos, conversaram.
Animado, o moço marcou um encontro com a jovem.
E assim, de encontro em encontro, o rapaz acabou pedindo a moça em casamento.
Carolina – sua mãe, ainda não conhecia a moça.
Com efeito, assim que pode conversar melhor com o filho, perguntou da moça, sendo então informada que a mesma encontrava-se adoentada.
Carolina, que não tinha meias palavras, comentou contrariada:
- Doente? De novo? Esta moça não goza de boa saúde.
Venâncio, constrangido, comentou que de fato ela não estava muito bem.
Nisto, tratou de dizer que o trabalho estava indo muito bem, e que provavelmente muito em breve, iria se casar.
Carolina ao ouvir isto, perguntou-lhe se ele estava realmente seguro do que estava fazendo.
Venâncio titubeou, mas respondeu afirmativamente.
Argumentou que ele havia tomado a iniciativa de pedir a moça em casamento.
Carolina por seu turno, não estava bem convencida disto.
Mas procurando evitar discussões, desejou ao filho toda felicidade do mundo.
Chegou até a parabenizá-lo.
Nisto conforme os dias foram se seguindo, o restante da família foi chegando.
Lara e suas filhas.
Antonia e seu filho.
Também vieram agregados e amigos da velha senhora.
Vandré e Venâncio também auxiliaram nos preparativos.
Ajudaram a fincar um mastro no descampado.
Afixaram bandeirolas no local da festa.
As crianças gostaram de conhecer os primos mais velhos, e que lhes dedicavam toda a atenção.
Vandré e Venâncio brincava com as crianças, e as distraía enquanto as mães ajudavam nos preparativos.
Carolina ao ver os filhos brincando com as crianças, dizia-lhes que estavam prontos para serem pais.
No dia seguinte, a festa começou cedo.
Logo cedo, uma bonita ceia foi preparada para os convidados, como um lauto café da manhã.
Com frutas variadas, sucos, pães, geléias, doces, sobremesas, café, leite, açúcar.
As crianças, sem terem algo melhor para fazer, corriam de um lado para o outro.
Dona Carolina sentou-se no lugar principal.
Sua cadeira tinha almofadas para que ficasse mais confortável.
Observava a todos sorridente.
Todos conversavam animadamente sobre tudo.
Falavam sobre a correria do dia a dia, de suas lembranças.
Dos momentos felizes que viveram ali.
Quase todos comentavam sobre as poucas oportunidades que tiveram para conviver com Dona Carolina.
Era uma senhora misteriosa, mas que quando se dispunha a receber a família, o fazia de maneira exemplar.
Impecável.
Dona Carolina também tinha do que se recordar.
A certa altura, a matriarca da família, começou a se recordar também, de seus tempos de mocidade, onde jovem e muito bonita, conheceu um rapaz, que mais tarde viria a ser o pai de seu filho.
Recordou-se do fato de que não chegaram a se casar, e que por razões as quais nunca contou aos familiares, teve um filho que fora levado dali.
Sempre que lhe perguntavam detalhes de sua história, Carolina se fechava em copas.
Não queria falar nada para ninguém.
Estava muito longe das terras de sua família.
Muito embora sua história esteja entrelaçada as memórias de um Sul, que não conhecera pessoalmente.
Apenas das histórias de seus ancestrais, que pisaram naquelas terras e construíram uma família no lugar.
Mas a vida separa.
Leva as pessoas para rumos diversos.
Afasta.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Disse-lhes que eram seus herdeiros.
Carolina sua filha, disse a ela, que o restante da família estaria chegando pelos próximos dias.
De fato Vandré e Venâncio foram os primeiros a chegar a fazenda.
Emocionada, a mulher dizia que não se pareciam muito com a mãe, sendo mais assemelhados a seus pais.
Ao ouvirem isto, os dois ficaram a se olhar.
Isto porque pouco sabiam de seus pais.
Informação que a mãe sempre omitia.
Argumentava que se eles não foram homens para ficarem a seu lado e ajudá-la a criá-los, não mereciam sequer serem lembrados.
Os rapazes lembravam-se de quantas brigas e discussões para que pudessem, ao menos saber os nomes de seus pais.
Mais Carolina se negava a informá-los.
Em seus registros de nascimento, constava a informação de que eram filhos de pais desconhecidos. Ah! Quantos problemas esta informação lhes custou.
Quantas dificuldades, quanto sofrimento, e desdém.
Carolina acompanhou o sofrimento dos filhos, mas ainda assim, permanecia inflexível.
Sendo ela mesma objeto de preconceito.
Para eles, foi este o fator preponderante que culminou com a mudança de sua mãe para São Paulo. Isto por que na grande metrópole do sudeste, uma mãe solteira ficaria incógnita.
Foi lá que Venâncio nasceu.
E naquelas plagas conheceu o pai de Vandré, vindo o caçula a nascer na mesma cidade.
De fato, em São Paulo, a mulher encontrou trabalho, voltou a estudar, formou-se e passou a lecionar.
Trabalhou por trinta anos até se aposentar.
Foi então que optou em voltar a viver na fazenda ao lado da mãe.
Fazia dois anos que Carolina, estava ao lado da mãe.
Neste ínterim Venâncio conheceu Ester e passaram a namorar.
O casal se conheceu em uma boate.
Dançaram juntos, conversaram.
Animado, o moço marcou um encontro com a jovem.
E assim, de encontro em encontro, o rapaz acabou pedindo a moça em casamento.
Carolina – sua mãe, ainda não conhecia a moça.
Com efeito, assim que pode conversar melhor com o filho, perguntou da moça, sendo então informada que a mesma encontrava-se adoentada.
Carolina, que não tinha meias palavras, comentou contrariada:
- Doente? De novo? Esta moça não goza de boa saúde.
Venâncio, constrangido, comentou que de fato ela não estava muito bem.
Nisto, tratou de dizer que o trabalho estava indo muito bem, e que provavelmente muito em breve, iria se casar.
Carolina ao ouvir isto, perguntou-lhe se ele estava realmente seguro do que estava fazendo.
Venâncio titubeou, mas respondeu afirmativamente.
Argumentou que ele havia tomado a iniciativa de pedir a moça em casamento.
Carolina por seu turno, não estava bem convencida disto.
Mas procurando evitar discussões, desejou ao filho toda felicidade do mundo.
Chegou até a parabenizá-lo.
Nisto conforme os dias foram se seguindo, o restante da família foi chegando.
Lara e suas filhas.
Antonia e seu filho.
Também vieram agregados e amigos da velha senhora.
Vandré e Venâncio também auxiliaram nos preparativos.
Ajudaram a fincar um mastro no descampado.
Afixaram bandeirolas no local da festa.
As crianças gostaram de conhecer os primos mais velhos, e que lhes dedicavam toda a atenção.
Vandré e Venâncio brincava com as crianças, e as distraía enquanto as mães ajudavam nos preparativos.
Carolina ao ver os filhos brincando com as crianças, dizia-lhes que estavam prontos para serem pais.
No dia seguinte, a festa começou cedo.
Logo cedo, uma bonita ceia foi preparada para os convidados, como um lauto café da manhã.
Com frutas variadas, sucos, pães, geléias, doces, sobremesas, café, leite, açúcar.
As crianças, sem terem algo melhor para fazer, corriam de um lado para o outro.
Dona Carolina sentou-se no lugar principal.
Sua cadeira tinha almofadas para que ficasse mais confortável.
Observava a todos sorridente.
Todos conversavam animadamente sobre tudo.
Falavam sobre a correria do dia a dia, de suas lembranças.
Dos momentos felizes que viveram ali.
Quase todos comentavam sobre as poucas oportunidades que tiveram para conviver com Dona Carolina.
Era uma senhora misteriosa, mas que quando se dispunha a receber a família, o fazia de maneira exemplar.
Impecável.
Dona Carolina também tinha do que se recordar.
A certa altura, a matriarca da família, começou a se recordar também, de seus tempos de mocidade, onde jovem e muito bonita, conheceu um rapaz, que mais tarde viria a ser o pai de seu filho.
Recordou-se do fato de que não chegaram a se casar, e que por razões as quais nunca contou aos familiares, teve um filho que fora levado dali.
Sempre que lhe perguntavam detalhes de sua história, Carolina se fechava em copas.
Não queria falar nada para ninguém.
Estava muito longe das terras de sua família.
Muito embora sua história esteja entrelaçada as memórias de um Sul, que não conhecera pessoalmente.
Apenas das histórias de seus ancestrais, que pisaram naquelas terras e construíram uma família no lugar.
Mas a vida separa.
Leva as pessoas para rumos diversos.
Afasta.
Luciana Celestino dos Santos
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