Poesias

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

VALONGO - CAPÍTULO 15 - VERSÃO OFICIAL

Quanto a descendência deixada por Abaeté, o primeiro filho casal nasceu morto, para desespero de Helena, que chorava desconsolada.
Aflita, segurava o filho nos braços, tentando revivê-lo.
Em vão.
Coube a Thereza a dura tarefa de convencer a mulher, que seu filho estava morto, e que precisava ser enterrado.
Abaeté chorou escondido.
Temia que de fato a maldição, se abatera sobre a família.
Aflito, chegou a procurar um pajé.
Disse que tentaria por todos os modos, desfazer a maldição.
E passou a vida inteira tentando.
Quando Helena engravidou pela segunda vez, o moço ficou preocupado.
Feliz, mas temeroso do que poderia ocorrer no parto.
Por conta disto pedia a todos que rezassem por Helena.
Abaeté também rezava escondido.
Somente quando a mulher deu luz a uma filha, que nasceu forte e saudável, o moço deixou um pouco de lado suas preocupações.
A criança se chamaria Carolina, em homenagem a sua mãe.
Dois anos depois tiveram outra filha de nome Eurídice.
A este tempo Thereza, vivia sozinha em casa próxima a sede da fazenda.
Nestes tempos, um tropeiro se arranchara pelo lugar.
Chamava-se Tarcísio, e auxiliava nas lidas da fazenda.
Ajudou a reformar o celeiro, entre outras instalações da propriedade.
Gostava de cantigas e de contar as histórias de suas viagens pelo mundo.
Era valente, e trazia uma espingarda consigo.
Certo dia, ao ver Thereza sair para cavalgar, resolveu ir ao seu encontro.
A moça cavalgou em direção a um rio, e lá apeou do cavalo, deixando-lhe beber um pouco de água.
Acariciou o animal rindo e perguntando-lhe se estava com sede.
Nisto o tropeiro chegou, observou a moça de longe.
Depois de algum tempo, a moça percebeu a presença do peão.
Por um momento assustou-se.
O homem ao notar o susto da moça, pediu-lhe desculpas.
Disse que não tivera a intenção de assustá-la.
Argumentou, que estava apenas se certificando de que estava tudo bem.
Thereza então, recuperando-se do susto, comentou que estava tudo bem, e que não havia com o que se preocupar.
Nisto, montou em seu cavalo e partiu.
Mas tarde, o moço bateu na porta da moça.
Thereza admirou-se com o gesto.
Tarcísio então procurou se desculpar, dizendo que seus modos era horríveis e que não tivera a intenção de assustá-la.
A moça argumentou que estava tudo bem, e que já havia se esquecido do ocorrido.
Nisto, o homem insistiu para que lhe dissesse que estava perdoado.
Thereza então disse que sim.
Estava desculpado.
Contudo, pediu para que não mais a seguisse.
Abaeté por seu turno, se preocupava com seu futuro, e dizia em várias das conversas que tiveram, que ela precisava casar-se.
A moça retrucava dizendo que no momento certo, apareceria alguém.
O rapaz porém, dizia que aquilo não estava certo, e com isto informou-a que iria procurar algum pretendente para ela.
Ao ouvir isto, Thereza protestou.
Em vão.
Sabia que Abaeté não desistira facilmente de seu intento.
E nisto, o jovem soube, em conversas com o sogro, que vários moços a viram na festa de casamento da família, com seu vestido de rendas e cabelos presos em uma diadema de esmeraldas.
Otacílio lhe disse que todos ficaram encantados com a moça.
De fato, Abaeté recordou-se que Thereza foi convidada para dançar com vários deles.
Com a morte dos pais, o rapaz se sentiu na incumbência de cuidar da irmã.
Helena via com bons olhos o cuidado de Abaeté, com a irmã Thereza.
Thereza contudo, por vezes reclamava dos cuidados.
Nisto a moça foi convidada para diversos almoços na sede da fazenda.
Neles sempre havia algum parente de Helena.
Invariavelmente nestas ocasiões Helena e Abaeté mencionavam as qualidades do convidado e, também, exaltavam as habilidades domésticas de Thereza.
Mas a moça não se impressionava com os convidados.
A certa altura, passou a inventar desculpas para não participar dos almoços.
Abaeté, aborrecido com o jeito desinteressado da irmã, alertou-a para que escolhesse logo um pretendente, ou então, ele o faria.
Nisto, a moça passou a se entreter em conversas com o primo intelectual de Helena.
O moço havia demonstrado interesse na jovem, mas tímido, não ousou se apresentar.
Tarcísio, ao tomar conhecimento dos encontros da moça com o rapaz, ficou deveras incomodado com a história.
Braço direito de Abaeté, o moço passou a auxiliar o rapaz na administração da fazenda.
Com o tempo, acabou se estabelecendo no lugar.
Alegando estar cansado daquela vida sem pouso certo, o moço acabou por encontrar acolhida na fazenda.
Abaeté sempre precisava de braços para o trabalho, e a ajuda de Tarcísio era mais que bem vinda.
Com o tempo, Abaeté construiu uma casa para o homem.
Os índios construíram uma pequena e confortável casa para o rapaz.
Certa vez, vendo a moça lendo um livro, o jovem resolveu se aproximar.
Curioso, perguntou-lhe o que estava lendo, e Thereza respondeu que tratavam-se de poemas brasileiros.
Animado, o moço começou a declamar um poema de Camões.
A mulher, ao ouvir as palavras de Tarcísio, perguntou se ele conhecia poesias.
Tarcísio respondeu-lhe que sim.
Argumentou que havia muitas coisas que as pessoas não sabiam a seu respeito.
Thereza então perguntou-lhe o que mais sabia de poesia.
O moço então, comentou que gostava de muito de algumas poesias de Castro Alves.
Dizia que o fervor de sua poética o encantava.
Thereza achou graça nas palavras do moço.
Afinal nas lidas diárias, nunca notou refinamento no modo de se expressar do rapaz.

Pelo contrário.
Inicialmente o considerou rude.
Como boa parte dos trabalhadores da fazenda.
O moço, ao ser apresentado a moça, encantou-se com o seu jeito simples, sua beleza delicada e seu ar reservado.
Thereza por sua vez, cumprimentou-o com um leve movimento, vindo logo em seguida, a retirar-se do ambiente.
Por diversas vezes o homem a viu passar roupas em sua casa.
Tecendo cestas, bordando e lendo.
Abaeté dizia a Tarcísio para que não se enganasse com a irmã.
Embora por vezes se parecesse uma camponesa, tratava-se de uma dama.
O homem distraído, chegou a comentar que era uma bela dama.
Abaeté ao ouvir isto, recomendou-lhe que mantivesse distância da moça.
Argumentou que Thereza era solteira, mas que dentro em breve iria se casar, e não ficaria bem ser vista ao lado de um homem com o qual não era comprometida.
Tarcísio desculpou-se.
Disse que não fora sua intenção desrespeitar Thereza.
Argumentou que tinha um profundo respeito pela moça.
Recordava destes momentos, mas também estava alegre.

Tarcísio estava feliz por finalmente haver prendido a atenção da moça.
Nisto, percebendo que precisava manter a conversa, pediu licença para ver o livro que estava lendo.
Thereza então entregou-lhe o livro, que Tarcísio tratou logo de segurar.
Aproveitando a oportunidade, o moço segurou de leve a mão da moça.
Com isto, pegou o livro e passou a folheá-lo.
Olhando as páginas, escolheu aleatoriamente uma poesia de Casimiro de Abreu, na qual dizia que simpatia era quase amor.
Ao término da leitura, a moça elogiou-o.
Disse-lhe que declamava bem.
Demonstrava com exatidão, a emoção do poema.
Tarcísio agradeceu, fazendo gestos de mesura.
Thereza achou graça.
Nisto, Tarcísio se afastou.
Prometeu que no dia seguinte mostraria seus livros de poemas para a moça.
Com efeito, conforme prometido, Tarcísio apresentou uma série de livros.
Em alguns deles, várias poesias de Camões.
Conhecia alguns poemas de cor.
Tarcísio, declamou-os.
Thereza elogiava os poemas.
Encantou-se com os livros do rapaz.
Quando viu uma das obras do moço, comentou que tentou muito comprar o livro, mas não conseguiu encontrá-lo.
Nisto, Tarcísio entregou-lhe o livro.
Disse-lhe que poderia ler e depois devolvê-lo.
A jovem tentou recusar a oferta, mas Tarcísio insistiu.
Disse que ficaria ofendido se ela recusasse o empréstimo.
Sem jeito, a moça concordou.
Thereza interessada no texto, leu a obra em poucos dias.
E assim, no final da tarde, como sempre fazia, o moço apareceu na frente de sua casa.
Perguntou-lhe como ia.
Thereza respondeu-lhe que estava bem.
Nisto, pediu licença ao moço dizendo que iria buscar algo.
A seguir, voltou com o livro do moço.
Disse que havia lido e gostado muito.
Razão pela qual o estava devolvendo.
Tarcísio, então, perguntou se a moça havia gostado de verdade da obra.
- Muito! - respondeu a moça.
Percebendo isto, o rapaz disse que se havia gostado tanto assim de ler o texto, deveria ficar com o livro.
Thereza retrucou, dizendo que não poderia aceitar um presente seu.
Mencionou que não ficaria bem.
Tarcísio então, utilizou-se do recurso de que ela não precisaria dizer a ninguém que o livro não era seu.
Argumentou que ficaria sendo um segredo de ambos.
Thereza tentou retrucar, mas o moço respondeu que ficaria ofendido se ela recusasse o presente.
Sem alternativa, a moça ficou com o livro.
Nisto, os dois começaram a se cumprimentar sempre que se viam, e ao final das tardes sempre trocavam algumas palavras.
Quando Abaeté soube disso, chamou a irmã para uma conversa.
Repreendeu-a.
Argumentou que não ficava bem para alguém que estava quase noiva, ficar de conversa com um perfeito estranho.
Thereza argumentou que Tarcísio não era um estranho e sim seu braço direito.
Abaeté então respondeu-lhe que o moço era sim, seu braço direito na fazenda, mas que isso não se estendia a irmã, que devia ser respeitada.
Thereza ao ouvir isto, disse que em nenhum momento fora desrespeitada pelo moço.
Pelo contrário, mencionou que não havia nenhum problema em se cumprimentar um conhecido, tendo em vista que sempre cumprimentou os agregados da fazenda.
Abaeté retrucou dizendo que aquela situação era diferente.
Mencionou que eles foram vistos sozinhos.
Acrescentou que ela estava praticamente noiva de Angelo, primo de Helena, e que o rapaz poderia não ver aquela amizade, com bons olhos.
Thereza ao ouvir isto, disse que não estava comprometida com ninguém.
Disse que não prometera nada a Angelo.
Abaeté, ao ouvir as palavras da irmã, ficou muito nervoso.
Não fosse a intervenção de Helena, e o moço teria esbofeteado a irmã.
Perplexa a moça relembrou ao marido, que ele havia prometido aos pais, cuidar da irmã.
Neste momento, o moço parou.
Ficou com o braço erguido, suspenso no ar.
Thereza, encolheu-se procurando se proteger da possível, agressão.
Por fim, o moço pediu a irmã para ir embora, acrescentando que mais tarde conversariam sobre o futuro noivado.
Thereza, ao ouvir as palavras do irmão, ficou profundamente contrariada.
Mas atendeu ao pedido do irmão, retirando-se da sala.
Nisto, voltou para casa.
Abaeté então, descendo o braço, observou a esposa, que o olhava assustada.
Comentou que ela não deveria interferir na conversa.
Helena então, percebendo que o marido estava mais calmo, pediu-lhe desculpas.
Argumentou que tinha conhecimento de seu erro, mas que não o estava reconhecendo.
Abaeté então, percebendo que havia se excedido, pediu desculpas a esposa.
Prometeu-lhe que nunca mais levantaria o braço para a irmã.
Disse que iria cuidar dela, mesmo que ela não aceitasse seus cuidados.
Com isto, dias mais tarde, Abaeté, tornou a conversar com Thereza.
Disse-lhe que Angelo estava interessado em formalizar o enlace, que havia conversado com ele e demonstrado interesse em desposá-la.
Tentando convencer a irmã de que se tratava de um ótimo casamento, comentou que iria fazer benfeitorias em sua morada, ampliá-la, para que pudesse viver com conforto no imóvel.
Rindo, comentou que já estava na hora de ter sobrinhos.
Thereza, ao ouvir as palavras do irmão, disse que não interessada em Angelo.
Argumentou que não gostava dele o suficiente para se casar.
Mencionou que tinha apenas carinho por ele.
Abaeté enervou-se.
Ficou tão nervoso, que Thereza pensou que ele iria bater-lhe.
Mas o índio, lembrando-se da promessa que fizera a esposa, procurou se acalmar.
Percebendo o ar assustado de Thereza, pediu para que ela se sentasse.
Insistiu em dizer que não iria lhe bater.
Com isto, acrescentou que não poderia obrigá-la a se casar com Angelo.
Disse apenas para que continuasse a conversar com ele.
Abaeté mencionou que o rapaz era um ótimo partido, e casando-se com ele, iria se tornar uma grande proprietária de terras.
Disse que a família do rapaz tinha terras em outros estados, e que ela se casando com ele, poderia conhecer outras paragens.
Thereza sem alternativa, concordou com o irmão.
E assim, continuou a se encontrar com Angelo, nos almoços organizados pela família.
Conversavam sobre livros.
Angelo falava sobre as viagens que fizera.
Sobre a Europa, e seu desenvolvimento.
Thereza tentava se mostrar agradável.
Tarcísio certa vez, ao perceber o ar de contrariedade da moça, quando era citado o nome de Angelo, perguntou-lhe por que continuava a se encontrar com o rapaz se não gostava dele.
A moça, ao ouvir isto, tentou retrucar, mas Tarcísio lhe disse que percebia em seu semblante que ela não estava satisfeita com o compromisso.
A jovem, intrigada, perguntou-lhe como sabia do noivado.
Tarcísio comentou aborrecido, que Abaeté fez questão de contar a todos na fazenda sobre o noivado.
Thereza por seu turno, respondeu ao rapaz que tentou não aceitar o noivado, mas Abaeté chamou o moço, e seus pais para um almoço.
Recordou-se que o irmão a chamou para um canto e avisou-a de que se tratava de um almoço de noivado, que os pais do moço haviam concordado com o compromisso.
Falou-lhe que havia tido muito trabalho para organizar aquele encontro e que ela não iria desmenti-lo.
Advertiu-a de que se discordasse do ajuste, a mandaria para um convento, de onde não mais sairia.
Por isto, sorrindo, comentou que ela devia aceitar o noivado.
Acrescentou que Angelo lhe tinha verdadeira adoração, e que ninguém teria tanto apreço por ela quanto ele.
Thereza ao ouvir as palavras do irmão, ficou estática.
Lívida, disse que precisava se sentar.
Helena, ao ver a cunhada pálida, chamou uma das criadas da casa.
Pediu-lhe para que providenciasse água para a jovem.
Thereza então, tentando se recompor, bebeu o líquido.
Abaeté impaciente, disse que a aguardaria na sala.
Dos olhos de Thereza, saíram lágrimas.
Helena ao perceber a tristeza da moça, pediu-lhe para que se acalmasse.
Pedindo desculpas a jovem, disse que não conseguiu demover o marido da ideia.
Thereza argumentou, que não estava mais reconhecendo Abaeté.
Helena por sua vez, acrescentou que às vezes o marido parecia nervoso, e por conta da proposta de se candidatar a um cargo político na região, estava negligenciando a família.
Dizia que o moço passava poucas horas com a família.
Contudo, aconselhou-a não resistir a ideia.
Disse que ela fizesse algo para atrapalhar o almoço e o noivado, Abaeté cumpriria a ameaça.
Argumentou que aquele não era o melhor momento de enfrentar o moço, já que ele tinha a sua tutela.
E assim, Thereza acabou aceitando o pedido de noivado.

Tarcísio, ao tomar conhecimento dos fatos, ficou inconformado.
Mencionou que Abaeté estava diferente.
Disse que a possibilidade de acesso ao poder, o havia mudado.
Nisto, Tarcísio, se aproximou da moça e a abraçou.
Certo dia, ao vê-la em prantos, Tarcísio se aproximou da moça, que a todo custo tento afastá-lo.
Dizia que queria ficar sozinha.
Tarcísio não a ouviu, e continuou seguindo-a.
A seguiu a cavalo até o ribeiro.
Lá desceu do cavalo.
Tarcísio seguiu a moça.
Apeou do cavalo.
Acompanhou a jovem.
Thereza continuou a chorar

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

VALONGO - CAPÍTULO 14 - VERSÃO OFICIAL

Ataíde, o pai da filha de Adélia, encontrou pouso na propriedade da família, por onde permaneceu por algum tempo.
Logo de início chamou a atenção das moças do lugar.
Adélia porém, parecia não se impressionar com o porte do moço.
Circunstância que o deixou bastante intrigado.
Foi o bastante para ficar a rondar a moça, em que pese a vigilância de Abaeté, que certa vez chamara sua atenção, dizendo tratar-se de sua sobrinha, e que teria que se entender com ele, caso resolvesse se engraçar com ela.
Ataíde, argumentou que nutria profundo respeito por todos da família.
Mas o interesse por Adélia foi maior que qualquer prudência.
E a moça se envolveu com o forasteiro.
Ataíde por seu turno, se mostrou útil nas lidas da fazenda.
Domava animais selvagens com habilidade.
Era um bom contador de histórias.
Dizia já ter tido contato com almas de outro mundo.
As crianças, filhas dos agregados do lugar ao ouvirem estes relatos perguntavam-lhe se não tinha medo.
Ele rindo, respondia que um homem que seguia tropas, e que não tinha pouso certo, não poderia ter medo de nada.
Comentou que precisava dormir com um olho aberto e outro fechado, para não se atacado ou morto em uma emboscada.
Falou de suas lutas com os índios que tentavam atacar e pilhar as tropas.
Das noites dormidas sob um céu estrelado.
Dizia que coisa mais linda não havia.
Algumas crianças diziam que antes da vida na fazenda, seus pais viviam em uma tribo onde dormiam em ocas.
Ataíde disse-lhe que havia vivido em uma tribo, morando em uma oca com os índios.
Curiosos, os pequenos curumins pediam mais detalhes sobre a história.
Ataíde contava sobre as caças e as pescas, as lendas indígenas.
Mencionou admirar os saberes dos povos indígenas.
Acrescentou que haviam várias tribos rivais entre si, e que na luta pela vida, por vezes se encontravam em campos opostos, mas afirmou não desgostar dos índios, ou não estaria em companhia de tantos deles.
Esta conversa foi o bastante para conquistar a confiança dos índios do lugar.
Depois que Carolina voltou as terras arrasadas, Abaré tratou de ajudar a reconstruir o lugar.
Chamou amigos de outras tribos.
Com o tempo, os índios sabedores de que se tratava de lugar de muito trabalho e boa acolhida, acorreram na direção da propriedade.
Os índios trabalhavam muito na propriedade.
Teciam, produziam cerâmica, ajudavam a reerguer o casarão.
Plantavam e colhiam.
Abaré havia aprendido sobre agricultura com os brancos e ensinou o que sabia, aos parceiros de trabalho.
Com tempo, foram construídas casas para os agregados.
A propriedade tornou-se próspera, e Abaré passou a negociar com os comerciantes do lugar.
Foi numa dessas tratativas infrutíferas que a família foi amaldiçoada.
E Abaeté agora concluía com a irmã, a tarefa que fora iniciada ainda por seu pai.
Thereza passou a lecionar para as crianças da fazenda.
Afinal alguém precisava iniciá-las no mundo das letras.
Abaeté providenciou cadernos e livros.
Os índios mais velhos, comentaram que se tratava de uma boa família, pois lhes proporcionara abrigo, trabalho, e acesso a coisas que jamais conseguiriam não fosse pelo auxílio primeiro dos pais, e depois dos filhos, Abaeté e Thereza.
Um velho índio dizia se tratar de coisas caras, e que mesmo nas famílias mais abastadas, nem todos tinham acesso àquilo.
Abaeté concordava, dizendo que nem todos sabiam ler.
Eles mesmos foram alfabetizados por seus pais.
Recordou-se das palavras da mãe.
Carolina dizia que por conta da teimosia de seus pais, passou muito tempo privada do acesso aos livros, sempre recebendo recriminações quando tentava driblar a vigilância, principalmente da mãe.
Dizia a Abaré que não queria que nenhum filho ou filha seu fossem privados do acesso ao mundo dos livros.
O índio não opôs resistência ao fato da mulher querer educar, Thereza e Laura, ensinando-lhes a ler e a escrever.
Os filhos do casal foram educados e ensinados a entender diferentes culturas, como a europeia e a indígena, e a conviver com a ambas.
Sabiam dos rituais indígenas, de suas lendas, da sabedoria e do poder curativo das ervas.
Mas também frequentavam as missas dominicais.
Vestiam trajes ocidentais.
As moças sabiam cantar, bordar, tecer, fazer artesanatos, e liam bastante.
Tinham uma boa noção do saber humano.
Por conta da educação liberal que oferecia as moças, o homem por diversas vezes foi criticado.
Mas o índio não se importava.
Dizia a todos que com o tempo, todos se convenceriam de que uma boa educação era a melhor herança que poderiam deixar aos filhos.
Argumentava que com ela, seus filhos poderiam melhor administrar os bens que receberiam como herança.
E de fato, quando Thereza e Abaeté se viram sozinhos no mundo, por diversas vezes, precisaram fazer uso do que os livros lhes ensinou.
Thereza, costumava oferecer conselhos ao irmão.
Foi aconselhado por ela, que o rapaz resolveu investir em escolas.
Abaeté por fim, casou-se com Helena, bela jovem, instruída e letrada.
Thereza que vivia na propriedade que herdara dos pais, aconselhou o irmão a construir uma moradia para ela.
Argumentou que como recém-casados que eram, precisavam de uma casa somente para eles, que pudesse agregar toda a sua descendência.
Abaeté tentou argumentar, disse que a moça ficaria muito só.
Thereza porém, insistiu.
Dizia que eles sim, precisavam ficar a sós, e que havia gente demais na casa.
Abaeté com o tempo, percebendo que a irmã tinha razão, concordou em construir uma boa casa para ela.
A moça por sua vez, auxiliou o irmão nos preparativos para o casamento.
Ajudada por Eurídice, mãe de Helena, mestra em organizar festas, prepararam uma bonita celebração próxima do casarão.
Abaeté exigiu que a festa fosse organizada em sua fazenda.
Por conta disto Helena, em companhia da mãe, visitou o lugar por diversas vezes.
Abaeté sempre sob o olhar vigilante de Dona Eurídice, levava a jovem para breves caminhadas.
Mostrava-lhe os campos gerais, apontava-lhe o casarão.
Em uma oportunidade mostrou a casa.
Helena encantou-se com a construção.
Disse que nunca havia algo que era mesmo tempo tão lindo e tão singelo.
Abaeté cheio de orgulho, comentou que sua morada não era das mais luxuosas da região, mas com certeza era muito bela e acolhedora.
O moço percebeu que Helena se encantou com a construção.
Em conversas com a irmã, chegou a se perguntar se Helena iria se acostumar com a simplicidade do lugar.
Logo ela que estava acostumada a viver com tanto luxo e requinte.
Thereza, tentando tranquilizar o irmão, dizia que ela havia aceitado se casar com ele.
Argumentou que ela conhecia suas origens.
Que conhecia ainda que de vista, sua propriedade, e que haviam muitos comentários sobre o modo que viviam.
Quanto a isto, Abaeté demonstrou profunda preocupação.
Disse que as pessoas costumavam inventar muitas histórias.
Comentou ter tomado conhecimento de que as pessoas diziam que todos ali viviam em ocas, adotando costumes selvagens.
Ao ouvir isto, Thereza, chegou a esboçar um sorriso.
Comentou que as pessoas diziam muitas bobagens.
Ressaltou porém, que Helena não era uma pessoa ignorante, e portanto não compartilhava daquelas ideias atrasadas.
Insistia para que o irmão não ficasse preocupado.
Abaeté estava feliz por saber que a sinhazinha havia gostado da propriedade.
O moço costumava chamá-la de sinhazinha.
Eurídice embora não tenha concordado com o namoro no início, com o tempo, passou a gostar da ideia.
Com o tempo passou a perceber que o jovem era inteligente, vindo a adquirir mais terras.
Certa vez chegou a comentou com Otacílio que a filha iria fazer um ótimo casamento.
Mencionou que o moço iria ficar mais rico do que qualquer fazendeiro da região.
Rindo, Otacílio comentou que provavelmente, até mais rico do que ele.
Mencionou que o rapaz não era o marido que sonhou para a filha, mas que ele havia mostrado seu valor.
Argumentou que o índio não vivia como um selvagem, e que a família levava uma vida digna.
Com efeito, na festa de casamento, todos fazendeiros da região estavam presentes.
Para a festividade, o moço mandou abater um boi que seria servido aos convidados.
A festa durou dois dias, e foi registrada no diário da irmã.
Tradição cultivada por todas as mulheres da família.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

VALONGO - CAPÍTULO 13 - VERSÃO OFICIAL

Com efeito, para desventura da família, nenhuma das filhas mulheres de Carolina, vieram a se casar.
Thereza, foi mãe solteira e Laura morreu ainda jovem, após ser picada por uma cobra.
Enquanto trabalhava auxiliando nas tarefas diárias, a moça, caminhando pelas matas ao redor do rio onde costumava levar a roupa para lavar, acabou se abaixando para pegar uma corrente que deixara cair, vindo a ser envenenada pelo réptil peçonhento.
Abaré, tentou usar de seus conhecimentos de ervas, chupou o ferimento para eliminar o veneno inoculado pela cobra.
Laura, conseguiu chegar em casa, mas já era tarde.
Abaré tentou levar a filha em uma carroça para a cidade.
Buscou auxílio médico.
Laura chegou a ser socorrida, mas não conseguiram evitar o pior.
A moça morreu poucas horas depois, para desespero de Carolina.
A mulher preparou o velório da filha.
Lavou seu corpo, escolheu a roupa que a jovem usaria pela última vez.
Abaré arrasado, tentou convencer a mulher a deixar a incumbência com outra pessoa.
Mas Carolina dizia ser sua obrigação.
Mencionava nunca mais deixaria de acompanhar um de seus filhos.
Abaré, ao ouvir as palavras da mulher, assustou-se.
Tentou obter explicações, em vão.
Nisto a mulher cuidou do sepultamento da filha.
Acompanhou o enterro da jovem, sepultada no jazigo da família.
Junto aos irmãos.
Os filhos do casal foram sepultados na fazenda e não no jazigo da família, no cemitério da cidade. Quando o corpo baixou a sepultura, Carolina chorou sentida.
Pouco tempo depois, seria seu corpo que encontraria descanso em campo santo.
Abaeté foi o único filho varão que sobreviveu, por ter nascido antes da maldição lançada sobre a família.
Considerado por todos, homem bravo e experiente.
Casou-se e gerou descendência.
Mas assim como a irmã, só conseguiu ter filhas mulheres, vindo a morrer todos os varões.
As moças foram grandes amigas e conselheiras do pai, que se tornou pessoa influente na região.
Abaeté ingressou na política, angariando amigos e inimigos.
Sendo muito considerado pela sociedade local.
Muitos o comparavam com o índio Sepé.
Thereza por sua vez, após o envolvimento com um forasteiro de passagem pelas terras da família, tornou-se mãe de Adélia.
Tratava-se de um tropeiro de passagem pelas terras da família.
A moça vivia ao lado do irmão, após o falecimento dos pais.
Sendo igualmente herdeira das terras.
Abaeté então, após casar-se com uma moça do lugar de nome Helena, passou a integrar a sociedade do lugar.
Frequentava reuniões sociais, os salões da sociedade.
Homem de ideias, foi conquistando a admiração de todos.
Era defensor da ideia de se libertar todos os escravos.
Dizia que por ser índio conhecia a fundo a tristeza, de se saber escravo.
Ideias bem recebidas por alguns, mas não por todos.
Contudo, suas ideias de melhorar o acesso a região a fim de que se facilitasse o caminho das tropas e a venda do gado e da carne, ganhou adeptos entre os fazendeiros da região.
Para conquistar Helena e ganhar a confiança da família da moça, Abaeté realizou benfeitorias em suas terras.
Fez doações para a igreja local.
Financiou a construção de escolas, com dinheiro próprio.
Sempre com o aval da irmã Thereza.
Tais práticas chamaram a atenção da família de Helena, que acabou concordando com o relacionamento.
Abaeté e Helena se encontraram em uma festividade da vila.
Comemoravam um dia santo no mês de junho.
O moço como sempre, estava acompanhado da irmã.
Thereza trazia os cabelos presos em uma bonita trança.
Longos e adornados por uma flor.
Como sua mãe às vezes fazia.
Também os acompanharam a festa, alguns agregados da fazenda.
Os moradores da localidade, ao perceberem que Abaeté era um homem correto, deixaram aos poucos, as reservas que possuíam com a família, e o moço passou a frequentar as festas da região.
No começo não era bem recebido, mas o moço e a irmã insistiram.
Com isto, acabaram por conquistar a confiança das pessoas.
Thereza por seu turno, acabou por conhecer um tropeiro, o qual viria a ser o pai da única filha que tivera.
Quando ficou grávida, a moça foi levada para longe dali.
Ao regressar com uma criança, tempos depois, dissera que enviuvara.
Havia se casado em outras paragens, e ao enviuvar, regressou ao lar.
Vivia a cuidar das terras e a frequentar a igreja.
Nunca mais se envolveu com outro homem, vindo a ter vida discreta.
E Adélia, a filha, fora criada dentro dos mais rígidos preceitos católicos.
Frequentava as missas dominicais ao lado da mãe.
Durante o período em que se ausentou da fazenda, Thereza, viveu recolhida em uma propriedade adquirida pela família longe dali.
Adélia por seu turno, também não se casou.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte. 

VALONGO - CAPÍTULO 12 - VERSÃO OFICIAL

Regressou ao lar.
Com o tempo, quando do nascimento do segundo filho varão do casal, a criança nasceu morta.
Lúcio foi velado na sede da fazenda.
Carolina, que estava de resguardo, não pode acompanhar o velório do filho.
A moça, em que pese a debilidade, pediu a Abaré para ver o filho, nem que fosse de longe.
O índio porém, não consentiu.
Penalizado com a fraqueza da jovem, disse-lhe para que guardasse leito.
Mas como último gesto de compaixão, deixou a jovem ver o filho arrumado, antes de ser velado.
Carolina chorou copiosamente ao ver o filho morto.
Em razão de seu estado de saúde, não pode acompanhar o velório e o enterro da criança.
Tal fato, deixou a todos da família abalados.
Conforme os dias se passaram, Carolina pela primeira vez, pensou na possibilidade das imprecações da velha senhora, estarem de fato, interferindo na vida de sua família.
Abaré, ao ouvir as palavras de Carolina, argumentou que não seriam simples palavras lançadas ao vento que causariam problemas a alguém.
Carolina por sua vez, argumentou sobre a possibilidade de haver sido lançado um feitiço sobre eles.
Abaré ao ouvir isto, respondeu que não havia nenhum feiticeiro ou pajé na região.
A moça disse então, que ela pode ter procurado alguém em algum outro lugar, e lançado alguma feitiçaria na família.
O nativo, ao ouvir isto, respondeu que poderiam pedir a um pajé, para realizar um ritual de purificação da casa e também protegê-los, de qualquer feitiço lançado sobre a família deles.
Carolina concordou.
Nisto o índio enviou um recado para a tribo que os acolhera.
Recado levado por um dos índios que vivia como agregado na fazenda.
Conhecedor das matas do lugar, chegou até o local da tribo indicada por Abaré.
Ao lá chegar, informou que trazia um recado da parte de Abaré.
Desta forma, o índio foi recebido por índios da tribo, que trataram logo de levá-lo a presença do pajé.
O líder religioso da tribo, ao tomar conhecimento do que estava acontecendo na morada de Abaré, tratou logo de fazer uma pequena mala improvisada (um pano enrolado em uma madeira) e partir, acompanhado do mensageiro.
Antes, informou a tribo que precisava partir, mas que ao final de algum tempo regressaria.
Com isto, deixou um outro índio de sua confiança, para cuidar de sua tribo.
E assim, seguiu pelas matas, acompanhado de um jovem índio.
Ao chegar na residência de Abaré, depois de dias de caminhadas pela mata, o nativo foi recebido com alegria por Abaré e Carolina.
Ao tomar conhecimento de uma suposta feitiçaria lançada sobre a família, o homem comentou que faria um ritual para espantar todo os maus espíritos que pairavam pela morada, mas que seria melhor e mais eficaz, descobrir o responsável pela magia negra e qual o feitiço lançado.
Carolina disse desconfiar de quem poderia ter sido, mas não poderia dizer com certeza.
Argumentou que uma senhora, antiga estancieira do lugar, havia praguejado contra eles.
O pajé então, prometeu observar as circunstâncias, para avaliar o melhor a ser feito.
Nisto, o líder religioso visitou o túmulo da criança.
Concentrado, permaneceu por horas no local.
Chegou até a pedir a Abaré que se afastasse.
Disse que poderia cuidar de seus afazeres diários.
Abaré, em respeito ao líder indígena, afastou-se.
Nos dias que se seguiram, foram realizados diversos rituais com vistas a serem extirpados quaisquer males.
O pajé, argumentou porém, que o melhor seria conhecer qual o feitiço lançado, para que se fizesse um amuleto para protegê-los.
Dias depois, o índio voltou para sua tribo.
E assim a vida na fazenda transcorreu normalmente.
Abaré em sua lida de criar animais, amansar cavalos, cuidar do gado, derrubar árvores, para construir móveis, entre outras coisas.
Mais tarde, Carolina engravidou novamente.
Vindo a nascer uma criança de nome Thereza.
Anos depois, nasceu a pequena Laura.
Quanto ao quinto filho do casal, a criança viveu por dois anos, vindo a falecer depois de uma queda.
Josué era seu nome.
Com efeito, a criança ao nascer com vida, foi recebida com alegria e sobressalto por Carolina.
A mulher, aflita com o que ocorrera ao segundo filho, não conseguia ficar tranquila.
Sempre temendo que algo pudesse lhe acontecer.
Com efeito, nunca deixava a criança sozinha.
Apenas em uma oportunidade deixou a criança sozinha.
Josué curioso, estava a correr em direção ao descampado, quando acabou caindo em uma vala.
A criança bateu a cabeça em uma árvore, vindo a falecer.
Carolina, ao tomar conhecimento do fato, lançou um grito desesperado.
Chorou, e por muito tempo se culpou da morte da criança.
Dizia que não devia ter deixado o menino sozinho.
Que se não tivesse se distraído, a criança ainda estaria viva.
Abaré tentava confortá-la dizendo que fora uma infelicidade, mas que ela não tinha culpa de nada.
Argumentou que ela era uma mãe zelosa, e que não podia estar presente em todos os lugares.
Em todos os momentos.
Isto porém, não consolava a triste mãe.
Pobre Abaré, tristonho pela perda de mais um filho.
Não se sabe de onde conseguia tirar forças para continuar seu trabalho.
E ainda, encontrava palavras para confortar a companheira.
Tais acontecimentos causaram profundo pesar ao casal.
Carolina não conseguia compreender o que estava acontecendo.
Com isto, a mulher engravidou novamente, vindo a sofrer um aborto.
A mulher viveu para ver os filhos crescidos.
Mas depois de tantas desventuras, tantas perdas, e com a perda de Laura, na flor de seus quinze anos, a mulher foi definhando, vindo a morrer pouco tempo depois.
Abaré, também não viveu muito tempo mais.
Falecendo poucos anos depois.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte. 

VALONGO - CAPÍTULO 11 - VERSÃO OFICIAL

Por conta do jeito livre de viver e de criar os filhos, foram condenados pela sociedade do lugar.
E em razão de uma negociação mal resolvida, receberam uma praga.
Isto por que a mulher de um estancieiro falido, contrariada com o insucesso do esposo, disse a Carolina que sua descendência não conheceria a estabilidade de um casamento honrado, e que toda a sua descendência seria espúria.
Não advindo nenhum filho varão.
Tudo por conta de uma tratativa mal sucedida.
Isto por que, Abaré havia se comprometido a adquirir parte do gado da fazenda do estancieiro.
Estando o mesmo, obrigado a oferecer coisa certa, de média qualidade.
Não podendo oferecer nem a melhor, e tampouco a pior.
Como a rês apresentou doença que obrigou ao abatimento dos animais, o negócio foi desfeito.
O fazendeiro falido, ameaçou a se matar.
A mulher desesperada, foi a casa de Carolina.
Aflita, a mulher implorou para que Abaré esquecesse o evento, e aceitasse a negociação.
Argumentou que ainda possuíam algum gado leiteiro.
Abaré no entanto, argumentou que os animais estavam muito magros, desnutridos e não teria como aceitá-los como parte da negociação.
Aduziu ainda, que os animais existentes, não seriam suficientes para honrar o contrato, e que por lei, não estavam obrigados a aceitar a tratativa naqueles termos.
A mulher retirou-se da propriedade, arrasada.
Para complicar a situação, após a morte do marido, a mulher passou a praguejar o caso, dizendo que nenhum dos seus filhos varões nascidos naquelas paragens, e tampouco os filhos de sua descendência nascidos naquele, ou qualquer outro lugar onde a família se estabelecesse com ânimo definitivo, sobreviveriam.
Carolina não deu importância as imprecações da mulher.
Mas a estancieira arruinada, auxiliada por um pajé, realizou rituais, para que conseguisse alcançar o seu intento.
Como a vida do casal transcorria sem transtornos,
Carolina e Abaré, deixaram de lado as imprecações.
Continuaram a cuidar da propriedade.
Abaré e Carolina, conseguiram fazer com novamente se tornasse produtiva.
Porém, ao contrário dos outros tempos, a propriedade possuía trabalhadores livres, negros libertos e indígenas.
Agregados passaram a fazer parte da família.
O casarão foi reerguido e ampliado.
Em nada lembrava a construção dos velhos tempos.
Abaeté fora criado dentro dos costumes católicos, mas respeitando sua origem indígena.
Vestia-se como um descendente de europeus.
Mas o cabelo extremamente liso como o de seu pai, denunciava sua origem.
Por ser filho de índio, a criança era discriminada.
Abaeté só não sentia preconceito em sua comunidade.
Abaré por sua vez, passara a usar trajes formais, e frequentava a missa ao lado da esposa.
Aproveitava as noites para ensinar as pessoas a ler e a escrever.
Com o tempo, o casal construiu uma escola na propriedade.
Contrataram uma professora para ensinar os pequenos a ler e a escrever.
Carolina por sua vez, continuou a registrar suas impressões em seus cadernos diários.
Gostava de ler, e ao ter oportunidade para adquirir livros, tornou-se uma leitora, das mais interessadas.
Tal característica, estimulou o pequeno Abaeté a se interessar pelo mundo dos livros.
Com efeito, ao herdar a propriedade dos pais, juntamente com a irmã, Abaeté tornou-se um benemérito da região.
Construiu escolas pela cidade, além de auxiliar os grupamentos indígenas do lugar, trabalhando em prol do reconhecimento de suas terras.
Em homenagem aos pais, batizou escolas com seus nomes.
Após seu falecimento, ele próprio virou nome de escola, além de nome de uma importante rua da localidade.
Sua história, era motivo de orgulho na família.
Fora um dos ilustres, da família Chagas Abaré.
Anos mais tarde, o casal Abaré e Carolina, regressou ao local onde foram acolhidos por uma tribo indígena.
Contaram sobre o retorno a suas terras de origem.
Informaram que haviam recuperado a antiga propriedade invadida, e que a mesma estava ainda mais bela do que quando fora atacada.
Todos foram bem recebidos.
Os índios festejaram ao descobrirem que o casal estava bem.
Abaré e Abaeté acompanharam os índios em suas caçadas e pescarias.
Carolina ajudava as índias na confecção de cestas e cerâmicas.
Certa noite, ao se deitarem na rede dentro da oca, o índio disse a esposa, que sua busca havia cessado.
Dizia que não havia mais nada a ser buscado, pois o que havia procurado a vida inteira, já havia encontrado.
Carolina sorriu para ele.
Abaeté a esta altura dormia tranquilo.
A família permaneceu neste ambiente por alguns dias, mais tarde regressando para suas terras.
Todos se despediram da família.
Abaré, com lágrimas nos olhos, disse que sentiria muitas saudades deles.
O pajé, entendeu ser aquele um sinal, de que não mais regressariam para aquelas paragens.
Abençoou a família, e desejou-lhes um bom regresso.
E o casal seguiu caminho pelas matas.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

VALONGO - CAPÍTULO 10 - VERSÃO OFICIAL

Nestes tempos, ao lá chegar, passaram antes por pequenas vilas, onde Abaré fazia pequenos serviços.
Carolina e Abaeté ficavam instalados em celeiros.
Quando não dormiam ao ar livre.
Com isto, quase três anos depois do ocorrido, a moça voltou a estância.
Triste, deparou-se com um ambiente de desolação.
O velho casarão todo queimado, tachos revirados, restos de cinzas espalhados por todos os lados.
Nervosa, entrou no que restara da casa.
Emocionada encontrou algumas lembranças, entre o que fora queimado, como a caixinha de costura de sua mãe.
Encontrou também, uma velha caixinha de música, que para sua admiração, ainda funcionava.
Neste momento, muitas lembranças de fatos até então esquecidos, voltaram à tona.
Lembrou-se das cantigas de roda.
De brincar de se esconder por entre as construções.
Do poço de onde costumava retirar água.
Do riacho, dos pássaros que vinham cantar em sua janela.
Das frutas colhidas no pomar.
Dos passeios de charrete com os pais, na vila.
Das compras que faziam no armazém.
Dos cumprimentos dos conhecidos.
Das novenas organizadas no casarão, onde sempre tinha que participar.
Por conta disto chorou.

Abaré do lado de fora, segurava o filho, que a certa altura, começou a chorar.
O índio então, buscou acalmar a criança, que parecia impaciente.
Nisto, um passante, ao notar a presença de estranhos no lugar, comentou que aquelas terras tinham dono.
Abaré respondeu ao estranho que conhecia um dos donos do lugar, e que fora o próprio dono quem o convidara a entrar naquelas terras e se acomodar, como fosse possível.
O estranho perguntou seu nome.
Abaré respondeu, perguntando o nome do estranho.
O fazendeiro riu.
Procurando resolver o impasse, respondeu que se chamava Arnaldo.
Abaré ao ouvir o nome, ficou intrigado.
Isto por que este era o nome do noivo de sua mulher.
Abaré então, disse seu nome.
Arnaldo curioso, perguntou ao índio, de onde conhecia os donos das terras.
Nisto Carolina saiu do casarão.
Ao avistar Abaré e o filho ao lado do moço, ficou perplexa.
Arnaldo ao vê-la, ficou pasmo.
- Carolina? - era a única coisa que conseguiu dizer.
Neste momento, uma lágrima correu de seus olhos.
O que ele poderia dizer depois de tantos anos acreditando que a jovem fora assassinada com toda a sua família?
Aflito, levou meses para acreditar que a moça estava morta.
Como não encontraram o corpo para ser enterrado, ele chegou a pensar que tivesse conseguido fugir, que pudesse estar sã em salva em alguma plaga, e que não havia voltado por medo de represálias.
Lembrou-se de como esta dúvida o consumiu, e das dificuldades que teve em aceitar uma nova noiva.
Mas por fim, diante da ausência de noticias, e da morte quase certa de Carolina, Arnaldo acabou por se casar com a filha de um estancieiro da região.
Homem de posses do lugar.
Desta forma, deparar-se com a jovem Carolina, diante de seus olhos, causou-lhe alegria, mas também tristeza.
Carolina por sua vez, ao ver Arnaldo tão bem alinhado, lembrou-se do moço de bombachas que havia conhecido.
Estava mudado.
A moça, aproximou-se então de Abaré e passou a segurar o filho nos braços.
Arnaldo percebeu então, que a moça havia retomado sua vida.
Abaré perguntou a moça, se conhecia o rapaz.
Arnaldo se aproximando, resolveu se apresentar a família.
Carolina então declinou seu nome, e o nome do filho, Abaeté.
Ao ouvir a palavra filho, Arnaldo demonstrou estar decepcionado.
Contudo, procurando disfarçar o sentimento, perguntou-lhe há quanto tempo havia chegado a vila.
Carolina respondeu que há um dia.
Arnaldo perguntou então se sabia o que havia ocorrido com a família, onde estavam sepultados os corpos, e todas as providências legais a serem tomadas.
Carolina respondeu que só tinha conhecimento do que havia presenciado naquela época, as mortandades de parentes e de escravos, os homens colocando fogo na casa.
Mas não se lembrava do ocorrido com detalhes, nem sabia do que havia sucedido, depois de conseguir fugir.
Arnaldo, ao ouvir as palavras da moça, deduziu que o indígena a auxiliou na fuga.
Abaré permaneceu calado.
O homem então, ao notar que aquele não era o melhor ambiente para conversarem, convidou-os a pernoitarem em sua fazenda.
Contudo, como já estavam instalados no lugar, Abaré agradeceu a proposta mas recusou-a.
Disse que já tinham onde dormir.
Arnaldo no entanto insistiu.
Dizia que a moça não estava acostumada a dormir em qualquer lugar e que todos estavam cansados da viagem.
Portanto tinham o direito de ficar melhor instalados.
Abaré respondeu-lhe que Carolina estava bem, e que não havia com o que se preocupar.
Arnaldo argumentou que caso mudassem de ideia, poderiam ir a fazenda.
O índio insistiu em dizer que estava tudo bem.
Mas prometeu se dirigir a propriedade no dia seguinte, para que pudessem conversar.
Arnaldo, apertando a mão do índio, mencionou que estavam combinados.
Explicou ao casal como fazer para chegar ao lugar.
Elogiou a beleza da criança, e se despediu.
Abaré, colocando a mão no ombro de Carolina, falou para saírem dali.
Com isto, seguiram a pé até a estalagem.
Lá cearam e dormiram.
No dia seguinte, foram a cavalo para a fazenda de Arnaldo.
Lá foram apresentados a mulher de Arnaldo, Leonora.
Que já alertada pelo marido, tratou de receber bem os convidados.
Abaré estava trajado como um português.
Carolina lembrava uma senhora.
Levaram consigo o pequeno Abaeté.
Leonora pediu as escravas da casa que servissem o café da manhã.
Nisto, Arnaldo conversou com Abaré e Carolina, sobre o estado de abandono do casarão.
Relatou que até o momento, nenhum herdeiro havia reivindicado a posse das terras.
Mencionou que todos os familiares foram enterrados no cemitério da cidade, e que poderiam visitar o túmulo da família.
Carolina, com os olhos cheios d'água, informou que iria fazê-lo.
Em seguida, perguntou dos escravos e dos agregados.
Arnaldo respondeu que foram todos enterrados em valas comuns, sem identificação dos corpos.
Triste, Carolina insistiu em saber onde haviam sido enterrados.
O fazendeiro respondeu que estavam enterrados em um lugar afastado da vila, e que para chegar ao local, precisariam ir a cavalo.
Carolina falou que iria visitá-los.
Arnaldo tentou argumentar dizendo que era inútil, já que não seria possível saber onde estavam sepultados.
Mas Carolina estava determinada a visitar os túmulos, todos os que fossem necessários.
O tropeiro tentou convencê-la a rezar uma missa em memória de todos os mortos, mas Carolina queria também, visitar os túmulos.
Arnaldo chegou a dizer que sua determinação, lembrava sua mãe.
Nisto, passou a orientar o casal sobre a necessidade de se manifestarem judicialmente, com Carolina invocando a qualidade de herdeira das terras.
Mencionou que se nenhuma providência fosse tomada o Estado, se tornaria proprietário das terras. A moça respondeu que não sabia o que fazer.
Abaré que até então ficara calado, respondeu que seria necessário constituir um advogado para entrar com um processo.
Arnaldo disse que poderia auxiliá-los.
Com isto, indicou um advogado da capital da província.
E assim, as terras – herança jacente, tornou-se propriedade de Carolina.
Com efeito, o regresso da herdeira considerada morta, causou rumores no lugarejo.
O fato da moça ter constituído família ao lado de um indígena, causou comentários.
Críticas e reprovações, eram as atitudes mais comuns.
Mas a jovem persistiu, recuperou as terras ao lado de Abaré.
Tornou a propriedade novamente produtiva.
Recuperou o velho casarão.
Tiveram uma descendência.
Carolina visitou as sepulturas do cemitério na estrada, e tratou de identificar os túmulos com placas.
Em todos eles depositava flores e fazia orações.

Luciana Celestino dos Santos
Épermitida a reprodução, desde que citada a fonte.

VALONGO - CAPÍTULO 9 - VERSÃO OFICIAL

E assim, passaram a viver como se casados fossem.
Quando a moça ficou grávida, o nativo preocupou-se com sua sorte.
Dizia que precisava encontrar alguém de sua tribo, e que ela não poderia ter seu filho sozinha.
Carolina dizia-lhe que não havia com o que se preocupar, e que encontrariam seus descendentes no momento certo.
Mas Abaré estava apreensivo.
Carolina descobriu-se grávida no momento em que não teve mais regras.
Contava os dias de forma rudimentar e, ao dar-se conta de que havia dois meses que não sangrava, passou a notar mudanças em seu corpo.
Ao nadar no riacho, como de costume começou a notar pequenas mudanças na forma do quadril.
Com o tempo, passou a ter sensibilidade a certos cheiros e alimentos.
Abaré atento ao comportamento do moça, também percebeu pequenas mudanças.
Carolina já não o acompanhava em suas caçadas, sem contar que nem sempre estava disposta a ficar a sós com ele.
Por diversas vezes reclamava de sentir sono.
Abaré começou a estranhar.
Em dado momento, a moça, percebendo que não poderia mais guardar para si a novidade, participou-a ao índio.
Abaré ficou surpreso com a notícia.
Perguntou-lhe como podia ter tanta certeza.
Carolina não sabia como, mas dizia ter certeza que estava grávida.
O índio compreendeu.
Dizia que as mulheres mais antigas de sua tribo, sabiam quando um novo membro viria ao mundo.
Comentou que as jovens índias, já percebiam isto.
Carolina contou que a própria natureza, encontra formas de mostrar isto para as mulheres.
Abaré por sua vez, ficou deveras feliz com a novidade.
Abraçou-a e levantou-a, em sinal de comemoração.
Comentou que agora não estavam mais sozinhos.
Mas embora feliz, o nativo também ficou preocupado.
Conforme o dias se seguiam, o índio passou a considerar a hipótese de levar a jovem de volta ao lugarejo onde vivera com sua família.
Porém ao analisar melhor a situação, considerou que não seria nada bom que a moça aparecesse grávida, ainda mais de um índio.
Pensar nisto lhe causou tristeza.
Com isto, precisava dedicar mais afinco na busca por sua família.
Desta forma, prosseguiram a jornada.
Cauteloso, o índio procurou buscar pouso em vilarejos.
Com isto, ao sair da mata, Abaré se oferecia para prestar qualquer serviço para os brancos.
Ajuda em serviços de reformas, a cuidar dos animais, em pequenos serviços.
Quanto a Carolina, dizia ser ela sua mulher.
A moça já estava com cinco meses de gestação.
Queimada de sol e ligeiramente diferente de seus tempos de sinhá, não causava estranheza aos circunstantes, pois acreditava se tratarem de índios.
Carolina não desmentia a impressão.
Abaré chegou a falar-lhe que poderia se dizer branca, que fora raptada por ele e que precisava voltar para sua terra.
Carolina retrucou, dizendo que não seria bem recebida.
Argumentou que sua sina havia sido traçada quando ele cruzou o seu caminho, e que não havia como voltar atrás.
Abaré argumentou que temia por ela, por seu futuro, e pelo filho que estava esperando.
A moça respondeu-lhe que tudo acabaria bem.
Com o tempo, andando de vila em vila, acabaram por encontrar um aldeamento indígena.
Os índios, ao verem a moça, ofereceram acolhida.
Diziam que mesmo não sendo da mesma tribo, iriam recebê-los, pois o casal não poderia ficar desamparado.
Abaré agradeceu a acolhida, disse que ficariam por algum tempo, e depois prosseguiriam viagem.
Com o tempo, ergueu uma oca para sua mulher.
Passou a participar das atividades da tribo.
De suas danças, de suas tradições, das festividades.
Caçava e pescava.
Plantou alguns víveres.
Carolina fazia cestos, moringas de barro.
Aprendeu desenhos, e se admirou da beleza das peças.
As índias achavam curioso o fato da moça andar coberta, e ao tomar banho no rio, entrando nas águas, com uma espécie de vestido.
Riam dos modos da moça.
Com o tempo a jovem passou a se vestir como as índias do lugar.
Passou a viver do mesmo modo que a tribo.
Quando entrou em trabalho de parto, a criança nasceu em sua oca, auxiliada pelas índias da tribo.
Carolina teve a criança de cócoras, sem o auxílio de parteiras.
Abaré ficou do lado de fora, e ao tomar conhecimento do nascimento da criança, comemorou com os outros índios.
Houve festa e celebração.
 Foram tempos tranquilos.
Mais tarde, com a criança mais crescida, um menino de nome Abaeté, o casal despediu-se da tribo.
Nos meses em que permaneceram na tribo, Abaré contou sua triste história, bem como a de sua esposa.
No momento da despedida, receberam flores das crianças da tribo e algumas cerâmicas das mulheres.
O pajé pediu ao índio, que regressasse com boas novas.
Abaré prometeu que o faria.
Com isto, o casal partiu, carregando trouxas com roupas, livros, um caderno, algumas cerâmicas, e com Abaeté, o filho do casal.
Carolina agora, trazia consigo a sabedoria dos índios, o segredo das ervas medicinais.
E muitas anotações em seu diário.
O conhecimento, a auxiliou nos cuidados com o filho, sempre que o mesmo necessitava de remédio.
Desde o nascimento, a criança se acostumou a viver nas matas, sempre livre e sem medo.
Por algum tempo, viveram isolados na floresta.
Até finalmente se decidirem por regressar ao vilarejo onde Carolina vivera com a família.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.