Poesias

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 5

Conforme haviam combinado, depois de uma semana de castigo, os quatro colegas se reuniram após o término das aulas para confabularem. Trataram de organizar um plano.
No entanto, precisavam de dinheiro para comprar as bombas, rojões e demais artefatos para soltarem no dia da festa.
E mais, deviam fazer isso, sem levantar suspeitas.
Isso porque tanto seus pais, quanto professores, estavam de olho neles. No menor deslize cometido tomariam mais uma advertência.
Por isso conversavam após o término da aula e voltavam correndo para casa almoçar. Tudo para não chegar a atenção, ou não dar na vista, como dizia Luís.
Como o silêncio ao redor deles era muito grande, todos ficaram desconfiados. Para despistar eventuais curiosos, os quatro começaram a passar bilhetinhos em sala de aula uns para os outros, de forma a desviar a atenção dos professores, que ao perceberem a troca de informações, deram-lhes algumas broncas, e os avisaram que se continuassem, seriam expulsos da sala.
E assim, se passaram os dias.
De acordo com o planejado, Luís e Cláudio arrumaram dinheiro, para comprar os apetrechos para o tão esperado dia.
Primeiramente, os dois disseram para os pais, que por estarem na época das festas juninas, precisavam de dinheiro para os comes e bebes.
Ante os pedidos, tanto o pai de Cláudio, quanto a mãe de Luís, disseram aos mesmos que o dinheiro seria dado no dia da festa. Diante da negativa dada, ambos insistiram com seus pais para que lhes fosse dado um adiantamento. Insistiram tanto que seus pais acabaram convencidos e lhes deram o dinheiro.
A partir daí, o plano de Raíssa entrou em ação.
Com o dinheiro em mãos, Raíssa, pegou o dinheiro dos dois amigos e se dirigiu a um depósito onde se vendia estas mercadorias para menores.
Tratava-se de uma casa pequena, que nos fundos possuía uma pequena edícula onde estavam os artefatos e que só ela, somente ela conhecia.
Ao tê-los em mãos, tratou de escondê-los num local que também conhecia muito bem e onde sabia que ninguém se atreveria a procurá-los.
Nesse lugar, os fogos estariam muito bem guardados, pois ela escondeu-os dentro de uma vala e cobriu tudo com folhagens. Passou umas duas horas se ocupando deste trabalho. Até que tudo ficou bem protegido.
Depois disso, tratou de voltar para casa. Quando se deu conta no meio do caminho do adiantado da hora, passou a caminhar mais célere.
Precisava chegar em casa antes do término da jornada de trabalho de sua madrasta, pois se aquela megera a visse chegar em casa tão tarde, não a deixaria entrar em casa. Em virtude disso ou ela teria que dormir do lado de fora da casa, ou então, tentar pular o muro que protegia a residência e aí, entrar pela janela do seu quarto.
Correu, correu, correu tanto que quase trombou em Pedro, um garoto com quem ela mal falava. Tencionava pedir desculpas pelo incidente, só que ele foi mais rápido e disse:
-- Hei, cuidado. Você quase me atropelou.
-- Desculpe. Não foi minha intenção.
-- A pressa toda é porque?
-- Por nada.
-- Ah, sim ... nada.
-- Desculpe ... mas eu tenho que ir.
-- Não foi nada. Até logo. – respondeu ele.
Nisso Raíssa se virou e nem olhou para trás, continuando a correria.
Finalmente, quando se aproximou alguns quarteirões de sua casa, que ficava numa das vilas pobres da cidade, é que diminuiu a carreira, e passou a caminhar normalmente. Em seu bairro todos a conheciam, mas, tirando alguns garotos, e duas colegas, ninguém a cumprimentava.
Muitos fingiam não vê-la.
Isso tudo, por conta de sua convivência com a madrasta, que não era a das mais pacíficas e que era conhecida de todos os moradores do lugar.
Por conta de sua madrasta e de sua pose de boa mãe, os moradores achavam Raíssa atrevida e rebelde. Alguns chegavam até a considerá-la uma má influência e com isso afastavam seus filhos de sua convivência.
O que não incomodava nem um pouco Raíssa, que até gostava dessa reputação. Sempre achou divertido chocar as pessoas.
Quando em criança, adorava brincar com os moleques na rua, participar das brigas. Muitas vezes, chegou até a bater nos colegas por conta de discussões e quase sempre levava a melhor. Tirando algumas escoriações e sangramentos em virtude das brigas, quase sempre escapava incólume.
O que não evitava que ouvisse muitos sermões de sua madrasta que sempre a advertia de que com seu comportamento ninguém iria se aproximar dela, que não nunca iria se casar com aquele gênio de cão, etc. Mas ela não se importava com isso. Já estava acostumada a ser ofendida por sua madrasta. A ser destratada, e até humilhada em público por ela. Talvez por esta razão as pessoas não sentiam confiança nela.
Pois se até a madrasta a criticava tão ferozmente, é porque havia algum motivo para tanto. O fato é que, poucas pessoas se aproximavam dela. De fato, não fossem os amigos da escola e alguns poucos conhecidos, a moça estaria completamente só.
Mas enfim, divagações a parte, conforme ía sendo colocado, Raíssa se aproximava de sua vila.
Caminhava calmamente agora.
Passou pelas ruas do lugar e finalmente encontrou a sua casa.
Por sorte, sua madrasta ainda não tinha chegado e assim, pode entrar e se instalar confortavelmente em seu quarto. Tirou os sapatos e deitou-se na cama.
No dia seguinte, todos foram para a escola.
Como de costume, após o sinal entraram na sala de aula.
E como já fazia algum tempo que havia sido realizadas as provas, os professores começaram a divulgar as notas.
Surpreendentemente, Raíssa, tida com uma das alunas mais indisciplinadas da sétima série, tirou boas notas, o que é claro, a tornou alvo de vários comentários dentro da sala de aula.
Isso porque Raíssa era reconhecidamente tida como uma péssima aluna, pois ano após ano tirava péssimas notas e quase sempre, passava no sufoco. Raramente ficava de recuperação, mas não era boa aluna. Não, não. Isso ela nunca foi. No último ano inclusive, quase foi reprovada. Mas enfim, a redenção, ela tinha tirado boas notas.
Inobstante as boas notas, muita gente suspeitou se tratar de armação.
Alguns alunos chegaram a sugerir que ela havia colado.
Quando tal boato chegou aos ouvidos de Raíssa, a primeira coisa que ela quis saber foi quem havia dito aquela mentira. Por pouco não arrumou uma grande confusão dentro da escola.
Seus amigos Luís, Cláudio e Leocádio, trataram de acalmar os ânimos, desviando a atenção dela.
Primeiramente, Luís lhe perguntou:
--Você já comprou os fogos?
-- Claro.
-- E onde estão? – perguntou ansioso Cláudio.
-- Na hora certa vocês saberão. – respondeu secamente.
-- Vê lá, heim? Não vai furar de novo não. – disse Léo.
-- Eu não vou falhar. – disse ela e saiu do pátio.
Quando Raíssa saiu, os três garotos se entreolharam e disseram:
-- Será que ela vai cumprir com o prometido? – insistiu Leocádio.
-- É claro que vai. Ela só furou aquele dia por causa de um problema com a madrasta. – respondeu Cláudio.
-- Espero que você tenha razão.
-- Eu também espero, Luís. – disse Cláudio.
Nesse momento, o sinal da escola bateu e todos retornaram as suas salas, pois havia aulas a serem ministradas.
A aula seguinte era de matemática, o terror da garotada, e para piorar, era uma aula dupla, o que tornava o final da manhã um martírio para quase todos os alunos. Teorema de Pitágoras, fórmula de Báskara, realmente esse nunca foi o forte de muitos alunos. Até mesmo do quarteto, que penava para passar de ano nessa disciplina.
Mas enfim, era um sacrifício que eles tinham que fazer se eles queriam se livrar da cobrança de suas famílias.
Ao final das aulas, novamente, bateu o sinal, sinônimo de término das aulas.
Agora os quatro poderiam conversar com mais tranqüilidade.
Poderiam planejar com calma o momento em que soltariam os fogos.
Foi nessa conversa que se revelou o propósito de Raíssa, que tencionava soltar buscapés e bombinhas durante o show programado, causando um estardalhaço entre os moradores da cidade e tornando a festa inesquecível para todos estes, segundo suas próprias palavras. Queria de certa forma, estragar a festa das beatas. Só que isso deveria de ser feito quando a festança estivesse no seu ápice, senão não teria graça. Daí tanto empenho em combinarem a hora certa para a brincadeira. Ademais, não poderiam ser vistos, pois se isso acontecesse, acabaria a brincadeira.
Então ficou combinado, que todos agiriam na surdina, para não levantar suspeitas. Nada poderia dar errado. E ninguém poderia desistir. Por isso também, é que houve a votação para saber se todos concordavam com o plano de animar a festinha da cidade, nas próprias palavras do grupo.
Como não houve desistências, trataram de combinar os mínimos detalhes para que tudo desse certo.
E nessa conversa toda, os quatro organizando a brincadeira, passaram um bom tempo conversando.
Já se divertiam imaginando a confusão que isso iria causar.
Por um triz é que não foram pegos conversando, pois os pais de Cláudio e Luís já vinham buscá-los, diante da demora dos dois em voltar para casa.
Afortunadamente, os quatro só não foram pegos juntos porque Raíssa se afastou para beber água e Leocádio, logo que notou que a presença dos mesmos, tratou de se afastar, pois nesse momento é que se dera conta do quanto estava atrasado para o almoço e que precisava chegar o mais depressa possível em casa.
Com isso somente os dois garotos estavam juntos quando o pai do Cláudio e a mãe do Luís se aproximou:
-- O que vocês dois estavam fazendo aqui no pátio sozinhos até essa hora? – perguntou desconfiada a mãe de Luís.
-- Nada mãe. Só estavamos conversando o Cláudio e eu. Nada mais.
-- Nada de mais. Sei. Então, porque demoraram tanto? – insistiu o pai de Cláudio.
-- Nada pai. É que ... o Luís e eu estavamos comentando sobre a festa de sábado. De como ela será.
-- É. E por isso acabamos nos empolgando e perdendo a hora. – comentou Luís.
-- Só fomos nos dar conta do adiantado da hora quando vocês dois chegaram.
-- Desculpe, isso não vai mais se repetir. Eu esqueci do castigo. – respondeu Luís.
-- Vocês dois, junto com a aquela menina ... não estão aprontando nada. Estão? – perguntou novamente o pai de Cláudio.
-- Não pai. Eu te garanto.
-- E você Luís, sabe de alguma coisa que aquela menina esteja aprontando?
-- Não mãe. Eu vou lá saber o que se passa na cabeça daquela garota?
-- Então, vamos embora pra casa, esquentar o almoço. – disse a mãe de Luís.
-- Então vamos, tchau Cláudio, tchau Seu Rogério.
-- Tchau Luís, até logo Senhora Marta.
--Até logo Cláudio, Seu Rogério.
-- Até logo para todos. Vamos Cláudio. – falou Seu Rogério.
Nisso todos foram para suas respectivas casas.
Nas casas de Luís, Cláudio e Leocádio, todos comeram comida esquentada e passaram a tarde diante dos olhos vigilantes de suas famílias que não queriam vê-los ao lado daquela menina irritante. Qual seja, Raíssa.
Enquanto isso o tempo ía passando, e os garotos se liberavam aos poucos da vigilância familiar.
Só não podiam cometer o deslize de serem vistos fora da escola ao lado de Raíssa.
Por isso, sempre que precisavam se reunir, marcavam o encontro num campinho, situado num lugar retirado da cidade. Os quatro passavam ali boas horas se divertindo e comentando sobre a surpresa que iam fazer na festa. Combinaram ainda, que o planejaram, não poderiam contar para ninguém.
Raíssa os fez prometer que, mesmo que um deles fosse descoberto, este não iria entregar o serviço, se manteria silente. Se quedaria calado mesmo que levasse uns safanões. E nesse ponto todos, concordaram.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 4

Com isso, depois das provas, vieram as festas de junho.
Para tanto, havia os preparativos da festa, que neste ano visava a reforma da igreja, que necessitava de alguns reparos.
Por isso as beatas sugeriram ao Padre Olavo, que realizassem uma quermesse para angariar fundos para a Igreja.
Unidas as beatas convidaram algumas das ilustres senhoras, moradoras da cidade, que ajudavam nas obras de caridade, para com elas organizarem a quermesse, com barracas de comes e bebes, e prendas. Planejaram ainda, a realização de um show para animar mais ainda a festa, bem como a contratação de uma empresa especializada em espetáculos com fogos de artifício, para fechar a noite com chave de ouro.
As beatas animadas com os preparativos da festa, planejavam tudo nos seus mínimos detalhes. Como seriam feitas as barraquinhas, as prendas que seriam dadas, os preços dos comes e bebes, as músicas, enfim tudo o que fosse necessário para uma festa junina.
Queriam que a festa da cidade fosse a mais bonita de toda a região. Tudo isso por conta da rivalidade com a cidade de Água Viva, que até o momento se intitulava com a mais célebre dentre todas as cidades da localidade, só por conta de uma história acontecida há mais de cem anos.
Água Viva, cidade histórica, foi o berço de uma bela história que acabou de forma trágica. História esta, que poucos sabem o final. Talvez somente os protagonistas a possam contar, mas dada a época desta, seria impossível contatá-los.
Enfim, vamos ao que interessa.
Por conta do festejo, a cidade estava em polvorosa. Todos comentavam sobre a grande noite. Nem mesmo os alunos deixavam de mencionar sobre a aludida festa.
Nesse ínterim, Raíssa, Luís e Cláudio, tiveram ainda a oportunidade de aprontar mais uma de suas travessuras. Começaram uma guerra de giz dentro da sala de aula, por conta de um revide, uma provocação feita por um aluno da oitava série que apareceu na sala da sétima série para provocá-los. No entanto, inadvertidamente, acertaram o inspetor de alunos com um giz. Foi o suficiente para tomarem uma advertência na diretoria, por conta do ocorrido.
Dona Eulália ao ir buscar a enteada na escola por conta da advertência, tratou logo de lhe dirigir uma dura admoestação por conta de suas atitudes, na frente de todos os outros pais de alunos, que tudo ouviram. Segurou-a firmemente pelo braço e disse a garota, poucas e boas:
-- Raíssa, você é uma vergonha. Não respeita ninguém, nem os professores. Você não tem jeito. Não tem conserto. Você não tem vergonha na cara? Me faz largar meu trabalho para vir aqui ouvir sermão por tua causa. Você acha que eu não tenho mais nada que fazer da vida? Que eu posso ficar aqui perdendo meu tempo com você? Raíssa você é uma vergonha para todo mundo, inclusive para seu pai.
Tal afirmação para Raíssa atingiu-a como a um raio. Como ela poderia ser uma vergonha para seu pai, se há tanto tempo não o via? Que direito tinha aquela mulher tinha lhe dirigir tamanho impropério?
Por essa razão, abaixou a cabeça e ficou ali, só ouvindo o que sua madrasta dizia, repetindo dentro de si a última frase dita por ela.
No entanto, apesar de Raíssa merecer uma bela bronca pelo ocorrido, e até mesmo um castigo, nenhum dos pais que presenciaram a cena, entenderam como aceitável o comportamento de Dona Eulália, que foi censurada por suas palavras.
No entanto, mesmo tendo sido seu comportamento reprovado, continuou a arrastar a garota, até a saída da escola, quando então começou a dar-lhe uns safanões e continuou a repetir seus impropérios.
Ao chegar em casa, trancou Raíssa dentro do quarto e disse-lhe:
-- Você só saí daí quando tomar jeito.
No que Raíssa respondeu:
-- Você não pode me trancar aqui dentro.
-- Posso sim, você está sob minha responsabilidade. Eu tenho sua guarda. Posso fazer o que eu quiser. E tem mais, você vai dormir sem jantar. – respondeu gritando.
De dentro do quarto da garota não se ouviu mais nada.
Raíssa ficou furiosa com o castigo, mas jurou para si mesma que iria guardar toda sua raiva para despejar em cima da madrasta quando fosse o momento oportuno. Agora a única coisa em que pensava seria em como participar da festa junina.
Em como iria fazer para poder ver bem de perto a queima de fogos.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 3

Conforme o ano letivo ía transcorrendo, chegaram as provas. Oportunidade dos professores aferirem os conhecimentos dos alunos.
Por isso, durante quase duas semanas, os alunos da sétima série tiveram provas.
Antes é claro, tiveram que abandonar as tardes de preguiça e bagunça para estudarem.
Todos os alunos sem exceção tiveram que fazer isso.
Inclusive Raíssa que passou parte de suas tardes tentando estudar, o que nem sempre conseguia, dadas as reclamações da madrasta que insistia para que ela trabalhasse, que se ela se organizasse melhor não precisaria estar se matando de estudar agora, que ela era muito relaxada e preguiçosa, que se não trabalhava, poderia ao menos cuidar de suas coisas, lavar e passar sua própria roupa, fazer sua própria comida, para não ficar dando trabalho a ela que trabalhava fora.
Muitas vezes, Raíssa tinha que sair de casa para poder estudar com tranqüilidade e sem interrupções. Para isso escolheu um lugarzinho onde ninguém se atrevia a ir, com medo de dar de cara com alguma aparição fantasmagórica. Assim, restava intacta sua reputação de garota rebelde, pois se a vissem estudando, tal fato acabaria com sua imagem de durona.
Assim, passou tardes e tardes estudando, tudo para estar preparada para as provas.
E aí, quando finalmente chegaram as aludidas provas, foi só sentar-se em sua respectiva carteira assim como os demais alunos fizeram, e fazer as provas com toda a tranqüilidade.
Enquanto o tempo passava, prova por prova ía sendo feita.
Para não ouvir sermões de sua madrasta, tratou de estudar muito para fazer todas as provas.
Nos três últimos anos vinham tendo dificuldades para ter boas notas, especialmente no último ano quando quase foi reprovada.
Por causa disso, ouviu tanto, tanto, que decidiu este ano ser mais diligente com os estudos, para não dar motivo para futuras reclamações da madrasta.
Queria causar, pelo menos desta vez, uma boa impressão nas pessoas. Principalmente nos professores, depois da história do bilhete amassado atirado no professor.
Isso porque, só depois de algum tempo, é que descobriram pela caligrafia que não era de nenhum dos quatro acusados o autor do escrito. Os alunos descobriram isso porque a própria Raíssa insistiu com o professor para ver o bilhete e assim comparar as caligrafias.
Com isso quem tinha inicialmente os acusado, teve que se retratar e pedir desculpas. Até mesmo porque a própria Raíssa, o intimou para tanto.
E ai daquele que não fizesse o que ela tinha pedido. Com certeza iria sofrer represálias por parte dela.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 2

Mais um dia começa na cidade de Água Branca. Novamente os alunos se preparam para a aula. Dessa vez, todos estão presentes na sétima série, inclusive Raíssa.
As aulas transcorriam normalmente sem nenhum incidente. Os alunos estavam prestando atenção ao que era ensinado.
Só que, num dado momento, um dos alunos atirou um pedaço de papel amassado, que acabou atingindo a cabeça do professor, que até então estava distraído procurando no livro de história a página em que estava a matéria da aula.
No momento que foi atingido, o professor pegou o papel e o abriu. No papel estava escrito um pequeno comentário sobre a aula, sem menção do autor. Como o comentário não era nem um pouco elogioso, o professor se aborreceu e perguntou quem era o autor daquele comentário. Como ninguém respondeu, ele interrompeu a aula e foi até a diretoria.
Conversando com a diretora, não conseguiu autorização para a suspensão da classe. Mas ao voltar a sala de aula, disse que aquela aula estava encerrada e que aquela matéria constaria como já tendo sido dada, portanto consideradas como objeto de prova.
Todos os alunos reclamaram, mas não teve jeito. O prejuízo já tinha sido causado.
Muito alunos acusaram Luís, Cláudio, Leocádio e Raíssa, do ocorrido. Só que os quatro não somente não aceitaram a culpa como também intimaram a quem fez o comentário, a se apresentar se tivesse coragem.
Nisso, o tempo foi passando e as aulas acabaram. Novamente se deu a euforia para voltar para casa. A pressa em arrumar o material, a correria, e a balbúrdia.
Todos foram para suas respectivas casas almoçar, e mais tarde, foram se encontrar na Praça. Os comentários foram quase todos sobre o bilhete recebido pelo professor.
-- Pessoal, essa história do bilhete ainda vai acabar mal. – afirmou Leocádio.
-- Porque você acha isso? – perguntou Cláudio.
-- Porque, do jeito que aquele professor é encardido, ele vai guardar o bilhete. E se ele fizer isso, vai acabar descobrindo o autor da mensagem.
-- Infeliz. É verdade. Você tem toda a razão Luís. Ele pode descobrir. – concordou Raíssa.
-- Mas, também, quem será o burro que jogou o papel nele? – perguntou Cláudio.
-- Isso eu não sei. Mas algo tem que ser dito. Foi algum de vocês que escreveu naquele papel? – perguntou Raíssa.
-- Não, não. – responderam os três em uníssono.
-- Olhem lá, heim? Porque se foi um de vocês, vocês tem que contar, antes que sobre pro nosso lado. E isso é sério. Não mintam.
-- Não Raíssa, nós não escrevemos nada. Não é? – falou Cláudio.
-- É sim. – concordou Léo.
-- Isso mesmo. – emendou Luís.
-- Se não foi nenhum de nós. Quem foi então? – perguntou então Léo.
-- Melhor a gente descobrir. – continuou Cláudio.
-- Antes que acabe sobrando para nós. – emendou Luís.
Nisso, todos começaram a falar ao mesmo tempo, o que causou uma confusão. No meio desse turbilhão de sons, Raíssa procurou pensar em uma forma de tentar descobrir o autor da mensagem. Até que...
-- Pessoal, espere... espere, eu acho que encontrei uma solução.
-- E qual seria? – perguntou Leocádio.
-- É o seguinte... – e começou a contar o plano cochichando-o para os três.
-- Será que isso vai dar certo? – perguntou Luís.
-- Eu espero que sim. – disse Leocádio.
-- Claro que vai dar, Léo. – Cláudio.
Nisso continuaram conversando por mais algum tempo, até começar a ficar tarde e aí, todos foram para suas casas.
Nas casas de Luís, Cláudio e Leocádio, tudo ía muito bem. Todos eram bem cuidados por seus pais. Luís e Cláudio, inclusive, chegavam até a ser um pouco mimados. Talvez essa fosse a razão para terem esse tipo de comportamento, qual seja, meio rebelde e displicente com os estudos.
Já na casa de Raíssa, seu relacionamento com a madrasta, não era dos melhores. As duas se estranhavam muito, sendo que sua madrasta, Dona Eulália, possuía um temperamento um tanto quanto duro. Principalmente em se tratando da educação de Raíssa.
Dona Eulália, sempre tratou Raíssa com muito rigor, sempre a repreendia quando agia de modo errado, mas também criticava muito suas atitudes, suas vestes, seu comportamento, seus modos e seus amigos.
Na maioria das tentativas de Raíssa em ser amigável com a madrasta, era sempre rechaçada e tratada como uma aduladora fingida.
Eulália não gostava da enteada.
Em razão disso aliás, Raíssa nunca entendeu por que Dona Eulália não a deixou em algum orfanato após o sumiço de seu pai, pois nunca a tratou bem, nem mesmo quando ele estava por perto.
No entanto, essa era uma questão que apesar de muitas vezes apresentada por ela, nunca foi bem respondida pela madrasta que sempre alegava:
-- Eu tenho uma dívida com seu pai, e você é um fardo que eu tenho que carregar.
No entanto, essa resposta nunca a satisfez totalmente e por isso chegava a acreditar que talvez um dia, seu pai a viesse buscar.
Talvez por isso sua madrasta cuidava dela sustentando-a. E Dona Eulália, que não era tola, não se livrava dela de medo do marido voltar e cobrar a presença da filha.
No fundo, no fundo Raíssa sentia que sua presença naquela casa, junto a sua madrasta, era mais por temor da ira de seu pai que sumira, do que por qualquer consciência cristã, ou mesmo por bondade.
Mas apesar disso tudo, Dona Eulália, ultimamente vinha cobrando da enteada uma posição. Queria por que queria que Raíssa, passasse a trabalhar. Afirmava que ela já estava forte o suficiente para pegar no pesado e começar a trabalhar.
Muito embora a garota só tivesse 13 anos.
Isso porque a madrasta já sentia que tinha feito tudo por ela e agora tinha que ser restituída por o esforço que teve para terminar de educá-la.
Por esta razão é que ultimamente as duas brigavam.
Dona Eulália queria que Raíssa se sustentasse sozinha para poder cuidar de sua vida, e Raíssa afirmava que daquela casa ela não sua.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 1

Manhã, maio de 1992.
Mais um dia começa na pacata cidade de Água Branca.
A esta altura, os alunos matriculados na escola municipal estão começando mais um dia de aula.
Todos os alunos da sétima série estão sentados em suas carteiras, exceto uma aluna, Raíssa.
Por esta razão, todos os alunos que sentavam próximos a sua carteira, começaram a comentar entre si:
-- Onde é que ela foi ? – perguntou Luís.
-- Eu não sei. – respondeu Cláudio.
-- Talvez ela tenha matado aula. – comentou Leocádio.
Neste momento, a professora ao se dar conta do burburinho em classe, caminhou em direção as carteiras dos alunos alvoroçados, e de surpresa, lhes dirigiu uma admoestação:
-- Belo exemplo que os senhores estão dando para o resto da classe.
Como os alunos estavam distraídos com a conversa, não tiveram tempo de notar a presença da professora, e por isso, todos se assustaram com a bronca. Para tentar consertar a situação disseram:
-- Desculpe professora.
No que ela retrucou:
-- Eu não quero desculpas. Quero que vocês prestem atenção na aula. Isso cai na prova.
Depois de adverti-los, a professora retornou para sua mesa, e dirigindo-se a lousa, continuou a aula.
Muito embora, a aula tenha continuado sem mais interrupções, aqueles alunos continuavam curiosos para saber onde teria se metido Raíssa.
Isso porque ela se comprometera com eles em estar presente naquela hora, pois após o término das demais aulas que ainda teriam a tarde pela frente, eles iriam se preparar para aprontar algumas brincadeiras com as beatas da cidade. Mas com a ausência da faltosa, como iriam preparar tudo? Logo ela, que era mestra em aprontar. Aprontava inclusive com eles próprios.
Em razão disso, um deles comentou:
-- A Raíssa, é a mó vacilona. – comentou Luís.
No que um deles concordou:
-- É mesmo. Combina tudo com a gente e depois fura desse jeito. – retrucou Cláudio.
Por sorte, a professora entretida em suas explicações sobre a geografia da Rússia e o regime político do socialismo, não percebeu a conversa dos alunos inquietos.
Por fim, bateu o sinal anunciando o término das aulas.
Esse barulhinho, que é emitido às dez para uma, é o prenúncio da libertação para muitos alunos, que consideram a escola, uma escravidão. É por esta razão que os alunos arrumam apressadamente seus pertencentes e saem tão ansiosos da sala de aula.
Infelizmente diante de tanta euforia pelo término de mais um dia letivo, tem-se a impressão de que os estudos são um martírio, quando não deveria o ser.
Mas enfim, as aulas acabaram por hoje, e agora é hora dos alunos irem para casa almoçar, e depois se distrair com alguma coisa.
No entanto, os três garotos, Luís, Cláudio e Leocádio, este último mais conhecido por Léo, saem da classe com outro intuito.
O que eles querem é encontrar Raíssa, para que ela lhes explique por que faltou ao compromisso.
Os três estão muito aborrecidos com ela, porque sem a sua presença, perderam a oportunidade de aprontar um pouco na cidade.
Caminhando em direção a suas casas, encontram Pedro, antigo colega de outra turma, com o qual agora os garotos tem pouco contato. Assim, para matar as saudades, os quatro conversam animadamente, trocam idéias e ficam sabendo das novidades um do outro.
Foi assim que descobriram que muita coisa mudou na vida de Pedro.
Que agora, ele ajuda em casa, pois seu pai falecera há pouco e que ele era a única pessoa que trabalhava na casa. Sendo assim, por ser o filho mais velho dentre três irmãos e sua mãe já estar trabalhando desde o final do ano passado, precisou também trabalhar, para colaborar na manutenção financeira da família. Com isso reduziram-se as possibilidades de algazarras na ruas, aprontar na cidade, provocar os outros garotos, etc. Agora, em tese, se tornara um garoto responsável.
Em razão disso, os três começaram a fazer brincadeiras com o amigo.
Fazendo insinuações sobre ser ele agora o novo chefe da família. Que ele teria que dar o exemplo para os irmãos menores. E tudo mais que um garoto responsável deve fazer.
Como a troça parecia que não ía acabar, Pedro tratou de se despedir dos amigos e ir embora. Tinha que ir trabalhar.
Os amigos simplesmente disseram:
-- Vai, vai. Vai ganhar o leitinho dos maninhos. Vai arrumar dinheiro para sustentar a família.
E caíram na risada.
Ao chegarem em casa trataram de almoçar, para depois, irem atrás de Raíssa, para conversar, conforme o combinado na hora da saída.
Terminaram o almoço e foram até a casa dela para conversar. Quem atendeu-os foi a madrasta rabugenta da garota, que não estava para conversa. De dentro da casa simplesmente disse:
-- Ela não está. Vão procurar ela em outro lugar, que aqui ela não tá.
Ao ouvirem as palavras ditas em tom ríspido, trataram de se retirar. Procurando por ela, passaram defronte a Igreja da Matriz e pararam na Praça que havia ali.
-- A Raíssa é uma tremenda de uma furona. – disse Luís.
-- É... vacilou feio. – disse Claúdio.
-- Calma, gente. Estou vendo ela ali, quem sabe ela tenha uma explicação. – comentou Leocádio.
Nisso, Raíssa, que caminhava tranqüilamente em frente a Praça da Matriz, avistando-os, se aproximou para conversar:
-- E ai, tchurma. Tudo bem?
-- Tudo bem nada. Onde você se meteu? – perguntou Luís.
-- Ficamos esperando por você na escola a manhã toda. – falou Cláudio.
-- Calma pessoal. Eu não fui a escola hoje porque minha madrasta descobriu o que nós fizemos no sábado, quando nós batemos boca com aquela turma da oitava série e depois zoamos as beatas do Padre Olavo. Ela não gostou nem um pouco e ficou me dando bronca por conta do acontecido. Pior é que, quando ela parou de falar, eu já estava super atrasada e sabia que se eu não entrasse a tempo na escola, o porteiro não iria me aliviar mais esta vez.
-- Ah, Raíssa, conta outra! A sua madrasta não ia te impedir de ir a escola. – disse Luís.
-- É, verdade. Eu estou te falando. Aquela lá é uma megera. Quando ela cisma com alguma coisa, ela não facilita para ninguém. Ela te chama as falas e pronto. Não adianta argumentar que com ela não tem argumento. Ela não vai nem um pouco com a minha cara.
-- Por que será? Né Raíssa? – disse Leocádio.
-- Vai ver ela é uma mala, que nem você. Seu chato. – retrucou Raíssa.
-- Ah... eu te ofendi, desculpe. Não foi minha intenção. – retorquiu Leocádio.
-- Vai se ferrar.
-- Pessoal. Não vamos brigar. – falou Luís.
-- É, não é pra tanto, também. – emendou Cláudio.
-- É que eu não gosto de ironia. Se eu não fui na escola, é porque não deu. – respondeu Raíssa.
-- Está certo. Não está mais aqui quem falou. Mas que essa história está estranha, está. Sua madrasta é chata pra caramba. Isso nós sabemos. Mas te atrapalhar desse jeito, eu acho que não. – insistiu Leocádio.
-- Então tá bom, Leocádio. Eu vou te convidar pra passar um fim de semana com ela. Que tal? Te garanto que em menos de seis horas, você vai querer sair de lá correndo. Tá certo?
Nisso Cláudio e Luís caíram na gargalhada imaginando como seria o idílico fim de semana com a madrasta de Raíssa, e disseram, quase em uníssono:
-- Ah... se ferrou.
Leocádio não gostou muito da brincadeira, mas como foi ele que começou a confusão, teve que aturar as gozações por muito tempo.
Por fim, depois de resolvida a questão quanto a personalidade da madrasta de Raíssa, os quatro combinaram então as travessuras do dia seguinte.
Enquanto combinavam os planos do dia seguinte, três beatas passaram pela praça e ao vê-los começaram a destratá-los. Chamando-os de moleques atentados e insinuando que eles estavam aprontando para estarem tão quietos conversando, as beatas começaram a provocá-los.
No que eles, que não eram santos, começaram a responder dizendo:
-- Saíam daqui seus urubus de igreja. – falou Luís.
-- Metam-se com suas vidas, futriqueiras. – Cláudio.
-- Sumam daqui suas cobras. – Leocádio.
--Vão para onde o diabo as queira levar. – Raíssa.
Nisso as beatas se benzeram e falaram:
-- Blasfemadores. Vocês vão se arrepender de tudo isso.
Disseram isso e se afastaram.
Estando a sós, os quatro começaram a rir. Até que Leocádio perguntou:
-- De onde você tirou isso?
-- Não sei. Foi a primeira coisa que veio a minha cabeça. – respondeu Raíssa.
E continuaram a rir.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

BARRACÃO DE ZINCO - CAPÍTULO 5

Ao chegar ao hotel, pagou a corrida e entrou no prédio.
Preocupada com o ocorrido, preparou-se para dormir, mas ao deitar-se na cama, não conseguiu dormir. Impressionada com a ousadia de Handolph, no dia seguinte, ao entrar em contato com a portaria do hotel, pediu ao gerente para que passasse instruções aos funcionários para que Handolph fosse impedido de adentrar as dependências do mesmo enquanto ela estivesse ali hospedada.
Cumpridas as ordens, Handolph não pôde mais se aproximar da moça.
Herman, porém, ao contrário de Handolph, continuava se encontrando com Eleonora.
Eleonora contudo, temendo que a história se repetisse com ele, comentou que nos próximos dias estaria de partida e assim, não poderiam mais se encontrar.
Herman, ao perceber que agora a despedida era definitiva pediu novamente para que ela passeasse com ele no boulevard.
Assim, mesmo quando ela fosse embora, ele a teria sempre por perto em suas lembranças.
Eleonora, ao ouvir o comentário, sorriu.
Depois, dizendo que quando ele encontrasse uma pessoa especial ele se esqueceria dela, ouviu como resposta, que ele nunca se esqueceria dela.
Eleonora achou graça nas palavras do rapaz. Contudo, diante da insistência acabou concordando com seu pedido.
E assim, finalmente numa tarde dessas, a moça seguiu com ele até o boulevard.
Lá, como ela fizera diversas vezes com Handolph, tomaram café, compraram jornais e revistas, e depois, avistando um fotografo, os dois tiraram vários retratos juntos.
Herman, encantado com a moça, prometeu guardá-los todos.
Eleonora então, despediu-se dele e retornando ao hotel, preparou suas malas.
Arrumando tudo com o maior cuidado, já estava pronta para partir.
Ansiosa, já havia até colocado suas malas no carro.
Não fosse Handolph aparecer furioso, Eleonora teria conseguido fugir.
Mas o rapaz, ao descobrir que o insucesso de sua empreitada se devia a ela, começou a fazer um escândalo e puxando-a para longe dali, jogou-a dentro de um táxi e levou-a dali.
Enfurecido, Handolph trancou Eleonora num quarto e dizendo que eles tinham contas a acertar, jurou que ela pagaria muito caro pelo que havia feito.
A moça ao ouvir as palavras do moço, esperou pelo pior.
Nisso Herman, sabendo que ela estava de partida, resolveu tentar se despedir novamente.
Porém, qual não foi sua surpresa ao saber do ocorrido.
Preocupado, o rapaz tratou logo de pedir ajuda. Assim, foi questão de tempo para que ele conseguisse localizar a ambos.
Enquanto isso, Handolph tomado de um ódio repentino de Eleonora, comentou que acabou ligando as coisas, ao constatar que ela sempre tivera curiosidade com relação ao seu trabalho.
Foi desta forma que Handolph chegou a conclusão, que ela poderia estar envolvida com o insucesso dos seus planos.
O rapaz, dizendo que aquele era o único fornecedor que estava disposto a vender as matérias-primas, comentou que perdeu muito dinheiro com aquela história. Aborrecido, o rapaz comentou que até esclarecer o mal entendido e voltar a trabalhar com o estrangeiro, levaria muito tempo, e assim não poderia ajudar no esforço de guerra como queria.
Eleonora, tentando despistar, comentou que não estava entendendo o que ele estava querendo dizer com aquilo.
Handolph, irritado com a atitude de Eleonora, desferiu um soco em seu rosto.
Eleonora, com o impacto soco, virou o rosto para trás. Depois colocando a mão na boca, percebeu que a pancada ocasionou um corte.
A moça, então, pegou um lenço para limpar o corte.
Handolph, ao ver a cena, comentou que aquele era apenas o começo.
O rapaz, revoltado, começou a falar sem parar.
Chamando-a de mentirosa e leviana, Handolph fez questão de deixar bem claro que ela pagaria muito caro por tudo o que havia feito.
Eleonora só ouvia.
Nisso, Herman, com a ajuda de alguns amigos, ao chegar no lugar onde Eleonora estava presa, arrombou a porta e entrando na casa, e depois de passar algum tempo procurando pelos dois, acabou encontrando-os numa sala.
Herman ao ver os dois juntos, pediu para que o amigo não fizesse nada sem pensar.
Handolph que até então estava voltado para a moça, olhou para Herman e dizendo para que ele não se intrometesse, apontou uma arma em sua direção.
Eleonora então, percebendo o perigo, pediu para que ele fosse embora.
Herman, ao ver que Eleonora não podia se defender, respondeu firme, que não sairia dali.
Handolph, irritado com a teimosia do amigo, resolveu então lhe contar tudo o que ela havia feito. Dizendo que ela era uma espiã e que só havia se envolvido com eles para descobrir informações úteis para ela, o rapaz deixou bem claro que desejava vê-la morta.
Herman, atarantado com a revelação, sem acreditar nas palavras do amigo, perguntou a moça se era verdade tudo o que Handolph havia dito.
Eleonora, percebendo que não adiantava mentir, assentiu com a cabeça concordando.
Herman ficou desapontado.
Por um instante, concordando com o amigo, chegou a pensar que o melhor a fazer seria matá-la.
Mas depois de alguns instantes, pensando em sua vida e em tudo de bom que ela havia proporcionado a ele, Herman, que estava interessado nela, resolveu reconsiderar.
Handolph, observando o comportamento do amigo, por um instante chegou a acreditar que ele o apoiaria em seus planos.
Contudo, Herman, tomado de um ímpeto, lançando-se em direção a Handolph, revelou que não o deixaria executar seus planos.
Handolph, percebendo que o rapaz investia contra ele, resolveu atirar. Não fosse sua pontaria ruim, e certamente o teria atingido.
Herman ao se aproximar de Handolph tomou sua arma, e em seguida, pediu para que Eleonora saísse dali.
A moça atendeu o pedido do rapaz.
Voltando ao hotel, vendo um táxi na porta, entrou e sem nem se preocupar com suas malas, partiu. Saindo da Riviera, parou na cidade mais próxima e pegando um trem, viajou para bem longe dali.
Foi assim que Eleonora escapou.
Nisso, conforme as coisas foram se acalmando, a moça tomando coragem, escreveu uma carta agradecendo a ajuda de Herman.
O rapaz a leu.
A carta trazia a seguinte mensagem:
‘Caro Herman.

Gostaria de ter me despedido, mas, diante das circunstâncias, que você bem o sabe, não foi possível. Muito embora tenha me ajudado, seu perfeitamente que eu te enganei e o prejudiquei. Saiba porém que o fiz pensando em um bem maior que você provavelmente ainda não viu.
Sinto por isso.
No entanto, ainda que estejamos em lados opostos devo-te minha vida. Obrigada.
Não fosse a sua galhardia e destemor, hoje eu não poderia escrever-te esta diminuta carta.
Obrigada por tudo.

Eleonora.’

Herman ao ler o conteúdo da mensagem, tentou por diversas vezes verificar nas entrelinhas, se havia alguma mensagem.
Muito embora estivesse magoado com a moça, não gostava da idéia de que nunca mais a veria.
E assim, embora tivesse um pouco de raiva dela, guardou com todo o cuidado as fotos que tiraram. Como prometido ele nunca se esqueceria dela.

Eleonora, ao desempenhar sua missão, foi bastante elogiada pelos chefes da organização.
Como prêmio pelo sua contribuição valiosa para o bom desempenho da missão, Eleonora poderia finalmente gozar de suas merecidas férias.
A moça, ficou profundamente agradecida, mas dizendo que o dever era mais importante que o descanso, pediu para ser designada para uma nova missão.
Assim foi feito.
Foi assim que corajosamente, infiltrada entre os oficiais nazistas, Eleonora conseguiu novamente, resgatar judeus que haviam embarcado como prisioneiros em um trem.
Usando de artimanhas, unida a um grupo de agentes, simulou uma invasão.
Durante a missão, os passageiros da primeira classe nem perceberam o que se passava. Somente os oficiais nazistas que guardavam os vagões dos judeus foram atacados.
Pegando os oficiais desprevenidos, soltaram os prisioneiros e usando de auxílio externo, pararam o trem e conduzindo os prisioneiros para longe dali, conseguiram levá-los para outros países.
Bem sucedida a operação, mais uma vez Eleonora recebeu congratulações.
E novamente ela estava disposta a se aventurar em mais uma missão.
Assim, terminou mais uma fascinante história.
Na rádio, os locutores disseram: ‘E assim, terminam as aventuras de nossa charmosa espiã. Aguardem nas próximas semanas mais uma emocionante história. Um homem, uma cidade...’

Clarissa ao terminar de ouvir a rádio-novela, desligou o rádio.
Cansada de ficar em casa aguardando as últimas decisões de Bruno, a garota resolveu contatá-lo. Dizendo que estavam há muito tempo parados, a moça disse que já estava na hora de agirem.
Bruno, percebendo então que já haviam ficado muito tempo parados, concordou. Sim, já estava mais do que na hora de voltarem a agir.
E assim, ao término da algumas semanas o grupo voltou a se reunir.
Animados, trataram de confeccionar uma nova edição para o jornal.
O jornal ‘Revolução Fabril: A Voz do Operário’, tinha que voltar a circular.
E assim, todos se puseram a trabalhar.
Clarissa, para sua satisfação, finalmente pôde escrever. Empolgada, colocou toda a sua emoção no texto que redigiu com todo o cuidado.
Depois de dois dias, com o texto pronto, foi levá-lo para ser aprovado por Bruno. O rapaz, dizendo que estava ótimo, comentou que ela era sabia melhor do que ninguém o que estava bom e o que não estava, assim não precisava pedir sua autorização para publicar nada do que quisesse.
Clarissa tratou de imediatamente levar o artigo para a prensa.
Os demais redatores então, ao terminarem seus textos foram logo levá-los para que Clarissa os lesse. A moça, percebendo que os mesmos podiam ser publicados, autorizou os demais integrantes do grupo a imprimirem os artigos.
Assim, foi questão de tempo para que o jornal voltasse a circular e causasse mais alvoroço pela cidade.
Os empresários, ao lerem as matérias do jornal, não gostaram nem um pouco de saber que os operários não haviam desistido.
Muito embora tivessem ficado um longo tempo sem circular, na sua segunda edição as matérias do jornal causou ainda mais furor.
Mesmo que os empresários se referissem a ele como jornaleco, o certo é que ‘Revolução Fabril: A Voz do Operário’, estava tirando a tranqüilidade de todos aqueles homens de negócio.
Contudo, mais irritados do que antes, os empresários começaram a agir.
Com o auxílio da polícia, foram vasculhados todos os ambientes suspeitos de atividades subversivas.
No entanto, apesar dos policias terem descoberto o local das reuniões e destruído todo o maquinário que os operários utilizavam, os mesmos não conseguiram arrefecer seus ânimos.
E assim os operários, ao verem a destruição no galpão, percebendo que precisavam tomar medidas drásticas, resolveram enfim, realizar uma greve na fábrica.
Bruno, preocupado com a segurança dos operários decidiu realizar a reunião longe dali.
Clarissa, percebendo a exaltação de ânimos, pediu a todos os operários para que se acalmassem.
Afinal de contas, se ele havia dito que a reunião não poderia ser realizada ali, era por que, em razão da destruição do maquinário, certamente os policiais, sabendo que eles se reuniam ali, só estavam esperando o momento oportuno para pegá-los.
Assim, quando todos ouviram as palavras da garota, percebendo então que todo o maquinário que possibilitava a impressão do jornal fora destruído, concordaram em sair dali, e aguardando novas decisões, esperariam para pôr o plano de fazer greve em prática.
Para não levantarem suspeitas, os operários foram saindo pouco a pouco do galpão.
Por fim, Clarissa e Bruno, vendo que todos já haviam saído, resolveram também sair.
Quando saíram da velha fábrica, por pouco não foram pegos pelos policiais.
Isso por que, dois pastores alemães, rondando o local, logo notaram que havia pessoas por ali.
Clarissa ao ver os dois cachorros se aproximando, perguntou a Bruno, o que fariam.
O rapaz, ao ver os cães se aproximando, puxou Clarissa pela mão, e mandando-a segui-lo, encaminhou-se para a outra saída.
Clarissa que não viu nenhuma saída, estranhou a atitude do rapaz, mas este, ao levantar uma tábua solta, ensinou a rota de fuga para Clarissa. Lá, como havia imaginado, não havia ninguém esperando por eles.
Saída perfeita.
Clarissa e Bruno, ao se verem longe da confusão, até riram do incidente.
Contudo, a moça percebeu que não fosse a presença de espírito do amigo, certamente os dois estariam presos.
Bruno no entanto, comentou que não fosse ela tê-lo avisado, os dois teriam sido pegos de qualquer jeito.
Clarissa contudo, agradeceu o amigo, e despedindo-se dele, voltou para casa.
Lá mais uma vez Raquel inquiriu querendo saber onde ela havia estado.
Mais uma vez a moça disse que ficara fazendo serão.
Raquel que já conhecia a história, tornou a ficar preocupada. Contudo, como não tinha como controlar a sobrinha, a mulher resolveu deixar a questão de lado. Dizendo que não sabia o que fazer, falou que deixaria tudo nas mãos de Deus.
Bartolomeu ao perceber a preocupação de Raquel, resolveu conversar com Clarissa.
Chamando a atenção para o fato de que Raquel estava muito preocupada com ela, Bartolomeu pediu para que ela não voltasse mais tão tarde.
Clarissa dizendo que não podia prometer algo que não podia cumprir, deixou Bartolomeu igualmente preocupado.
E assim a moça, decidida a lutar pelo que acreditava, continuou a deixar seus tios cada vez mais preocupados.
Isso por que, cada vez mais ausente, nos últimos tempos, só preocupava em se ocupar dos detalhes da greve que realizariam. Visando captar o maior número de adeptos, Bruno e Clarissa não mediam esforços. Por isso mesmo, diversas vezes os dois foram vistos fazendo discursos para arregimentar forças para a luta.
Dizendo palavras de ordem, os dois tentavam a todo custo convencer os operários que aquela luta não era de um ou de outro, mas sim de todos eles, e desta forma arregimentavam até mesmo os corações mais empedernidos.
Contudo, nem todos os operários estavam convencidos de que esta era a melhor solução e temendo represálias, alguns resolveram desistir de participar da greve.
Clarissa e Bruno no entanto não se deram por vencidos.
Tentando a todo custo convencer a todos de que aquela luta era importante e que não podiam temer nada, ainda assim nem todos aderiram a idéia.
Contudo, diante do enorme quadro de pessoas que aceitou integrar o movimento operário, havia gente mais do que suficiente para fazer pressão no dono da fábrica.
Assim, nos dias que se seguiram, os operários, reunidos em outro local, combinaram com detalhes quando e como se desenrolaria a greve.
Preparando faixas e cartazes, os operários estavam prontos para fazer um grande barulho. Dispostos a acabarem com o despotismo dos patrões, os mesmos não tinham a menor idéia das proporções que aquela greve tomaria.
Isso por que, quando chegou o dia combinado, em que finalmente ocorreria a greve, os operários, munidos de faixas, cartazes e todo o mais necessário para mostrarem que não estavam brincando, postaram-se diante dos portões abertos da fábrica e não entraram.
O dono da fábrica percebendo que os operários estavam medindo forças com ele, ficou profundamente irritado. Contudo, não deixou por menos.
Dizendo que não podia deixá-los tomar conta da situação, tratou logo de chamar a polícia.
Sim por que, se ele não podia resolver tudo sozinho, os policiais certamente podiam.
E assim depois de meia-hora diante da fábrica, os operários, aguardando os últimos acontecimentos, pacientemente esperaram que o dono da fábrica se apresentasse diante deles para discutirem suas reivindicações.
No entanto, o que eles menos esperavam aconteceu.
Os policiais chegando até lá com patrulhas, avançaram contra os grevistas.
No meio da confusão a massa se dispersou.
Houve tiros, manifestantes que enfrentaram a policia foram agredidos e no fim da confusão, alguns manifestantes, sem terem como fugir, foram pegos. Bruno e Clarissa estavam entres.
Levados até a delegacia, logo foram apontados pelos outros presos como os líderes do movimento grevista.
Bruno ao ser delatado, contou ao delegado que Clarissa não tinha nada a ver com aquilo, e pedindo para que ela fosse liberada, alegou que ela só estava no meio da confusão por que estava passando por ali.
O delegado ao ouvir a história, começou a rir.
Depois visivelmente irritado, perguntou ao rapaz se ele tinha cara de idiota.
Bruno tentando desconversar, respondeu:
-- Desculpe. Eu não entendi o que o senhor perguntou.
O delegado, que já estava impaciente, mandou então levar os dois para a cela.
Bruno percebendo que não convencera o delegado, gritou pedindo para que soltassem Clarissa.
O homem, irritado com a balbúrdia que o rapaz estava provocando, mandou que o guarda lhe desse um recado: Ou ele se mantinha calado, ou então as coisas iriam ficar muito ruins para ele.
Depois que ele foi levado para sua cela, um outro policial, foi logo levar o recado ao preso.
Bruno então se calou.
Nisso chegaram os outros prisioneiros. Entre eles, estavam os delatores.
Alguns dos presos, fiéis a Bruno, não gostaram nem um pouco de saber que ficariam na mesma cela que notórios traidores da causa.
Contudo, não podiam fazer nada para impedir.
Nisso, conforme a noite caía e as horas passavam, Raquel e Bartolomeu, percebendo que Clarissa não voltava, começaram a ficar preocupados.
Porém, sabendo que ela costumava demorar para voltar para casa, os dois resolveram esperar mais um pouco.
Esperaram tanto que um novo dia surgiu.
Todavia, nada de Clarissa aparecer.
Preocupados, os dois foram até a tecelagem onde a moça trabalhava, e ao lá chegar, descobriram que no dia anterior houve uma grande confusão em frente o portão da fábrica e enquanto a questão não se resolvesse, os portões da mesma não seriam abertos.
Raquel, ao ouvir as meias-palavras do porteiro, percebeu tudo o que se sucedera ali.
E mesmo sem ter certeza que a sobrinha estava envolvida na confusão, a mulher pediu ao irmão para que a levasse até a delegacia.
Bartolomeu também preocupado com o sumiço de Clarissa, tratou de levar a irmã até lá.
Ao chegarem na delegacia, o escrevente, dizendo que o delegado não atenderia ninguém, recomendou aos dois que retornassem a delegacia no dia seguinte. Raquel ao ouvir o escrevente tentou argumentar, mas o homem irritado, respondeu:
-- Ô mulher. Não ouviu o que eu disse? O delegado está ocupado.
Bartolomeu, ao notar que Raquel estava nervosa, puxou-a pelo braço e levando-a para fora da delegacia, prometeu a ela que voltariam no dia seguinte.
Raquel tentou convencer Bartolomeu a conversar com o escrevente.
Ele no entanto, dizendo que precisavam falar com o delegado, alertou a irmã de que não adiantaria gastar saliva com o escrevente. O certo seria aguardar e esperar para falar com o próprio delegado.
Sim, por que falando com ele, certamente saberiam se Clarissa estava lá ou não.
Enquanto isso, Bartolomeu, aventando a possibilidade de ter ocorrido o pior, falou com a irmã, que precisavam percorrer os hospitais para saber se ela não estava ferida.
Raquel ao ouvir as palavras do irmão, começou a chorar. Porém, ciente de que ele tinha razão, resolveu acompanhá-lo.
Bartolomeu tentou convencer a irmã a ficar em casa, mas ela dizendo que não iria conseguir ficar calma, teimou em ficar com ele.
E lá se foram os dois. Percorrendo os vários hospitais da cidade, descobriram que Clarissa não havia sido internada em nenhum deles.
Mais tarde visitando o Instituto Médico Legal, também constataram que a moça, para alívio deles, não estava lá.
Diante disso, Clarissa só poderia estar presa.
Muito embora essa não fosse a melhor notícia do mundo, saber que ela estava viva e bem, era reconfortante para eles.
Contudo, a moça não passaria incólume pela cadeia.
Isso por que, o delegado sabendo que havia outras pessoas envolvidas na confusão, começou a pressionar os dois para que revelassem o nome dos demais responsáveis.
Como Bruno e Clarissa diziam que eles haviam sido os únicos mentores da idéia, o delegado ficou irritado.
Acreditando que havia muita gente envolvida, ele queria saber os nomes.
Como porém, nenhum deles passava as informações que ele queria ouvir, tanto Clarissa como Bruno sofreram horrendas torturas.
Muito embora Bruno tenha tentado proteger Clarissa, a moça percebendo que não tinha como esconder sua responsabilidade por tudo o que havia ocorrido, destemida, resolveu assumir sua participação em tudo.
Bruno ao constatar que Clarissa não se escondera, nem negara nada do que era acusada, tentou ralhar com ela, mas ela decidida, respondeu-lhe que não tinha por que se arrepender de nada que fizera.
Bruno ficou orgulhoso da moça ao ouvi-la dizer isso.
No entanto, a moça assinou sua sentença ao proferir essas palavras.
O delegado, sabendo da atenção que Bruno dedicava a ela, aproveitando-se disso, usou a moça como arma.
E assim, torturando-a na frente do rapaz, fez com que ele revelasse os nomes dos demais participantes do movimento operário.
O delegado no entanto, só resolveu usar a moça, depois que percebeu que não importava o que fizesse, o rapaz nada falaria.
Contudo, foi só envolver Clarissa na história para ele revelar tudo o que sabia.
Esse golpe foi duro para ele. Isso por que ele, ao entregar seus amigos, seus companheiros, estava traindo a causa. Tal fato era indefensável para ele. Mesmo tendo que fazê-lo para proteger uma amiga, ele nunca se perdoaria por isso.
Clarissa combalida, depois de muito apanhar, nem sequer imaginava o que se passava com Bruno.
Enquanto isso seus tios, preocupados com seu sumiço, ao descobrirem que ela estava presa, fizeram de tudo para tirá-la da prisão.
Contudo, não foi nada fácil libertá-la.
O delegado estava determinado a dar uma lição nos baderneiros.
No entanto, depois que Raquel conseguiu levar o caso para os jornais, o delegado acabou libertando a moça.
Contudo, quando Raquel falou nisso pela primeira vez, o delegado rindo, comentou que era o presidente quem controlava os jornais. Assim, só seria publicado o que ele quisesse.
Raquel percebendo o desdém da autoridade, comentou que havia um jornal que aceitaria publicar a história.
O homem então, percebendo que Raquel não estava brincando, resolveu colocá-la a prova.
A mulher aborrecida, pediu para que ele aguardasse.
Determinada, Raquel, sabendo que havia um jornal clandestino que publicava matérias contra o governo, resolveu denunciar o que vinha acontecendo.
Os jornalistas, comprometendo-se a publicar a matéria, trataram logo que a mulher saiu do local, de averigüar a autenticidade da informação.
Quando descobriram que a notícia era verdadeira, trataram de publicá-la. E assim, um jornal operário, de pequena circulação, ao parar na porta das casas das melhores famílias de São Paulo, acabou por causar uma grande comoção.
O delegado, ao saber disso, passou a ameaçar a mulher.
Mas Raquel dizendo que não tinha medo dele, comprometeu-se a fazer um acordo com ele. Se o mesmo soltasse sua sobrinha, nunca mais ele ouviria falar dela.
O homem, sem ter alternativas, acabou concordando.
Mandou aos policiais que libertassem a garota.
Mas Clarissa dizendo que não podia sair sem seu amigo, recusou a liberdade.
Somente depois do delegado concordar com sua soltura, a moça concordou em sair dali.
Incomodado com a situação o homem pediu para os três nunca mais aparecessem em sua frente.
Clarissa, ajeitando sua boina, tratou de sair dali.
Triste, passou muito tempo sem vontade de nada.
Trabalho para ela era, passou a ser só para ajudar a família.
Raquel ao vê-la sem ânimo e sem coragem, resolveu contar a história de seu pai.
Clarissa, mesmo desalentada, parou um instante para ouvir.
Sua tia contou então, que quando ela ainda era muito pequena, ele partira para lutar na Revolução de 1932. Segundo suas palavras, lá ele lutou. Lutou duramente. Lutou bravamente. Contudo, a certa altura do confronto, alvejado pelos inimigos, foi atingido por vários tiros e acabou morrendo no campo de batalha.
Clarissa ao ouvir isso, ficou comovida com a história.
Raquel então, ao observando o semblante da moça, comentou com ela que apesar de tudo o que se passara, ela ainda tinha a oportunidade de escolher. Escolher entre viver do passado, vagando com uma sombra ou então tentar construir um futuro.
Clarissa ao ouvir as palavras da tia, perguntou a ela que futuro podia ter. Dizendo que não havia esperança, comentou que tudo o que acreditara até então ruíra, e que não havia mais nada em pudesse colocar sua fé.
Revoltada, a moça chegou a perguntar:
-- De que adiantou eu ter chegado até aqui? Nada valeu a pena. Nada mudou. Nada vai mudar.
Ao proferir essas palavras, Clarissa conseguiu atravessar o coração de sua tia com a mesma precisão de uma flecha.
Isso por que a pobre mulher ao ver a sobrinha naquele estado lastimável, não sabia mais o que fazer. Desde que a mãe de Clarissa morreu, era ela quem cuidava da garota, com o mesmo desvelo de uma zelosa mãe.
Todavia, por mais que se esforçasse, sabia que nada a seguraria ali por muito tempo. Sentindo que o melhor seria libertá-la, Raquel falou que se ela não se sentia feliz ali, ela deveria buscar a felicidade que estava procurando.
Dito isto, foi preparar o almoço.

Nisso, Bruno, amargurado com o que tivera que fazer, depois de ser liberado pelo delegado, resolveu se afastar da luta operária e indo para longe dali, por pouco quase não se despediu de Clarissa.
A moça porém, ao saber de sua partida, foi logo se despedir do amigo. Não fosse um colega da fábrica avisá-la e o moço teria partido sem se despedir dela.
Clarissa então ao saber da partida do amigo, foi até seu encontro.
Correndo muito, – pois Bruno estava prestes a partir – finalmente depois de passar por ruas e mais ruas, finalmente encontrou o lugar onde o rapaz morava.
Bruno, segurando uma mala em uma das mãos, estava pronto para partir.
Clarissa ao vê-lo de partida, comentou decepcionada:
-- E você nem ía se despedir de mim!
Bruno ao perceber o desapontamento da amiga, pediu-lhe desculpas, mas dizendo que precisava partir, achou melhor não encontrá-la para se despedir, ou acabaria desistindo.
Clarissa, surpresa com a resposta, perguntou:
-- Então! Por não fica?
Bruno sorriu.
E assim, dizendo que se sentia culpado por tudo de errado que fizera, contou a ela que apesar de ter delatado os companheiros de luta para ajudá-la, nunca se perdoaria por isso.
Clarissa tentando consolá-lo comentou que ele não devia se sentir culpado por isso.
Afinal de contas, se ele havia feito isso para ajudá-la, não havia feito por mal. Ademais se havia alguém que era responsável por tudo o que esses homens suportaram, esse alguém era ela.
O rapaz contudo, discordou, e dizendo que eles entenderam a razão de tudo o ele fizera, disse ela para que não se culpasse por nada.
Clarissa, ao ouvir as palavras de conforto do amigo, comentou:
-- Eu queria consolá-lo e quem acaba sendo consolada sou eu.
O rapaz ao ouvir essas palavras, abraçou-a.
Bruno dizendo que não voltaria mais, sugeriu que a amiga fizesse o mesmo.
Clarissa triste, prometeu que pensaria.
E assim os dois se despediram.
Quando Bruno pegou sua mala, Clarissa, acenando para ele, disse adeus.
Ele por sua vez, ao vê-la acenar-lhe, fez o mesmo.
Ao virar uma rua, enquanto o rapaz continuava caminhando, Clarissa continuou acenando. Só parou quando ele sumiu na distância.
Emocionada, no caminho de volta para casa, não parou de pensar nem por um minuto na certeza de que nunca mais o veria...

Quando finalmente Ludovico voltou da guerra, Raquel emocionada, assim que o viu entrando pelo corredor do cortiço, correu em sua direção. Sem perceber que o mesmo estava ferido, abraçou-o e feliz disse que não acreditava que o veria mais.
Os vizinhos ao verem-no ali, perguntavam a ele, por que os outros não voltavam.
Com pesar, ele respondeu que a guerra não havia acabado, e que muitos morreram. As famílias dos mortos, quando tiveram a notícia, ficaram desoladas.
Foi nesse momento que Bartolomeu voltando do trabalho, ao ver o irmão, abraçou-o. Em seguida, percebendo que o mesmo estava ferido, chocou-se ao ver que ele havia perdido parte de sua perna esquerda.
Para a família, perceber que ele havia voltado mutilado da guerra, causou-lhes profundo pesar.
Clarissa ao saber disso, chorou copiosamente.
Desiludida com a luta operária e cansada das injustiças da terra, também resolveu partir. Cansada de viver a vida que queriam impôr a ela, arrumou suas coisas, e sonhando em viver uma vida de aventura como Eleonora – a heroína da rádio-novela –, lá se foi Clarissa.
Clarissa porém, sem coragem para se despedir da família que a acolhera, resolveu escrever um bilhete.
Assim, cuidando para que ninguém a visse partir, Clarissa aproveitando a neblina da noite, sumiu na escuridão da noite.
Como o amigo lhe dissera dias antes quando ela se despediu dele, nunca mais voltaria, e seus tios também nunca mais a veriam.
E assim, quando Raquel, Ludovico e Bartolomeu deram por sua falta, já era tarde demais. Clarissa, já estava muito longe dali.
Raquel, ao ver um bilhete em cima da cama da moça, antes mesmo de o ler, teve a certeza de que ela havia ouvido seu conselho.
Apreensiva por saber o que dizia a carta, não teve coragem de pegá-la.
Bartolomeu então, vendo a carta, pegou e abriu. Ao ler a mensagem, contou a todos, desesperado, que Clarissa havia partido...

Mesmo sabendo que a partida era inevitável, Raquel ficou sentida ao ver que ela partira sem ao menos de se despedir dela.
Ludovico e Bartolomeu por sua vez, inconformados com o teor da carta, saíram em seu encalço. No entanto já era muito tarde.
Triste Ludovico, depois de muito procurá-la, cansado de andar pela cidade com suas muletas, deu-se por vencido:
-- Clarissa não quer ser encontrada. E infelizmente diante disso, nós não podemos fazer nada. – comentou quase chorando.
Não havia mesmo.

Nem mesmo Ataúfo ouviu o nome da sobrinha nos lugares por onde passou. Pesaroso, ao saber do que se sucedera a ela e a irmão Ludovico, prometeu que abandonaria a luta operária e mudando-se para São Paulo, ajudaria a família.
E assim foi.
Ludovico, mesmo com suas limitações, retomou sua vida e trabalhando numa bilheteria de cinema, acabou se adaptando a sua nova condição.
Quando finalmente superou a tristeza, Ludovico revelou que perdeu parte da perna, quando pisou em um campo minado. Não fosse os cuidados das enfermeiras, não estaria ali, de volta ao Brasil, retomando sua vida.
Homenageado, juntamente com os soldados que pereceram na guerra, independente da ajuda do governo, Ludovico retomou sua vida.
Ataúfo, trabalhando em São Paulo, deixou de lado a luta política. Como havia prometido, se comprometeu com Raquel a procurar Clarissa.
No entanto, a moça não queria ser encontrada.
Para consolo dos parentes, somente a carta que ela escrevera se despedindo:

‘Meus caros tios.

Antes de escrever esta missiva, pensei em muitas coisas. Temerosa de magoá-los, tentei ao máximo não escrever coisas tristes.
Por esta razão rabisquei muitos papéis.
Escrevi tanto, que por um momento, pensei não ter o que contar a vocês.
Porém, pensando melhor, achei que vocês mereciam uma explicação.
Assim, em razão de vocês terem sido os pais que nunca tive, resolvi escrever esta missiva.
Primeiramente, não pensem vocês que o fato de não me despedir significa que guardo qualquer sentimento ruim.
Pelo contrário, amo-os muito.
Amo-os tanto que não quero mais preocupá-los com meu inconformismo e insatisfação com esta vida.
Diante disso, o melhor a fazer é partir. Partir como fizera meu amigo. Partir para não magoar mais do já magoei vocês, membros da minha querida família. A melhor. A que foi constituída por pessoas que se amam de coração.
E é em razão disso que não me despeço.
Sei que seria por demais penoso para todos dar o último adeus. Bem o vi quando fui me despedir de Bruno.
Foi muito difícil vê-lo sumindo aos poucos do meu campo de visão. Não recordo de um sentimento mais triste do que este.
Assim, diante desta experiência dolorosa, não quero repeti-lo.
Sei que talvez esteja sendo covarde. Se o estiver, perdoem-me. Não foi minha intenção magoá-los, como já escrevi.
Contudo, sinto que esta carta está tão triste quanto as outras. Preciso pensar em escrever coisas alegres.
Quando vocês lerem esta carta, estarei muito longe daí. Contudo, não pensem vocês que sou ingrata. Não sejam tristes por isso. Continuem felizes, por que eu tentarei sê-lo à minha maneira.
Pensem enquanto estiverem lendo esta carta, que estarei caminhando por uma longa estrada deserta. Estrada deserta e escura, mas que em certo momento tudo se clareia e a escuridade que faz par com a minha solidão, um dia se acabará.
Não digo adeus, por que essa palavra trás em seu sentido a certeza de que nunca mais se encontrará a pessoa de quem se despede.
Digo apenas, até logo.

Até logo.
De um pássaro que anseia por novos horizontes.
Amo a todos vocês.
Clarissa.’

Raquel, sempre que lia a carta, dizia que nunca mais a veria.
Seus irmãos, quando a ouviam dizer isso, censuravam-na.
Mas Raquel, sabia perfeitamente que um novo encontro com Clarissa jamais tornaria a acontecer. Dizendo que ela era como seu pai, Raquel insistia em dizer que ela era livre demais para se conformar com a vida que levavam.
Estava certa, posto que nem ela nem Bruno, voltariam.
Para se consolar da ausência de Clarissa, Raquel preferia acreditar que os dois estavam juntos.
Porém, como saber?
A resposta para essa pergunta não estava ao alcance deles.
Somente Bruno e Clarissa podiam responder a ela.
Mas infelizmente, eles não estavam por perto para responder.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

BARRACÃO DE ZINCO - CAPÍTULO 4

Com isso, ao término da transmissão , Clarissa mais uma vez, desligou o rádio.
Mas qual não foi sua surpresa ao descobrir nas mãos da tia, um jornal intitulado ‘Revolução Fabril: A Voz do Operário’.
Raquel, ao levar para casa uma edição do jornal, foi logo perguntando a sobrinha, se ela sabia quem estava envolvido com a produção do jornal.
Clarissa desconversou. Porém, pensou: Como ela poderia saber?
Mas sua tia não estava convencida. Por isso, procurando avisar a garota, comentou:
-- Clarissa, pelo amor de Deus, não se meta com essa gente. Você vai acabar arrumando confusão para sua vida. Esse jornal mesmo, está circulando por toda a cidade. Umas vizinhas aqui do cortiço até comentaram que na tecelagem onde você trabalha, mandaram apurar quem teria sido o responsável pela publicação do jornal.
Clarissa ao ouvir as palavras de sua tia, deu de ombros.
Sim, as partes começavam a se manifestar.
Assim se denota, dada a dimensão dos fatos, que o jornal já estava cumprindo com sua finalidade.
E para espanto de todos, de maneira muito mais eficiente do que esperavam.
Na cidade inteira não se falava em outra coisa.
Assim que amanheceu e todos os moradores encontraram o jornal em suas portas, trataram de lê-los.
Os textos contudo, faziam uma dura crítica ao sistema capitalista. Isso em uma época de ditadura e de perseguição política.
Nesse período, muitas lideranças sindicais já haviam sido deportadas.
Mas Bruno, Clarissa, e os demais participantes do movimento de luta operária, estavam convencidos de que já era hora de perderem o medo e continuarem a lutar.
Por isso, irmanados nesse objetivo, resolveram criar um jornal, que representaria a voz de todos os excluídos e discriminados.
Dessarte, para a alegria deles, ao distribuírem o jornal nas portas das casas, possibilitaram que outras pessoas tomassem conhecimento da luta.
E mais, dada a ousadia dos militantes, não se falava em outra coisa por quase toda a cidade.
Era impressionante. Muito embora a grande maioria dos leitores tivessem concordado com a abordagem crítica dos assuntos, uma pequena, mas representativa minoria discordou profundamente de tudo o que fora escrito.
Assim, os empresários, ao se depararem com o jornal, numa tentativa de tentar contornar a situação, passaram a telefonar uns para os outros, com o intuito de se reunirem e conversarem sobre as primeiras medidas a serem tomadas.
Por isso, ao combinarem o local onde iriam conversar e horário da reunião, todos se apressaram. Precisavam chegar em tempo ao local.
Quando chegaram ao lugar da reunião, a casa de um deles, que por ser mais ampla, era o local ideal para isso, foram logo recepcionados pelos criados e encaminhados para o escritório. Lá por ter uma ampla sala, destinada a reuniões, poderiam conversar sossegadamente.
E foi isso que fizeram.
Discutindo muito sobre o assunto e as medidas que poderiam tomar, chegaram a conclusão que o aludido jornal tinha que ser fechado o mais depressa possível.
Afinal de contas, se esse movimento crescesse, prejudicaria os negócios de todos eles. Isso por que, no caminho do jornal viriam os conflitos, nos quais os operários passariam a medir forças com eles. Por isso, precisavam evitar que o movimento ganhasse força. Precisavam descobrir onde os redatores do jornal se encontravam e, juntamente com a ajuda da polícia, prender todos os responsáveis por aquele acinte.
Precavidos e intransigentes, não podiam deixar que a situação lhes escapasse do controle.
Indignados, mas não entorpecidos pela raiva, tiveram o cuidado de ler mais uma vez as matérias.
Tudo isso para tentarem descobrir algum possível indício que os levassem até o responsável pela publicação daquelas matérias.

Um deles, de tão exaltado que estava, pegou o jornal com as matérias, e começou a ler uma referente a história do trabalho. Intitulada ‘O Opróbrio dos Povos Humildes’, relatava o seguinte:
A história do trabalho começa com muita vergonha e abjeção. Isso por que, a primeira forma de trabalho, se deu com a escravidão. Ou seja, o homem passou a ser explorado por outro homem. Por um seu igual.
Além disso, por dívidas, muitos homens foram compelidos a essa indigna condição, como forma de pagarem por suas dívidas. Como conseqüência, muitos deles eram mutilados, seviciados e até mortos, para solverem seus débitos.
Uma verdadeira indignidade como se pode perceber.
Na Grécia por exemplo, havia os escravos, os servos e os homens livres. Por ser o trabalho considerado algo menor nessa cultura magnífica, somente os escravos e os homens de origem humilde eram a verdadeira força de trabalho do lugar.
Já os homens livres e bem nascidos, estes participavam das discussões políticas na Ágora. Para eles, somente os homens em boa condição poderiam participar dessas discussões. Ninguém mais. O ócio era um fator muito valorizado na Grécia, ao contrário do trabalho, que era um fardo.
Portanto os negociantes, assim denominados em razão de abrirem mão do ócio, eram tratados com desprezo.
Contudo, quando os romanos, na sua ânsia por ampliar seus horizontes, invadiram a Grécia, os gregos foram logo reduzidos a condição de escravos.
No entanto, os mais escolarizados, se tornaram professores, filósofos e conselheiros. Estes escravos com seu trabalho, ajudaram Roma, a se fortalecer culturalmente.
Algum tempo após, a escravidão passou a ser um meio de subsistência. Como se tratava de um negócio muito lucrativo, imperou em muitas culturas. Também, com a facilidade de se adquirir escravos e dado o fato de que não recebiam salário, não tinham muitas despesas com estes.
Outra indignidade!
Como roupa, só tinham o suficiente para não ficarem nus e como alimento, somente o necessário para sobreviverem. No mais, viviam em péssimas condições.
Na Idade Média, imperou o regime da servidão. Mais este era tão ou mais indigno que a escravidão.
Isso por que, os servos eram tão explorados quanto os escravos. Embora recebessem do senhor feudal um pedaço de terra para cultivar, boa parte do tempo, empregavam, cuidando das terras do próprio senhor feudal.
Contudo, apesar de servos, quando a propriedade era vendida, os mesmos iam junto com a terra, como acessórios.
Depois de um certo período, o regime de servidão entrou em declínio.
Em seu lugar surgiram as Corporações de Ofício, onde artesãos e outros profissionais se reuniram. Os mestres eram donos das oficinas e únicos autorizados a explorar determinada atividade comercial. Além disso, eram os mestres que dirigiam estas, como forma de defender os interesses da classe.
No entanto, apesar desta organização de trabalho, para o companheiro, – subordinado ao mestre – conseguir chegar ao grau de mestre, era necessário realizar uma obra mestra. Tal obra, de alto grau de dificuldade, eram o que lhe possibilitava ascender profissionalmente. Contudo, tal obra, para ser aprovada, necessitava do aval dos mestres integrantes da Corporação, o que era deveras difícil de se conseguir.
Portanto essa possibilidade era remota. Até por que, o objetivo maior das Corporações era assegurar o mercado de trabalho para os mestres e seus herdeiros. Ou seja, para seus dirigentes.
Bem se vê com isso, que o trabalho desde sempre, era colocado de lado, como se fora um mero detalhe na relação trabalhista.
Entrementes, após um certo tempo, dada a rigidez da estrutura dessas Corporações, as mesmas acabaram se estagnando.
Foi nesse período que surgiu a classe dos burgueses. O burgueses eram pequenos comerciantes, que embora bem sucedidos financeiramente, estavam afastados do poder e que ansiavam por esta possibilidade.
Nesse momento, surge a doutrina liberal, a qual Adam Smith, formulou seu embasamento acadêmico. Por meio desta escola, o Estado deveria deixar de intervir nos assuntos de natureza econômica, autorizando os particulares a agirem livremente.
Com isso, surge a Revolução Francesa e o Iluminismo. E entre os envolvidos na luta contra o absolutismo, estava Jean Paul Marat, que defendia ferrenhamente, o retorno das Corporações de Ofício, como forma de assegurar um mercado de trabalho, manter o nível de aprendizagem profissional e a dignidade dos trabalhadores.
Nos séculos XVIII e XIX, com o avanço tecnológico, dá-se início a Revolução Industrial. Surgindo inicialmente na Inglaterra, se espalhou por vários países.
Transformando as oficinas de artesãos em fábricas, passaram então a produzir produtos em larga escala.
Foi a partir daí que surgiu um dos períodos mais sombrios da história do trabalho.
Isso por que, num primeiro momento, a utilização de máquinas em lugar do trabalho humano, causou desemprego e revolta. Depois, com o rápido surgimento das indústrias, a mão-de-obra trabalhadora foi sendo novamente absorvida, mas, a despeito da evolução tecnológica, em condições extremamente adversas para o trabalhador.
Assim, sendo grande a oferta de mão-de-obra e não havendo qualquer controle estatal, os salários foram sendo fixados em níveis cada vez mais baixos, enquanto a jornada de trabalho era ampliada para além dos limites de resistência física.
Por economia, utilizavam-se do trabalho de crianças, que eram submetidas a jornadas de trabalho extenuantes. Nesse tempo, havia a jornada de sol a sol, na qual, o trabalho perdurava até quando houvesse luz.
Além disso, muitos empregadores espancavam seus empregados por qualquer deslize.
Em suas memórias, Robert Blincoe, nos conta, que teve seu couro cabeludo infectado de tanto sofrer contusões nesta região.
Mas, para horror de todos, quão pior não foi o tratamento ao qual foi submetido. Como forma de tratá-lo, derramaram piche quente derretido sobre seu crânio. Quando o piche esfriou, formando uma placa, foi arrancado, levando junto, todos os cabelos.
Ademais, relata-se o caso de um adolescente que aos 15 anos, deformado, que tinha apenas um 1,14 m de altura. Isso em razão de seu trabalho, por ter de trabalhar de 15 horas por dia em uma indústria têxtil com os joelhos dobrados.
Para piorar ainda mais a situação, os salários eram aviltantes, assim como hoje. Assim, os trabalhadores não tinham direito as condições dignas de existência.
Nesse contexto, assim como nos dias atuais, muitos consideravam a pobreza, como a vontade de Deus.
Mas em meio a toda essa injustiça social, surgem as idéias socialistas de Robert Owen (1771-1858), de Charles Fourier (1772-1837) e de Karl Marx (1818-1883).
Para Owen, deveria haver comunidades industriais, com melhores condições para os trabalhadores. Fourier todavia, idealizou os falanstérios, os quais seriam comunidades inteiramente livres, onde todas as atividades, inclusive o amor, se desenvolveriam naturalmente, conforme as inclinações individuais de cada elemento. Desta maneira, desapareceriam as diferenças entre o trabalho e o prazer.
Mas Owen e Fourier, esgotaram suas fortunas tentando implantar as tais comunidades ideais, sem contudo, lograrem êxito em seu intento.
Marx então, imaginou uma república de operários, com a extinção de todas as outras classes e o Estado, o qual perderia sua função. Este foi o ponto crucial para inspirar a realização da Revolução Socialista Soviética de 1917.
Ao mesmo tempo, enquanto despontavam as teorias sociais, surgiram os movimentos sindicais operários, com muitas mortes.
A Igreja então, despertando para os movimentos sociais, editou as encíclicas papais Rerum Novarum, Quadragesimo Anno, Divini Redemptoris e Mater et Magistra.
Com isso, o Estado, também vai abandonando lentamente a doutrina do não intervencionismo e passa a promulgar as primeiras leis de proteção ao trabalho. Assim, é criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919.
Mas ao que parece, apesar das inúmeras conquistas internacionais, o nosso país continua a sofrer com a exploração no trabalho.
Jornadas de trabalho extenuantes, exploração do trabalho infantil, baixa remuneração, desvalorização do trabalhador. Até quando teremos que suportar isso?
O Brasil não precisa fazer parte desse histórico. Precisamos que sejam assegurados os direitos dos trabalhadores.
Será que os empresários não percebem que com boas condições de trabalho, os operários trabalharão mais motivados?
Este é um ponto para ser pensado.

Depois de terminar de ler a matéria, um dos empresários exclamou exaltado:
-- Estão querendo nos derrubar. Isto é um acinte. Esses baderneiros não podem continuar a fazer galhofa conosco. Precisamos nos mobilizar contra essa pilhéria. Não podemos admitir esse tipo de situação.
-- Realmente. Isto é um acinte sim. Mas o que podemos fazer? – perguntou outro, preocupado com a possibilidade de que o jornal, causasse problemas para eles.
-- Precisamos descobrir quem foi o responsável por isto.
E assim, passaram horas discutindo.
Enquanto isso na cidade, não se falava em outra coisa que não fosse no aludido jornal. Desde as pessoas mais simples, até os empresários – como já mostrado –, todos se admiraram com a audácia dos envolvidos.
O mais impressionante é que praticamente toda a cidade havia recebido o jornal.
Na rádio já se ouvia falar no citado jornal.
Parecia o assunto do momento.
De tão comentado, nos dias seguintes, um dos principais jornais de São Paulo, comentou sobre o aparecimento de jornais apócrifos. Mas a matéria em si, não esclarecia a finalidade do jornal. Pelo contrário, só ajudava os interesses dos empresários.
Clarissa ao ler a matéria, ficou profundamente irritada, com o rumo que os acontecimentos vinham tomando. Não podia acreditar que todo o trabalho que tiveram, não adiantara de nada.
Aborrecida, na reunião que se deu após os fatos supra narrados, a moça fez questão de comentar que o efeito fora reverso.
Mas Bruno, ao contrário de Clarissa, estava satisfeito com a reação causada pela divulgação do jornal. Afinal, a cidade estava em polvorosa. Em muitas conversas não se falava em outra coisa. E também, não seria na primeira aparição, que o jornal atingiria sua finalidade.
Além disso, o próprio Bruno comentou, que conversando com algumas pessoas, as mesmas demonstraram legítimo interesse em também participar das reuniões.
Clarissa, no entanto, pediu a Bruno que averigüasse quem eram tais pessoas, pois, dada a repercussão do jornal, poderiam ser pessoas ligadas aos interesses dos empresários.
Para ela, todo o cuidado era pouco.
Foi então que Bruno comentou:
-- Mas como poderiam ser pessoas infiltradas, se pareciam tão humildes?
-- Simples. Pois saiba que é muito mais fácil uma pessoa instruída se passar por uma pessoa simples, do que o contrário. Quem garante o empresariado não está tomando medidas para tentar nos apanhar?
-- Você tem razão, Clarissa. Muito embora em meio ao meu entusiasmo eu não tivesse pensado nisso, você está certa. Temos que tomar cuidado. Não podemos nos descuidar. Além disso, dentro da fábrica, quem tiver interesse em aderir ao nosso movimento sabe muito bem como fazer para chegar até a gente.
Nesse momento Clarissa comentou que precisavam sumir por alguns tempos. Isto é, deveriam mudar o local onde se reuniam, para que não fosse descobertos. Até por que, se seus colegas soubessem onde eram realizados os encontros, facilmente poderiam delatá-los.
Daí, para serem pegos seria só um passo.
Por isso, precisavam agir.
Bruno então, com a ajuda de todos militantes, começou a arrumar os objetos que estavam no velho galpão.
Em seguida, para que não levantassem suspeitas da vizinhança, combinaram de retirar os objetos de dentro do galpão, logo que a noite caísse.
E assim o fizeram.
Depois de algumas horas, lá foram eles rua afora, carregando o maquinário necessário para a confecção do jornal e levando-o para outro lugar.
Nesse trabalho de formigas, passaram toda a noite.
Mas enfim, conseguiram transportar tudo o que precisavam para um lugar mais seguro.
O sol já estava surgindo no horizonte, quando finalmente terminaram a mudança.
Enfim, já podiam descansar um pouco.
Contudo, ainda não estavam totalmente seguros.
Isso por que, apesar de estarem temporariamente longe das vistas de qualquer interessado em denunciá-los, precisavam tomar cuidado.
Tudo por que apesar de o novo local de reuniões distar um pouco do antigo galpão, a polícia, no encalço dos responsáveis pela publicação do jornal, poderia facilmente chegar até eles.
Assim, como medida de segurança, decidiram então, temporariamente, deixar de lado os encontros e as reuniões. Isso por que, precisavam despistar os empresários e assim os desarticular.
Ou agiam assim, o iriam destruir o movimento que mal haviam começado. E assim, durante algum tempo, cessaram-se as reuniões.
Dito e feito.
Em menos de três dias após terem empreendido a mudança, policiais invadiram o velho galpão, na vã esperança de encontrarem as principais lideranças do novo movimento operário que se iniciava.
Mas como se pode perceber, não lograram êxito.
Desta vez, os militantes do movimento agiram depressa. Mas nem sempre seria assim.
Todavia isso é assunto para mais adiante.
Com isso, cabe ressaltar, que para os tios de Clarissa, saberem que a moça estava calma nos últimos dias, foi um conforto.
Apesar de a moça não ter dormido em casa certa vez, e sua tia Raquel ter percebido a que horas ela havia voltado.
A sua preocupação maior era de que a sobrinha poderia estar se envolvendo com algum movimento clandestino. Daí a razão de seus desentendimentos com Clarissa.
Mas para ela, Bartolomeu e Ludovico, verem Clarissa seguidas vezes em casa, tranqüila, somente tendo por distração a leitura de alguns livros e revistas, foi um conforto. Um verdadeiro alívio.
Dessa forma, o afastamento temporário de sua luta, foi benéfico para ela e seu relacionamento com os tios. Afinal, ficando sossegada em casa, não haveria motivos para eles desconfiarem que ela estava fazendo algo errado, e assim sossegaram.
Com isso, Clarissa ganhou mais tempo, até que eles finalmente descobrissem a verdade.
Muito embora, apesar de suas estratégias, os três já estivessem desconfiados, não tinham certeza ainda do que Clarissa fazia. Mas já temiam que pudesse ser algo relacionado com a luta operária, ou com algum movimento clandestino.
Diante disso, por mais que vigiassem Clarissa, não tinham como impedir que a mesma participasse de reuniões. Como todos ali trabalhavam muito, não tinham como tomar conta o tempo todo dela.
Assim, a moça tinha extrema liberdade para ir e voltar quando quisesse. E muito embora brigassem muito com ela quando chegava tarde, não tinham como impedir de fato, de que ela fizesse o que bem entendesse.
Por isso vê-la em casa, quietinha, sem causar preocupação a eles por seus sumiços misteriosos, era um motivo de alegria.
De tão contentes, chegaram até dizer:
-- Que bom que você se acalmou, minha querida sobrinha. – comentou Ludovico, dando um abraço em Clarissa.
-- É, parece que as coisas vão se acalmar. Pelo menos por algum tempo. – reforçou seu irmão, Bartolomeu.
Raquel, vendo os três juntos, simplesmente sorriu.
Ludovico então, disse:
-- Só de ver que você não está atrás das idéias de seu tio doidivanas, já é um alívio para nós. Não sabe como ficavamos preocupados quando ele cismava em colocar caraminholas em sua cabeça.
-- Sim, Ataúfo não é má pessoa, mas é muito desmiolado. Não tem siso. – reiterou Bartolomeu. – Estavamos felizes por você não estar envolvida em nenhuma confusão. Não sabe como nos deixava preocupada com seus sumiços repentinos.
-- Mas eu não estava fazendo nada de mais. – respondeu ela.
-- Agora nós sabemos. – respondeu Ludovico.

No dia seguinte, como era dia de trabalho, todos levantaram-se cedo, e preparando-se para mais um dia de labuta, vestiram-se, tomaram café da manhã e foram trabalhar.
Clarissa foi para a tecelagem e seus tios foram para a fábrica.
Já Raquel, por trabalhar em casa, resolveu ainda cedo, começar a passar algumas roupas de seus clientes.
Durante a tarde, caminhando e andando de bonde, passou na casa de todas as suas freguesas para lhes entregar as roupas lavadas, passadas e engomadas e receber o pagamento pelo seu trabalho.
Enquanto isso, seus irmãos trabalhavam na linha de produção de uma fábrica e Clarissa ajudava a preparar os tecidos, que futuramente seriam vendidos em lojas e transformados em roupas.
Ao final do dia, como era de se esperar, todos voltaram para casa, jantaram e conversaram sobre como tinha sido o dia de trabalho.
Como tinham que se levantar muito cedo no dia seguinte, trataram de ir dormir.
Assim, tudo transcorria na maior das calmarias.

Contudo a tranqüilidade não duraria por muito tempo.
Com a convocação dos brasileiros em 1942 para lutarem na Europa, muitas cientes da partida dos filhos, choraram por sua ida a guerra.
Muitas inclusive, choraram por muito mais do que partidas dos filhos, valentes soldados que lutaram na guerra. Choraram pela despedida inexorável dos mesmos, filhos da terra.
No entanto, cabe a nós primeiramente, falar da convocação dos pracinhas brasileiros.
A notícia da convocação, caiu como uma bomba na família de Clarissa.
Ao saber que havia sido convocado, Ludovico ficou muito orgulhoso de saber que desempenharia uma função nobre em defender a pátria.
Raquel contudo, ficou bastante desalentada com a notícia. Temendo que o irmão morresse na guerra, chegou a pensar em ajudá-lo a se liberar desse encargo. Mas como?
Bartolomeu, observando a apreensão da irmã, quanto ao fato de Ludovico lutar, comentou que quanto a isso, nada podiam fazer. Se se opusessem estariam incorrendo em crime, ainda mais em tempos de ditadura.
Clarissa, percebendo que os ânimos estavam exaltados, comentou que infelizmente, não podiam fazer nada com relação a convocação. A moça, percebendo a gravidade da situação, comentou que se eles de qualquer tentassem se insurgir contra a medida, fatalmente acabariam presos, em virtude do cometimento de crime político.
Mas Raquel, mesmo ouvindo isso, não se conformava. Decepcionada, chegou até a comentar:
-- Esse Getúlio Vargas não faz nada para a gente e nós ainda temos que aceitar suas imposições!
Clarissa ao ouvir a indignação da tia, ficou muito orgulhosa de sua coragem.
Isso por que, diante da situação inesperada, nem por um momento a mulher se preocupou em saber se poderia haver alguém que estivesse ouvindo aquela conversa.
Pelo contrário. Enervada com a incoerência da situação, chegou até comentar que Getúlio Vargas um dia fazia uma coisa, no outro, mudava completamente de idéia e tomava uma atitude diametralmente oposta a que vinha tomando. Não dava para entender.
Bartolomeu comentou então que o que levava o presidente a agir dessa maneira era o fato de que este era o jogo político.
Clarissa discordando do tio, comentou que a política que o presidente fazia, não tinha nenhuma relação com uma política verdadeira. Suas práticas populistas e oportunistas nada mais eram do que uma forma de se manter no poder.
Nisso Raquel, que já estava se acalmando, resolveu mudar de assunto.
Mas, triste do jeito que estava, nenhum assunto a faria esquecer de mais um dos inúmeros inconvenientes que a guerra trazia.
Não bastasse a carestia, a ausência de produtos de primeira necessidade, agora também estavam tirando os jovens de sua terra para obrigá-los a lutar em terras distantes. O que mais lhes seria tirado?
Nos dias que se seguiram, foi uma tristeza só.
Enquanto alguns jovens solteiros procuravam se casar para se desobrigarem do compromisso de lutarem na guerra, outros aceitavam corajosamente os desígnios do presidente.
Corajosos e determinados, assim que receberam a convocação, trataram logo de se apresentarem nos quartéis.
Algumas moças, imbuídas do espírito de solidariedade, também se ofereceram para trabalharem como enfermeiras. Dispostas a auxiliarem os soldados brasileiros, muitas moças se habilitaram a tal encargo.
Assim, o que viu a seguir, foram inúmeras, incontáveis cenas de despedidas.
Raquel, Bartolomeu e Clarissa, despedindo-se de Ludovico, diante do inevitável, desejaram-lhe sorte.
Dali, Ludovico seguiria até o porto, de onde partiriam todos os soldados da adorada São Paulo.
Balançando um lenço Raquel se despediu chorando do irmão. Inconsolável com a partida de Ludovico, a mulher só fazia se lamentar.
Bartolomeu e Clarissa, que também se emocionara na despedida, já não sabiam mais o que fazer.
No entanto, com o passar dos dias, percebendo ela que de nada adiantava o seu inconformismo, resolveu retomar sua vida, e voltando ao trabalho, procurou se esquecer da ausência do irmão.
Mergulhada no trabalho, por alguns instantes se esqueceu que Ludovico partira.
Clarissa por sua vez, tendo o trabalho por ocupação, passou a se distrair cada vez mais com a rádio-novela ‘Encontro com o Desconhecido’.

Sua heroína Eleonora era surpreendente. Cada vez mais ousada, não temia em se arriscar.
Tanto que durante algum tempo manteve relacionamento com dois cavalheiros.
Cuidadosa, cuidou de cada detalhe para que um não soubesse de seu envolvimento com outro.
Cautelosa, contando com a ajuda da organização da qual fazia parte, Eleonora diversas vezes, saiu com um ou outro cavalheiro. Sequiosa de descobrir novos e relevantes detalhes sobre a guerra e as estratégias dos alemães, a moça era toda ouvidos quando a conversa tomava esse rumo.
Isso por que, sabendo ser envolvente, conseguiu diversas vezes, fazê-los falar sobre suas ligações com o führer.
Assim, toda vez que Eleonora descobria mais algum detalhe sobre essas ligações, mais ela ficava impressionada com o poder que Hittler tinha sobre as pessoas.
Impressionada com o poder de influência que ele tinha sobre as massas, a moça ao conversar com um dos integrantes da organização a qual pertencia, comentou que nada o impediria de dizimar os judeus.
O homem ao ouvir as palavras desalentadoras de Eleonora comentou que mesmo diante do inevitável, eles deviam fazer alguma coisa. Se não fosse para impedir Hitler de executar seus planos diabólicos, ao menos para fazer com que os efeitos minorassem. Isso por que, se conseguissem salvar mais pessoas, já estariam desempenhando um grande papel. Eleonora, ao ouvir as palavras confortadoras do colega espião, concordou.
Sim, se eles podiam ajudar, tinham a obrigação de fazê-lo.
Com isso, muito embora fosse difícil acreditar que poderiam ajudar mais alguém, Eleonora revelou tudo o que descobriu para o homem.
Este, de posse das informações, insistiu para que ela mantivesse contato.
Eleonora prometeu que assim que soubesse de mais novidades, entraria em contato com eles.
A seguir, sorrateiramente, a moça saiu do lugar, e caminhando discretamente pelas ruas da Riviera, voltou para o hotel.
Antes porém, passeou pelos arredores. Caminhou pela beira da praia. Admirando a luz da lua, perguntou a si mesma se estava valendo a pena seu esforço.
Durante o trajeto pela praia, encontrou alguns homens que preparando-se para sair no dia seguinte, ajeitavam alguns barcos.
Eleonora, depois de algum tempo caminhando, finalmente voltou ao hotel.
Cansada, assim que adentrou o quarto, tirou o lindo tailleur que usava.
Em seguida colocou um camisola de cetim, e exausta, atirou-se na cama.
De tão cansada, dormiu boa parte da manhã.
Não fosse a telefonista ligar para o quarto avisando que Handolph aguardava-a na recepção, a moça teria dormido por mais algum tempo.
Nisso ao atender o telefonema, Eleonora levantou-se num sobressalto. Isso por que, esquecida do compromisso, não se lembrou de levantar mais cedo.
Surpreendida com o aparecimento do rapaz no hotel, Eleonora pediu para que ele aguardasse na recepção do hotel que no máximo em meia hora, ela estaria descendo.
Apressada Eleonora resolveu antes de vestir uma roupa, tomar um banho.
Depois, sem saber direito o que vestir, decidiu usar um vestido. Sim. Em razão de estar atrasada, não haveria tempo para escolher bem os acessórios que iria usar. Assim, usando um vestido, teria menos trabalho para se compor.
Cuidadosa, mesmo atrasada, a moça arrumou o cabelo. Porém, fazendo um penteado diferente do usual, resolveu deixar os cabelos totalmente soltos. Utilizando-se de uma escova e do laquê, modelou os cabelos de modo que eles ficassem volumosos e assemelhados aos penteados das famosas divas do cinema.
Handolph ao vê-la tão bem composta, elogiou-a.
Eleonora, gentil, perguntou-lhe se havia demorado muito.
O rapaz respondeu:
-- Não. Mas também se fosse preciso, eu esperaria muito mais.
Eleonora, percebendo o ar galante, sorriu para ele.
Em seguida, chamando para dar um passeio, Handolph ofereceu seu braço.
Eleonora então, percebendo o gesto de delicadeza, aceitou o oferecimento e saindo juntos, a moça teve seu braço envolvido pelo dele.
Passeando pelo boulevard, os dois tomaram café juntos e compraram alguns jornais.
Muito embora Handolph estivesse interessado nela, a moça já não era mais tão atenciosa quanto antes.
O rapaz, percebendo que ela estava um pouco arredia, perguntou diversas vezes por que ela estava tão estranha.
Eleonora, estranhando a pergunta, respondeu que não estava estranha, apenas estava preocupada com o fato de suas férias estarem terminando, e ela ter de voltar para sua terra de origem.
Handolph então, tomado de uma profunda curiosidade, perguntou mais uma vez de onde ela havia vindo.
Eleonora respondeu que havia vindo de muito longe. Tão longe que os ventos a haviam levado para lá.
O rapaz não compreendeu o enigma.
A moça, com olhar enigmático, também não se preocupou em esclarecer o por quê daquelas palavras. Pressentindo que sua missão estava chegando ao fim, resolveu armar uma situação convincente para justificar sua partida.
Sim por que, como estava se expondo em demasia, a moça corria o risco de certamente vir a ser descoberta.
Ademais, como espiã, mais cedo ou mais voltaria a circular nos meios sociais mais elevados, e com isso poderia ser desmascarada se um daqueles homens a vissem em companhia de outras pessoas.
Diante disso, Eleonora não podia se arriscar.
Handolph, percebendo que poderia perder para sempre a oportunidade de fazer uma grande conquista, fez de tudo para convencê-la a ficar a sós com ele em seu quarto de hotel.
Eleonora porém, sempre se recusava.
Contudo, Handolph estava cada vez mais impaciente com suas desculpas.
Ao relatar os últimos acontecimentos, Eleonora comentou que embora estivesse conseguindo contornar a situação com Herman – em razão deste ser mais discreto –, com Handolph, o mesmo não se podia dizer. Isso por que afoito, o rapaz começou a mostrar um lado que não esperava conhecer.
Ansioso por fazer uma nova conquista, o rapaz fazia de tudo para convencê-la a ficar a sós com ele.
Apreensiva, a moça revelou a um colega, que não conseguiria contornar a situação por muito tempo.
Percebendo a inquietação da moça, o integrante da organização, recomendou-lhe que se mantivesse calma. O homem então, esclarecendo que ficariam a postos, garantiu a ela, que ninguém a obrigaria a fazer nada que não quisesse.
Eleonora então, um pouco mais tranqüila agradeceu o empenho e mais uma vez contou quais eram os novos planos tanto de Herman, quanto de Handolph.
Após, a moça retornou ao hotel.
Handolph, ao se aproximar, percebeu algo estranho. Ao ver um homem de uniforme parado, nas proximidades do hotel, o rapaz notou uma atitude suspeita no mesmo. Contudo, como estava mais interessado em conversar com Eleonora do que falar em pequenos incidentes, acabou se esquecendo do ocorrido.
Convidando a moça para almoçar, para seu desapontamento ouviu como resposta que ela já tinha um compromisso. Curioso, quis logo saber com quem.
Eleonora, sentindo-se pressionada, respondeu que era com alguém que ele não conhecia.
Handolph então, insistiu para que ela desmarcasse o encontro, mas Eleonora, dizendo que não poderia fazê-lo, prometeu se encontrar com ele mais tarde.
Passada uma hora, eis que surge Eleonora, em um magnífico maiô. Estava pronta para ir a praia.
Como o hotel não distava muito da praia, Eleonora aproveitou esta comodidade para sair pronta para o banho de mar.
Herman fez o mesmo.
E assim, os dois se encontraram na praia.
Eleonora, cautelosa, pediu para que ele a encontrasse por lá. Isso por que, ela não podia deixar Handolph desconfiado.
E assim, encontrando-se na praia, Eleonora e Herman aproveitaram para se divertir no banho de mar. Entretidos com a brincadeira, não se preocuparam em nenhum momento disfarçar o quão estavam satisfeitos com a bela manhã de sol que fazia naquele lugar.
Animados, assim que saíram da praia, os dois caminharam juntos pela areia.
Depois, Eleonora, aproveitando para descansar um pouco, se recostou em uma das inúmeras cadeiras de praia alugadas e admirando a beleza do lugar, deixou o corpo ao sol.
Herman, encantado com a beleza da imagem, lamentou que não pudesse eternizar aquela cena. Comentando com Eleonora, que adoraria fotografá-la, pediu para que ela o acompanhasse em um passeio pelo boulevard.
Eleonora, ao se lembrar que havia prometido sair com Handolph se viu inclinada a declinar do convite.
Herman, ao ouvir a recusa, tentou debalde convencê-la a desmarcar o compromisso.
A moça respondendo que adoraria fazê-lo, comentou que não podia. Como já havia empenhado sua palavra, não havia como voltar atrás. Precisava ir.
E assim, Herman, mesmo relutante, acabou deixando-a voltar ao hotel.
Em seguida, ele também foi embora.
Enquanto isso, os membros da organização, utilizando-se das informações fornecidas por Eleonora, passaram a elaborar um plano para desmantelar o grupo organizado por Herman, Handolph e outros empresários que auxiliavam no esforço de guerra.
Dispostos a impedi-los a continuarem com seus planos nefastos, a dita organização, por meio de seus membros, estavam dispostos a acabar com a euforia daqueles homens. Isso por que, se conseguissem destruir seus planos, estariam dando um grande passo. Estariam ajudando a pôr fim naquela guerra.
E assim, imbuídos nesse espírito, os integrantes da organização, assim que elaboraram um plano, passaram a colocá-lo em prática.
Descobrindo a forma como conseguiam adquirir matéria-prima, os espiões trataram logo de criar empecilhos para que estas negociações ocorressem. Alguns homens, fazendo-se passar pelos empresários, passaram informações falsas a respeito do local do encontro.
Assim, quando Herman e Handolph, cada qual em uma oportunidade, foi negociar com os estrangeiros sobre a compra de matérias-primas, enquanto os empresários iam em uma direção, os estrangeiros iam para o local oposto.
Com isso, a negociação não pôde ser realizada.
Os empresários, ao perceberem que os estrangeiros não apareceriam, ficaram bastante irritados.
Os estrangeiros, ao chegarem no local do encontro e não encontrarem ninguém, também ficaram absolutamente surpresos. Aborrecidos com a falta de atenção e cuidado na hora de marcar o local do encontro, nunca mais mantiveram contato com os empresários.
Handolph, ao tentar ligar para o exportador, não conseguiu mais manter contato.
Herman também tentou entrar em contato também e igualmente não obteve êxito.
Os dois ao tomarem conhecimento do que tinha sucedido a ambos, ficaram bastante desconfiados. Estranhando a coincidência, ficaram a pensar.
Porém não o suficiente para começarem a desconfiar de Eleonora.
Muito pelo contrário. Acreditando que a moça era inofensiva, continuaram mantendo encontros com ela.
Mas cautelosos, passaram a evitar falar de trabalho.
Eleonora ficou desapontada. Isso por que seu interesse em ambos se devia unicamente ao fato de que eles eram boas fontes de informação. Tirando esse fato, nada mais interessava a moça. Todavia, não podia deixá-los perceber que ela era uma espiã.
Se por um momento os dois desconfiassem disso, a moça passaria a correr grandes riscos.
Por esta razão, mesmo desapontada com o resultado dos encontros com os dois, a moça continuou demonstrando interesse. Cuidadosa, continuou saindo com Herman e Handolph.
Mais tarde, tornando a comentar sobre o fim das férias, disse que dali a pouco tempo, ela teria que partir.
Handolph, ao saber da intenção da moça partir, resolveu tentar uma última cartada.
Certa vez, depois de convidá-la para um jantar, alegando que estava com muita dor de cabeça e que por isso, não conseguia dirigir pediu a ela para que o levasse até seu hotel. Ao chegar lá, ele pediria para um táxi levá-la de volta ao hotel onde estava hospedada.
Eleonora, bem que tentou não se envolver nessa situação. Gentil, ela se ofereceu para chamar um táxi para ele.
Handolph contudo, insistiu para que ela o levasse em casa. Dizendo que não queria ficar sozinho, pediu reiteradas vezes para que ela o acompanhasse ao menos durante o percurso até o hotel.
Eleonora sem saída, acabou concordando. E assim, mesmo reticente, a moça se encarregou de levá-lo até o hotel.
Ao lá chegar, o rapaz, dizendo que não conseguia ficar em pé sozinho, pediu para um dos funcionários do hotel o levasse até seu quarto.
Eleonora, acreditando que ele realmente estava sentindo uma forte dor de cabeça, esquecendo dos seus temores, ofereceu-se para acompanhá-lo pelo menos até a porta do quarto.
Handolph agradeceu a gentileza.
Eleonora acompanhou-o então.
Ao chegarem em frente ao quarto, Handolph, ainda fingindo estar com muita dor de cabeça, pediu para a moça ir.
Muito embora ele estivesse com muita dor, ela não tinha como fazer nada por ele.
Eleonora ao se dar conta de que realmente não podia fazer nada, concordou com o rapaz.
Handolph, percebendo que seu plano estava indo por água abaixo, dispensou o funcionário. Dizendo que estava bem, pediu para que ele fosse embora. Agradecendo, insistiu em dizer que estava tudo bem.
Contudo, ao tentar entrar no quarto, fingindo ter uma tontura, fez o possível para demonstrar a Eleonora que precisava de ajuda.
A moça percebendo que ele não podia ficar sozinho, resolveu entrar no quarto.
Auxiliando-o a caminhar, levou-o até sua cama. Lá, preocupada em deixá-lo sozinho, tentou telefonar para a portaria do hotel.
Handolph no entanto, não deixou que ela efetuasse a ligação. Dizendo que estava melhor, pediu para que ela ficasse com ele.
Eleonora, percebendo que tudo não passara de uma armação, decidindo sair do quarto foi até a porta.
Handolph, ao perceber que se não fizesse nada ela sairia do quarto, resolveu correr e chegando na porta antes dela, passou a chave e colocando-a dentro da camisa, disse:
-- Se a senhorita deseja sair desse quarto vai ter que pegar a chave comigo.
Eleonora, irritada, respondeu que não estava brincando quando demonstrou que queria sair dali.
Handolph ao ouvir as ameaças da moça, começou a rir.
Eleonora se acalmando, comentou que não podia ficar com ele aquela noite. Dizendo que pessoas a esperavam no hotel, a moça ressaltou que tinha que voltar.
O rapaz não acreditou nem um pouco em sua história. Dizendo que tudo aquilo era muito absurdo para ser verdade, Handolph fez questão de deixar bem claro que não a deixaria sair enquanto ela não fizesse o que ele queria.
Eleonora, sentindo-se acuada, ameaçou fazer um escândalo se ele não a soltasse.
Handolph ao ouvir as palavras da moça, comentou:
-- Ah! É mesmo? Quer dizer então, que a mocinha encantadora, portadora dos mais belos modos da aristocracia, vai fazer um escândalo. Pois bem. Então faça. Só não se esqueça de que se o fizer, não estará apenas arruinando a minha reputação. Não, estará fazendo mais do que isso. Estará também se expondo.
Eleonora, percebendo a delicadeza da situação, tentou mais uma vez se acalmar e dizendo que precisava ir até o toillet, pediu para que o rapaz lhe desse licença.
Handolph consentiu.
Eleonora ao se fechar no banheiro, tentou, mesmo sabendo que estava no décimo andar, fugir dali.
Procurando um local por onde pudesse sair, finalmente a moça encontrou uma saída. Como a janela do banheiro dava acesso a fachada do prédio, Eleonora tentou sair por ela.
Handolph por sua vez, acreditando que a moça não tinha escapatória, comentou que não adiantava ela se trancar no banheiro. Mais cedo ou mais tarde teria que sair dali. E ele estaria pacientemente esperando.
Nisso, enquanto ele discursava para ela, Eleonora saía lentamente do quarto.
Utilizando a janela, a moça passou a caminhar cuidadosamente por fora do prédio. Apoiando-se no frisos e detalhes da fachada, conseguiu encontrar um pequeno espaço para andar. Cautelosa, procurou não olhar para baixo e circulando pelo lado de fora dos quartos, finalmente encontrou uma escada de incêndio. Ao encontrar a saída, mais do que depressa começou a descer seus degraus.
Ansiosa por sair dali, não se preocupou nem um pouco com o fato dele desconfiar do silêncio e partir em seu encalço.
Confiante de que fora do prédio ele não teria coragem de se expôr, quando finalmente conseguiu descer as escadas, mais do que depressa a moça contornou o prédio e entrando pelos fundos, apareceu no saguão e andando depressa, foi até a rua.
Lá, começou novamente a correr.
Quando finalmente encontrou um táxi, entrou nele.
Assustada, pediu para que o motorista a levasse até o hotel onde estava hospedada.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.