Poesias

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

QUANDO O DIA AMANHECER - CAPÍTULO 42

Assustados e desconfiados, Andressa, Clau, Tina e Robson evitavam ficar muito tempo dormindo no mesmo lugar. 
Para evitarem chamar a atenção, dormiam em lugares escondidos, onde os transeuntes não podiam vê-los. 
Pelo menos de longe.
De dia, ou pediam esmolas, ou praticavam pequenos furtos. 
De vez em quando tomavam banho num chafariz. 
A noite procuravam abrigo em lugares discretos.
A certa altura, Andressa – por meio de uma campanha de caridade – ganhou algumas peças de roupas. 
Poucas. 
Todavia, por conta de sua precária situação, tinha que ficar o tempo todo carregando suas coisas. 
Mesmo assim, raramente trocava de roupa. 
Quase sempre suja e mal-cheirosa, era o retrato do desamparo.
Tina, Clau e Robson, também ganharam algumas peças de roupas. 
Mas irônicos, perguntavam:
-- Onde nós vamos nos trocar?
-- De que adiantam roupas limpas se não temos onde guardá-las?
-- Guardá-las é o menor de nossos problemas. A questão é que não temos onde tomar banho. 
Andressa, no entanto, estava satisfeita com o presente ganho. 
Sim, por que desde que estava na rua, já havia se desacostumado com isso. 
Ganhar de algo de alguém. 
Vivendo há quase dois anos nas ruas, Andressa estava acostumada a roubar para conseguir o que
precisava.
A garota, com quase dez anos de idade, começava a perceber que estava crescendo, e que precisava de roupas maiores. 
Por esta razão, chegou até a agradecer o presente ganho.
Tina, Robson e Clau, não entendiam a gratidão da garota. 
Tanto que a criticaram.
Mas Andressa não ligou para a crítica.
Todavia, nem tudo seriam flores. 

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte. 

QUANDO O DIA AMANHECER - CAPÍTULO 41

Nisso, um ano mais tarde, presenciando uma chacina da qual poderia ter sido vítima, vê dois de seus amigos serem mortos.
Andressa só conseguiu escapar por quê demorou para chegar no local onde todos dormiam. 
Estava com Robson que a ensinava algumas estratégias para que pudesse aplicar golpes nas pessoas, com sucesso.
Empolgado em ensinar algo para ela, Robson se empertigava todo para explicar o procedimento.
Mal sabiam eles o que estava acontecendo próximo dali.
Quando chegaram, três homens já estavam atirando nas pessoas que dormiam, entre elas Cleusa e Vanderlei. 
Para Andressa e Robson, ver os amigos morrendo sem que pudessem fazer nada, foi a coisa mais difícil com a qual tiveram que lidar. 
Atordoados, a vida dos dois nunca mais seria a mesma.
Impressionados com a tragédia, só conseguiam se lembrar dos gritos desesperados das vítimas, implorando por socorro.
A chacina foi horrível. 
Isso por que, nem todos morreram com o primeiro tiro. 
Em alguns casos, as vítimas morreram com o corpo crivado de balas. 
Morreram sofrendo e gritando por ajuda.
Ajuda esta que só viria na forma de caixões.
Tina e Clau, por sua vez, em razão de uma pequena discussão com Cleusa e Vanderlei, foram dormir em outro lugar.
Curiosamente, os quatro amigos, brigaram horas antes da chacina, justamente por que não achavam seguro dormir naquele lugar.
Cleusa e Vanderlei, acostumados a dormirem sempre no mesmo lugar, não queriam de forma alguma sair dali.
Já Tina e Clau, temerosos com as ameaças dos comerciantes da região, queriam por que queriam sair dali.
Mas Cleusa e Vanderlei teimaram. 
Chamando Clau e Tina de covardes, dizia que eles estavam medrando.
Irritado, Clau chamou Tina em canto. 
Nervoso, comentou com ela que eles deviam sair dali.
Tina, percebendo o perigo, concordou.
Assim, os dois foram dormir em outro lugar.
Mais tarde, ficaram sabendo da tragédia. 
Horrorizados, choraram quando souberam do óbito de Cleusa e Vanderlei.
Com tempo, voltaram a encontrar Andressa e Robson.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.  

QUANDO O DIA AMANHECER - CAPÍTULO 40

Com o tempo, Andressa conheceu outros menores. 
Muito embora já tivesse Clau e Tina como amigos, nunca seria demais, encontrar outros companheiros. 
Vivendo na rua, quanto mais amigos tivesse, melhor seria para ela.
E assim, muito embora tenha sido discriminada no início, após um certo tempo, passa a pertencer a um grupo. 
Ao lado de Clau e Tina, conhece Vanderlei, Robson e Cleusa, os quais também se tornam seus grandes amigos nessa época de muitas dificuldades.
Já há quase um ano vivendo nas ruas, Andressa está bem escolada. 
Acostumada com os imprevistos que viver ao ar livre trás, a garota raramente se surpreende com alguma coisa.
Nesse momento, já bastante acostumada a lidar com dificuldades, o que a garota menos espera é que alguém lhe estenda a mão. 
Por isso, quando uma vez ou outra, aparece alguém querendo lhe dizer uma palavra de conforto, sob a suposta fachada de oferecer uma ajuda, a garota logo desconfia. 
Sim, por que, acostumada a sofrer desde cedo, Andressa não tem mais razões para acreditar nas pessoas. 
Por esta razão, e temendo que sejam pessoas dispostas a levá-la de volta, evita qualquer aproximação.
Tina e Claus também não gostam desse suposto interesse dos supostos assistentes sociais.
Vanderlei, Robson e Cleusa, igualmente não se agradam com essa estranha aproximação.
Revoltado, Robson comenta que uma vez, sugeriram a ele que fosse para um abrigo.
Tina ao ouvir isso, comenta:
-- Ah, sim! Claro! Ir para um abrigo à noite, comer uma comida rala, dormir até uma seis ou sete da manhã e depois ser expulso de lá, por que não podemos ficar o dia inteiro. Ótima alternativa.
Surpresa, Andressa pergunta por que não podem ficar no lugar até um pouco mais tarde.
-- Deve por causa dessa tal política pública. – respondeu Vanderlei pomposamente.
-- Pra mim é palhaçada mesmo! – respondeu Robson.
-- Ou seja! Eles trocam seis, por meia dúzia. – retrucou Cleusa.
-- Mas isso não resolve nada! As pessoas continuam na rua. – emendou Andressa.
Com relação este ponto, todos concordaram.
Por esta razão, nenhum deles aceitava sair da rua. 
Até por que, andando em grupo, dificilmente alguém se atreveria a enfrentá-los.
Contudo, muito embora, Andressa tenha a companhia dos amigos, ao presenciar inúmeras cenas de violência, percebe que a vida nas ruas é dura demais.
Isso por que, diversas vezes viu mendigos serem agredidos por policiais, menores perseguidos, pessoas se drogando, etc. 
Sem contar as inúmeras vezes em que se deparou com pessoas mortas, abandonadas em lugares públicos.
Na primeira vez em que presenciou a cena tétrica, Andressa entrou em choque.
Impressionada com a imagem da pessoa morta, jogada no chão, a garota ficou dias sem dormir. 
Isso por que, toda vez que fechava os olhos, vinha-lhe a lembrança do corpo estendido no chão.
Porém, como a violência é uma companheira constante de quem vive a dura vida das ruas, Andressa acabou se acostumando.
Esse é o problema. 
As pessoas se acostumarem com a violência.
Mas infelizmente é isso que acontece. 
As pessoas ficam tão habituadas à violência, que ver, ou saber, que mais uma pessoa foi morta, não faz a menor diferença.
Foi que aconteceu com Andressa. 
Acostumada com a violência a certa altura, não estranhou mais os corpos encontrados vez por outra pelas ruas onde vivia. 
O que ela estranhava, é quando nenhum corpo aparecia, para deleite dos curiosos, que sempre paravam para olhar.
Enfim, quando não havia nenhum corpo para ver visto, parece que parte do espetáculo diário se perdia.
Mesmo assim, a aparente indiferença de Andressa, Clau, Tina, Vanderlei, Robson e Cleusa, era apenas aparência. 
Muito embora parecesse não se importarem com tanta violência, precisavam, ao menos de vez em quando, fugirem da realidade. 
Isso por que, a vida real se mostrava pesada demais para eles, tão jovens.
Assim, mesmo sem se darem conta, procuravam desesperadamente, meios de fuga. 
Exatamente por conta dessa triste realidade, todos se tornam usuários e viciados em drogas.
Nem mesmo Andressa, apegada com seus princípios, conseguiu resistir por muito tempo a idéia. 
Com isso, diante das dificuldades da vida, acabou capitulando. 
Enfraquecida com a dureza da realidade, cedeu. 
Primeiro, começou cheirando cola de sapateiro. 
Depois, como a droga não fazia mais efeito, a garota, bem como seus amigos, passaram a usar drogas mais pesadas.
Vanderlei, Robson e Cleusa, que já viviam há muitos anos na rua, viviam dizendo que a única forma de agüentar aquela vida, era experimentando outras realidades. 
Sem a fiel companheira das horas difíceis – conforme diziam – não seria possível, continuar vivendo aquela vidinha miserável.
Vanderlei então, mencionando que muitas vezes precisou roubar para comer, comentou que inúmeras vezes precisou se drogar para ter coragem para fazer isso. 
Mesmo assim, ele não sentia culpado por isso. 
Afinal de contas, era a única coisa que podia ter feita.
Isso por que, quando a barriga roncava, era a natureza chamando.
Andressa, por sua vez, comentou que também se viu compelida a roubar.
Robson emendou:
-- Na rua, não tem santos. Não dá pra ser santinho. Quem vive na rua pensando que dá pra ser honesto, se dá mal.
Ao ouvirem isso, todos os demais concordaram.
E Andressa, começava a entender esta lógica. 
A vida na rua não é possível com princípios, ou você os abandona, ou eles acabam com você. 
Era o que pensava.
Sua vida era assim.
De dia, ela e todos os seus amigos, praticavam pequenos furtos. 
Mais tarde, usavam o dinheiro para comer alguma coisa. 
Ou que era pior, para usar drogas. 
Ultimamente, era o que mais vinham fazendo, infelizmente. 
O vício era tanto, que perdiam o bom senso. 
Muitas vezes os seis davam tudo o que tinham para comprar drogas.
Uma vez, passaram a tarde inteira consumindo maconha.
Essa era a vida deles. 
Sem estudo, sem família, sem futuro, sem perspectiva, sem esperança.
Viviam da forma como podiam e como julgavam melhor.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.  

QUANDO O DIA AMANHECER - CAPÍTULO 39

Durante algum tempo a moça conseguiu ganhar dinheiro pedindo esmolas.
Contudo, acostumando-se a ouvir comentários de seus dois novos amigos, de que conseguiria ganhar mais dinheiro se roubasse os passantes, ao se ver em dificuldades, começou a cogitar a idéia.
Sim, por que depois de um certo tempo, o dinheiro começou a rarear. 
Muito embora tenha percebido que a quantia que conseguia angariar variava de dia para dia, em dado momento, se tornou insuficiente para comprar pelo menos um lanche.
Aflita, precisou contar com a ajuda dos dois amigos, que começaram a dividir com ela os seus lanches.
Isso no entanto, não estava certo. 
Sim, por que eles também eram pobres igual a ela.
E se eles ficassem o tempo todo dividindo o que ganhavam com ela, a certa altura também ficariam com fome. 
Ademais, quando percebia a generosidade dos amigos, Andressa ficava envergonhada. 
Afinal de contas, o que ela havia feito para merecer a companhia de pessoas tão boas?
Sentindo-se uma exploradora, finalmente se decidiu a roubar.
Mesmo assim, as coisas não foram fáceis.
Ao praticar seu primeiro furto, Andressa se atrapalhou toda. 
Não fosse a ajuda de seus amigos, e ela teria sido pega em sua primeira tentativa. 
Sim por que ao tentar afanar a carteira de um transeunte, o homem percebeu que alguém mexia em seu bolso. 
Furioso, ao perceber quem era a dona da mão leve, quase conseguiu agarrá-la. 
Isso por que, nervosa, Andressa ficou paralizada. 
Não fosse a intervenção de Clau e Tina, que a puxaram pelo braço e a mandaram correr, e ela teria sido pega.
Resultado, a primeira tentativa foi frustrada.
Decepcionada, Andressa pediu desculpas aos amigos, por ser uma péssima ladra. 
Tina respondeu:
-- Não esquenta! Ninguém acerta na primeira. Ser ladrona não é fácil não. Tem que ser esperta.
Clau, emendou:
-- Com o tempo você aprende.
Desta forma, novamente os amigos dividiram a comida.
Com isso, um pouco mais escolada com o fracasso da primeira tentativa, Andressa estava preparada para tentar novamente.
Orientada por seus dedicados amigos, a garota se preparou melhor para o desafio.
Conhecendo algumas técnicas, mesmo nervosa, Andressa se sentia mais confiante.
Assim, lá se foi ela.
Tendo agora como alvo uma mulher idosa, a garota consegui arrancar facilmente, a bolsa de suas mãos.
Tina e Claus que viam tudo de longe, comemoraram.
Nisso, a garota deu no pé.
E eles, que não eram bobos nem nada, fizeram o mesmo.
Orgulhosos do ato de Andressa, disseram-lhe que estava no caminho certo.
Em seguida, abriram a bolsa e contaram o dinheiro.
Andressa, percebendo que havia uma boa quantia, ficou muito feliz. 
Satisfeita, convidou os dois amigos para almoçar. 
Pelo muito que ambos fizeram por ela, desta vez seria ela quem providenciaria o almoço.
Animados, Clau e Tina aceitaram prontamente o convite.
Juntos lá se foram eles em direção ao carrinho de hambúrger.
Com o lanche nas mãos, os três comeram com gosto.
Clau e Tina não se cansavam de elogiar a rapidez com que Andressa tomara a bolsa da mulher.
Tais palavras fortaleceram a confiança da garota, que em sua terceira tentativa, também saiu-se bem.
Atenta, observou sua vida durante algum tempo. 
Estudou seu comportamento.
Quando percebeu que poderia agir, aproximou-se lentamente, e rapidamente levou a bolsa da senhora.
Revoltada, a mulher começou a gritar que fora assaltada.
Todavia, para sua decepção, ninguém fez nada.
E Andressa correu para longe dali, com o produto do roubo.
A uma grande distância da praça, os três amigos começaram a contar o dinheiro.
Decepcionados, perceberam que não era um grande valor. 
Revoltados, falaram:
-- Mas que mulher pão dura. Nem dinheiro tem!
-- É, não se fazem mais vítima como antigamente.
Desapontados, perceberam que a cada dia ficava mais difícil conseguir arranjar um bom dinheiro.
Mesmo assim, não tinham outra saída. Por isso, continuaram roubando.
Pouco a pouco, Andressa foi se tornando ágil e esperta.
Tina, que no começo precisava cheirar cola para ter coragem de abordar alguém, comentou que Andressa era corajosa. 
Para ela, praticar um roubo de cara limpa, era algo extraordinário.
Clau concordou.
Andressa então, comentando que não tinha coragem de se drogar, alegou que preferia fazer tudo de cara limpa. 
Assim, teria como saber o que estava fazendo e seria mais difícil de ser pega. 
Se fosse fazer isso cheirada, acabaria se atrapalhando.
Tina, ao ouvir estas palavras, retrucou. 
Dizendo que era justamente o contrário, começou a incentiva a amiga a cheirar cola. 
Para ela, era divertido, ficava rindo e dormia mais feliz.
Andressa porém, relutava. 
Ao ver o estado que os amigos ficavam no dia seguinte, achava por bem não usar. 
Avessa a esse tipo de coisa, procurava se afastar quando Clau e Tina se dispunham a usar.
No entanto, certa vez, ao tentar roubar uma jovem, Andressa quase foi pega.
Desapontada, a garota não conseguiu ganhar nada. 
Não fosse uma reserva que tinha, e teria ficado sem comer.
Clau e Tina por sua vez, haviam auferido muito pouco com seus furtos. 
E assim, não tiveram como ajudar Andressa.
Em outra tentativa, ao roubar a bolsa de uma mulher, Andressa descobriu que não havia um centavo lá dentro. 
Ao se dar conta disso, ficou desesperada. 
Afinal de contas, sem dinheiro, como faria para comer?
Clau e Tina, que continuavam em uma maré de azar, não conseguiram quase nada em seus furtos. 
Desta forma, não tinham como ajudar Andressa.
Com fome, Andressa sofreu a tarde toda.
Até que a certa altura, Clau e Tina, ofereceram cola a ela. 
Dizendo que era bom para espantar a fome, acabaram por convencer a garota, a cheirar.
Famintos, Clau, Tina e Andressa, cheiraram a cola de sapateiro. 
Com isso, conseguiram enganar o estômago. 
Horas depois, dormiram. 
Dormiram e sonharam.
Foi assim que Andressa começou a se encaminhar cada vez mais para o fundo do poço.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte. 

QUANDO O DIA AMANHECER - CAPÍTULO 38

Nisso o tempo foi passando, e Andressa voltou a viver sua vida de garota de rua.
Esperta, tomava banho quando dava, e só possuía a roupa do corpo. 
A roupa que a dona da pensão lhe dera, pois, depois da briga com o vendedor, Andressa não se atrevera a voltar a pensão para buscar sua roupa.
Com isso, voltou a pedir esmolas. 
Durante um longo período viveu sozinha.
Até finalmente conseguiu encontrar gente que a ajudasse.
Certa vez, um pequeno grupo de garotos de rua, percebendo que ela sempre caminhava sozinha pelas ruas, resolveu abordá-la.
Claudenir e Leontina, logo perceberam o quão Andressa era só. 
Vagando de um lado para o outro, sem ter lugar certo para dormir, pedindo esmolas nos cruzamentos da cidade, a garota era o retrato da mais completa desolação. 
Por esta razão, percebendo que mesmo na rua, as pessoas precisavam umas das outras, resolveram se aproximar e oferecer um pouco de solidariedade (muito embora) não soubessem o que era isso.
Desconfiada com a aproximação, Andressa tencionou sair dali.
Foi quando Claudenir disse:
-- Não precisa fugir não. Não viemos roubar. Só queremos saber se você está precisando de alguma coisa.
Leontina emenda:
-- É. Você está sempre sozinha. Precisa de ajuda?
Andressa, surpresa com a abordagem, nada responde.
Claudenir e Leontina então se apresentam:
-- Prazer. Me chamo Claudenir. Mas todo mundo me chama de Clau.
-- E eu sou Leontina. Mas pode me chamar de Tina. É como todos me conhecem.
Andressa então, percebendo que seria indelicado de sua parte não se apresentar, disse:
-- E eu me chamo Andressa. Só Andressa. Não tenho nenhum apelido.
Curioso, Clau perguntou:
-- Por que não? Você não é da área não, né?
-- Não. Eu vim parar aqui por acaso.
Curioso, Clau e Tina perguntam de onde ela veio.
Andressa então, passa a contar sua história.
É quando diz que já tivera uma família normal, com pai e mãe.
Clau e Tina ficam surpresos com isso.
Andressa prossegue. 
Muito embora, vivesse uma vida feliz, em dado momento, tudo muda de figura. 
Seu pai morre e sua mãe, sem um pingo de pena, a coloca em um orfanato.
Tina então comenta:
-- Que megera!
Andressa continua sua história.
Conta o quanto penou no orfanato por conta de intrigas, até o dia em que resolveu fugir e abandonar aquela vida. 
Por conta disso, agora estava na rua. 
Por algum momento chegou a viver numa pensão, mas em razão de um engano, voltou a viver nas ruas.
Clau e Tina então, ao perceberem que a vida de Andressa não fora nada fácil, resolvem contar sua história.
Tina é a primeira a contar sua história. 
Dizendo que desde sempre viveu na rua, afirmou que nem ao menos, sabe o nome de sua mãe. 
Conhecê-la nunca conheceu. 
Por conta disso, não faz idéia de quantos anos tenha. 
Segundo ela, pelo que as pessoas dizem, aparenta ter uns nove anos, e assim, é esta a idade que diz ter.
Andressa ao ouvir esta parte da história, pergunta:
-- E o seu nome? Se você não sabe quem é sua mãe, como pode saber seu nome?
É quando a garota responde.
-- E quem disse que eu sei?
-- Não? – perguntou Andressa espantada.
-- Não. Eu acho que me chamo assim, por que, um dia me chamaram por esse nome.
-- Quando? – perguntou novamente Andressa.
-- Quando eu vivi num orfanato. – respondeu a garota.
Andressa não podia acreditar.
-- Então você também viveu num orfanato?
-- Sim. Vivi, acho que os cinco primeiros anos de minha vida lá. Depois fugi. Não sei como.
Andressa percebeu então, que as duas tinham histórias parecidas. 
Pelo menos até certo ponto.
Tina, percebendo o interesse de Andressa, continuou seu relato:
-- Pois bem. Fugi do orfanato, não me lembro direito como, e sem ter para onde ir, acabei morando na rua. É essa minha história. E venho me virando desde então. Às vezes,
peço esmolas, de vez em quando pego alguma coisa de alguém que está distraído...
-- Você rouba? – perguntou Andressa, um pouco espantada.
-- Eu róbo sim. Mas só quando não tem outro jeito. – respondeu Tina, sem nenhum constrangimento.
Clau, que estava calado, resolveu interferir na conversa:
-- Róba e cheira também. Por que pra viver na rua, não dá pra ser de outra forma.
Andressa, que estava há algum tempo dormindo na rua, ainda assim, não tinha a dimensão absoluta do que era aquela realidade.
Clau nesse momento, começou então, a contar sua história.
Dizendo que viveu até, mais ou menos, os sete anos com um parente seu, o garoto comentou que apanhava quase todos os dias. 
Segundo ele, seu tio não suportava. 
Só o criava, em razão de um pedido feito por sua avó, que não tinha condições de cuidar dele. 
Sua mãe, morreu segundo disseram, quando ele era ainda um bebê. 
Depois disso, sua avó é quem cuidou dele durante algum tempo. 
Contudo, devido problemas de saúde, foi obrigada a deixá-lo com seu filho. 
Precisava se tratar. 
Depois de um tempo, morreu.
Ao ouvir isso, Andressa comentou:
-- Que chato! Sinto muito.
-- Não tem problema. Eu não tenho lembrança dela mesmo. Só sei dessa história, por que me contaram. Senão, nem saberia... Mas então, fui morar na casa desse tio – irmão de
minha mãe. Lá sofri muito. Além de apanhar, era maltratado. Até a comida aquele filho da puta regulava. Era um cretino! Por conta disso, cansado de apanhar e de ser humilhado,
resolvi fugir de casa.
-- E o que aconteceu depois? – perguntou Andressa curiosa.
-- Depois, eu vim pará na rua. Mesmo assim, o infeliz ficou me procurando por algum tempo. Queria que eu pedisse esmolas para ele. Mas eu me escondi. E assim, sempre que ele
me procurava, eu fugia. Como sou esperto, ele nunca conseguiu me encontrar.
-- Que esperto! – comentou Andressa, elogiosamente.
-- Sim! Quando eu o via se aproximando, eu caminhava disfarçadamente e seguia na direção oposta. Sem chamar a atenção.
-- Engenhoso. – comentou Tina – Outra pessoa certamente teria saído correndo e o filho da puta teria percebido.
-- Mas eu não. Eu sou esperto. – gabou-se Clau.
Foi assim que começou uma grande amizade.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.  

QUANDO O DIA AMANHECER - CAPÍTULO 37

No dia seguinte, ao acordar e se deparar com todo esse confortou, estranhou.
Acreditando tratar-se de um sonho, demorou para se dar conta de que estava novamente dormindo em uma casa. 
Assustada, pensou que havia sido encontrada e estava novamente no orfanato, a mercê de Francisca e de Talita. 
Porém, qual não fui sua surpresa ao ver Rafaela entrando em seu quarto.
A mulher, trazendo um singelo café da manhã, comentou que já estava quase na hora de Eleutério vir buscá-la para o trabalho.
Andressa mal podia acreditar. 
Atônita com tantas novidades, a menina começou a fazer pergunta atrás de pergunta.
Até que num dado momento, percebeu que não estava usando as roupas com que fora levada até aquela casa.
Rafaela então explicou-lhe:
-- Não. Não está. Aquela roupa estava imunda. Eu precisei por pra lavar. Por enquanto, você usa a roupa que eu vou trazer para você. Com licença.
Ainda que espantada, ao ver a bandeja com comida em cima da cama, começou a comer.
Enquanto isso, Rafaela tratava de providenciar uma nova roupa para a garota.
Quando entrou no quarto, a menina ainda estava comendo. 
Foi então que disse:
-- Apresse-se. Seu Eleutério é um homem muito pontual.
Andressa então, percebendo que estava satisfeita, deu por encerrada sua refeição.
Apressada, tratou logo de se trocar.
Quando Eleutério chegou, Andressa já estava pronta.
Quando o homem viu a menina com roupas limpas e de banho tomado, mal pôde acreditar.
-- O que fizeram com você menina? Trocaram? Nem parece a mesma.
Andressa ao ouvir os comentário, caiu na risada.
Eleutério, despediu-se de Rafaela. 
Dizendo que a menina voltaria mais tarde, pediu para que Andressa entrasse em seu carro.
E lá foram os dois para mais um dia de trabalho.
Todavia, nem tudo seriam flores na vida da pobre menina. 
Um certo dia, percebendo um erro no valor que estava guardado no caixa, Eleutério ficou ligeiramente desconfiado.
Porém, por se tratar de um homem justo, preferiu não acusar a menina logo de cara. 
Esperava que a própria menina admitisse o erro e pedisse desculpas.
Contudo, a menina não fora a responsável pelo sumiço do dinheiro. 
Aproveitando-se de um momento de distração de ambos, um outro garoto de rua afanou alguns trocados.
E assim, não tinha como Andressa assumir a culpa por algo que não havia feito.
Eleutério porém, não conseguia atinar para outra explicação para o sumiço do dinheiro. 
Insatisfeito, a certa altura, comentou com a garota sobre o sumiço do dinheiro.
Andressa ao ouvir isso ficou surpresa. 
Tanto que perguntou:
-- O senhor tem certeza que o dinheiro sumiu? Não deixou cair em algum lugar não? Como pode? A gente conferiu?
O homem porém, não ficou convencido da honestidade da garota.
Andressa, percebendo isso, respondeu:
-- Não fui eu. Lembra? A gente conferiu o dinheiro. Estava tudo certo? Como pôde sumir dessa maneira?
-- Pois é menina. Como pôde. Eu não consigo entender. Eu já revirei todos os lugares.
Olhe, eu sempre fui cuidadoso com dinheiro, jamais deixaria uma quantia dessas, jogada por aí. 
Mesmo assim, talvez eu tenha me distraído e perdido o dinheiro. 
Essas coisas acontecem.
Revoltada, Andressa disse:
-- Acontecem nada. O senhor acha que foi roubado. Por mim. Mas não fui eu!
Nervosa a menina saiu correndo.
Depois desse incidente, nunca mais viu o comerciante.
Pesaroso, Eleutério, ficou a procurá-la por dias a fio. 
Como não a encontrou, após algum tempo, desistiu de sua empreitada. 

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.  

QUANDO O DIA AMANHECER - CAPÍTULO 36

No dia seguinte, logo cedo, foi pedir dinheiro no farol. 
Muito embora fosse ainda muito cedo, já havia um grande movimento de carros, nos principais pontos da cidade. 
Isso por que a cidade não parava de todo.
E assim, a garota conseguiu ganhar mais uns trocados. 
Não muito, diga-se de passagem, mas ao menos conseguiu algum dinheiro.
A seguir rapidamente, banhou-se no chafariz, e foi ao encontro de Eleutério.
O homem, percebendo que a garota correra para chegar até ali, perguntou-lhe:
-- Onde estava?
Quase sem fôlego, Andressa respondeu que estava tomando banho.
Curioso Eleutério perguntou onde ela tomava banho.
Andressa respondeu:
-- Lá no chafariz. 
Eleutério ficou chocado. 
Indignado, discursou:
-- Como pode um país abandonar suas crianças? Quando é que as coisas irão mudar?
Andressa não compreendia aquelas palavras.
Foi quando Eleutério lhe explicou que lugar de criança era na escola brincando, se divertindo, não morando nas ruas. 
Envergonhado por saber da triste condição de Andressa, o homem prometeu que assim que terminasse o expediente a lavaria num lugar.
Curiosa, perguntou:
-- Que lugar?
-- Um lugar onde você possa tomar um banho decente e dormir numa cama de verdade. – respondeu o homem.
Andressa não compreendia o porquê de tanta consideração.
Eleutério, percebendo a quietude da menina, pediu-lhe logo que o ajudasse a montar seu comércio.
Prestativa, a menina começou a auxiliá-lo.
Depois de auxiliar na montagem da barraquinha, Eleutério pediu-a ela que lavasse bem as mãos, para que pudesse ficar cuidando do dinheiro que os clientes lhe dariam.
Andressa ao perceber que este seria seu trabalho, ficou um tanto desconfiada.
Eleutério, notando o ar assustado da menina, explicou:
-- Não, você não vai cuidar do caixa. Apenas vai pegar o dinheiro e contar. Se estiver tudo certo, você vai colocar o dinheiro naquela caixinha. Se tiver troco, você troca o dinheiro.
Qualquer dúvida você me pergunta e eu, de hora em hora, vou conferir se está tudo certo. Está bem?
Quando a menina ouviu a explicação, concordou.
Nisso, os dois trabalharam juntos durante todo o dia.
No final do dia, contabilizando o dinheiro ganho, Eleutério, destinou uma parte de seus ganhos com a menina.
Andressa, ao receber seu primeiro salário, ficou muito contente. 
Imaginando-se rica, comentou que havia ganho muito dinheiro.
Eleutério, achando graça, comentou que não era nenhuma grande fortuna, mas que ao menos, era um dinheirinho que ela poderia pensar em guardar.
Em seguida, os dois desmontaram a barraca.
E mais, levando a menina em seu carro, Eleutério a conduziu até uma pensão. 
Como era muito amigo da dona, não encontrou problemas em deixar a menina.
Lá, pelas mãos de Rafaela, Andressa tomou um banho. 
Um banho que a menina não tomava há dias.
Em seguida jantou. 
Como há dias não sabia o que era um prato cheio de comida, a menina repetiu três vezes a refeição.
Rafaela ficou espantada.
Com isso, depois de algumas horas, dormiu. 
Dormiu numa cama quentinha e macia.
Desacostumada que estava com esses luxos, chegou até a estranhar. 
Mas se acostumar com coisa boa é fácil. 
E assim, não demorou muito para que Andressa caísse no sono e passasse a dormir profundamente. 

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.