CAPÍTULO 40
Com isso, Felipe descobriu a Lenda do Quilombo dos Palmares.
Quanto a essa lenda, conta-se que a partir do início do século XVII, os escravos que
conseguiam fugir das fazendas e dos engenhos, começaram a reunir-se em lugares seguros, e ali
ficavam vivendo em liberdade, longe de seus senhores.
Estes lugares ficaram conhecidos por “quilombos” e seus habitantes, “quilombolas”.
Houve muitos quilombos no Brasil.
O mais importante foi o “Quilombo de Palmares”,
instalado na Serra da Barriga, onde hoje é o estado de Alagoas.
Durou mais de sessenta anos e
chegou a contar com uma população de vinte mil habitantes, o que era bastante para a época.
Na verdade, era um quilombo formado de vários outros, organizados sob a forma de reino.
Quando houve a Invasão da Holanda, os diversos quilombos que o compunham foram
reforçados, pois inúmeros escravos deixavam os lugares onde viviam e iam refugiar-se nos
quilombos, aproveitando a ausência dos seus senhores, que também fugiam dos invasores.
Enquanto os brasileiros e portugueses lutavam contra os holandeses, os fugitivos trataram
de fortalecer os seus quilombos.
No princípio, para poder viver, os quilombolas praticavam assaltos às fazendas e povoados
mais próximos.
Pouco a pouco, foram-se organizando, cultivando a terra, e trocando parte das colheitas por
outras coisas de que precisavam.
Durante o tempo em que brasileiros e portugueses estavam ocupados, combatendo os
invasores, os negros viveram sossegados.
Logo, porém, que os holandeses deixaram de ser
preocupação, os brancos começaram a combater os quilombolas.
Apesar dos inúmeros ataques que realizaram, os brancos porém, não conseguiram arrasar os
quilombos, como era sua intenção.
Os quilombos estavam bem reforçados, os negros eram corajosos e, ainda por cima,
lutavam pela liberdade!
Por fim, o governo de Pernambuco solicitou a ajuda do bandeirante paulista Domingos
Jorge Velho, que preparou uma expedição para derrotar os fugitivos.
Também ele falhou nas primeiras tentativas, mas não desistiu.
Organizou um exército
realmente poderoso e voltou ao ataque.
Mesmo assim, a resistência dos quilombolas foi tão grande, tão valente, que a luta durou
perto de três anos.
Mas os negros tinham uma desvantagem: estavam cercados.
Enquanto os atacantes podiam conseguir reforços e munições de fora, principalmente
contando com o interesse do governo, os quilombolas encontravam-se sozinhos e apenas podiam
contar com o que possuíam.
É claro que, um dia, a munição dos sitiados tinha de se esgotar.
Quando isto se deu, muitos negros fugiram para o sertão.
Outros se suicidaram, ou
renderam-se aos atacantes.
Nisso, segundo nos conta a tradição, logo no início da formação do quilombo, foi escolhido
um rei: chamava-se Gangazuma.
Habitava um palácio denominado Musumba, juntamente com
seus parentes, ministros e auxiliares mais próximos.
Organizara e mantinha sob seu comando um
verdadeiro exército.
Um dia, morreu Gangazuma.
Os quilombolas ficaram tristes, mas a vida continuava e eles
precisavam de um novo rei.
Assim, elegiam vitaliciamente, um Zumbi, o senhor da força militar e da lei tradicional.
Não havia ricos, nem pobres, nem furtos nem injustiças.
Três cercas de madeira rodeavam, numa tríplice paliçada, o casario de milhares e milhares
de homens.
A princípio, para viver, desciam os negros armados, assaltando, depredando, carregando o
butim para as atalaias de sua fortaleza de pedra inacessível.
Depois o governo nasceu e com ele a ordem; a produção regular, simplificou comunicações
pacíficas, em vendas e compras nos lugarejos vizinhos, constituiu-se a família e nasceram os
cidadãos palmarinos.
As plantações ficavam nos intervalos das cercas, vigiadas pelas guardas de duzentos
homens, de lanças reluzentes, longas espadas e algumas armas de fogo.
No pátio central, como numa aringa africana, o primeiro governo livre em todas as terras
americanas.
Ali o Zumbi distribuía justiça, exercitava as tropas, recebia festas e acompanhava o culto,
religião espontânea, aculturação de catolicismo com os rituais do continente negro.
Vinte vezes, durante a existência, foram atacados, com sorte diversa, mas os Palmares
resistiam, espalhando-se, divulgando-se, atraindo a esperança de todos os escravos chibateados
nos eitos de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia.
A república palmarina desorganizava o ritmo do trabalho escravo em toda a região.
Dia a dia fugiam novos cativos, futuros soldados do Zumbi, com seu manto, sua espada e
sua lança real.
Debalde o Zumbi levou suas forças ao combate, repelindo e vencendo.
O inimigo
recompunha-se, recebendo víveres e munições, quando os negros, sitiados, se alimentavam de
furor e de vingança.
Numa manhã, todo exército atacou ao mesmo tempo, por todas as faces.
As paliçadas foram cedendo, abatidas a machado, molhando-se o chão com o sangue
desesperado dos negros guerreiros.
Os paulistas de Domingos Jorge Velho, Bernardo Vieira de Melo com as tropas de Olinda
e Sebastião Dias, com os homens de reforço – foram avançando e pagando caro cada polegada que
a espada conquistava.
Gritando e morrendo, os vencedores subiam sempre, despedaçando as resistências,
derramando-se como rios impetuosos, entre as casinhas de palha, incendiando, prendendo,
trucidando.
Quando a derradeira cerca se espatifou, o Zumbi correu até o ponto mais alto da serra, de
onde o panorama do reino saqueado era completo e vivo.
Daí, com seus companheiros, olhou o
final da batalha.
Paulistas e olindenses iniciavam a caçada humana, revirando as palhoças, vencendo os
últimos obstinados.
A Morte de Zumbi.
Do cimo da serra, o Zumbi brandiu a lança espelhante, e saltou para o
abismo.
Seus generais o acompanharam, numa fidelidade ao Rei e ao Reino vencidos.
Em certos pontos da serra, ainda estão visíveis as pedras negras das fortificações.
E vive ainda a lembrança ao último Zumbi, o Rei de Palmares, o guerreiro que viveu na morte, seu
direito de liberdade e de heroísmo...
Felipe, ao conhecer a história de Zumbi, ficou deveras encantado com o espírito de luta, do
povo negro.
Realmente, a história do Quilombo de Palmares era magnífica.
42 Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). São Paulo: APEL Editora
sem/data. Lendas Brasileiras/ Câmara Cascudo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000.
DICIONÁRIO:
butim 1. conjunto de bens materiais e de escravos, ou prisioneiros, que se toma ao inimigo no curso de um ataque, de uma batalha, de uma guerra. 2. produto de roubo ou de pilhagem.
atalaia 1. aquele que vigia, que observa; sentinela. 2. lugar elevado de onde se observa ou se vigia.
Texto retirado de artigos da internet sobre o folclore brasileiro, e de guias de viagens sobre o Brasil.
Luciana Celestino dos Santos
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